A Revolta da Chibata e seu centenário - Fundação Perseu Abramo
A Revolta da Chibata e seu centenário - Fundação Perseu Abramo
A Revolta da Chibata e seu centenário - Fundação Perseu Abramo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O incentivo à imigração de indivíduos do velho continente, para além <strong>da</strong><br />
necessi<strong>da</strong>de de mão de obra barata, resultou dessa proposta 13 . Os valores em<br />
torno do trabalhores trazidos de lá e a miscigenação destes com os brasileiros<br />
eram, para cientistas e políticos, importantes elementos de transformação social<br />
e cultural.<br />
Outros acreditavam, no entanto, que enquanto essa mu<strong>da</strong>nça não se<br />
con cretizasse, somente a polícia, a mu<strong>da</strong>nça nas leis (a perseguição à vadiagem<br />
e à capoeira, por exemplo), a classifi cação dos indivíduos e outras formas<br />
de coerção poderiam forçar o caminho para a constituição de uma nova reali<strong>da</strong>de<br />
14 . No caso <strong>da</strong> Marinha, ofi ciais acreditavam sobretudo no uso de castigos<br />
físicos para mu<strong>da</strong>r o comportamento de marinheiros, tal e qual gerações<br />
de ofi ciais militares fi zeram desde o século XIX. Para o então tenente José<br />
Eduardo de Macedo Soares,<br />
A ofi ciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Marinha sempre foi, ao menos, uma parte <strong>da</strong>s mais escolhi<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> alta socie<strong>da</strong>de do Brasil; por que ela merecerá menos crédito quando<br />
afi rma a imprescindível necessi<strong>da</strong>de do castigo do que indignos políticos que<br />
advogam os próprios inconscientes interesses explorando uma falsa pie<strong>da</strong>de<br />
pelo negro boçal que mata e rouba? Modifi cai a situação <strong>da</strong>s guarnições: é o<br />
dever <strong>da</strong> política que legisla e do governo, e depois <strong>da</strong>i largas ao humanitarismo.<br />
Enquanto a guarnição for o esgoto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, a disciplina, a ordem e<br />
a segurança têm os <strong>seu</strong>s direitos e a chibata o <strong>seu</strong> lugar. 15<br />
Essa posição intransigente e preconceituosa marcou boa parte dos ofi -<br />
ciais <strong>da</strong> Marinha de Guerra na vira<strong>da</strong> do século XIX para o século XX. Acreditavam<br />
que aqueles marinheiros, sobretudo negros, só poderiam entender suas<br />
ordens e redimirem-se dos <strong>seu</strong>s costumes através do castigo físico e de outras<br />
punições semelhantes, mesmo sabendo que a maior parte <strong>da</strong>queles marinheiros<br />
não estivesse ali por suas próprias vontades, sendo forçados pela polícia,<br />
juízes de órfãos, mães e pais a servirem por nove a quinze anos de suas vi<strong>da</strong>s;<br />
período em que receberiam salários ínfi mos, viveriam nos próprios navios,<br />
enfrentariam confl itos com colegas avessos à disciplina e estariam submetidos<br />
à chibata caso incorressem em faltas disciplinares.<br />
Há casos de marinheiros açoitados por quinhentas e até oitocentas chibata<strong>da</strong>s<br />
– pasmem – num único dia! Mesmo aprendizes, garotos e rapazes,<br />
como vimos, recebiam castigos. As duas legislações disciplinares existentes<br />
no período permitiam isso, tanto nos Artigos de Guerra como nos Códigos<br />
Penal e Militar <strong>da</strong> Arma<strong>da</strong> (que substituiu o primeiro com o advento <strong>da</strong> República).<br />
Os limites de lanha<strong>da</strong>s de chibata eram geralmente ultrapassados e, depois,<br />
os mesmos responsáveis por essa péssima conduta omitiam ou deturpavam os<br />
Nº 5, Ano 4, 2010 16