ALÉM DA ENXADA, A UTOPIA: - Repositórios Digitais da UFSC
ALÉM DA ENXADA, A UTOPIA: - Repositórios Digitais da UFSC
ALÉM DA ENXADA, A UTOPIA: - Repositórios Digitais da UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A família vai à roça<br />
Na memória dos entrevistados, o trabalho está inserido num ambiente que envolve<br />
várias pessoas, ou seja, no seio familiar. Para garantir a sobrevivência, os afazeres na<br />
proprie<strong>da</strong>de rural eram feitos e são descritos com o uso <strong>da</strong> terceira pessoa do plural: nós.<br />
Ao relatar o início <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> no Oeste catarinense, a senhora Norma Santinon também se<br />
inclui como responsável pelo trabalho que realizou com sua família:<br />
100<br />
Nós não tinha na<strong>da</strong>, nós não tinha criação! Nós não tinha porco, não<br />
tinha galinha, na<strong>da</strong>! A primeira galinha que ganhei foi <strong>da</strong> nona Barazetti.<br />
Ela me levou uma choca com pintinhos, começamos criar e esperar a<br />
safra nossa. E depois além de tudo, os três primeiros anos deu seca, não<br />
fizemos milho nem pra polenta. E <strong>da</strong>í nós ia a peão [...] pra se comprar<br />
comi<strong>da</strong>. Nós fazia roça aqui, mas deu três anos de seca e depois logo que<br />
nós viemos nós não sabia qual pe<strong>da</strong>cinho que era terra boa. Agora<br />
conhecemos to<strong>da</strong> a nossa terra, apesar que roça não fizemos mais. Tu<br />
plantava, mas o que <strong>da</strong>va vendia quase tudo de graça, ganhava pouco ou<br />
na<strong>da</strong>. Depois que os filhos vieram grande <strong>da</strong>í que começamos 70 .<br />
Na família <strong>da</strong> entrevista<strong>da</strong>, assim como na de muitos outros migrantes, anos foram<br />
necessários para que a estabili<strong>da</strong>de econômica fosse alcança<strong>da</strong>. O início, sempre apontado<br />
como um período de muitas privações, era igualmente marcado pela soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e pela<br />
esperança, simboliza<strong>da</strong> no relato acima pela primeira galinha. Esse presente foi oferecido<br />
por uma migrante que provavelmente também passara por dificul<strong>da</strong>des semelhantes ao<br />
chegar em Santa Catarina. A nona Barazetti levou uma choca com pintinhos por acreditar<br />
na importância que essa ave tinha, mesmo que aparentemente muito simples. No Norte <strong>da</strong><br />
Itália, a galinha era o símbolo do começo, pois se reproduz com facili<strong>da</strong>de e produz ovos<br />
em quanti<strong>da</strong>de, sinal de riqueza e prosperi<strong>da</strong>de. Atravessando o oceano, essa tradição<br />
perpetuou-se e nas comuni<strong>da</strong>des de origem italiana do Rio Grande do Sul era comum o<br />
casal receber uma galinha no dia do casamento. A ave tinha um significado muito<br />
70 SANTINON, Norma. Entrevista cita<strong>da</strong>, p. 09.