16.04.2013 Views

Amores Obsessivos – Susan

Amores Obsessivos – Susan

Amores Obsessivos – Susan

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Título original<br />

OBSESSIVE LOVE<br />

When passion holds you prisoner<br />

Copyright © 1991 , by <strong>Susan</strong> Forward<br />

Publicação autorizada pela Bantam Books, a division of Bantam<br />

Doubleday Den Publishing Group, lnc.<br />

Copyright da tradução © 1993 by Editora Rocco Ltda.<br />

Direitos para língua portuguesa reservados,<br />

com exclusividade, à<br />

EDITORA ROCCO LTDA.<br />

Rua da Assembléia, !O - Gr. 3101<br />

20119-900 - Rio de Janeiro - RJ<br />

Tel.: 531-2829 - Fax: 531-2027<br />

Telex: 38462 EDRC BR<br />

Printed in Brazil/ Impres so no Brasil<br />

preparação de originais<br />

MAIRA PARULA<br />

revisão<br />

SANDRA PÁSSARO/ MAURÍCIO NETTO<br />

WALTER VERÍSSIMO<br />

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte<br />

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.<br />

Forward, <strong>Susan</strong><br />

F851a <strong>Amores</strong> obsessivos: quando a paixão o faz prisioneiro / <strong>Susan</strong> Forward<br />

