2010 – UMA NOVA FACE PARA A SBH

Seção Transporte Biliar
UM ôNIBUS NA EUROPA
Mário Reis Álvares-da-Silva
Hepatologista. Professor-Adjunto Doutor de Gastroenterologia e Hepatologia da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Sotaque português, sorriso “Europa parada pelo vulcão islandês” – o subtítulo passa
um lado a outro do corredor – “o circuito saúde do ônibus”. “Gabi, em que país estamos, pra eu saber que língua falar?”
no rosto, a professora doutora, rápido na televisão. Dias antes, ninguém acreditaria - essa
Aos poucos, corredor evacuado e a porta do banheiro, Já chegou, já chegou?
pesquisadora, desliza pelo manchete não tem fundamento. Não deve ser verdade. No
ao lado da “Coffee Shop”, finalmente aberta. Minúsculo, Espanha. Começamos a ver aviões. Maravilha! - nada
corredor, ligeirinha, agitada, lobby, horas antes, ouvimos atentos: “Viena a Lisboa, sem
instruções de como sentar! Impossível. Mesmo de pé, como ver riscos no céu azul. As notícias, não muito boas.
“em atenção aos passageiros parar, sem banho, sem dormir, concordam?” O que se faz
talvez por isto, houve estragos.
“O vulcão continua ativo – mais aeroportos estão sendo
que embarcarão em Lisboa e, quando não há opção? 24 horas depois, ninguém seria
Tranqueira nos intervalos - gordura trans farta. “Terminou o fechados. Querem continuar até Lisboa ou tentar a sorte
para diminuir nosso tempo em mais o mesmo.
papel higiênico!” – o alerta correu o ônibus, a comunidade em Madrid?” A massa, exausta (certo, faminta, mesmo,
solo, neste momento estaremos O 45º congresso da EASL será inesquecível. Não, não
ansiosa. Dos confins da econômica o professor, titular, não estava), em dúvida. “Madrid abriu, Madrid fechou.”
recolhendo copos, papéis, há um novo casal na sociedade, os brasileiros não estão
mineiro e precavido, sacou da sacolinha um rolo. Paz no “Ninguém garante”. “Vamos ter voo?” O vírus C não nos
guardanapos, jornais já lidos...”, e dando aulas em todos os simpósios, o mundo não está se
ônibus. Tudo na vida é relativo. A primeira classe, impávida traz tanto impasse assim, ao menos ao mesmo tempo.
da primeira classe à econômica, curvando à força da hepatologia brasileira (“que grupo,
e alheia, nada notou. Sua vista panorâmica, sua atmosfera Decidimos seguir para Lisboa. Democracia é isto. Traz
com uma breve escala na que seriedade, que produção espetacular – uma escola!”).
única e densa, seu mundinho exclusivo. Fotógrafos não consequências: “Não vamos mais parar”, veio a ordem
Economy Plus, recolheu o que pôde. Sacolas. Cheias. Inesquecível – 5 países em 40 horas. Far faraway...
foram permitidos.
muito superior.
Agitação psicomotora, fruto do que sobrara de todos após “Em Genova, logo na Cote D’Azur. Have a nice night as well”.
Já chegou, já chegou?
Começou o sprint final, a corrida contra o tempo, a hora
40 horas.
Mensagens voam nos iPhones – Leila, Paraná, Victorino,
Manhã em Viena, almoço na Itália. Noite na Riviera de tirar forças de onde não mais havia, sem parada para o
Rosangela, Eloíza, Hugo, Parise e Mendonça. Tiago e Fábio, Fafá e Paulo - batedores do Nordeste desbravam o
Francesa. Logo após Nice, a baldeação (nenhuma viagem banheiro, para tomar água, para esticar as pernas, a noite
Plínio. Claudias e Mários. Brandão, Cássia, Betinho, Souto caminho no meio da noite europeia. Entre queijos, pães
é completa sem uma baldeação). Pouco mais tarde, chegando, os motoristas com tempo máximo para dirigir,
e Paulo. Gabi, Helio, Dani e Adriano. Simão e Monica. e vinhos, longe da carne de sol e no calor da van, enviam
sacudindo nas mãos as petites-baguettes quase amanhecidas, “talvez tenham que parar, temos que estar em Lisboa até as
Wanda e Varaldo. Vi, Evaldo e muitos outros. Brasis notícias em boletins eventuais. Mexem-se pouco. A
loura e brava a viajante: “Nem de jegue no Nordeste!”. 22 horas”.
variados. A história começara muito antes.
motorista é grande.
