A Revolta da Chibata e seu centenário - Fundação Perseu Abramo
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do fi m <strong>da</strong> escravidão, apesar de a primeira Constituição do país proibir torturas<br />
e castigos físicos. Era um contrassenso ao espírito republicano defendido<br />
por <strong>seu</strong>s mais fervorosos representantes, como Rui Barbosa e tantos outros.<br />
A existência do código, enfi m, <strong>da</strong>va aos ofi ciais que excediam nas punições<br />
o instrumento necessário para castigar <strong>seu</strong>s coman<strong>da</strong>dos, e a superiori<strong>da</strong>de<br />
na hierarquia militar permitia-lhes o acesso aos livros de castigos, nos quais,<br />
de forma criminosa, omitiam <strong>seu</strong>s excessos ou redigiam falsas declarações de<br />
punições bran<strong>da</strong>s no lugar de centenas de panca<strong>da</strong>s.<br />
Mas ain<strong>da</strong> falta entender um pouco mais os sentidos do castigo físico<br />
e sua relação com uma <strong>da</strong>s reivindicações dos amotinados em 1910: a “educação”<br />
para os marinheiros indisciplinados. Só assim também poderá fi car<br />
clara a razão de os castigos corporais permanecerem por déca<strong>da</strong>s sem algum<br />
tipo de contestação por parte dos marinheiros. Vejamos, então, o signifi cado<br />
desses castigos para os ofi ciais.<br />
A responsabili<strong>da</strong>de pelo navio e pela tripulação repousava sobre o coman<strong>da</strong>nte<br />
e, em menor grau, sobre <strong>seu</strong>s ofi ciais auxiliares. Eles tinham de<br />
tomar as medi<strong>da</strong>s necessárias para manter a limpeza <strong>da</strong> embarcação, a boa<br />
conservação, a lubrifi cação dos armamentos, a alimentação <strong>da</strong> tripulação,<br />
o bom comportamento <strong>da</strong>queles homens do mar etc. Caso contrário, havia<br />
regulamentos militares que puniam os próprios ofi ciais se esses cui<strong>da</strong>dos<br />
não fossem tomados. Para isso, o trabalho exercido pelos marinheiros era<br />
fun<strong>da</strong>mental. Os ofi ciais estavam cientes dessa dependência e tentavam de<br />
formas diferencia<strong>da</strong>s conter os ânimos dos marinheiros, fazendo-os concentrarem-se<br />
todo o tempo em suas obrigações. A “correção” de qualquer<br />
hábito não condizente com os princípios militares havia de ser conquista<strong>da</strong><br />
por conselhos, advertências e, mais frequentemente, pelo uso <strong>da</strong> chibata e<br />
outros castigos semelhantes.<br />
Além disso, os ofi ciais coman<strong>da</strong>ntes tinham de garantir a ordem hierár<br />
quica. Na visão deles, fi ncar <strong>seu</strong> poder mesmo que através de castigos<br />
se veros era uma conduta corriqueira e necessária. Havia pouca menção a<br />
formas diferencia<strong>da</strong>s de mu<strong>da</strong>r o comportamento de marinheiros indisciplinados<br />
e que não se acertavam com a vi<strong>da</strong> militar. Somente no início do<br />
século XX começaram a implantar mu<strong>da</strong>nças, procurando <strong>da</strong>r incentivos ao<br />
bom comportamento, como cursos, promoção e aumento de salário. Antes<br />
disso, o castigo físico era o recurso mais utilizado. Porém, havia grande resistência<br />
dos ofi ciais coman<strong>da</strong>ntes em largar as antigas práticas de punição.<br />
Era como se fosse o recurso mais confi ável e efi caz para dominar marinheiros<br />
indisciplinados. O problema é que marinheiros de bom comportamento<br />
poderiam ser envolvidos num confl ito qualquer e castigados sumariamente<br />
juntos àqueles conhecidos indisciplinados.<br />
Nº 5, Ano 4, 2010 18