A Revolta da Chibata e seu centenário - Fundação Perseu Abramo
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Marinha se viu em maus lençóis; o movimento foi noticiado nos meios de<br />
comunicação. Para piorar a situação, houve apoio popular e alguns fuzileiros<br />
convocados para reprimir o movimento largaram as armas e pularam<br />
o muro do sindicato, juntando-se aos amotinados. O conjunto dessa assembleia<br />
permanente, embora posteriormente dissolvi<strong>da</strong>, foi um duro golpe,<br />
que certamente atiçou ain<strong>da</strong> mais aqueles ofi ciais que <strong>da</strong>riam o golpe de 31<br />
de março de 1964. João Cândido foi novamente observado e a história <strong>da</strong><br />
revolta, persegui<strong>da</strong>. Edmar Morel, que escrevera o livro A <strong>Revolta</strong> <strong>da</strong> <strong>Chibata</strong>,<br />
teve <strong>seu</strong>s direitos políticos cassados, perdeu o emprego de re<strong>da</strong>tor <strong>da</strong><br />
Rede Ferroviária Federal, não conseguiu posição nos demais jornais e teve<br />
sua obra mais importante retira<strong>da</strong> de circulação 44 .<br />
O registro <strong>da</strong> memória do líder João Cândido durante o regime militar<br />
pelo Mu<strong>seu</strong> de Imagem e do Som (MIS) também foi realizado com todo o<br />
cui<strong>da</strong>do. Afi nal, havia menos de quatro anos que o entrevistado participara<br />
<strong>da</strong> assembleia dos marinheiros <strong>da</strong> AMFNB no Sindicato dos Metalúrgicos e<br />
acendera a luz vermelha para o golpe de 1964. O mu<strong>seu</strong> tinha como ativi<strong>da</strong>de<br />
gravar entrevistas com personali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> música, <strong>da</strong>s artes ou que haviam<br />
participado de eventos marcantes. Tal registro teve to<strong>da</strong> a preocupação de<br />
não levantar suspeitas e intervenções do governo. Esse foi um dos últimos<br />
depoimentos de João Cândido, entrevistado por Ricardo Cravo Albin e pelo<br />
historiador Hélio Silva 45 .<br />
Mesmo nessas déca<strong>da</strong>s em que a liber<strong>da</strong>de de expressão foi avilta<strong>da</strong><br />
recorrentemente, dois compositores tiveram a coragem de relembrar a memória<br />
e escreveram a música “Navegante Negro”, que por força <strong>da</strong> censura foi rebatiza<strong>da</strong><br />
de “O mestre-sala dos mares” (1974). Aldir Blanc e João Bosco foram<br />
várias vezes convi<strong>da</strong>dos a <strong>da</strong>r explicações à Censura Federal sobre a canção.<br />
Segundo Aldir Blanc, o censor explicou que “o problema é essa história de<br />
negro, negro, negro”. Para Blanc, aquelas palavras o haviam atropelado, “não<br />
pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc., mas pelo panzer do racismo<br />
nazi-ideológico ofi cial” 46 . Não era a preocupação de tornar a revolta um exemplo<br />
de movimento social contra regimes ditatoriais, mas de transformar um<br />
homem negro em herói, que lutou por direitos de to<strong>da</strong> uma classe. Algo bem<br />
distante do símbolo criado por fi lmes, revistas, músicas e matérias, que recorrentemente<br />
traduziam pessoas negras como incapazes, preguiçosas, limita<strong>da</strong>s<br />
intelectualmente, perigosas e feias.<br />
Em 1985, a escola de samba União <strong>da</strong> Ilha escolheu a <strong>Revolta</strong> <strong>da</strong> <strong>Chibata</strong><br />
como enredo usando como referência o livro de Edmar Morel, que recebeu<br />
uma placa de prata no dia em que visitou a quadra <strong>da</strong> escola. Havia<br />
uma preocupação dos ofi ciais do alto escalão <strong>da</strong> Marinha de a escola pôr na<br />
aveni<strong>da</strong> foliões vestidos com a roupa do ofi cialato açoitando marinheiros. A<br />
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