INSANIDADE MORAL *

INSANIDADE MORAL 1 *
Lev Semionovitch Vigotski
A reforma pedagógica que se realiza na maioria dos países
europeus e nos Estados Unidos foi criada em um grau significativo
por certas concepções e teorias psicológicas. A pedagogia encara
ainda outro problema urgente, a saber, o problema da insanidade
moral. Este problema está sendo agora reexaminado teorica e
praticamente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos sobre a base
de uma premissa psicológica comum. O termo inglês para deficiência
moral expressa a visão mais extrema desta condição como uma
doença orgânica (literalmente: insanidade moral ou loucura). Todas as
crianças que têm exibido comportamento amoral, i. e., aquelas que
têm violado e aceito as normas morais, estão sob a concepção de
insanidade moral. Isto incluiu jovens prostitutas, delinqüentes,
crianças desabrigadas e negligenciadas, etc. Durante um período de
tempo a falta de substância desta concepção de loucura moral e
deficiência ética (seu estágio mais suave) tem sido suficientemente
exposto em todos os ângulos, i. e., sociologicamente,
psicologicamente, psicopatologicamente e pedagogicamente.
O trabalho de P. P. Blonskii, A. B. Zalkind e outros tem
mostrado que uma criança moralmente defeituosa não é uma criança
com um defeito orgânico inato, mas antes disso, é uma criança que
tem sido marginalizada socialmente. As razões para as deficiências
morais deveriam ser buscadas não na criança, mas externamente, nas
condições sócio-econômicas, culturais e pedagógicas que são mais
promissoras para o desenvolvimento da criança; em um ambiente
diferente, uma criança difícil perde, de modo muito rápido, os traços
de deficiência moral e inicia um novo caminho. O problema da
insanidade moral foi apresentado e resolvido em nosso país como um
problema ambiental. A normalização do ambiente tem tornado a
1Manuscrito do arquivo pessoal de Vigotski. Está sendo publicado pela primeira
vez.
* Tradução para fins didáticos, de VIGOTSKI, L. S. "Moral Insanity" in "The
Collected Works of L. S. Vygotsky", por Adjuto de Eudes Fabri (10-09-94).
prática educativa fundamental nesta área. Nestes anos recentes, o
pensamento científico e pedagógico europeu têm chegado próximo a
uma compreensão similar deste problema. No primeiro congresso
alemão sobre pedagogia terapêutica (1922), o relatória "Psicopatia e
Abandono" ** , baseado em uma significativa pesquisa da criança,
concluiu, entre fatores e razões que causam a delinqüência na
infância, etc..., que os fatores psicopatológicos representam um papel
insignificante. Para as crianças sob investigação, nenhum grupo único
de características foi encontrado que destinaria ou condenaria uma
criança a delinqüência somente como um resultado da psicopatia.
Restrições cautelosas têm sido expressas apenas com respeito a um
número insignificante de crianças.
No mesmo congresso, um relatório teórico, "Sobre os Defeitos
da Disposição do Ponto de Vista da Psicologia do Normal", pura e
decididamente repudiou pela primeira vez a noção de insanidade
moral como doença mental. O orador afirmou que todas as vezes que
há uma questão de lapso da disposição expressa pela perda de um
conjunto ou outro de valores e padrões (tais como motivos de
comportamento), as causas deveriam ser procuradas não nos defeitos
inatos da disposição ou na deturpação de funções separadas, mas no
ambiente e na formação/educação da criança que falhou ao estabelecer
valores apropriados. O orador notou que a insanidade moral deveria
ser compreendida não como um distúrbio emocional, mas de maneira
mais simples como uma abertura na formação/educação moral
individual da criança. Na opinião do orador, estes fenômenos nunca
seriam atribuídos a doença mental, se fossem listados em todos os
casos onde "motivos de valores" estão faltando nas pessoas normais.
Uma pessoa pode ser insensível a valores estéticos, outra a valores
sociais... etc., isto é, cada indivíduo tem sua própria insanidade moral.