& Craig Buck; tradução de Elisabeth Lissovsky. - Rio de Janeiro: Rocco,<br />

1993.<br />

Tradução de: Obsessive love: when passion holds you prisoner.<br />

Bibliografia.<br />

I. Amor - Aspectos psicológicos. 2. Neuroses - Estudo de casos. I.<br />

Buck, Craig. II. Título<br />

CDD - 157 .3<br />

93-0319 CDU - 159.942<br />

SUMÁRIO<br />

Introdução ...................................................... , . .. 9<br />

PARTE UM<br />

AMANTES OBSESSIVOS<br />

Um - A pessoa mágica.................................... 25<br />

Dois - Abrindo as comportas............................ 47<br />

Três - Da perseguição à vingança.............. ......... 72<br />

Quatro - O complexo de salvador.......................... 87<br />

PARTE DOIS<br />

OBJETOS DE AMANTES OBSESSIVOS<br />

Cinco - O objeto co-obsessivo............................. 121<br />

Seis - É difícil pôr um ponto finaL.................... 138<br />

Sete - Quando a obsessão gera violência .. ........... 162<br />

PARTE TRÊS<br />

LIBERTANDO-SE DA OBSESSÃO<br />

Oito - Conexão compulsiva: a raiz dos amores<br />

obsessivos......... .......... .......................... 187<br />

Nove - Fixando seu rumo .................................. 211<br />

Dez - Demolindo o sistema obsessivo...... ........... 226<br />

Onze - Encarando a verdade sobre o seu relacionamento<br />

................................................. 251<br />

Doze - Exorcizando velhos fantasmas .................. 268<br />

Treze - Mantendo o equilíbrio ....................... , .... 284


AGRADECIMENTOS<br />

Gostaria de agradecer a várias pessoas que ajudaram a transformar<br />

este livro em realidade.<br />

Em primeiro lugar ao meu precioso colaborador e amigo,<br />

Craig Buck. Este é o nosso terceiro livro conjunto e sua<br />

percepção, habilidade, paciência, talento, e infalível bom humor,<br />

continuam a me impressionar.<br />

Este também é o terceiro livro com minha editora, Toni<br />

Burbank. Eu gostaria de poder dizer quão brilhante, inteligente,<br />

cuidadosa, dedicada e extraordinariamente competente ela é,<br />

mas ela é modesta demais para me permitir tantos elogios.<br />

Também gostaria de agradecer a Linda Grey, Stuart Applebaum<br />

e todas as outras pessoas maravilhosas da Bantam<br />

Books que sempre fizeram o máximo por mim. E a meus agentes,<br />

Lynn Nesbit e Ken Sherman, por seu apoio e encorajamento<br />

incessantes.<br />

Minha colega e cara amiga Nina Miller e Marty Farash<br />

foram mais do que generosos em me permitirem usar seus cérebros<br />

para enriquecer o fundamento conceituai deste livro.<br />

Como sempre, minha família e meus amigos - especialmente<br />

minha filha, Wendy - estiveram comigo durante toda<br />

a criação deste livro para me darem seu apoio moral e emocionai<br />

conforme eu enfrentava diariamente a inevitável angústia<br />

de escrever. E alguns amigos, tanto novos quanto antigos, foram<br />

notavelmente amorosos e encorajadores - a dra. Barbara<br />

de Angelis, Madelyn Cain, Lynn Fischer, Dorris Gathrid, Mona<br />

Golabek, Roy Johnston, Paul Kent, Diana Markes Levitt, Lisa<br />

RafeI, Neil Stearns, dra. Shelley Ventura e Don Weisberg.<br />

Karina Friend Buck ganha o prêmio de paciência e generosidade<br />

por me permitir monopolizar Craig, acabar com todo<br />

o seu estoque de chá e cooptar sua casa em nossa luta de


10 AMORES OBSESSIVOS<br />

Ele sabia que ela não queria realmente terminar tudo com<br />

ele. Como poderia? O amor deles era tão perfeito. Estava claro<br />

para ele que ela só tinha medo porque seus sentimentos para<br />

com ele eram fortes demais. O tipo de amor e paixão que<br />

ele lhe oferecia só acontece uma vez na vida, e ele sabia que<br />

mais cedo ou mais tarde ela iria se permitir aceitar quão perfeito<br />

ele era.<br />

Por outro lado, ele estava apavorado ante a possibilidade<br />

de ela não telefonar. Quando ela lhe disse pela primeira vez<br />

que não queria mais vê-lo, a dor foi tão grande que pensou<br />

que fosse morrer. Há dois meses ela vem devolvendo seus presentes<br />

e cartas de amor ainda fechadas. Ele passou a telefonar<br />

apenas duas vezes por dia, porque ela começou a desligar. Ele<br />

ia até a casa dela quase todas as noites, mas nas poucas vezes<br />

em que não resistiu a bater na porta, ela ficou zangada. Na<br />

última vez, ela bateu a porta na sua cara sem dizer uma palavra.<br />

Ele estava aterrorizado com o que poderia sentir caso ela<br />

não respondesse às rosas, e aquelas forças contraditórias de<br />

medo e esperança o estavam dilacerando.<br />

Glória sabia que Jim precisava dela, e se sentia culpada<br />

por não ser capaz de retribuir, mas ela não podia. E ela foi<br />

dolorosamente clara ao lhe diier isto. Ela odiava vê-lo sofrer,<br />

eles já haviam sido tão íntimos, já haviam compartilhado as<br />

esperanças de um futuro em comum. Mas pouco a pouco, o<br />

amor de Jim foi se contaminando tanto com o ciúme que ela<br />

se sentiu sufocada. O que surgiu como paixão começou a se<br />

parecer mais uma prisão. Ela tentou fazê-lo compreender seus<br />

sentimentos, fazê-lo compreender que ela precisava ter mais<br />

independência, se sentir menos como uma posse, mas nada do<br />

que dissesse parecia fazer qualquer diferença. Finalmente ela<br />

perdeu a paciência e disse a ele que não queria mais vê-lo. Quando<br />

ele lhe implorou que reconsiderasse, ela tentou não humilhálo,<br />

mas ainda se manteve firme.<br />

Nos meses seguintes ele se recusou a desistir. Ela se viu<br />

obrigada, devido à infindável campanha para reconquistá-la,<br />

a ser cada vez mais dura. Ela estava convencida de que a melhor<br />

coisa que podia fazer era levá-lo a desistir dela, assim ele<br />

poderia oferecer sua enorme paixão a alguém que a apreciaria.<br />

Jim sentou em sua escrivaninha, esperando pelo telefonema<br />

de Glória, repassando as palavras que usaria. Abriu uma<br />

INTRODUÇÃO<br />

pasta para parecer que estava estudando um contrato, caso alguém<br />

entrasse no escritório. Mas o trabalho era a última coisa<br />

em que pensava. Três horas após vacilar entre esperança e ansiedade,<br />

sentiu sua raiva crescer para com a cegueira de Glória<br />

em relação ao seu amor e aos verdadeiros desejos dela. Ele<br />

expulsou essa raiva racionalizando que ela não estava telefonando<br />

do escritório porque não teria tempo para todas as coisas<br />

que tinham para botar em dia. Mas sua cabeça estava tão<br />

cheia de coisas que queria dizer a ela que pegou uma caneta<br />

e começou a escrever uma carta. Quando deu por encerrada,<br />

havia enchido doze páginas.<br />

Glória também não conseguia se concentrar no trabalho.<br />

Toda vez que tentava revisar a história sobre a sua mesa, seus<br />

pensamentos se voltavam para Jim. Será que, sem perceber,<br />

ela o estava encorajando? Ao romper com ele, ela pode ter lhe<br />

enviado mensagens ambíguas, na tentativa de poupá-lo, mas<br />

tornou-se dolorosamente rude desde então. Um pensamento<br />

assustador percorreu-a: e se ele tentasse se matar? Seria culpa<br />

dela? Sua cabeça começou a doer.<br />

Naquela noite, por volta de oito horas, Jim finalmente decidiu<br />

que não podia esperar mais. As rosas, aparentemente,<br />

não haviam dado conta do recado, mas ele já não se importava.<br />

Ele estava a ponto de explodir com a pressão de sua própria<br />

ansiedade. Tinha que ouvir a voz dela. Então ele lhe telefonou.<br />

Ela desligou. Ele ficou arrasado.<br />

Quando Glória acordou na manhã seguinte, olhou. pela<br />

janela e viu Jim sentado em frente à sua porta. Desesperada,<br />

ela chamou a polícia, mas como não era uma emergência, disseram<br />

que poderia levar horas até responderem. Ela se sentiu<br />

presa em seu próprio apartamento, com medo até de abrir a<br />

porta para pegar o jornal. Estava determinada a não ir ao trabalho,<br />

se precisasse, para evitar ter contato com ele, mas, para<br />

sua surpresa, Jim resolveu partir após mais ou menos uma hora.<br />

Glória chegou atrasada no trabalho e encontrou Jim esperando<br />

no estacionamento. Ela estava tão frustrada e furiosa<br />

que começou a gritar para que ele a deixasse em paz. Enquanto<br />

ela berrava, Jim apenas sorria compreensivamente, pedindolhe<br />

que tivesse calma. As pessoas a olhavam como se ela fosse<br />

a louca. Chegou no escritório em prantos. Sua dor de cabeça<br />

voltou violentamente.<br />

li


12 AMORES OBSESSIVOS<br />

Jim voltou para casa transtornado por não ser capaz de<br />

descobrir a chave que a abriria para amá-lo. Ele sabia que se<br />

apenas pudesse fazê-la sair com ele mais uma vez, seu amor<br />

dissolveria a resistência dela aos seus destinos em comum.<br />

A história de Jim e Glória é um caso clássico de amor<br />

obsessivo. O comportamento sufocante de Jim e sua recusa em<br />

aceitar que Glória não queria mais manter um relacionamento<br />

com ele estavam, de maneiras distintas, destruindo a vida<br />

de ambos. O amor obsessivo é uma prisão, tanto para os obsessores<br />

quanto para os homens e mulheres que são objetos<br />

de seu amor incansável.<br />

POR QUE DECIDI ESCREVER ESTE LIVRO<br />

Jim veio me ver mais ou menos um mês após o incidente com<br />

as rosas. Racionalmente, ele sabia que tinha que desistir de Glória,<br />

mas emocionalmente não conseguia fazê-lo. Ele me implorou<br />

que o ajudasse.<br />

Enquanto ouvia Jim abrir o seu coração, fui ficando impressionada<br />

pelo quanto ele e Glória haviam sofrido, e ainda<br />

estavam sofrendo, com o peso da sua obsessão. Como um relacionamento<br />

promissor e romântico chegou a esse ponto? Jim<br />

estava desesperado atrás de respostas.<br />

fim<br />

O que me faz fazer estas coisas? Eu sou um advogadodeveria<br />

agir com lógica. Mas quando se trata de Glória,<br />

simplesmente não consigo. Será que vou ser assim para<br />

sempre? Sinto como se nunca fosse esquecê-la. Será que<br />

vou passar o resto da minha vida forçando os meus relacionamentos?<br />

Não posso continuar assim. É muito doloroso.<br />

Há algo que eu possa fazer?<br />

INTRODUÇÃO 13<br />

Eu disse a Jim que entendia quão sozinho, confuso e descontrolado<br />

ele se sentia. A maioria dos obsessores se sente assim,<br />

e no entanto freqüentemente não tem onde buscar apoio.<br />

Seus amigos e parentes não entendem por que eles simplesmente<br />

não "esquecem" seus namorados (as) e continuam com<br />

suas vidas. Como o comportamento é sempre tão opressivo,<br />

raramente encontram um ouvido atento a menos que procurem<br />

tratamento profissional, e, às vezes, nem assim. Eu assegurei<br />

a Jim que, se ele realmente quisesse mudar, eu poderia<br />

ajudá-lo. O fato de ele ter escolhido vir me ver era um primeiro<br />

passo muito importante.<br />

Quando comecei a trabalhar com Jim e descobrir respostas<br />

para as suas perguntas, percebi que essas mesmas perguntas<br />

deveriam estar atravessando as mentes de milhões de outros<br />

problemáticos e sofridos amantes obsessivos.<br />

Da mesma forma, eu sabia que Glória devia estar assolada<br />

por suas próprias perguntas. Será que ela não poderia ter<br />

percebido mais cedo que algo estava errado? Estaria ela inadvertidamente<br />

alimentando a obsessão de Jim? Por que não podia<br />

fazer com que ele a levasse a sério? Será que seria capaz<br />

de confiar em um outro namorado? Embora simpatizasse com<br />

a dor de Jim também sentia compaixão por Glória. Os objetos<br />

de amores obsessivos são, quase sempre, vítimas esquecidas.<br />

Seus confidentes acham suas lamentações divertidas ou<br />

os acusam de estarem exagerando o comportamento de seu<br />

amante.<br />

Quando Jim saiu, pensei nas centenas de obsessores e de<br />

pessoas que eram objetos de amores obsessivos que tratei durante<br />

os anos. Sentia-me constantemente tocada por esses homens<br />

e mulheres cujas vidas foram dramaticamente alteradas<br />

por esse tipo particularmente destrutivo de obsessão. Muitos<br />

dos obsessores eram pessoas inteligentes, atraentes e bem-sucedidas,<br />

que se sentiam chocadas e envergonhadas com seu<br />

comportamento, mas que se viam impotentes para fazer qualquer<br />

coisa a respeito. Eles quase sempre se descreviam como<br />

"possuídos" ou "descontrolados", sucumbindo a impulsos que<br />

lablam serem frustrantes.<br />

.. .. ... . Há poucos de nós que não tiveram a experiência seja da<br />

.•• dolorosa e da frustração de viver obcecado por alguém<br />

"queremos desesperadamente, mas que não podemos ter,


14 AMORES OBSESSIVOS<br />

seja da pressão e da ansiedade de ser o objeto da obsessão de<br />

alguém, ou de ambas. Eu queria ajudar tanto aos obsessores<br />

quanto aos objetos de obsessões a lidarem com os amores obsessivos<br />

e a se livrarem do que monopoliza seus pensamentos,<br />

distorce seus julgamentos e toma conta de suas vidas. Foi por<br />

esse motivo que resolvi escrever o livro.<br />

Quando Craig e eu começamos a escrever, fiquei estarrecida<br />

com a quantidade de amigos, colegas, clientes e até mesmo<br />

conhecidos casuais que me pediram que usassem suas histórias.<br />

Embora isto tenha acontecido com todos os livros que<br />

escrevi, nunca ocorreu com tal freqüência ou paixão. O amor<br />

obsessivo toca a todos nós.<br />

Todas as histórias desse livro são verdadeiras. Mudei os<br />

nomes, profissões e outras características de identificação de<br />

todas as pessoas que conversaram comigo (e das pessoas ligadas<br />

a elas) de forma a proteger suas identidades, mas reproduzi<br />

suas palavras e suas experiências o mais acuradamente<br />

possível.<br />

o QUE É O AMOR OBSESSIVO?<br />

Após duas décadas de prática clínica, descobri quatro condições<br />

que ajudam a esclarecer, a mim e a meus clientes, se estão<br />

se debatendo com um amor obsessivo:<br />

1. Deve-se ter uma preocupação dolorosa e totalmente consumidora<br />

com um amante real ou desejado.<br />

2. Deve-se ter um desejo insaciável de possuir ou ser possuído<br />

pelo objeto de sua obsessão.<br />

3. I)eve-se ter sido rejeitado pelo objeto ou este não deve estar<br />

disponível de algum modo, seja física ou emocionalmente.<br />

4. A indisponibilidade ou rejeição do objeto deve levar a um<br />

comportamento frustrante.<br />

Por todo o livro estarei usando a palavra' 'obsessivo" para<br />

descrever um certo comportamento. Isto é tecnicamente incorre-<br />

INTRODUÇÃO 15<br />

to já que o termo' 'obsessivo" se refere tradicionalmente apenas<br />

a pensamentos. O termo correto em psicologia para um comportamento<br />

impelido pela obsessão é "compulsivo' '. Contudo, em<br />

