JE590DEZ09 - Exército
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Espingarda.<br />
DUARTE, Luís Miguel, “1449-1495: O Triunfo da Pólvora, Nova História Militar, Circulo de Leitores, 2003<br />
usada e cuidada.<br />
É na segunda metade do<br />
século XV que, decorrente<br />
dos empenhamentos no Norte<br />
de África, se encontra uma<br />
preocupação de organizar os<br />
espingardeiros para combate.<br />
O seu emprego nas<br />
campanhas marroquinas<br />
deve-se, provavelmente, à<br />
generalização da espingarda<br />
que, em 1460, já se fabricava<br />
em Portugal, ainda que a<br />
importação deste armamento<br />
tivesse um peso significativo<br />
em termos de geração de<br />
forças. Deste modo, os<br />
espingardeiros encontravamse<br />
organizados em corpo<br />
próprio e o recrutamento e<br />
treino era dirigido pelo<br />
Anadel-Mor dos<br />
espingardeiros, cargo criado à<br />
semelhança do que existia<br />
para a bestaria de conto. De<br />
facto, a importância que esta<br />
nova força possui em batalha<br />
verifica-se com o seu emprego<br />
na batalha de Toro, quer do<br />
lado castelhano (ainda que o<br />
seu emprego só fosse<br />
generalizado nas primeiras<br />
duas décadas do século XVI),<br />
quer do lado português. Em<br />
batalha, a principal tarefa<br />
destas armas era de<br />
desorganizar a cavalaria<br />
inimiga, de forma a criar<br />
brechas para perturbar e<br />
enfraquecer o efeito do<br />
choque da carga inicial. Isso é<br />
visível em Toro, onde a<br />
primeira salva dos<br />
espingardeiros castelhanos<br />
paralisou e assustou os<br />
cavalos portugueses e os<br />
disparos dos espingardeiros<br />
do príncipe D. João facilitou o<br />
trabalho das lanças que<br />
romperam com grande ímpeto<br />
a formação castelhana.<br />
Não obstante, a introdução<br />
das armas de fogo teve,<br />
inicialmente, efeitos bastante<br />
penosos para os exércitos. O<br />
A Pólvora e a Transformação<br />
da Guerra<br />
O aparecimento da pólvora nos campos de<br />
batalha representou o fim de uma era e<br />
constitui a primeira (e porventura maior)<br />
transformação dos assuntos militares. Trata-se<br />
de um acontecimento “revolucionário”,<br />
desenvolvido ao longo de décadas, que<br />
impeliu a profundas alterações políticas<br />
(centralização do poder do estado e do<br />
príncipe), sociais/mentalidades (fim da<br />
exclusividade guerreira da cavalaria e<br />
consequente “democratização” da guerra com<br />
a crescente importância do infante),<br />
económicos (porque os novos meios técnicos<br />
eram dispendiosos e os exércitos se<br />
sobredimensionaram, os poderes passaram a<br />
ponderar o binómio custos/objectivos) e<br />
militares (readaptações de planeamento<br />
estratégico, organização dos dispositivos,<br />
novas concepções tácticas). Com a utilização<br />
da pólvora nos meios de coacção militares<br />
entra-se, assim, na época técnica da arte da<br />
guerra, em que a tendência latente é a<br />
eliminação, simultaneamente física e moral, do<br />
adversário. A bravura cede o lugar à mecânica,<br />
pois aquele que brandir a melhor arma e dela<br />
souber tirar o máximo proveito técnico e<br />
táctico é o adversário mais temível, qualquer<br />
que seja a sua situação social ou a sua<br />
coragem. Desta forma, a cavalaria, renitente em<br />
adaptar-se aos novos tempos e à novas armas,<br />
vê a sua importância decair, não<br />
compreendendo que a pólvora transformara o<br />
modo de vida cristão da Idade Média. A guerra<br />
deixara de ser uma prova moral pela batalha,<br />
um julgamento de Deus que a Igreja arbitrava<br />
em seu nome; agora, era um meio de que os<br />
governantes se socorriam para atingir fins<br />
políticos.<br />
aumento assinalável dos efectivos dos<br />
exércitos (para além dos homens, a<br />
necessidade de transportar o armamento,<br />
munições e pólvora careceu de um aumento no<br />
número de animais) associado a uma<br />
incapacidade sanitária de processar os<br />
resíduos, que por certo inquinariam fontes de<br />
água e alimentos frescos, levaram para ao<br />
campo de batalha a peste, um inimigo invisível<br />
e quase impossível de combater.<br />
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