JE590DEZ09 - Exército
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Curiosidades<br />
Curiosamente, a batalha de Toro, segundo as<br />
crónicas da época, teve dois vencedores.<br />
Efectivamente, o cronista castelhano Hernando del<br />
Pulgar, e o português Rui de Pina, enfatizam a vitória<br />
memorável da sua bandeira. O mesmo acontece<br />
quando Fernando de Aragão a relata por carta aos<br />
dignitários do reino, a partir de Zamora (logo a 2 de<br />
Março de 1476) e D. João II, como rei, o faz à Câmara<br />
do Porto (11 de Março de 1482). Estrondosa vitória,<br />
que justifica, em ambos os reinos, efusivas e<br />
solenes festas religiosas em acção de graças, que se<br />
arrastam por anos, e mercês aos valorosos<br />
combatentes que dignificaram as armas reais.<br />
Curioso paradoxo.<br />
Contudo, a batalha de Toro releva, sobretudo, de<br />
actos de heroísmo individuais, que merecem<br />
perdurar na memória colectiva. D. Duarte de<br />
Almeida, o Decepado, é, sem dúvida, um desses<br />
heróis que timbraram com honra o sangue vertido<br />
no campo de batalha.<br />
No final da tarde de 1 de Março de 1476, em Castro<br />
Queimado, na fase mais dura da peleja, D. Duarte de<br />
Almeida, alferes-mor do reino e a quem estava<br />
confiado o pendão real, viu-se cercado de inimigos<br />
que procuravam capturar a balsa portuguesa. Nesse<br />
sentido, uma lâmina castelhana desfere um golpe,<br />
amputando a mão direita do valoroso alferes. D.<br />
Duarte passou o pendão real para a mão esquerda<br />
que, resultante da acção de outra lâmina castelhana,<br />
não tardou a ser cortada. No entanto, perante a dor,<br />
a resistência daquele cavaleiro não fraquejou e,<br />
conforme relata Sousa Viterbo, “com os côtos e com<br />
os dentes, no phrenesi da honra e do patriotismo,<br />
oppunha ainda a mais tenaz resistência”. Incapaz de<br />
resistir, o pendão real foi, então, arrebatado ao<br />
decepado, depois de este ser derrubado da sua<br />
montada. O alferes-mor terá sido levado como<br />
prisioneiro para Zamora e as suas armas e arnês<br />
para a Igreja de Santa Maria de Toledo. Mas o<br />
pendão real português, arrancado «a ferros» do<br />
http://nelsonas.do.sapo.pt<br />
Episódio de “O Decepado”.<br />
alferes-mor, não se manteve em posse castelhana o<br />
tempo suficiente para que o inimigo pudesse tirar<br />
partido da glória alcançada. Efectivamente, Gonçalo<br />
Peres, posteriormente apelidado de Bandeira, um<br />
simples soldado sem o nome inscrito no rol da<br />
nobreza, é outro dos nomes associados a Toro. O<br />
assédio dos cavaleiros castelhanos a D. Duarte de<br />
Almeida foi, provavelmente, presenciado pelo<br />
escudeiro Gonçalo Peres, que se colocou no<br />
caminho daquele que transportava a balsa régia<br />
portuguesa (um fidalgo castelhano de sobrenome<br />
Sottomayor) e “tão rijo golpe lhe deu, que o<br />
derrubou e aprisionou, tomando-lhe o precioso<br />
trophéo, que foi logo apresentar ao principe, cujo<br />
contentamento bem se póde imaginar” (Viterbo). O<br />
prémio a Gonçalo Peres surgiu cerca de sete anos<br />
depois dos acontecimentos de Toro pela mão de D.<br />
João II sob a forma de carta de fidalgo, onde atribuía<br />
um brasão de armas e a possibilidade de<br />
acrescentar, ao seu nome, o apelido de Bandeira.<br />
Toro não foi apenas uma batalha de resultado<br />
indefinido, foi acima de tudo uma batalha medieval<br />
no alvor da época moderna onde o valor individual<br />
se sobrepôs ao valor do todo. Os exemplos de<br />
coragem, lealdade e abnegação traduzidos nas<br />
acções de D. Duarte de Almeida e de Gonçalo Peres<br />
Bandeira e tantos outros heróis de Toro são, ainda<br />
hoje, reconhecidos e lembrados.<br />
Autores:<br />
Tenente-Coronel Abílio Pires Lousada, Professor de História Militar do IESM.<br />
Major Luís Falcão Escorrega, Professor de Estratégia do IESM.<br />
Major António Cordeiro Menezes, Professor de Táctica do IESM.<br />
Bibliografia<br />
- DUARTE, António Paulo, Equilíbrio Ibérico. Séc. XI – XX. História e Fundamentos, Lisboa, Edições Cosmos e<br />
Instituto de Defesa Nacional, 2003.<br />
- DUARTE, Luís Miguel, “1495-1549: o Triunfo da Pólvora”, in Nova História Militar, Direcção de Themudo Barata<br />
e Severiano Teixeira, Vol. 1, Rio de Mouro, Circulo de Leitores, 2003.<br />
- DURO, Cesáreo Fernandez,”La Batalla de Toro (1476). Datos y Documentos Para su Monografía Histórica”, in<br />
Boletin de la Real Academia de La Historia, Tomo 38, Cuaderno IV, Abril de 1901.<br />
- GOMES, Saul António, D. Afonso V, Rio de Mouro, Circulo de Leitores, 2006.<br />
- RODRIGUES, Barros, Organização dos <strong>Exército</strong>s, Organização Militar Portuguesa, Estratégia, Geografia e História,<br />
Secção IV, História Militar, Lisboa, Escola do <strong>Exército</strong>, 1935-1936.<br />
- VITERBO, Sousa, “A Batalha de Toro. Alguns dados e documentos para a sua monographia histórica”, in Revista<br />
Militar, Ano LII, nº 6, Lisboa, Março de 1900.