nome da simplicidade, escolhi usar neste livro um único adjetivo,<br />

"obsessivo", para descrever tanto comportamentos quanto<br />

pensamentos.<br />

O amor obsessivo não tem gênero. Tanto homens quanto<br />

mulheres podem se tornar obsessivos, e tanto homens quanto mu-<br />

1heres podem ser objetos de obsessões. Os obsessores podem ser<br />

completamente racionais em outras áreas de suas vidas ou podem<br />

estar envolvidos em outros comportamentos impulsivos. Estes<br />

comportamentos podem variar de alcoolismo, toxicomania<br />

ou jogos de azar até compulsões menos propagandeadas como<br />

o VÍCio pelo trabalho ou o perfeccionismo exagerado. Qualquer<br />

um pode ser um obsessor.<br />

Da mesma forma, não há regras a respeito de que tipos de<br />

pessoas são escolhidas como objetos. Alguns objetos encorajam<br />

seus amantes obsessivos, outros recusam totalmente qualquer<br />

contato. Alguns objetos inicialmente compartilham da paixão<br />

de seus amantes, outros a rejeitam imediatamente. Alguns objetos<br />

são casados com seus obsessores, outros maIos conhecem.<br />

A única coisa que todos os objetos de obsessão têm em comum<br />

é um perseguidor incansável e indesejado.<br />

O MITO DA PAIXÃO SUPREMA<br />

A cultura popular há muito cultiva uma fascinação romântica<br />

pelo amor obsessivo. Na minissérie televisiva Napoleão e Josefina<br />

há uma maravilhosa cena erótica durante a qual Armand<br />

Assante (Napoleão) expressa o poder de seu amor a Jacqueline<br />

Bisset (Josefina) dizendo: "Você é minha obsessão." Um perfume<br />

popular usa a mesma linha em sua propaganda na TV ao<br />

prometer a quem o use um caminho mais curto para a paixão<br />

'.0 romance. No best-seller Acima de Qualquer Suspeita (e no<br />

time subseqüente), o personagem principal ainda anseia pela<br />

IIHnte sensualidade do seu obsessivo caso de amor, mesmo após


18 AMORES OBSESSIVOS<br />

A rejeição é o gatilho do amor obsessivo<br />

Os amantes obsessivos estão tão presos ao turbilhão de suas paixões<br />

que simplesmente se recusam a aceitar o fim de um relacionamento.<br />

Muitos de vocês já sabem que são obsessivos. Outros podem<br />

estar sofrendo muito por causa de um relacionamento, e podem<br />

até estar aterrorizados com seu próprio comportamento,<br />

mas ainda não sabem claramente o que está acontecendo. Para<br />

ajudá-los a descobrir se são obsessivos em seu relacionamento<br />

com uma namorada, um ex-namorado ou um conhecido desenvolvi<br />

a seguinte lista.<br />

Algumas destas perguntas podem atingi-lo diretamente e<br />

fazê-lo se sentir embaraçado, culpado, triste ou aborrecido. Por<br />

favor, demore-se nas perguntas em que isto ocorrer. O desconforto<br />

é um sinal positivo de que algo dentro de você está sendo<br />

despertado e trazido à superfície. Após saber do que se trata, você<br />

pode escolher o que fazer a respeito.<br />

1. Você deseja constantemente alguém que não está física ou<br />

emocionalmente à sua disposição?<br />

2. Você vive para o dia em que esta pessoa esteja disponível para<br />

você?<br />

3. Você acredita que se desejar muito esta pessoa ela terá que<br />

amar você?<br />

4. Você acredita que se assediar intensamente esta pessoa (ou<br />

do jeito certo) ela terá que aceitar você?<br />

5. Quando você é rejeitado, isto só faz com que queira ainda<br />

mais esta pessoa?<br />

6. Se você é constantemente rejeitado, a sua excitação em relação<br />

à pessoa se transforma em melancolia ou raiva?<br />

7. Você se sente uma vítima porque esta pessoa não lhe dá o que<br />

, você quer?<br />

8. A sua preocupação com ela é tão intensa que afeta seus hábitos<br />

alimentares e seu sono ou sua capacidade de trabalho?<br />

9. Você acredita que esta pessoa é a única que pode fazer a sua<br />

vida valer a pena?<br />

INTRODUÇÃO<br />

10. Você procura por esta pessoa incessantemente, quase sempre<br />

em horas estranhas, ou passa longas horas esperando que<br />

ela lhe procure?<br />

11. Você aparece de surpresa na casa ou no escritório desta pessoa?<br />

12. Você verifica onde e com quem esta pessoa supostamente está?<br />

Você já a seguiu secretamente?<br />

13. Você já cruzou a linha do vandalismo ou até da violência contra<br />

esta pessoa ou contra você mesmo?<br />

Se você disse "sim" a três ou mais destas perguntas, você<br />

é um amante obsessivo. Mas não se desespere - o amor obsessivo<br />

não é uma falha genética, mas uma maneira que você<br />

e uma série de outras pessoas aprenderam de tentar ir ao encontro<br />

das necessidades normais de amar e ser amado. Você<br />

pode derrotar a obsessão. Tudo o que é aprendido pode ser<br />

desaprendido.<br />

Antes de se libertar dos demônios do amor obsessivo, você<br />

precisa reconhecer quanto controle eles têm exercido sobre<br />

a sua vida. Eu sei que isto é mais fácil de falar do que de fazer.<br />

A obsessão cria sua própria capa de negação e confusão e depois<br />

se esconde lá dentro. Mas eu prometo que este reconhecimento<br />

lhe ajudará a fazer mudanças positivas em sua vida.<br />

(OBS.: Se você respondeu "sim" à última pergunta da lista,<br />

além de ler este livro, você deve procurar ajuda profissional<br />

imediatamente, antes que cause um dano irreparável a você ou<br />

a mais alguém.)<br />

VOCÊ É OBJETO DE UMA OBSESSÃO?<br />

Se você está em meio a um relacionamento problemático ou<br />

se é o objeto das indesejadas atenções de alguém, o primeiro<br />

passo para lidar eficazmente com a sua situação é determinar<br />

se o seu amante ou admirador é de fato obsessivo. A lista seguinte<br />

o ajudará a determinar isto. Após fazer isto, você será<br />

19


20<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

capaz de adotar as estratégias apropriadas para reassumir o<br />

controle da sua vida.<br />

1. Você se sente sufocado pelo comportamento de seu parceiro?<br />

2. Alguém que você desencorajou tenta repetidamente convencê-lo<br />

(a) de que você não conhece seus próprios sentimentos<br />

ou desejos, que você na verdade a (o) ama?<br />

3. Um ex-namorado ou um ex-cônjuge se recusa a acreditar<br />

que tudo está terminado e continua a persegui-lo (a) a despeito<br />

de suas objeções?<br />

4. Você recebe telefonemas, cartas, presentes ou visitas indesejadas<br />

desta pessoa?<br />

5. O assédio desta pessoa gera tanta ansiedade em sua vida<br />

que afeta seu bem-estar físico ou emocional ou sua capacidade<br />

de se concentrar no trabalho?<br />

6. Quando você rejeita esta pessoa, isto faz com que ela o<br />

queira ainda mais desesperadamente?<br />

7. Quando você rejeita esta pessoa, ela se torna melancólica<br />

ou zangada?<br />

8. Esta pessoa vigia os lugares que você freqüenta e com quem<br />

você se encontra? Você já se deu conta de estar sendo seguido?<br />

9. Você tem medo de sair de casa porque ela pode estar lhe<br />

esperando?<br />

10. Você se sente refém da perseguição desta pessoa?<br />

11. Você teme que esta pessoa possa machucá-lo (a) ou se tornar<br />

autodestrutiva?<br />

12. Esta pessoa o ameaçou com violência ou foi violenta?<br />

Se você respondeu "sim" a pelo menos uma destas perguntas1<br />

é muito provável que você seja o objeto de um amor<br />

obsessivo. Embora muitos de vocês possam achar que as atenções<br />

indesejadas de um obsessivo são apenas incômodas, outros<br />

podem se sentir sufocados pela opressão e mudança de<br />

temperamento de um obsessivo. Outros ainda podem estar<br />

correndo um perigo real e não devem subestimar essa possibilidade.<br />

Com este livro você ganhará uma compreensão mais<br />

clara da sua situação e aprenderá maneiras de começar a encontrar<br />

a sua saída.<br />

INTRODUÇÃO 21<br />

o QUE ESTE LIVRO PODE FAZER POR VOCÊ?<br />

O amor obsessivo tem muitas faces - da enfermeira que não<br />

conseguia concentrar-se no trabalho devido a incessantes fantasias<br />

sexuais a respeito de um médico casado, ao marido que<br />

espionava sua fiel esposa dia e noite para se certificar de que<br />

ela não o estava enganando. Do recém-casado produtor cuja<br />

ex-namorada, em uma tentativa patética de recuperá-lo, apareceu<br />

em seu apartamento sem nenhuma roupa por baixo do<br />

casaco, à mulher homossexual que se via coagida a ter um caso<br />

com a sua supervisora, e à mulher que aborta quando foi<br />

atirada escada abaixo por seu ex-marido.<br />

Se você sabe que é, ou suspeita que seja, um obsessor, eu<br />

quero lhe ajudar a superar sua dor, confusão e ansiedade.<br />

Darei a você, neste livro, novas e específicas técnicas e estratégias<br />

que lhe permitirão reaver o controle de suas emoções,<br />

ao invés de p'ermitir que elas o controlem. Eu sei que alguns<br />

de vocês estão pensando "isso é impossível", mas eu lhes asseguro<br />

que não é. Você pode aprender a ponderar, a perceber<br />

e a fazer julgamentos racionais sem ser desviado por sua obsessão.<br />

Você pode aprender a se relacionar com outras pessoas<br />

de uma forma menos desesperada e impulsiva. Ao encarar a<br />

fonte da sua obsessão, você pode diminuir sensivelmente sua<br />

necessidade de possuir ou de ser possuído por um outro ser<br />

humano para se sentir inteiro.<br />

Se você é o objeto do amor obsessivo de alguém, este livro<br />

irá lhe confirmar que você não está sozinho e lhe mostrará<br />

como restabelecer a normalidade da sua vida. As pessoas<br />

que você encontrará nestas páginas lhe ajudarão a compreender<br />

com o que você está lidando e, em alguns casos, o que você<br />

pode estar inadvertidamente fazendo para encorajar as atenções<br />

de seu obsessor. Você vai aprender a encarar as difíceis<br />

decisões que deve tomar para pôr um ponto final no comportamento<br />

invasivo do obsessor. Este livro oferece informações<br />

específicas e estratégias legais e comportamentais para lhe aju-


22 AMORES OBSESSIVOS<br />

dar a se libertar da opressão do seu obsessor, seja ela meramente<br />

incômoda ou realmente perigosa.<br />

Embora os obsessores e os objetos de obsessões pareçam<br />

ter problemas diferentes, eles compartilham uma forte sensação<br />

de impotência em relação às suas vidas. A vida do obsessor<br />

é dominada por impulsos, paixões e fantasias aparentemente<br />

incontroláveis, enquanto a vida do objeto é freqüentemente dominada<br />

pela necessidade de escapar à perseguição opressora<br />

e incansável. Com este livro, espero ajudar tanto obsessores<br />

quanto seus objetos a escaparem da intensidade, da dor, do<br />

caos, do desejo, da impotência e do poder dos amores obsessivos.<br />

PARTE UM<br />

AMANTES OBSESSIVOS


AMORES OBSESSIVOS<br />

porque ele era um bom amante e uma companhia divertida.<br />

Ela realmente não sabia muito sobre ele. Seria impossível para<br />

ela ter aprendido muito sobre o seu caráter ou seusrelacionamentos<br />

anteriores durante as duas curtas semanas de paixão<br />

que tiveram. Ainda assim, ela estava convencida de que<br />

ele era "perfeito", de que se comprometeria com ela pelo resto<br />

da vida, e de que ele - apenas ele - tinha o poder de fazêla<br />

se sentir "uma pessoa plena".<br />

Certamente não quero insinuar que Margaret tenha feito<br />

algo fora do comum. Todos nós idealizamos. Isto é especialmente<br />

fácil de fazer no início de um relacionamento, quando<br />

os novos namorados estão se comportando da melhor maneira<br />

possível. Todos nós apresentamos nossa melhor face quando<br />

estamos atraídos por uma pessoa nova. Fazemos um esforço<br />

especial para sermos o mais encantador, o mais charmoso,<br />

o mais gracioso, o mais simpático, o mais lisonjeiro e o mais<br />

condescendente possível. Isto faz parte do nosso ritual de acasalamento.<br />

No entanto; embora tal comportamento possa revelar algumas<br />

facetas da nossa personalidade, não pode possivelmente<br />

contar a história toda. Todos temos nossos dias de mau humor,<br />

nossas mesquinharias, nossas reações impulsivas, nossas<br />

opiniões rígidas e nossos hábitos pouco atraentes. E certamente<br />

não queremos revelar nada disso a um namorado novo.<br />

No calor de um novo relacionamento, minimizamos nossos<br />

defeitos, não pensamos muito no fato de que o nosso amante<br />

está fazendo o mesmo. Sob tais condições, a idealização só<br />

pode prosperar.<br />

A ÚNICA<br />

Nos relacionamentos saudáveis, a idealização ajuda os amantesa<br />

acreditarem que - talvez - tenham encontrado a pessoa<br />

de seus sonhos. Mas os amantes saudáveis dão a eles mesmos<br />

uma rede de segurança chamada realidade. Eles esperam<br />

que seu relacionamento dê certo, mas também reconhecem que<br />

pode não dar.<br />

Os amantes obsessivos, por outro lado, trabalham sem esta<br />

rede e lutam pelo equilíbrio na corda bamba das expectativas<br />

A PESSOA MÁGICA 29<br />

românticas. Não há lugar para dúvidas na exagerada realidade<br />

da paixão obsessiva. Os amantes obsessivos vivem sob um<br />

credo inabalável:<br />

Esta é<br />

a única pessoa mágica<br />

capaz de satisfazer todas as minhas necessidades.<br />

Os amantes obsessivos acreditam verdadeiramente - às<br />

vezes sem que o saibam - que a sua "pessoa mágica" sozinha<br />

pode fazê-los felizes e satisfeitos, pode resolver todos os<br />

seus problemas, dar-lhes a paixão que desejam e fazê-los se<br />

sentir mais queridos e amados do que nunca. Com todo este<br />

poder, a pessoa mágica se torna mais do que um amante -<br />

ele ou ela se torna uma questão de sobrevivência.<br />

Não há pré-requisitos para a pessoa mágica. Não é necessário<br />

que ele ou ela seja especialmente atraente, inteligente,<br />

espirituoso (a) ou bem-sucedido (a) nem que possua quaisquer<br />

outras qualidades que comumente associamos às pessoas desejáveis.<br />

Na verdade, alguns obsessores se apaixonam por amantes<br />

profundamente problemáticos ou até mesmo viciados. Estes<br />

obsessores são irresistivelmente impelidos para os relacionamentos<br />

por uma arraigada necessidade de serem necessários<br />

e uma crença de que eles sozinhos podem salvar seus amantes<br />

(como veremos no Capítulo Quatro).<br />

As fantasias e expectativas dos obsessores em relação à<br />

sua pessoa mágica pode ter pouco a ver com o que essa pessoa<br />

realmente é e tudo a ver com o que eles próprios precisam<br />

e como esperam que tal pessoa satisfaça essas necessidades.<br />

Ninguém realmente sabe com absoluta certeza por que uma<br />

pessoa causa um efeito tão devastador em outra. Mas alguma<br />

coisa da pessoa mágica se comunica claramente com os anseios<br />

e necessidades individuais que repousam embutidos no<br />

inconsciente do amante obsessivo.


