ALÉM DA ENXADA, A UTOPIA: - Repositórios Digitais da UFSC
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Era sofrimento, eu nem me lembrava, mas afinal, até aqui deu. A gente tem que esquecer o<br />
que passou, viver sem pensar 46 ”.<br />
No decorrer dessa pesquisa, o passado apresentou-se na memória dos entrevistados,<br />
grosso modo, em duas tendências. A primeira idealizou as experiências vivi<strong>da</strong>s nas festas,<br />
encontros familiares, fé nos preceitos cristãos, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e respeito entre os membros <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de. Tais recor<strong>da</strong>ções fluíram de maneira emotiva, quase como uma melodia que<br />
envolve e fascina por seu encanto e suavi<strong>da</strong>de. A segun<strong>da</strong> tendência é a de ressaltar o<br />
sofrimento do passado bem como a intenção de esquecer o doloroso, os fracassos, as<br />
humilhações, enfim, as derrotas do migrante que, mesmo além <strong>da</strong> enxa<strong>da</strong> e <strong>da</strong> utopia, não<br />
conseguiu construir a sua cocanha.<br />
Diante dessas constatações, fazem-se necessário algumas questões. A difícil<br />
situação que os antepassados dos migrantes haviam sofrido na Itália, a travessia do Oceano<br />
que deixou centenas em meio do caminho, as dificul<strong>da</strong>des de a<strong>da</strong>ptação na nova terra e por<br />
fim a necessi<strong>da</strong>de de uma nova migração não teriam provocado, mesmo que<br />
inconscientemente, uma certa tendência em destacar o sofrimento e olhar para o passado<br />
com pessimismo? Certamente essa questão não poderá ser esclareci<strong>da</strong> sem um estudo<br />
aprofun<strong>da</strong>do que passe pelos caminhos <strong>da</strong> Psicologia e <strong>da</strong> Psicanálise. Por quê valorizam o<br />
sofrimento, se para a época, segundo os entrevistados, era uma situação enfrenta<strong>da</strong> pela<br />
grande maioria <strong>da</strong>s famílias com quem conviviam?<br />
Talvez o passado seja encarado sob o prisma do sofrimento porque a vi<strong>da</strong> dos<br />
descendentes desses migrantes – filhos, netos e bisnetos – é vista como um processo<br />
contínuo de melhoramentos, como energia elétrica, telefone, internet, entre inúmeras<br />
outras. A pessoa idosa, diante de tais melhorias, olha e compara com o tempo em que era<br />
46 COVATTI, Santin. Entrevista cita<strong>da</strong>, p. 02.<br />
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