JE590DEZ09 - Exército
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O peacekeeping tornou-se o remédio miraculoso<br />
para resolver os conflitos que proliferaram na Guerrafria,<br />
pela simples razão de que os Estados e as<br />
organizações internacionais não conseguiam<br />
encontrar outro remédio. Escudados pelos princípios<br />
sagrados que os deveriam nortear (a “trindade sagrada”:<br />
consentimento, imparcialidade e o uso da<br />
força) 9 , os peacekeepers foram enviados para todo o<br />
tipo de missões, até para as mais inverosímeis, como<br />
o Congo, o Líbano e a Somália.<br />
Se o peacekeeping é desempenhado por militares,<br />
em última instância ele remete-nos para a possibilidade<br />
de estes usarem da sua prerrogativa natural:<br />
a aplicação da força. Na realidade, o peacekeeping<br />
assenta, como afirma Findlay, sobre um elemento<br />
(implícito e indefinido) de bluff: a de que os capacetes<br />
azuis, se confrontados com situações extremas, usarão<br />
a força. Este bluff é produtivo se tiver um efeito<br />
dissuasor sobre potenciais opositores, isto é, se a<br />
parte antagonista se convencer de que tem algo a<br />
perder se não respeitar os compromissos que<br />
assumiu. Contudo, a capacidade das NU deterem as<br />
forças hostis só existe se: se tiver comunicado de<br />
forma clara à parte adversária o objectivo da missão,<br />
bem como a ameaça da aplicação da força, no caso de<br />
incumprimento ou obstrução por parte dos<br />
“spoilers” 10 ; se a força de peacekeeping demonstrar<br />
a capacidade e a intenção de usar a força.<br />
A realidade é que o peacekeeping nunca foi, como<br />
idealmente se projectou, uma prática inteiramente<br />
pacífica: na UNEF I, a força foi usada logo nos<br />
primeiros dias da operação e, no total, a missão<br />
registou 89 vítimas 11 . A questão do consentimento<br />
das partes também não tem sido uniforme: embora o<br />
Egipto e Israel tivessem aceite a presença da UNEF I<br />
e II, tiveram de ser persuadidos a tal. A ONUC<br />
(Opération des Nations Unies au Congo, entre 1960<br />
e 1964), foi enviada sem o consentimento das<br />
autoridades da província secessionista do Katanga e<br />
a Bélgica, potência colonial em retirada, deu o seu<br />
consentimento com relutância. A UNIFIL (United<br />
Nations Interim Force in Lebanon) trabalha no Líbano<br />
desde 1978 com a aquiescência deste país, mas foi<br />
frequentemente hostilizada e atingida durante<br />
incursões e ataques militares dos israelitas no sul do<br />
Líbano. Os Khmers Vermelhos aceitaram com mávontade<br />
a entrada da UNTAC (United Nations<br />
Transitional Authority in Cambodia) no Cambodja.<br />
O mesmo aconteceu com as facções somalis em relação<br />
à UNOSOM I e II (UN Operation in Somalia). A<br />
Indonésia aceitou a presença da INTERFET<br />
(International Force for East Timor) e da UNTAET<br />
(UN Transition Authority in East Timor) após fortes<br />
pressões da comunidade internacional, inclusive dos<br />
EUA.<br />
Fonte: UN.org<br />
A experiência veio a demonstrar a necessidade de permitir<br />
aos capacetes azuis usar a força.<br />
O uso da força no peacekeeping, para além da<br />
auto-defesa, é viável se a operação for enquadrada<br />
no Capítulo VII da Carta, uma vez que este capítulo<br />
trata de medidas que o Conselho de Segurança pode<br />
impor, como as sanções ou o uso da força militar. Este<br />
entendimento foi confirmado por uma sentença do<br />
Tribunal Internacional de Justiça, em 1962, que<br />
afirmava que as NU têm a capacidade inerente de criar<br />
e assumir o comando de forças militares. Contudo, a<br />
sentença estabelece que estas só podem usar de<br />
“direitos beligerantes” quando autorizadas para tal<br />
pelo Conselho de Segurança, ao abrigo do Capítulo<br />
VII 12 .<br />
O uso da força em auto-defesa é legitimado por<br />
várias fontes. O filósofo holandês Hugo Grotius (1583-<br />
1645) defendeu a auto-preservação como um direito<br />
inerente e natural do indivíduo que nenhuma lei<br />
poderia limitar ou ab-rogar. Também afirmou o direito<br />
dos Estados à auto-defesa, um conceito que está<br />
consagrado na lei internacional através do artigo 51.º<br />
da Carta das NU. Uma vez que as forças armadas são<br />
as principais defensoras do Estado, tem-se deduzido<br />
que o seu direito de auto-defesa colectiva é um<br />
prolongamento do direito dos Estados de assegurarem<br />
a sua auto-defesa. Tem-se partido do princípio de que<br />
os militares desfrutam daquele direito, mesmo quando<br />
operam sob comando das NU. Alguns autores<br />
defendem que a ONU, tal como os Estados, goza do<br />
direito de defesa própria e que o seu pessoal, por<br />
extensão, goza do direito de defesa individual e<br />
colectiva 13 .<br />
Inicialmente, auto-defesa significava a defesa da<br />
pessoa do peacekeeper através das suas armas.<br />
Contudo, a experiência veio a demonstrar a necessidade<br />
de alargar este entendimento de forma a permi-