30 AMORES OBSESSIVOS<br />

o ESCULTOR MENTAL<br />

Nos relacionamentos saudáveis, conforme os amantes vão ficando<br />

emocionalmente mais íntimos, eles começam a se sentir<br />

seguros o bastante para se revelarem corno pessoas reais possuidoras<br />

de defeitos. As expectativas românticas destes amantes<br />

evoluem naturalmente para refletir as mudanças que sua<br />

honestidade traz ao seu relacionamento. Se não gostam do que<br />

encontram, têm a opção de acabarem o relacionamento.<br />

Mas terminar um relacionamento não é urna opção para<br />

os amantes obsessivos. Não importa qual seja a realidade, eles<br />

criam em suas mentes o relacionamento que querem. Corno<br />

se fossem escultores mentais, modelam suas expectativas usando<br />

os desejos, em vez da verdade, corno seu barro. Estas expectativas<br />

são notadamente resistentes às inevitáveis marteladas da<br />

realidade.<br />

Meu amigo Don é um Rodin regular quando se trata de<br />

escultura mental. Don é um advogado de quarenta e dois anos,<br />

atarracado, calvo, de fala mansa e com óculos à James Joyce<br />

que lhe dão urna distinta aparência acadêmica. Nascido e criado<br />

na Georgia, ainda mantinha urna charmosa característica da<br />

fala arrastada do sul. Quando soube que eu estava trabalhando<br />

neste livro, contou-me a história de seu torturante caso obsessivo<br />

com urna mulher casada.<br />

Don<br />

Eu a conheci quando estava em meu último ano na faculdade<br />

de direito. Eu trabalhava em regime de meioexpediente<br />

em uma livraria quando certo dia ela entrou<br />

- a mulher mais graciosa, elegante e deslumbrante que<br />

eu já vira. Fui cativado a partir do momento em que a<br />

vi. Minha primeira reação foi "Meu Deus, eu adoraria<br />

me envolver com ela". Corno se estivesse predestinado, eu<br />

estava conversando com um amigo quando ela se aproximou<br />

e entrou na conversa. Tinha um fantástico sotaque<br />

inglês e urna pele reluzente e uns olhos ... ela me nocauteou.<br />

Conversamos um pouco e, quando meu amigo saiu,<br />

eu tive repentinamente um impulso e perguntei se podia<br />

levá-la para jantar. Ela olhou para mim e disse: "Sinto<br />

A PESSOA MÁGICA 31<br />

muito, mas sou casada." Normalmente, isso seria o fim<br />

da história, mas dessa vez as palavras não significaram<br />

nada para mim. Eu simplesmente não podia deixá-la sair<br />

da minha vida. Eu precisava arranjar um meio de passar<br />

algum tempo com ela. Então perguntei se ela gostaria de<br />

me encontrar para uma xícara de café, apenas para conversar.<br />

Quando ela disse "tudo bem", eu pensei que tinha<br />

morrido e ido para o céu.<br />

Don se apaixonou à primeira vista, exatamente corno no<br />

cinema. Mas havia um problema - desde os primeiros momentos<br />

de seu encontro, Don sabia que Cynthia era casada.<br />

Em outras circunstâncias, isto o teria desencorajado, mas Don<br />

estava convencido de que havia encontrado a sua pessoa mágica.<br />

Assim, ele começou a moldar sua própria realidade de<br />

forma a nublar a magnitude deste obstáculo.<br />

Don<br />

Começamos a almoçar juntos regularmente e conversávamos,<br />

conversávamos, conversávamos. Ela era muito britânica,<br />

logo não estava acostumada a discutir seus sentimentos<br />

abertamente, mas isso apenas me deixava mais intrigado.<br />

Então, um dia, fornos caminhar na praia. O sol<br />

brilhava, o mar reluzia ... Eu olhei para ela e aí... me inclinei<br />

e a beijei. Foi o momento mais surpreendente da<br />

minha vida. Depois disso, tudo o que eu queria era estar<br />

com ela, tudo o que fazia era pensar nela. Quando começamos<br />

a nos conhecer um pouco melhor, ela finalmente<br />

começou a contar mais sobre ela mesma e sobre seu casamento.<br />

Cynthia tinha vindo para os Estados Unidos com dezoito<br />

anos, para estudar piano na Juilliard. Um ano depois, conheceu<br />

seu marido, um médico quinze anos mais velho do que<br />

ela. Eles se casaram e ela interrompeu seus estudos para se mudar<br />

com ele para a Costa Oeste.<br />

Don<br />

Ela sempre se ressentiu de ter desistido da música, mas<br />

nunca conversou com seu marido a respeito. Nunca con-


32 AMORES OBSESSIVOS<br />

versou com ele sobre coisa alguma. Ela disse que nunca<br />

havia sido capaz de se abrir com ele como fazia comigo.<br />

Disse que nenhum homem nunca fora tão terno e delicado<br />

e carinhoso e sincero com ela como eu o era. Aí estava<br />

a mulher com quem sonhara desde a adolescência, e ela<br />

estava fazendo com que eu me sentisse como se fosse o<br />

único homem para ela. Eu sabia que era apenas uma questão<br />

de tempo até ela deixar o marido, embora ela nunca<br />

falasse sobre isso. Comecei a ver no jornal quanto custaria<br />

um apartamento maior para quando ela estivesse pronta<br />

para vir morar comigo. Eu até me informei a respeito de<br />

um bom advogado, assim poderia lhe dar a referência<br />

quando ela estivesse pronta para o divórcio.<br />

Nesta altura do relacionamento, Don havia estabelecido<br />

apenas uma amizade platônica com Cynthia. Eles não foram<br />

além de um beijo na praia. Mas a partir deste beijo e de umas<br />

poucas palavras carinhosas, Don se convenceu de que ele e<br />

Cynthia estavam destinados a ficarem juntos.<br />

Don começou a fantasiar longamente sobre como seria<br />

a sua vida juntos. Primeiro ele a ajudaria com seu divórcio<br />

e se mudaria para um apartamento com ela. Ela continuaria<br />

a trabalhar como agente de viagens até ele terminar a faculdade.<br />

Então ele seria capaz de sustentá-los e ela poderia largar<br />

o emprego e voltar para a música. Ele a via sentada ao piano,<br />

na sala de estar, ao lado de uma resplandecente lareira, enfeitiçando-o<br />

com as melodias sensuais de Chopin e Brahms. Ele<br />

os via voando para Londres para visitarem a família dela e depois<br />

esticando até Paris para dividirem uma garrafa de Beaujolais<br />

à beira do Sena. E estas cenas culminavam sempre, sempre,<br />

em um frenético e apaixonado ato de amor.<br />

Cynthia não dera a Don nenhuma indicação de que estava<br />

disposta a deixar seu marido, mas isto de forma alguma evitou<br />

que ele desenvolvesse a certeza de que ela iria se separar.<br />

As extravagantes construções fantasiosas de Don reduziram o<br />

fato de ela ser casada a pouco mais do que um aborrecimento<br />

menor.<br />

A PESSOA MÁGICA 33<br />

ADORADORES À DISTÂNCIA<br />

A maioria dos escultores mentais tem pelo menos algum encorajamento<br />

romântico que usam como trampolim para suas<br />

fantasias, ainda que seja apenas uns poucos encontros. Mas<br />

não é necessário que um objeto encoraje a sua ou o seu obsessor.<br />

Em alguns casos extremos, a pessoa mágica pode nem saber<br />

o nome de seu obsessor.<br />

Laurie, uma enfermeira de um grande hospital do meiooeste,<br />

telefonou para o meu programa de rádio em prantos.<br />

Ela me contou que estava com pouco mais de trinta anos e<br />

havia rompido com um casamento infeliz há dois anos. Não<br />

havia se envolvido com ninguém desde então. Mas agora estava<br />

enlouquecidamente apaixonada por um médico do hospital<br />

onde trabalhava - um médico que talvez a visse nos corredores,<br />

mas que não tinha nenhum contato direto com ela.<br />

Laurie<br />

Eu não sei o que fazer. Isso parece tão maluco ... ele nem<br />

sabe que eu existo. Para ele, eu sou apenas uma entre um<br />

milhão de enfermeiras. Ele é deslumbrante, charmoso, encantador,<br />

perfeito. Não posso parar de pensar nele. Penso<br />

em preparar-lhe jantares à luz de velas; penso em nós<br />

dois nus, ele me abraçando, me apertando, fazendo amor<br />

comigo ... E o pior de tudo, sei que ele tem um casamento<br />

feliz. Outro dia sua esposa veio almoçar com ele e eu não<br />

pude parar de chorar. Minha supervisora me disse para<br />

ir para casa mais cedo. Toda vez que saio com alguém,<br />

passo momentos horríveis porque só penso nele todo o<br />

tempo. Mas eu jamais poderia convidá-lo para sair, você<br />

sabe, tomar um drinque ou mesmo uma xícara de café.<br />

Quer dizer, ele é casado; não seria direito. Eu sei que é<br />

idiotice, mas às vezes passo noites inteiras chorando. Estou<br />

emagrecendo tanto que todos os meus amigos estão<br />

preocupados. É como se esse cara tivesse tirado a minha<br />

vida e ele nem sabe disso.<br />

O romance de Laurie foi inteiramente esculpido a partir<br />

de componentes imaginários. Ela não tinha nenhuma razão<br />

para esperar que seu amante fantasioso se interessasse por ela.


AMORES OBSESSIVOS<br />

Na verdade, todas as evidências apontavam o contrário. Mas,<br />

embora soubesse que não havia nenhuma esperança de um relacionamento,<br />

ela ainda permanecia totalmente vidrada em sua<br />

pessoa mágica.<br />

Eu denomino as pessoas como Laurie de "adoradores à distância",<br />

amantes obsessivos que não têm qualquer envolvimento<br />

romântico ou sexual com os objetos de sua obsessão. Esses<br />

amantes obsessivos constroem em suas mentes relacionamentos<br />

elaborados, às vezes com objetos que nem conhecem (quase<br />

sempre astros e estrelas de cinema ou outras celebridades).<br />

Embora essa forma de amor obsessivo possa parecer benigna,<br />

seu poder não deve ser subestimado. Isto pode ser tão<br />

destruidor para o bem-estar emocional do obsessor quanto<br />

qualquer outro tipo de amor obsessivo e, se não for contido,<br />

pode chegar a um comportamento obsessivo que acabe afetando<br />

drasticamente as vidas do obsessor e de seu objeto.<br />

o PODER DO SEXO<br />

Os adoradores à distância são exceções à regra. A maioria dos<br />

obsessores tem alguma espécie de relacionamento com a sua<br />

pessoa mágica, que varia de encontros eventuais até o casamento.<br />

Mas qualquer que seja a natureza do relacionamento,<br />

o sexo quase sempre desempenha um papel preponderante. E<br />

os amantes obsessivos em geral relatam inacreditáveis experiências<br />

sexuais com seus objetos amados.<br />

Margaret<br />

Na primeira vez que dormimos juntos eu senti como se<br />

estivesse descobrindo o sexo naquele momento. Ele me perguntava<br />

do que eu gostava enquanto estávamos fazendo<br />

amor, o que ninguém havia feito comigo antes. Quando<br />

acabamos, ele sabia tudo a meu respeito, e quero dizer<br />

tudo mesmo. Ele fazia coisas com a língua que quase me<br />

faziam explodir. Fazíamos sexo por umas três horas, e ficava<br />

cada vez melhor. E era sempre assim.<br />

.. J<br />

A PESSOA MÁGICA 35<br />

As emoções exageradas, as fantasias românticas e as expectativas<br />

extremas de Margaret a ajudaram a carregar seus<br />

encontros sexuais com Phil com um toque de febre. O prazer<br />

inebriante que experimentava com seu quentíssimo amante a<br />

levara a idealizar Phil ainda mais. Isto, por sua vez, tornou-o<br />

cada vez mais fascinante e insubstituível para ela, o que aquecia<br />

mais ainda a chama sexual.<br />

Essa vaporosa mistura de sexo, idealização e encantamento<br />

prende os obsessores cada vez mais profundamente em seus<br />

relacionamentos. Os obsessores vêem sua tórrida sexualidade<br />

como alguma espécie de sinal cósmico de que eles e seus amantes<br />

foram feitos um para o outro.<br />

Margaret<br />

Não havia possibilidade de ele ser apenas mais um cara,<br />

havíamos definitivamente sido feitos para ficarmos juntos.<br />

Cada vez que fazíamos amor, eu sentia como se estivéssemos<br />

nos fundindo, ficávamos tão próximos. Quer dizer,<br />

este era o único momento em que realmente sentia<br />

seu amor. .. ele sempre se fechava quando eu tentava falar<br />

sobre o nosso relacionamento.<br />

Margaret acreditava que ela e Phil tinham um relacionamento<br />

íntimo e amoroso, ainda que ele nunca expressasse verbalmente<br />

seus sentimentos. Ela estava convencida de que a intensidade<br />

de sua sexualidade era o modo de ele expressar a<br />

intensidade de seus sentimentos. Só um homem que a amasse<br />

verdadeiramente poderia lhe fazer se sentir tão fantástica na<br />

cama. Como fazem tantos amantes obsessivos, Margaret estava<br />

confundindo paixão sexual com amor, e, ao fazê-lo, estava<br />

se precipitando para uma queda dolorosa.<br />

DO ROMANCE À REJEIÇÃO<br />

Os sentimentos que Margaret achava deliciosos não diferiam<br />

dos sentimentos que muitos de nós vivem durante a ine-


36<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

briante onda de um novo amor. Por isso, é virtualmente impossível<br />

focalizar um relacionamento potencialmente obsessivo nos<br />

estágios iniciais. Quase todos nós nos preocupamos com os<br />

pensamentos e as fantasias de um novo amante no começo de<br />

um relacionamento romântico. Quase todos nós desviamos nossas<br />

vidas de forma a passar a maior parte do tempo possível<br />

com ele ou ela. Esta forma branda de obsessão é perfeitamente<br />

saudável, desde que seja uma fase geralmente temporária<br />

onde os sentimentos são recíprocos.<br />

Mas quando os amantes são realmente obsessivos, nada<br />

é considerado temporário. E se, após o primeiro rompante<br />

de romance, seu alvo começa a se afastar, se apaixona por<br />

outra pessoa ou simplesmente se vai, sua preocupação transforma<br />

seus sentimentos de rejeição em um inferno emocional.<br />

REJEIÇÃO: O PESADEW DO OBSESSOR<br />

A diferença entre amantes saudáveis e amantes obsessivos fica<br />

aparente quando a rejeição entra em cena. Se amantes saudáveis<br />

são rejeitados, eles geralmente lamentam a perda do seu<br />

relacionamento e continuam com suas vidas. Mas os amantes<br />

obsessivos se inundam de pânico, insegurança, medo e dor, o<br />

que os leva a resistir com unhas e dentes à deterioração do relacionamento.<br />

A rejeição desencadeia a obsessão.<br />

A rejeição pode ser espalhafatosa ou implícita, pode ser<br />

real ou imaginária, presente ou antecipada, constante ou intermitente.<br />

Pode atacar pronta e decisivamente, como uma corrente<br />

de luz, ou pode ser lenta e sutil, como a tortura chinesa<br />

da água. Qualquer forma de rejeição pode desencadear amores<br />

obsessivos.<br />

ANSIEDADE DE REJEIÇÃO<br />

Ninguém gosta de ser rejeitado. Dói um bocado. Mas acontece<br />

com quase todo o mundo pelo menos uma vez. A rejeição<br />

:..,<br />

A PESSOA MÁGICA 37<br />

é um risco que todos corremos quando nos abrimos a um novo<br />

relacionamento. A maioria de nós se sente ocasionalmente<br />

insegura com relação à possibilidade de rompimento de um<br />

amante. Eu chamo isto de "ansiedade de rejeição".<br />

Com a continuidade dos relacionamentos saudáveis e com<br />

a confiança que os amantes passam a ter um pelo outro, essa<br />

ansiedade tende a diminuir. Infelizmente, a maioria dos obsessores,<br />

durante um relacionamento, vive com um medo quase<br />

constante de que sua pessoa mágica os deixe.<br />

Apesar de sua excitação, Margaret vivia em um estado de<br />

ansiedade desde o início de seu relacionamento com Phil. Quando<br />

ele concordou em morar com ela após três meses juntos,<br />

ela achou que esta mudança iria fazê-la se sentir mais segura<br />

em relação ao seu compromisso. Mas, para sua aflição, aconteceu<br />

exatamente o oposto.<br />

Margaret<br />

Uma noite ele me telefonou para dizer que ficaria até tarde<br />

jogando pôquer com os amigos. Ele só chegou às três<br />

da manhã, e durante todo o tempo fiquei pensando, por<br />

que ele queria ficar com eles e não comigo? Será que estava<br />

ficando impaciente? Será que estava se cansando de<br />

mim? Tentei esconder meus sentimentos, mas aquilo realmente<br />

me assustou. Comecei a perguntar-lhe sempre que<br />

saía de casa se realmente me amava. Eu sabia que isso o<br />

transtornava, mas não podia evitar - eu tinha que ouvilo<br />

dizer. Eu estava tão apaixonada por este homem. Passei<br />

a odiar quando ele precisava ir ao trabalho; queria estar<br />

com ele todos os segundos. Quando ele estava fora,<br />

eu morria de medo de que não voltasse para casa.<br />

Quando a ansiedade de rejeição de Margaret chegou ao<br />

ponto máximo, sua necessidade de segurança tornou-se insaciável.<br />

Ela se sentia ameaçada por tudo e todos que a afastassem<br />

de Phil. Tornou-se pegajosa e exigente, o que só aumentou<br />

o seu medo, pois sabia que tal comportamento afastaria<br />

Phil. Mas não podia evitar. Suas tendências obsessivas, trazidas<br />

à superfície pela ansiedade de rejeição, haviam adquirido<br />

vida própria. O racional de Margaret não podia competir com<br />

o poder de seu amor obsessivo.