Para beber, água. Refeição frugal, noite de sono tranquilo. Batedores, embarcando para o Recife, avisam: “aeroporto
- Doutor, em cinco minutos no lobby? Temos importantes Emergência médica! A viagem começara tensa. Despertar
Ou quase. Nossa noite não foi sem sobressaltos. Eventos de Lisboa está um caos”.
informações sobre os próximos passos. Acordei abrupto, queda, sangrando, Andréa, couro cabeludo.
adversos foram relatados na manhã seguinte – exercício E Lisboa, que não chega?
sobressaltado, semiperdido - noite de meio-sono, Madrugada, o ônibus com o motor ligado, pacotinhos
ilegal da medicina, distribuição de psicotrópicos direto da De repente, o Tejo. As luzes da cidade. Visões do paraíso.
pesadelos. Não sou disto.
de papel pardo com o lanche para a excursão. Curativo
Economy Plus. Ninguém denunciou.
Marriott Lisboa, o ônibus, como maratonista em fim de
Panorâmica aérea. O Ártico, huskies correm entre o verde improvisado, condições precárias, andando, não podemos
Boa noite, John Boy. Boa noite, Mary Ann. O rato roeu prova, sobe com dificuldades a pequena rampa - no relógio,
escasso. Nada está calmo nos confins da Terra. A câmera parar - os hospitais ficando distantes à medida que saíamos
a ribavirina da Rosangela. O rato morreu. O rato foi 21h59. Chegamos! Nossos nomes já eram gritados no
se afasta, os cães diminuem, as montanhas de gelo enchem de Viena. Clínicos no atendimento, emplastro Sabiá
removido do leite da Mariliza. A paciente bebeu. Já chegou, lobby do hotel, as chaves atiradas de longe para seus donos.
a tela. Branco. Silêncio. Longo. Longo demais. Um ronco! recortado em Z na cabeça. Cirurgiões, onde estavam?
já chegou?
Os banheiros logo ali, abertos!
O tremor. Forte, outro, uma sequência. A câmera balança, Neurologistas não havia, mas o Glasgow foi monitorado
Ônibus vicia – seriam os pinheirinhos? – já se vendia Bacalhau, lascas e postas, lagostas, doces conventuais, o
corta, zoom, edição rápida, os cães, os ursos, a sensação – manteve-se vigil a vítima. Sem complicações.
excursão para o carnaval em Salvador - camarote vip, sotaque gostoso, um banho, vinho, champagne – a vida é
de calor. Fumaça, no 3D a lava quase alcança os nossos Infectologistas não foram acionados. Talvez devessem:
cerveja, passeio de barco. Winners ‘Bus’ Meeting 2011, na bela! “Onde estamos?”, pergunto ao motorista. “No táxi,
rostos. O rugido potente de um motor que arranca a gripe se alastrou a bordo como um trem bala. Em duas
Europa e itinerante, primeira aula em Viena, a segunda em ora pois”. Lisboa, delícia, dia seguinte, alto nível sérico de
continuamente. O cheiro é forte.
frentes – varáldica e vulcânica. Altos e baixos, de acordo
Madrid. A lista circulou, “confirmem seus nomes”. Nossa bacalhau, saindo em breve pro Brasil. O avião da TAP foi
Corta. Foco nas rodas. O ônibus desliza na autoestrada. com a classe. A Economy Plus, esta híbrida, passou
empresa austríaca vai nos levar. Peguilada! Na econômica, uma grande primeira classe, um colo de mãe, apertado,
Mais de 24 horas. Motoristas austríacos se revezam na incólume - Lorde Brandão e sua fleuma, defesas naturais,
40 horas de piadas. De gaúcho. Sentidos de sempre. lotado e feliz. E o cheiro era bom.
direção - o cheiro é forte. Alguém comprou pinheirinhos barreiras contra o populacho.
“Resposta virológica rápida!” – o boletim do Nordeste Wedemeyer, em Porto Alegre, meses depois foi quem
perfumados. Pendurados, vibrando em cada curva ou Já chegou, já chegou?
dava conta de que, por razões desconhecidas, estavam os contou: o aeroporto de Viena abriu. No dia em que saímos!
solavanco. Os alpes enfeitando a janela, dispensável o Escapada às pressas, lava e cinzas, malas bloqueando o
batedores em Barcelona e de lá iriam de avião para Lisboa.
detalhe sensorial.
banheiro, gente afoita pulando obstáculos para andar de
Outro grupo dormia em Milão. A sorte sorri – para alguns.
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