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CONSUELO DE CASTRO - Inteligência

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134<br />

BATENTE<br />

I N S I G H T INTELIGÊNCIA<br />

JoB<br />

Estou diante do mar, num gazebo de vime branco,<br />

deitada sobre um colchonete de plumas. A<br />

brisa marinha se mistura ao aroma do suco de<br />

caju que o garçom vem trazendo com muito gelo e um<br />

pedaço de maçã enfeitando a taça. Os olhares invejosos<br />

das mulheres e o tesão dos homens queimam meu corpo<br />

mais do que se eu estivesse fora do gazebo, estorricando<br />

no sol e lambuzada de Coca-Cola, como fazia aos quinze.<br />

Batalhei muito para que esse dia chegasse. Malhei feito<br />

uma condenada, me privei de tudo quanto é coisa boa<br />

de comer, andei mais do que romeiro na esteira da academia<br />

e eis-me a gostosa da praia, despertando o ódio<br />

das erínias e a voracidade de seus maridos.<br />

Para irritar, tiro o sutiã do biquíni assim como quem<br />

não quer nada, tipo entrou areia, caiu caju, cadê, cadê e,<br />

também como quem não quer nada, passo filtro solar nos<br />

seios, obras-primas da tecnologia estética que se projetam<br />

como duas armas, enlouquecendo erínias e erínios.<br />

Dá pra ouvir o som da fúria, do mal-estar que provoco<br />

com meu topless, minha cor brônzea e meu bandô de<br />

organza prendendo cachos, que custaram uma nota pra<br />

se tornarem cachos e, de vez em quando, se desprendem<br />

e caem sobre o ray-ban.<br />

Consuelo<br />

de Castro<br />

draMaturGa<br />

Viro de bruços para queimar a marquinha branca do<br />

biquíni e, de repente, sinto uma mão de homem passando<br />

creme em minhas costas. Vou virar, gritar, chamar a<br />

polícia, mas paraliso. Conheço esse toque, esses dedos<br />

compridos e grossos, a quentura dessa palma de mão.<br />

Deixo que ele me encharque de hidratante e não movo<br />

um músculo para ver seu rosto. Não, não pode ser<br />

ele, não pode. Essa mão, nem em dez reencarnações<br />

carregando pedra de esfinge eu merecia, muito menos<br />

aqui, em frente esse mar turquesa, num gazebo de vime<br />

branco, deitada num colchonete de plumas. Então, ele se<br />

debruça pra beijar minha nuca, reconheço seu hálito, é<br />

ele, ele mesmo, o próprio, o cara, vai beijar minha nuca,<br />

vou ter um piti de tanta felicidade. Nisso, acordo. Diante<br />

do computador. Pálida como quem não vê praia há muito<br />

tempo. E com certeza não verei tão cedo, pelo tamanho<br />

do job que se avoluma à minha frente. Em algum gazebo<br />

de vime branco, cercada de turquesa por todos os lados,<br />

sentindo aroma de caju e brisa marinha, uma mulher<br />

que não sou eu recebe olhares invejosos e desejosos e a<br />

mão do homem que eu amo sobre suas costas. Coragem,<br />

criatura, ao job, que la vida es sueno y sueno es.<br />

consuelo@uol.com.br


I N S I G H T<br />

INTELIGÊNCIA<br />

JANEIRO •FEVEREIRO •MARÇO 2009<br />

135

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