38 AMORES OBSESSIVOS<br />

Como os obsessores acreditam que a sua sobrevivência<br />

emocional depende do êxito do seu relacionamento, quase sempre<br />

ficam hipersensíveis a qualquer nuança de comportamento<br />

de seu amante - seja uma alteração no tom de voz, um<br />

encontro desmarcado ou um novo hobby. Qualquer coisa que<br />

não seja a total devoção e atenção de seu objeto amado pode<br />

fazer um obsessor se sentir abandonado.<br />

Numa tentativa de se protegerem da rejeição que temem,<br />

muitos obsessores tentam adivinhar que tipo de pessoa seu<br />

amante quer que sejam. Eles se angustiam com sua aparência,<br />

seu jeito de falar, seu desempenho na cama, sua inteligência<br />

- são verdadeiros contorcionistas na tentativa de serem<br />

desejáveis à pessoa mágica. Vale tudo para evitar a rejeição.<br />

o TEMPO NÃO AJUDA<br />

A ansiedade de rejeição não se limita aos novos relacionamentos.<br />

Meu cliente Hallutou com ela por quase vinte anos. Hal<br />

era um dentista de quarenta e dois anos, de constituição frágil,<br />

cabelos castanhos finos e um sorriso apaziguador. Ele veio<br />

me ver porque a sua obsessão por sua própria esposa havia<br />

acabado de destruir seu casamento.<br />

Hal e Fran estiveram casados por dezenove anos. Hal sempre<br />

se sentiu inseguro em relação a seu relacionamento. Fran<br />

era tão encantadora e expansiva que todos a galanteavam, enquanto<br />

ele, por outro lado, tendia a ser tímido e recatado. Hal<br />

sempre esteve preocupado que Fran se encantasse de algum homem<br />

que pudesse persuadi-la a acabar seu casamento, mas ele<br />

conseguiu resguardar seus sentimentos por todos esses anos.<br />

Aí sua única filha foi para a universidade e Fran retomou seu<br />

trabalho anterior como corretora de imóveis. Com Fran solta<br />

pelo mundo, a ansiedade de rejeição de Hal atingiu níveis<br />

dramáticos.<br />

Enquanto falava sobre seus temores, Hal brincava nervosamente<br />

com sua aliança.<br />

Ha!<br />

Logo que ela começou no trabalho percebi que estava falando<br />

um bocado sobre todos esses caras com quem esta-<br />

A PESSOA MÁGICA 39<br />

va trabalhando. Aí ela começou a receber clientes, e se era<br />

um cara e ela estaria se encontrando com ele o dia inteiro<br />

em todas essas casas vazias ... Era como arranhar unhas<br />

num quadro-negro. Eu não podia suportar. Tinha certeza<br />

de que ela sairia com um desses caras algum dia.<br />

Hal não tinha nenhuma razão para suspeitar que Fran estivesse<br />

fazendo algo minimamente inapropriado, nem que tivesse<br />

tal intenção. Ele estava sendo torturado por possibilidades<br />

que não eram confirmadas por nenhuma evidência.<br />

Mas Hal não precisava de evidências. Como Margaret, Hal<br />

substituía os temores por evidências. E como conseqüência do<br />

medo de que Fran o deixasse, ele criou em casa uma atmosfera<br />

de suspeita e ciúme que provocou uma aresta emocional entre<br />

ele e Fran.<br />

Para os amantes obsessivos, o medo da rejeição pode ter<br />

o mesmo efeito que a própria rejeição. Dessa forma, a ansiedade<br />

de rejeição leva freqüentemente os amantes obsessivos a<br />

se comportarem de uma forma que enraivece seus objetos e<br />

provoca a exata rejeição que eles temem. Em geral, a ansiedade<br />

de rejeição do obsessor se torna uma profecia.<br />

REJEIÇÃO ESPORÁDICA<br />

A rejeição não é sempre constante. Quando os objetos de amantes<br />

obsessivos não têm certeza de seus sentimentos, quase sempre<br />

rejeitam em um minuto para amar no minuto seguinte. Como<br />

a ansiedade de rejeição, este tipo de rejeição esporádica é um gatilho<br />

tão poderoso para os obsessores da mesma forma que a rude<br />

variante' 'nunca-mais-quero-te-ver-novamente' '.<br />

Conforme seu relacionamento com Cynthia progredia,<br />

Don cada vez mais vivia rejeições esporádicas. Após o primeiro<br />

beijo, o que era atração virou rapidamente um caso intenso.<br />

Eles se encontravam três ou quatro vezes por semana no apartamento<br />

de Don para furtivas tardes de amor. Mas Don estava<br />

ficando cada vez mais inquieto com esses encontros. Ele queria<br />

mais do que um caso - ele queria construir uma vida com<br />

sua pessoa mágica. E ele tinha certeza de que Cynthia queria<br />

a mesma coisa. Afinal, ela confessou seu amor por ele.


40<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Don<br />

Esperei pacientemente por dois anos para que ela deixasse<br />

o marido, mas nada mudou. Eu ficava dizendo a mim<br />

mesmo, bem, se eu for paciente, se eu for paciente ... mas<br />

ela não o deixaria. Eu me sentia em uma câmara de tortura,<br />

sendo dilacerado. Em um minuto ela era minha, em<br />

outro estava com ele. Numa semana parecia que estávamos<br />

mais íntimos, na semana seguinte eu achava que ela<br />

queria acabar com tudo. Eu não podia suportar isto. Num<br />

dia estava fazendo amor comigo, no dia seguinte estava<br />

se desculpando por não poder me ver. Eu não sabia se eu<br />

estava indo ou vindo, e isto estava me deixando louco.<br />

Ao oscilar entre o amor e a rejeição, Cynthia estava dando<br />

a Don o que no meu meio chamamos de "encorajamento<br />

intermitente' '. Talvez ela estivesse manipulando de forma a manter<br />

os dois homens, talvez ela não pudesse se decidir, talvez<br />

estivesse usando Don para escorar seu casamento, ou talvez<br />

simplesmente não tivesse forças para deixar o marido. Quaisquer<br />

que fossem seus motivos, para Don o resultado era o mesmo.<br />

Os bons momentos lhe davam lampejos encorajadores para<br />

o que ele desejava, enquanto os maus momentos aumentavam<br />

sua ansiedade de rejeição.<br />

A rejeição esporádica mantém os obsessores em um vaivém<br />

emocional, oscilando entre o medo de viver sem a sua pessoa<br />

mágica e a recusa em aceitar a possibilidade de que o seu<br />

relacionamento possa não dar certo.<br />

PAIXÃO CURTA, DOR PROWNGADA<br />

No caso de Don, a relação que alimentou suas fantasias obsessivas<br />

continuou por vários anos. Contudo, para muitos<br />

amantes obsessivos, umas poucas noites de paixão são o bastante<br />

para persuadi-los de que o relacionamento é real. Se o<br />

seu objeto se desinteressa após alguns encontros, eles reagem<br />

como se tivessem sido desprezados após um relacionamento<br />

prolongado.<br />

Isto aconteceu com minha cliente Nora, uma mulher atordoante<br />

de vinte e nove anos, cabelos pretos e olhos verdes, que<br />

A PESSOA MÁGICA 41<br />

gerencia uma loja de roupas exclusivas em Beverly Hills. Nora<br />

possuía antecedentes extremamente problemáticos. Ela engravidou<br />

aos quatorze anos e saiu da escola para ser mãe solteira.<br />

Para sustentar a si e a sua filha trabalhava em dois lugares,<br />

sendo-lhe quase impossível manter uma vida social. Mais tarde,<br />

abandonou um dos empregos e ingressou em um curso noturno<br />

para conseguir seu diploma de 2? grau. Embora mantivesse<br />

encontros ocasionais durante esses anos, não havia se envolvido<br />

em nenhum relacionamento mais sério.<br />

Quando a filha de Nora entrou para o curso secundário<br />

e se tornou mais independente, Nora começou a se sentir cada<br />

vez mais sozinha. Ela jurou a seus amigos que estava pronta<br />

para um relacionamento sério. Algumas de suas amigas lhe arranjaram<br />

encontros marcados com desconhecidos, e foi em um<br />

destes que ela conheceu Tom.<br />

Nora e Tom saíram algumas vezes e pareciam realmente<br />

ter se acertado. Nora telefonou para a amiga que os havia apresentado<br />

e lhe disse que tinha certeza de que iria passar o resto<br />

de sua vida com Tom.<br />

Nora veio para a terapia logo depois disso. Ela não via<br />

Tom há cinco semanas e não cabia em si de confusão e depressão.<br />

Nora<br />

Eu só consigo pensar nele. Eu sento em casa e como e espero<br />

o telefone tocar. Quer dizer, quando eu o conheci,<br />

ele fez com que eu me sentisse tão bem, eu realmente pensei<br />

que ia dar. Dormi com ele na primeira noite e foi maravilhoso.<br />

Senti que nossos corpos se encaixavam como yin<br />

e yang. Ele disse que sentiu o mesmo. Eu já sabia. Tinha<br />

que ser. Saímos mais algumas vezes e tudo parecia ficar<br />

cada vez mais quente. E então ele simplesmente parou de<br />

me ligar. Deixei alguns recados em sua secretária eletrônica,<br />

mas ele nunca respondeu minhas ligações. Como pôde<br />

me tratar assim, depois de tudo que tivemos?<br />

O que "tiveram" foram quatro encontros e bons momentos<br />

na cama, mas Nora estava convencida de que Tom era a<br />

sua pessoa mágica. Quando ele parou de telefonar e se recusou<br />

a responder aos telefonemas dela, Nora realmente se sen-


48<br />

O ACTING OUT<br />

ATRAVÉS DA AUTOPUNIÇÃO<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

A imagem de comportamento dos amantes obsessivos que extraímos<br />

dos jornais, cinema e televisão envolve intrusões na<br />

vida do objeto e ameaças ou até danos físicos causados ao objeto.<br />

Porém muitos amantes obsessivos reagem à dor da rejeição<br />

voltando-se inconscientemente contra eles mesmos, agindo<br />

de forma a sabotar seu próprio bem-estar físico e emocional.<br />

Quando Tom deixou de procurar Nora, por exemplo, sua<br />

dor foi tanta que ela adoeceu literalmente. E o seu comportamento<br />

autopunitivo só piorou as coisas.<br />

Nora<br />

Comecei a maltratar meu estômago. A dor era inacreditável.<br />

Era assim, ai, Deus, por que ele não telefona? Eu<br />

não ia ao trabalho. Ficava em casa deprimida e olhando<br />

para o telefone. Eu apenas sentava lá e bebia um cálice<br />

de vinho atrás do outro ... comia bobagens, bebia vinho,<br />

comia mais, doía mais, comia mais, bebia mais ... todo o<br />

tempo pensando nele.<br />

Nora estava em um círculo vicioso obsessivo. Suas ruminações<br />

a respeito de Tom lhe causaram uma dor emocional tão<br />

intensa que ela tentou se medicar com os dois remédios favoritos<br />

dos amantes rejeitados: comida e álcool. Os obsessores<br />

autopunitivos freqüentemente descambam para o excesso de<br />

bebida, o excesso de comida ou a alimentação deficiente, drogas,<br />

jogos de azar, irritação ou desatenção no trabalho, dormem<br />

demais ou de menos, negligenciam a família e os amigos,<br />

e, nos casos extremos, tentam até mesmo o suicídio.<br />

Foi provavelmente o estresse emocional de Nora que afetou<br />

seu estômago. Mas isto não evitou que consumisse coisas<br />

que exacerbariam o problema. Nora esperava que o álcool ex-<br />

"<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 49<br />

tinguisse a dor e que o prazer de comer bobagens aliviasse seu<br />

espírito. O efeito sobre o seu organismo não causou surpresa,<br />

porém, para Nora, a dor de estômago era preferível à dor no<br />

coração.<br />

o EFEITO BUMERANGUE<br />

Quando disse a Nora o quanto estava se punindo, ela ficou<br />

confusa. Não foi Tom o causador de todos os males? Por que<br />

ela quereria aumentar sua própria desgraça? Eu lhe disse que<br />

além de ter que lutar com seus sentimentos conscientes de tristeza<br />

e dor, ela também estava adentrando o nível inconsciente.<br />

A rejeição é um insulto, um tapa na cara emocional. É<br />

um golpe em nossa auto-estima e em nossos sonhos. É natural<br />

que reajamos à rejeição não apenas com sofrimento, mas<br />

também com raiva. Levando em consideração a forma repentina<br />

e inexplicada de como Nora foi abandonada, ela não podia<br />

fazer nada a não ser se zangar. Mas não tinha consciência<br />

da raiva. O que estaria fazendo com ela?<br />

Sugeri a Nora que ela estava desviando a raiva que sentia<br />

de Tom para dentro de si mesma. E o enorme esforço emocional<br />

de reprimi-la a estava empurrando para uma espiral de melancolia<br />

e depressão.<br />

O profundo sofrimento de Nora é comum em amantes obsessivos.<br />

Muitos psicólogos chamam essa transformação de raiva<br />

em depressão de acting in. A expressão acting in implica<br />

comportamento, mas este tipo de sofrimento é mais emocional<br />

do que comportamental. Na verdade, às vezes me refiro<br />

a ele como o "efeito bumerangue", pois quando fracassamos<br />

ao expressar ou trabalhar os sentimentos raivosos, estes se voltam<br />

para nós, como um bumerangue. A raiva, então, se esconde<br />

em nosso inconsciente, onde se disfarça como um camaleão<br />

emocional, transformando-se em uma variedade de sintomas,<br />

de dores de cabeça à exaustão e depressão.<br />

O SOFRIMENTO: A CONEXÃO DESESPERADA<br />

Alguns amantes obsessivos têm muitos problemas para expres-


AMORES OBSESSIVOS<br />

• enviar presentes, flores ou cartas indesejadas<br />

• inventar desculpas para se encontrar com o objeto<br />

amado<br />

• telefonar incessantemente para ele<br />

• ir repetidas vezes até a casa ou o local de trabalho dele<br />

• aparecer sem ser anunciado na sua casa ou no local<br />

de trabalho<br />

• espreitá-lo<br />

• ameaçar danos físicos a si mesmo ou ao outro<br />

Algumas destas táticas de perseguição podem parecer relativamente<br />

benignas, mas, na verdade, todas são exercícios de<br />

poder. Até mesmo as românticas seis dúzias de rosas que Jim<br />

deu a Glória eram uma prova de poder. Ele achava que estava<br />

sendo amoroso, mas o que estava realmente fazendo era combatendo<br />

a impotência que sentia contra a rejeição de Glória<br />

forçando-a a pensar nele. Ele estava abrindo à força o seu caminho<br />

em direção à vida dela. Ela não queria nenhum contato<br />

com ele, não queria lembretes. Mas ele os impunha a ela.<br />

Os amantes obsessivos utilizam as táticas de perseguição para<br />

afirmar seu poder onde se sentem mais impotentes - na perda<br />

de sua pessoa mágica.<br />

INVENTANDO DESCULPAS<br />

Quando o relacionamento de Margaret e Phil se reduziu a poucos<br />

encontros sexuais, ela começou a tentar manipulá-lo de modo<br />

a se verem mais. Ela recorreu a uma tática de perseguição<br />

aparentemente inofensiva: inventar desculpas para fazer contato.<br />

Margaret<br />

Eu ia para cama à uma da manhã e acordava às quatro.<br />

Tinha pesadelos. Estava emagrecendo. Não tê-lo por perto<br />

era como morrer aos poucos. Então, eu arranjava todo<br />

o tipo de desculpas para fazê-lo vir me ver. Eu comprava<br />

entradas extras para concertos, quebrava algo em minha<br />

casa e pedia para que ele consertasse, uma noite cheguei<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 53<br />