Recentemente, em 1927, M. Wertheimer, um dos fundadores da atual
tendência em psicologia - psicologia da Gestalt - defendeu esta
maneira de compreender a deficiência moral. Esta tendência em
psicologia é originada de uma compreensão holística da vida
psicológica e do desenvolvimento mental. De acordo com esta visão,
** Vários tipos de crianças estão incluídas neste grupo: delinqüentes juvenis, bem
como crianças difíceis e abandonadas. Em geral, a composição deste grupo abrange
completamente a categoria de crianças chamadas de moralmente deficientes.

um fenômeno psicológico sempre representa, não a simples soma de
suas partes separadas ou elementos componentes, mas um todo
integral que tem suas próprias leis e características, e que não pode ser
derivado de leis e propriedades das partes. O todo define suas próprias
partes, e não o inverso. A formação deste todo define o processo
mental, e poderia ser chamado imagem ou Gestalt * . Portanto, para a
pesquisa, é necessário começar do todo e não das partes.
A teoria de uma abordagem integral para o estudo de
psicologia conduziu seus partidários à necessidade de compreender
uma criança em relação ao seu ambiente. Vamos lembrar que como
resultado deste princípio holístico nós também encontramos o
necessário para estudar crianças dentro do ambiente no qual elas
crescem e desenvolvem-se. Em parte, esta abordagem para a criança
moralmente defeituosa é reforçada pelo professor S. S. Molojavii 2 e
outros. Uma criança pertence a um tipo específico de psicopatia,
Molojavii afirma e mostra a rudeza, a delinqüência, o egoísmo, a
obsessão com gratificação de necessidades elementares, um intelecto
primitivo, a pequena vivacidade, uma susceptibilidade diminuída a
irritações dolorosas, e assim por diante. Aqui nós vemos as
características da deficiência ética, ou insanidade moral, que condena
a criança do nascimento ao comportamento a-social. E este será o
quadro se nós olharmos para as ações de uma criança em isolamento,
reduzindo-os a certos "aspectos", e então compondo o caráter da
criança a partir destes aspectos. Experimentos no movimento de tais
crianças dentro de um ambiente diferente e melhor têm demonstrado
que quando olhamos para o novo composto, os traços individuais
freqüentemente adquirem uma aparência completamente nova: as
crianças tornam-se suavemente cortesas, atentas e animadas.
Freqüentemente resulta que nós estamos repartindo com as crianças
que possuem uma susceptibilidade aumentada. A susceptibilidade
observada tem sido nada mais do que uma reação defensiva, uma auto
* Gestalt = forma ou figura.
2 Molojavii, S. S. - psicólogo e pedagogo soviético. Ele encontrou um esquema para
o estudo do comportamento de uma criança e de um coletivo de crianças, o
problema do brinquedo e do trabalho na idade pré-escolar. Ele opôs-se à
compreensão reacionária de deficiência moral.
defesa, uma armadura defensiva biológica contra as influências de
doenças que afetam o ambiente.
Psicólogos e pedagogos soviéticos observam com a sensação
de satisfação o aumento do interesse fora do país no reexame da
doutrina da deficiência moral, eles interpretam isto como outra prova
da exatidão do caminho que nossa pedagogia tem tomado a este
respeito, um caminho notado nas resoluções do Segundo Congresso
sobre a Defesa Social e Legal dos Menores (1924). A divisão de
crianças - como descritas por estas resoluções - dentro do normal, do
eticamente deficiente, do eticamente retardado, etc., foi considerado
inadmissível pelo Congresso. Nós temos que fazer uma pausa nos
caminhos da pedagogia soviética e estrangeira, não somente para
obter nova confirmação científica de uma resolução que nós aceitamos
e temos colocado dentro da prática há muito tempo; nós devemos
também comparar nossa experiência com aquelas do exterior afim de
verificar nosso próprio exemplo. Isto é absolutamente necessário a fim
de consolidar as reformas revolucionárias e formular nosso próprio
trabalho científico.
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