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o espelho nos contos de machado de assis e ... - Itaporanga.net

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assunto – a criança viveria longos a<strong>nos</strong> <strong>de</strong> uma velhice prolongada? – Sim, se ele não se<br />

conhecer”, disse o adivinho intérprete do <strong>de</strong>stino”. 2<br />

Segundo Raïssa Cavalcanti (1992, p. 12), “o ato <strong>de</strong> conhecer exige abertura e<br />

disponibilida<strong>de</strong> para o outro, e receptivida<strong>de</strong> para o diferente”. Como Narciso nunca havia<br />

se visto, a imagem refletida, para ele, era outra pessoa. A ignorância <strong>de</strong> si mesmo seria a<br />

salvação <strong>de</strong> jovem mancebo. Mas sabemos que o gran<strong>de</strong> final do mito que envolve Narciso<br />

termina com sua morte no exato momento em que vê seu rosto refletido na água <strong>de</strong> um rio:<br />

Havia uma fonte límpida <strong>de</strong> cujas águas brilhantes e argênteas, nem os<br />

pastores, nem os cavalos que pastavam sobre a montanha, nem nenhum<br />

outro gado, tinham jamais se aproximado, nem nenhum pássaro tinha<br />

perturbado, nenhuma besta selvagem, nenhum ramo tombado <strong>de</strong> uma<br />

árvore. Ela era ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> relva que sustentava a proximida<strong>de</strong> da água; e<br />

a floresta impedia o sol <strong>de</strong> jamais esquentar esses lugares. É lá que o<br />

jovem, fatigado pelo ardor da caça e pelo calor, veio se esten<strong>de</strong>r, atraído<br />

pelo aspecto do lugar e pela fonte. Mas, ao invés <strong>de</strong> tentar apaziguar sua<br />

se<strong>de</strong>, uma outra se<strong>de</strong> cresceu nele. Inclinado enquanto bebia, seduzido<br />

pela imagem <strong>de</strong> sua beleza que ele percebeu, apaixonou-se <strong>de</strong> um reflexo<br />

sem consistência, preso por um corpo que não é mais que uma sombra.<br />

Caído em êxtase diante <strong>de</strong> si mesmo, e, sem mover-se, a vista fixa,<br />

absorvido nesse espetáculo, parecia uma estátua feita <strong>de</strong> mármore <strong>de</strong><br />

Paros. Ele contempla, <strong>de</strong>itado sobre o solo, dois astros, seus próprios<br />

olhos, e seus cabelos, dig<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Baco, dig<strong>nos</strong> <strong>de</strong> Apolo, essas faces<br />

imberbes, seu colo <strong>de</strong> marfim, sua boca charmosa, e o rubor que colore a<br />

brancura <strong>de</strong> neve <strong>de</strong> sua tez. Admira tudo o que inspira a admiração. Ele<br />

<strong>de</strong>seja, em sua ignorância, a si mesmo. Esses elogios, é ele mesmo que<br />

lhes atribui. (...) O que via ele? Ignora-o; mas aquilo que via o abraça, e o<br />

mesmo erro que engana seus olhos excita sua cobiça. Crédulo jovem,<br />

para que esses vão esforços para agarrar uma aparência fugitiva? O objeto<br />

<strong>de</strong> teu <strong>de</strong>sejo não existe! Desse teu amor, <strong>de</strong>svia-te, e tu o farás<br />

<strong>de</strong>saparecer. Essa sombra que tu vês, é o reflexo <strong>de</strong> tua imagem. (...) Eu<br />

estou seduzido, eu vejo, mas isso que eu vejo e que me seduz, eu não<br />

posso agarrar; tão gran<strong>de</strong> é o engano que me abuso em meu amor. E, para<br />

aumentar ainda mais minha dor, nem a imensida<strong>de</strong> do mar <strong>nos</strong> separa,<br />

nem uma longa distância, nem montanhas, nem muralhas com portas<br />

fechadas; uma fina camada d’água é tudo aquilo que impe<strong>de</strong> <strong>nos</strong>sa união.<br />

Ele mesmo aspira a meu abraço; porque, cada vez que eu estendo os<br />

lábios a essas ondas límpida, ele, cada vez, <strong>de</strong> sua boca voltada, tem<br />

buscado aten<strong>de</strong>r à minha. (ZAMBOLLI, 2002, p.31-32)<br />

2 Tradução da versão francesa <strong>de</strong> Joseph Chammonard, Les Metamorphoses, GF Flammarion,<br />

1999. In: ZAMBOLLI, p. 30.<br />

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