até a inventar um ladrão para ele vir checar. Eu ligava para<br />

ele no trabalho, na casa dele, na casa de seu irmão, no<br />

bar onde ele vivia indo ... em qualquer lugar em que eu<br />

achasse que ele poderia estar. Eu daria alguma razão para<br />

ele aparecer. Quase sempre havia um motivo pelo qual<br />

ele não podia vir, mas isso nunca me impediu de tentar.<br />

Ao criar desculpas transparentes para ver Phil, Margaret<br />

estava unicamente tentando manter seu relacionamento vivo.<br />

Embora suas táticas provavelmente aborrecessem Phil, elas lhe<br />

eram relativamente inofensivas. Mas elas estavam fazendo um<br />

enorme mal a Margaret. Ela estava sendo repetidamente humilhada<br />

e rebaixada por seu próprio comportamento. Ela estava<br />

tomando todas as iniciativas, ela o perseguia efetivamente.<br />

Ela estava se dando e ele nem ao menos se dava a conta<br />

de receber. Obviamente, ela queria muito mais vê-lo do que<br />

ele a ela, mas, independente de quanto Phil a repelisse, ela estava<br />

sempre manobrando mais uma vez em busca de mais contatos.<br />

Ao inventar desculpas para vê-lo, era como se lutasse<br />

com seus sentimentos de impotência em relação a uma situação<br />

que continuava a lhe escapar.<br />

O SALVA-VIDAS TELEFÔNICO<br />

Um dos instrumentos mais utilizados pelos obsessores para<br />

manterem contato com um amante que não está disponível é<br />

o telefone. Não estou me referindo a um telefonema ocasional,<br />

mas a telefonemas repetitivos e incansáveis. Freqüentemente<br />

o telefone é o único meio que restou aos obsessores para ouvirem<br />

a voz de seu objeto amado.<br />

Os obsessores também usam as chamadas telefônicas para<br />

evitar que seu objeto os ignore, para satisfazer sua necessidade<br />

de saber por onde ele anda e para descobrir se está com alguém.<br />

Robert, trinta e nove anos, é primo de um amigo meu.<br />

Quando seu primo lhe disse que eu estava escrevendo este livro,<br />

ele me procurou para uma consulta. Robert estava ficando<br />

assustado com a raiva que sentia de uma mulher que havia<br />

recentemente rompido com ele e se recusava a vê-lo (por uma<br />

boa razão, como se descobriu).


'4<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Robert era um homem louro, com sardas e uma aparência<br />

de americano típico. Trabalhava como vendedor. Divorciado<br />

duas vezes, Robert tinha uma história de relacionamentos tempestuosos<br />

que não duravam mais do que uns poucos anos. A<br />

partir da maneira como descreveu seus relacionamentos anteriores,<br />

suspeitei que Robert havia sido obsessivo em todos eles.<br />

Quando veio me ver, Robert estava apaixonado por uma<br />

ex-cliente, secretária de um médico, chamada Sarah. Após um<br />

relacionamento extremamente volátil de dois anos, Sarah se<br />

cansou dos ciúmes dele e lhe disse que não o amava mais. Ele<br />

não acreditou. Por um mês, ele lhe telefonou, foi até sua casa<br />

e mandou cartas. Sem resultado.<br />

Embora Sarah continuasse a se recusar a vê-lo, Robert não<br />

desistiu. Ele acreditava que podia fazer algo para Sarah perceber<br />

o erro que estava cometendo ao rejeitá-lo. O telefone se<br />

tornou seu salva-vidas.<br />

Robert<br />

Eu me lembro que era meu aniversário. Eu fui até a casa<br />

dela, pensando em lhe fazer uma surpresa. Mas fui eu que<br />

me surpreendi, porque havia alguém lá. Isto partiu meu<br />

coração. Eu pude ver que ela se sentiu muito desconfortável<br />

com isto. Voltei para o meu apartamento e comecei<br />

a telefonar e não ia parar. Eu precisava falar com ela, consertar<br />

as coisas, convencê-la de que precisava me ver. Era<br />

meu aniversário e ela precisava ficar comigo. Se ela queria<br />

ou não, não era realmente importante no momento.<br />

As pessoas que, como Robert, dão telefonemas repetitivos<br />

não se preocupam com o quanto o seu comportamento<br />

invasivo afeta o outro. Podem ser pessoas extremamente simpáticas<br />

em outros relacionamentos ou em outras áreas de suas<br />

vidas, mas quando a obsessão toma conta delas, a intensidade<br />

de seus sentimentos em relação ao outro se sobrepõe a todas<br />

as outras considerações.<br />

Robert estava convencido de que se pudesse falar com Sarah<br />

no telefone, poderia persuadi-la de que seu relacionamento<br />

não estava acabado. O fato de seus repetidos telefonemas<br />

(e outros comportamentos) estarem incomodando Sarah, invadindo<br />

sua privacidade e deixando-a inquieta, não parecia a-<br />

..<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 55<br />

fetá-Io. Ele esqueceu o fato de que ela tinha direito a seus próprios<br />

sentimentos e a sua própria vida. Ele se convencera que<br />

ficar com ele seria o melhor para ela, e ele a estava tratando<br />

como se ela só existisse para satisfazer as necessidades dele.<br />

o SILÊNCIO ELOQÜENTE<br />

Nora, que se tornou obsessiva com Tom após apenas quatro<br />

encontros, desenvolveu um padrão de telefonemas repetidos<br />

bastante diferente do de Robert. Em vez de tentar forçar Tom<br />

a falar com ela, ela desligava toda vez que ele atendia.<br />

Nora<br />

Telefonei para ele no fim de semana passado, mas quando<br />

ele disse "alô", entrei em pânico e desliguei. O que<br />

você diria? Eu sabia que ele não queria falar comigo. Então<br />

eu pensei, talvez eu tente novamente, aí telefonei logo<br />

em seguida, mas atendeu a secretária eletrônica. Eu deduzi<br />

que a única razão para tê-la ligado era se houvesse<br />

uma mulher com ele, então continuei telefonando e desligando<br />

assim que a secretária atendia. Devo ter feito isto<br />

umas vinte ou trinta vezes. Passei a telefonar todas as noites.<br />

Fico sem dizer nada, só preciso ... eu nem ao menos<br />

sei do que preciso, só continuo a fazer. Talvez eu só precise<br />

saber se ele está em casa. Eu telefono e desligo assim<br />

que ele atende. É terrível. Eu sei que ele sabe que sou eu,<br />

mas ... eu não sei, talvez seja esta a razão.<br />

Essa era exatamente a questão: Tom sabia que era ela. Não<br />

importava se era Tom ou sua secretária que atendiam, Nora<br />

estava se assegurando de que ele sentiria sua presença, de que<br />

ele não se esqueceria dela, que não seria capaz de apreciar a<br />

companhia de outra mulher sem a interferência de Nora.<br />

Eu considero os repetidos telefonemas de Nora como uma<br />

tática de perseguição, ainda que sua atitude pareça causar mais<br />

o afastamento de Tom do que sua reaproximação. Ao forçar<br />

Tom a prestar atenção nela, estava perseguindo a única parca<br />

conexão que tinha.<br />

Os obsessores têm uma necessidade dominadora de con-


•<br />

II<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Nesta altura do relacionamento com Cynthia, Don era um<br />

advogado que exercia a profissão, porém sua bem-treinada mente<br />

legal não o ajudava. Don não achava que podia refrear seu<br />

comportamento. Quando ele disse que não podia se deter, estava<br />

fazendo eco a uma crença semelhante à de quase todos<br />

os amantes obsessivos com quem trabalhei:<br />

Meu comportamento está fora do meu controle.<br />

Ao subscrever tal crença, Don eliminava efetivamente<br />

quaisquer outras opções comportamentais. Ao render sua vontade<br />

própria, permitiu que o pânico ditasse seu comportamento.<br />

"EU TENHO QUE ESTAR PERTO DELE"<br />

No caso de Margaret, as tocaias eram movidas pelo desejo, e<br />

não por suspeitas ou ciúmes. Margaret sentia necessidade de<br />

estar com Phil todos os dias, e ele não permitiria isso. Então<br />

ela recorreu às tocaias para, no mínimo, sentir sua presença.<br />

Margaret<br />

Se não podia estar com ele, precisava estar perto dele. Ou<br />

então eu ficaria sentada em casa, sofrendo. Então eu ia<br />

até a sua casa. Mentia a meu filho dizendo que precisava<br />

ir à loja ou algo assim e lhe pedia para ligar para a vizinha<br />

em caso de emergência. Deixava-o sozinho em casa.<br />

O que diabos eu estava fazendo? Me sentia uma adolescente<br />

em crise de paixonite, só que eu estava com mais<br />

de trinta anos. Mas eu precisava ver seu carro ou as luzes<br />

acesas da casa. Cheguei a vê-lo através da janela uma ou<br />

duas vezes. Me fez muito bem saber que ele estava lá, saber<br />

que eu estava perto dele. Só que eu sempre me sentia<br />

péssima depois. Nunca era o suficiente.<br />

Margaret saiu das alturas de um romance apaixonado para<br />

acabar num banco de automóvel, sozinha. Olhando fixamente<br />

para o exterior da casa que continha seu sonho desvanecido,<br />

sentia-se horrível.<br />

Juntamente com a desgraça de Margaret, crescia a culpa<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 59<br />

