CONSUELO DE CASTRO - Inteligência
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BATENTE<br />
I N S I G H T INTELIGÊNCIA<br />
JoB<br />
Estou diante do mar, num gazebo de vime branco,<br />
deitada sobre um colchonete de plumas. A<br />
brisa marinha se mistura ao aroma do suco de<br />
caju que o garçom vem trazendo com muito gelo e um<br />
pedaço de maçã enfeitando a taça. Os olhares invejosos<br />
das mulheres e o tesão dos homens queimam meu corpo<br />
mais do que se eu estivesse fora do gazebo, estorricando<br />
no sol e lambuzada de Coca-Cola, como fazia aos quinze.<br />
Batalhei muito para que esse dia chegasse. Malhei feito<br />
uma condenada, me privei de tudo quanto é coisa boa<br />
de comer, andei mais do que romeiro na esteira da academia<br />
e eis-me a gostosa da praia, despertando o ódio<br />
das erínias e a voracidade de seus maridos.<br />
Para irritar, tiro o sutiã do biquíni assim como quem<br />
não quer nada, tipo entrou areia, caiu caju, cadê, cadê e,<br />
também como quem não quer nada, passo filtro solar nos<br />
seios, obras-primas da tecnologia estética que se projetam<br />
como duas armas, enlouquecendo erínias e erínios.<br />
Dá pra ouvir o som da fúria, do mal-estar que provoco<br />
com meu topless, minha cor brônzea e meu bandô de<br />
organza prendendo cachos, que custaram uma nota pra<br />
se tornarem cachos e, de vez em quando, se desprendem<br />
e caem sobre o ray-ban.<br />
Consuelo<br />
de Castro<br />
draMaturGa<br />
Viro de bruços para queimar a marquinha branca do<br />
biquíni e, de repente, sinto uma mão de homem passando<br />
creme em minhas costas. Vou virar, gritar, chamar a<br />
polícia, mas paraliso. Conheço esse toque, esses dedos<br />
compridos e grossos, a quentura dessa palma de mão.<br />
Deixo que ele me encharque de hidratante e não movo<br />
um músculo para ver seu rosto. Não, não pode ser<br />
ele, não pode. Essa mão, nem em dez reencarnações<br />
carregando pedra de esfinge eu merecia, muito menos<br />
aqui, em frente esse mar turquesa, num gazebo de vime<br />
branco, deitada num colchonete de plumas. Então, ele se<br />
debruça pra beijar minha nuca, reconheço seu hálito, é<br />
ele, ele mesmo, o próprio, o cara, vai beijar minha nuca,<br />
vou ter um piti de tanta felicidade. Nisso, acordo. Diante<br />
do computador. Pálida como quem não vê praia há muito<br />
tempo. E com certeza não verei tão cedo, pelo tamanho<br />
do job que se avoluma à minha frente. Em algum gazebo<br />
de vime branco, cercada de turquesa por todos os lados,<br />
sentindo aroma de caju e brisa marinha, uma mulher<br />
que não sou eu recebe olhares invejosos e desejosos e a<br />
mão do homem que eu amo sobre suas costas. Coragem,<br />
criatura, ao job, que la vida es sueno y sueno es.<br />
consuelo@uol.com.br
I N S I G H T<br />
INTELIGÊNCIA<br />
JANEIRO •FEVEREIRO •MARÇO 2009<br />
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