em relação ao que a obsessão estava fazendo ao seu relacionamento<br />

mais precioso - com o seu filho. Ela não apenas perdia<br />

cada vez mais a paciência com ele, como estava sendo desonesta<br />

ao deixá-lo sozinho em casa. Os amantes obsessivos<br />

freqüentemente se assustam ao perceberem que relegaram seus<br />

filhos a um segundo plano enquanto a sua necessidade de perseguição<br />

lhes consumia tempo e energia.<br />

VISITAS DE SURPRESA<br />

Os telefonemas e as tocaias deixam os obsessores desejosos de<br />

contato direto. Conseqüentemente, tornam-se cada vez mais<br />

ansiosos para verem seus amantes, arranjando desculpas criativas<br />

para visitas de surpresa. Dizem que "estavam pela vizinhança",<br />

fizeram uma quantidade extra de biscoitos, esqueceram<br />

um suéter, vieram devolver um livro, precisam da opinião<br />

do outro para uma nova peça de roupa, estavam preocupados<br />

porque o telefone parecia estar quebrado, precisam de<br />

conselhos sobre uma importante decisão a tomar ou querem<br />

levar o objeto amado para um novo restaurante. No contexto<br />

de um relacionamento amoroso, nenhuma destas desculpas seria<br />

particularmente incômoda. Mas para quem é objeto de um<br />

amante obsessivo, elas soam como clamorosas manipulações.<br />

O objeto comumente reage com raiva e rejeição.<br />

Além de suas outras táticas, Margaret começou a "aparecer"<br />

no trabalho de Phil algumas vezes por semana, esperando<br />

convencê-lo a tomar um drinque com ela no final do<br />

expediente. Ela chegou a bater na casa dele, uma ou duas vezes,<br />

dizendo que estava apenas "passando". Phil geralmente<br />

era cortês nestas ocasiões, até quando Margaret apareceu inesperadamente<br />

na hora errada.<br />

Margaret<br />

Ele foi a uma festa de solteiros num sábado à noite, mas<br />

me disse que talvez telefonasse quando tivesse acabado.<br />

Pensei que afinal fôssemos passar a noite juntos, mas ele<br />

não telefonou. Por volta das três da manhã eu finalmente<br />

desisti e fui dormir. Na manhã seguinte eu telefonei para<br />

a casa dele e a linha estava ocupada. Chequei com a tele-


62 AMORES OBSESSIVOS<br />

apenas não se sentia fora de controle. Há meses as visitas de<br />

surpresa de Jim assustavam e oprimiam Glória, a ponto de deixá-la<br />

em pânico, embora Jim pensasse que estava apenas fazendo<br />

inocentes tentativas de conversar com sua ex-namorada.<br />

Quando Glória finalmente recorreu às autoridades ele se<br />

sentiu injustamente maltratado. A raiva e a frustração que ele<br />

estivera reprimindo desde que ela o rejeitou finalmente vieram<br />

à tona. Jim, como tantos obsessores, sentia-se vítima, ainda<br />

que fosse ele quem estava transformando a vida do seu objeto<br />

em um pesadelo.<br />

No capítulo anterior, vimos que os obsessores usam um<br />

foco seletivo para minimizar o comportamento rejeitador de<br />

seu objeto, mas durante a perseguição, o foco seletivo desempenha<br />

um papel igualmente importante ao ajudar os obsessores<br />

a minimizarem seu próprio comportamento. Jim era um<br />

mágico do foco seletivo. Pouco importava que estivesse assustando<br />

e enfurecendo Glória com suas aparições inesperadas<br />

em quase todos os lugares onde ia - seu túnel de visão emocional<br />

empurrava este comportamento para o indistinto fundo<br />

de cena. Jim simplesmente não podia compreender por que<br />

Glória estava "tão aborrecida". Ao focalizar unicamente seu<br />

objetivo de recuperar Glória, não percebeu que as táticas que<br />

estava usando para atingir tal objetivo estavam infernizando<br />

a vida dela.<br />

Jim acreditava que não tinha outra alternativa a não ser<br />

perseguir Glória. Ele estava fazendo apenas o que qualquer<br />

homem com um amor tão profundo faria: lutar para superar<br />

a "irracional" resistência da mulher amada. Afinal, ele era<br />

a vítima inocente nessa história - ele só queria conversar com<br />

ela. Qual era o grande problema? Por que ela estava sendo tão<br />

inflexível?<br />

Jim se recusava a ver que era o seu próprio comportamento<br />

opressor que a forçou a ser tão firme em sua decisão<br />

de não falar com ele. Ele a imprensou em um canto, e ela<br />

estava se protegendo da única maneira que podia. Se alguém<br />

estava vitimando Jim, era ele mesmo. Ao continuar impondo<br />

sua presença a Glória, Jim estava orquestrando seu próprio<br />

desastre.<br />

ABRINDO AS COMPORTAS<br />

ESPREITAR<br />

Assim como o caçador segue furtivamente sua caça sem alertá-la<br />

da sua presença, muitos amantes obsessivos espreitam secretamente<br />

seus objetos. Os espreitadores copiam as furtivas<br />

técnicas de capa-e-espada que viram no cinema ou na televisão.<br />

Eles seguem o ser amado de um lugar a outro; espionam<br />

em restaurantes, bares ou outros lugares públicos; ou não saem<br />

de perto do escritório ou da casa do objeto.<br />

Hal - o dentista que vimos no capítulo anterior - espreitava<br />

a própria esposa. Quando Fran reassumiu sua carreira<br />

após sua filha ter entrado no 2? grau, Hal começou a suspeitar<br />

de que ela estava alimentando os desejos sexuais de outros<br />

homens. Para se defender do medo de ser abandonado<br />

por ela, tornou-se cada vez mais possessivo. Se conversava com<br />

u-?I homem em uma festa, ele dizia que ela estava flertando.<br />

FIcava mal-humorado quando ela recebia telefonemas dos colegas<br />

de trabalho em casa. E constantemente a interrogava sobre<br />

suas atividades do dia.<br />

Fran ficou muito ressentida com a desconfiança de Hal<br />

e começou a se afastar dele. Hal entendeu este afastamento<br />

com? uma prova de que suas suspeitas eram fundadas e prossegUIU<br />

com seu comportamento. O ressentimento de Fran se<br />

transformou em raiva. Ele a estava consumindo emocionalmente,<br />

o que a desestimulava sexualmente. Devido a seu comportamento<br />

opressivo, o medo de rejeição de Hal acabou se tornando<br />

uma profecia.<br />

Quando sua filha foi para a universidade, Fran finalmente<br />

se permitiu considerar a possibilidade de deixar Hal. Ela ainda<br />

gostava dele, mas a situação tinha ficado intolerável. Quando<br />

ela lhe disse isso, ele entrou em pânico. Ele jurou fazer tudo<br />

o que ela pedisse, se lhe desse uma segunda chance. Ela pediu<br />

uma separação a título de experiência e reafirmou que não consideraria<br />

uma reconciliação a menos que ele procurasse uma<br />

ajuda profissional.<br />

Embora tenha sido por insistência de Fran que ele tenha<br />

vindo me ver, Hal reconheceu que seu comportamento havia<br />

sido exagerado e descontrolado, e estava ansioso para fazer algo<br />

a respeito. Em nossa primeira sessão, ele mostrou-se relutante<br />

em falar sobre como estivera agindo. Parecia embaraçado quan-<br />

63


66 AMORES OBSESSIVOS<br />

ções extremas à profunda dor emocional, e levem quase sempre<br />

a reais tentativas de suicídio, elas ainda podem ser consideradas<br />

táticas de perseguição. Os obsessores que fazem ameaças<br />

de suicídio usualmente as fazem numa tentativa de evocar<br />

fortes sentimentos de apreensão e culpa no objeto de sua obsessão,<br />

esperando manipulá-lo e trazê-lo de volta. Minha cliente<br />

Anne recorreu a esta tática de uma forma particularmente<br />

dramática.<br />

Anne, uma admirável mulher de trinta e oito anos com<br />

uma longa cabeleira loura, é co-proprietária de um enorme salão<br />

de beleza. Ela se casou com seu namorado de escola seis<br />

meses após a formatura. O casamento acabou dois anos mais<br />

tarde quando ele foi preso por porte de cocaína - um hábito<br />

que vinha mantendo escondido dela. Após o divórcio, ela teve<br />

uma série de relacionamentos curtos, mas nenhum dos homens<br />

parecia estar interessado em um compromisso. Ela entrou e<br />

saiu da terapia diversas vezes, mas nunca descobriu por que<br />

parecia incapaz de encontrar um relacionamento estável. Agora<br />

que lhe restavam apenas uns poucos anos para engravidar, estava<br />

cada vez mais ansiosa para encontrar um homem por quem<br />

pudesse se apaixonar e com quem pudesse constituir uma<br />

família.<br />

Uma noite, Anne foi convidada para a festa de quarenta<br />

anos de uma de suas clientes, uma atriz de televisão. Para sua<br />

satisfação, o homem mais atraente da sala parecia sentir atração<br />

por ela. Antes da noite terminar, ele a convidou para jantar<br />

no sábado seguinte. Anne não podia acreditar que isto estivesse<br />

acontecendo com ela. John era um produtor bemsucedido.<br />

Tinha olhar e gestos sensíveis, era culto, bemhUI?orado<br />

e rico. Em resumo, era tudo que ela esperava, e pareCIa<br />

gostar dela. Começaram a se ver com mais freqüência;<br />

em três meses eram inseparáveis.<br />

Anne<br />

Era o máximo. Ele me levava a todos os lugares, me levava<br />

de avião, fazia tudo por mim ... Ambos tínhamos nossos<br />

apartamentos separados, mas ou estávamos no dele ou no<br />

meu. Fiquei muito dependente dele. Queria casar com ele.<br />

Queria ficar com ele o resto da minha vida. Todo o tempo.<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 67<br />

Com seis ou sete meses de relacionamento as coisas começaram<br />

a ficar estranhas. John começou a passar menos tempo<br />

com Anne e dizia a ela que o relacionamento estava ficando<br />

intenso demais para ele. Ele sabia que Anne queria se casar,<br />

mas para ele ainda era muito cedo para considerar tal compromisso.<br />

Quanto mais se afastava, mais ela se agarrava a ele.<br />

Finalmente ele lhe disse que estava se sentindo sufocado, que<br />

queria passar algum tempo sem ela.<br />

Anne tentou imaginar onde havia errado. Ela estava convencida<br />

de que esta decisão se devia a alguma falha sua. Talvez<br />

ele não a achasse intelectualmente estimulante. Talvez não<br />

fosse suficientemente instruída. Ela então decidiu transformar-se<br />

no que julgava que ele queria. Começou a freqüentar<br />

aulas de francês e história da arte da universidade local. Também<br />

começou a ter aulas particulares de dicção. Tinha pouco<br />

prazer nestas aulas e lições, mas pensava que valiam o esforço<br />

se pudessem torná-la mais atraente a John.<br />

Anne<br />

Eu estava com o coração partido durante todo esse tempo.<br />

Telefonava para ele a cada dois dias para saber se já<br />

estava pronto para sair novamente, mas ele nunca estava.<br />

Ele tentava me desiludir facilmente, mas quanto menos<br />

disponível estivesse mais louca eu ficava. Eu simplesmente<br />

não podia entender por que estava fazendo isso comigo,<br />

por que não queria ficar comigo. Ele dizia que me amava<br />

tanto e fazia tudo por mim e me apoiava tanto, mas agora<br />

simplesmente fechou todas as portas. Isto me destruiu.<br />

Eu não sabia para onde ir com esses sentimentos. Não sabia<br />

o que fazer com a dor. Comecei a ir até a casa dele<br />

e fazer tudo e qualquer coisa para chamar a sua atenção,<br />

mas nada funcionava. Eu estava realmente enlouquecendo.<br />

Pensei em suicídio. Se eu morresse, ele teria que olhar<br />

para o meu túmulo e se sentiria culpado. A lápide traria<br />

a seguinte inscrição: "Morreu de coração partido e é culpa<br />

de John."<br />

Os telefonemas e as visitas de Anne evoluíram para idéias<br />

de suicídio. A possibilidade prometia cumprir dois objetivos:<br />

dar um fim a sua dor e punir John por tê-la causado.


68 AMORES OBSESSIVOS<br />

"SE VOCÊ ME DEIXAR, EU ME MATO"<br />

Uma noite, num rompante de depressão, Anne telefonou para<br />

John e disse que precisava vê-lo. Ele se recusou a ir e discutiram.<br />

Desesperada, Anne finalmente expressou seus pensamentos<br />

suicidas em voz alta pela primeira vez, ameaçando se matar<br />

caso ele não viesse.<br />

Anne<br />

Eu não podia acreditar que estivesse dizendo algo assim.<br />

Estava bebendo gim naquela noite, o que me nauseava,<br />

mas eu o botava goela abaixo e pensava "Vou mostrar a<br />

ele' '. Eu me lembro de ter tido um acesso de cólera, de<br />

ter chutado meus pés e gritado no telefone. Ele afinal falou:<br />

"Está bem, eu vou até aí, mas não vou ficar." E eu<br />

pensei: "Genial! Se eu conseguir que venha ele ficará."<br />

Anne usou uma ameaça de suicídio para tentar fazer com<br />

que John se sentisse responsável por mantê-la viva. Em essência,<br />

ela estava lhe dizendo que a morte dela ficaria na COllSci,ência<br />

dele caso não viesse vê-la. Era um ultimato extremamente<br />

manipulatório. E realmente funcionou. John foi. Mas<br />

a visita não satisfez as expectativas. Ele ficou apenas alguns<br />

minutos para acalmá-la, aí lhe disse que queria que a separação<br />

experimental fosse definitiva. Ele havia chegado à conclusão<br />

de que não havia futuro para aquele relacionamento. Disse<br />

que ainda se importava com ela, mas não a amava mais.<br />

Anne<br />

Ele começou a sair e eu falei que realmente me mataria<br />

se ele partisse naquela hora. Ele apenas disse: "Escute,<br />

eu realmente espero que você não cometa esta loucura,<br />

mas eu tenho que ir." E começou a descer os degraus para<br />

a porta da frente. Eu tinha que fazer algo para que ele<br />

me levasse a sério, então comecei a quebrar meu apartamento,<br />

a atirar coisas para um lado e para o outro. Quebrei<br />

todos os lustres, todas as louças, tudo que pude encontrar<br />

... qualquer coisa que fizesse barulho ou chamasse<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 69<br />

a atenção. Pude ouvir uma vizinha gritar: "Chame a polícia,<br />

Harry", mas eu continuei a quebrar coisas. E então<br />

John subiu de volta. A esta altura eu já havia quebrado todas<br />

as lâmpadas de modo que estava muito escuro. Ele<br />

acendeu uma vela e nos sentamos no escuro - com quase<br />

um centímetro de vidro sobre o tapete - até a chegada dos<br />

policiais. Eram três ou quatro da manhã. Eu fiquei ali sentada<br />

enquanto John os convencia de que estava tudo bem<br />

e eles finalmente foram embora. Então John foi embora<br />

e fiquei sentada sozinha me odiando por ser tão imbecil.<br />

Fazer com que John fosse até lá foi um triunfo vazio para<br />

Anne. Ela sabia que ele havia se afastado do relacionamento<br />

por causa da opressão do seu amor obsessivo. Agora, ao<br />

ameaçá-lo com o suicídio, ela apenas piorou as coisas, aumentando<br />

geometricamente o peso de tal opressão. Seu comportamento<br />

histérico e descontrolado só serviu para afastá-lo ainda<br />

mais, para reforçar sua decisão de deixá-la. Sentada ali em seu<br />

apartamento escurecido, cercada de cacos de vidro, Anne se<br />

odiou por ter agido tão tolamente.<br />

Embora os obsessores se sintam impotentes para fazerem<br />

algo a respeito do acting oul e do acting in que os fazem se<br />

sentir tão degradados, ainda assim acreditam que deviam ser<br />

capazes de se controlar. Por mais que culpem seu amante por<br />

sua tortura, também culpam a si mesmos. A dolorosa auto-reprovação<br />

impregna o resultado de quase todo comportamento<br />

obsessivo. E para alguns amantes obsessivos, a expressão<br />

final de tal auto-reprovação pode ser destruir o eu odiado através<br />

do suicídio.<br />

Duas semanas após Anne ter ameaçado suicidar-se e ter<br />

destruído seu apartamento, ela realmente tentou o suicídio (como<br />

veremos no Capítulo Dez). Foi essa aproximação com a<br />

morte que finalmente fez com que ela viesse me procurar.<br />

Ameaças de suicídio nunca são eficientes na reconquista<br />

de um amante perdido. Mesmo que o objeto de um amante<br />

obsessivo volte temporariamente, ele ou ela voltaram por medo<br />

ou piedade, não por livre escolha - e isso não é a base<br />

de um relacionamento bem-sucedido.<br />

(OBS.: Se você pensou em suicídio, tem recorrentes fantasias<br />

suicidas, ou ameaçou suicidar-se em conseqüência da


70 AMORES OBSESSIVOS<br />

rejeição de seu amante, é imprescindível que você procure<br />

ajuda profissional. Não há nada de romântico em morrer<br />

por amor.)<br />

A FUTILIDADE DA PERSEGUIÇÃO<br />

Quer estejam telefonando, ficando de tocaia, aparecendo inesperadamente,<br />

espreitando ou ameaçando suicídio, os amantes<br />

obsessivos estão convencidos de que tudo o que fazem é a serviço<br />

de um amor poderoso, glorioso e épico. À luz de tal amor,<br />

questões de opressão pessoal, invasão de privacidade ou hostilizações<br />

se empalidecem inevitavelmente.<br />

Como disse Anne:<br />

Anne<br />

Pensei sobre a noite em que destruí meu apartamento e,<br />

é engraçado, por um lado eu estava realmente envergonhada,<br />

mas por outro eu sentia como se não tivesse feito<br />

o bastante. Você tem que entender, quando você quer alguém<br />

tão intensamente, nada é demais, não importa o<br />

quanto você esteja enlouquecendo. Você faz o que for necessário<br />

para trazê-lo de volta.<br />

Anne, sem perceber, havia caído em uma das grandes falácias<br />

da perseguição obsessiva:<br />

Os fins justificam os meios.<br />

Os "fins", é claro, quase nunca são como os obsessores<br />

esperam. Eles não podem forçar seus objetos a amá-los.<br />

E os "meios" da perseguição obsessiva criam um ciclo<br />

punitivo e constante que deixa os obsessores cada vez mais desesperados<br />

e rebaixados. Quanto mais os obsessores projetam<br />

a sua raiva, mais afastam seus objetos; quanto mais os afastam,<br />

piores se sentem; e com a piora são impelidos cada vez<br />

mais a escapar da dor projetando ainda mais. É assim que a<br />

perseguição obsessiva se alimenta de si mesma.<br />

ABRINDO AS COMPORTAS 71<br />

Quando a rejeição abre as comportas da obsessão, o comportamento<br />

obsessivo é inevitável. Mas se a obsessão é introjetada<br />

em autopunição ou projetada em perseguição, o comportamento<br />

obsessivo é sempre frustrante. Mais cedo ou mais<br />

tarde, todos os amantes obsessivos são forçados a se confrontar<br />

com os efeitos negativos do seu comportamento, e quando<br />

o fazem, a frustração e a humilhação resultantes em geral se<br />

transformam em raiva.<br />

Para a maioria dos amantes obsessivos, esta raivaprepara<br />

o caminho para a vingança.


AMORES OBSESSIVOS<br />

I um ex-amante, mesmo quando todas as outras ligações foram<br />

rompidas.<br />

FANTASIAS DE VINGANÇA<br />

Quando a raiva obsessiva cresce tanto a ponto de não poder<br />

ser negada, a maioria dos obsessores, no mínimo, fantasia uma<br />

vingança. Não há nada de errado nisso. Todo mundo mantém<br />

uma fantasia maliciosa de vez em quando. Mas, no caso dos<br />

amantes obsessivos, as fantasias de vingança caem freqüentemente<br />

em uma curva infindável, sempre ressurgindo em suas<br />

mentes, cobrando mais uma taxa ao seu bem-estar emocional.<br />

Quando John rejeitou Anne, ela se tornou tão obsessiva<br />

com fantasias de vingança quanto era com fantasias de amor.<br />

Alguns dias após ele a ter deixado chorando em seu apartamento<br />

escuro e em cacos, ela começou a pensar em maneiras<br />

de revidar a dor que ele havia lhe causado. Agarrou-se à idéia<br />

de incendiar sua adorada casa de praia - a casa onde passaram<br />

juntos tantas noites românticas.<br />

Anne<br />

Eu penteava o cabelo de uma cliente e pensava onde iria<br />

conseguir a gasolina. Ou como a espalharia. Ou como a<br />

acenderia. No começo, eu pensava que queria queimá-la<br />

com ele dentro, mas depois decidi que preferia que ficasse<br />

vivo para vê-la queimando. Eu pensava nisso horas a<br />

fio. Sabia que era doentio, mas era a única coisa que aplacava<br />

minha dor.<br />

Quando Anne disse que suas fantasias de vingança a distraíam<br />

de sua dor, estava inconscientemente descrevendo uma<br />

defesa comum contra a depressão. A raiva subjacente às fantasias<br />

de vingança faz as pessoas se sentirem poderosas e energizadas.<br />

A depressão, por outro lado, faz exatamente o oposto.<br />

A depressão deixa as pessoas impotentes, exaustas e desesperançadas.<br />

Por essa razão, as pessoas raramente vivem raiva<br />

e depressão ao mesmo tempo, embora elas possam coexistir<br />

na mesma pessoa.<br />

DA PERSEGUIÇÃO À VINGANÇA 75<br />

A raiva e a depressão são pólos opostos da mesma força:<br />

a ira. A raiva é a ira dirigida para uma outra pessoa, enquanto<br />

a depressão é a ira dirigida para o próprio irado.<br />

Ao transformar sua raiva em fantasias de vingança contra<br />

John, Anne foi capaz de aliviar alguns de seus sentimentos<br />

de impotência. Mas o alívio durou pouco.<br />

Anne<br />

Era muito melodramático, como algo tirado de um filme<br />

ruim. Eu sabia que não iria realmente incendiar a casa<br />

dele, mas não conseguia parar de pensar nisso. Era como<br />

'se eu estivesse dando as cartas. Eu iria feri-lo, para variar.<br />

Me senti melhor por uns dois dias, mas quanto mais<br />

pensava sobre isso, mais eu percebia como era imbecil.<br />

Conforme o cenário da vingança de Anne progredia em<br />

sua mente, ela podia começar a se sentir controlada. Ela não<br />

era mais uma vítima indefesa da rejeição de John. Em suas<br />

fantasias, ela estava dando o próximo passo. Por um breve período<br />

de tempo, ela estava finalmente desempenhando o papel<br />

principal em seu próprio drama de vida.<br />

FANTASIAS HOMICIDAS<br />

As fantasias de Anne se centralizavam em destruir algo que<br />

fosse significativo para John. Por outro lado, as fantasias de<br />

Robert eram mais letais.<br />

Robert era o vendedor que veio me ver pois temia sua própria<br />

raiva em relação à amante, Sarah, que o abandonou. Quando<br />

Sarah foi morar com outro homem, a raiva de Robert se transformou<br />

em perturbadoras e violentas fantasias de vingança.<br />

Robert<br />

Se eu não podia tê-la, ele não a teria. Esse cara só queria<br />

zonear a minha vida e eu não podia permitir. Já tinha tudo<br />

planejado. Iria a algum bar e encontraria um cara que<br />

pudesse quebrar suas duas pernas. Eu imaginava que isso


76 AMORES OBSESSIVOS<br />

iria custar uns dez mil dólares, mas não me importava.<br />

Eu só queria machucá-lo muito. Considerei isto seriamente<br />

por várias vezes.<br />

As fantasias de vingança de Robert foram inicialmente dirigidas<br />

ao homem que, segundo ele, havia lhe roubado Sarah.<br />

Mas quanto mais Sarah continuava a rejeitá-lo, mais suas fantasias<br />

se expandiam para incluí-la também.<br />

Robert<br />

Ele não tinha dinheiro, não tinha classe, estava ficando<br />

careca ... "Como ela pôde me trocar por ele?" ficava rodando<br />

em minha cabeça todo o tempo. Eu queria matar<br />

a ambos, "Se eu não posso tê-la, ela não pode existir."<br />

Eu queria explodi-los. Ficava pensando no cara na torre<br />

no Texas. E no cara no McDonald's. Pode-se empurrar<br />

alguém até um certo ponto onde ninguém pode afirmar<br />

o que esse alguém fará, e eu me sentia como se estivessem<br />

me empurrando para esse ponto.<br />

A raiva de Robert era tão grande que suas fantasias se tornaram<br />

homicidas. Ele pensou que ao eliminar Sarah e seu<br />

amante, eliminaria sua crescente dor. E quanto mais se alongava<br />

neste pensamento, mais próximo ficava da perigosa linha<br />

divisória entre a fantasia e a ação.<br />

Aros DE VINGANÇA<br />

A vingança é o fim do caminho para os obsessores. É o ponto<br />

onde finalmente desistem da cruzada para recapturar sua pessoa<br />

mágica e se dedicam a um novo objetivo: punir aquele que<br />

lhes causou tanta dor. Quando os obsessores se voltam para<br />

a vingança, a batalha entre amor e raiva finalmente se acabou<br />

- a raiva venceu.<br />

DA PERSEGUIÇÃO À VINGANÇA<br />

"EU TIVE UM CASO COM<br />

A SUA ESPOSA"<br />

Quando a amante casada de Don, Cynthia, finalmente o rejeitou<br />

após cinco anos de um caso vai-e-volta, seu amor apaixonado<br />

foi dominado por uma raiva igualmente apaixonada.<br />

Don<br />

Nunca vou me esquecer daquele final. Ela me telefonou<br />

e disse: "Não posso mais suportar a pressão. Quero fazer<br />

meu casamento funcionar. Preciso de paz na minha vida.<br />

Eu te amo, mas nunca dará certo. Somos muito diferentes."<br />

Eu não podia acreditar. Eu disse: "Por que você está<br />

sempre disposta a me deixar, mas não se separa dele?<br />

Por que é tão fácil para você sair deste relacionamento,<br />

mas não pode sair daquele outro? Eu sei que sou um homem<br />

melhor. Eu sei que tenho mais a lhe oferecer. Para<br />

mim não faz nenhum sentido que você o queira mais."<br />

Mas ela apenas disse algo como "inviável". Como essa<br />

filha da mãe pôde encerrar cinco anos de amor com um<br />

telefonema nojento? Era como se eu fosse apenas uma piada<br />

para ela, apenas um palhaço. Eu iria fazê-la se arrepender.<br />

Don estava arrasado. Ele tentou continuar a trabalhar, mas<br />

todas as noites, quando chegava em casa, apenas deitava em<br />

sua cama, bebia e ruminava sobre a vingança.<br />

Don<br />

Mais ou menos uma semana mais tarde, após meia garrafa<br />

de vinho, finalmente decidi fazer algo. Eu sabia que<br />

ela havia me deixado para tentar fazer seu casamento funcionar,<br />

então decidi realmente imprensá-la. Telefonei para<br />

seu marido e disse: "Oi, você não sabe o meu nome,<br />

mas isto realmente não importa. Eu tive um caso com a<br />

sua mulher por cinco anos. Ela me disse que me amava,<br />

que era extremamente infeliz no casamento e que queria<br />

deixá-lo mas não sabia como." Durante tudo isso ele não<br />

disse nada, do outro lado do fone só havia silêncio. Eu<br />

esperava que ele desligasse ou berrasse, mas ele não disse<br />

77


78 AMORES OBSESSIVOS<br />

nada. Então eu disse: "Ela me contou que teve vários casos<br />

anteriores. Eu não sei se estou fazendo a coisa certa,<br />

mas você precisa saber com que tipo de mulher está casado."<br />

Houve um longo silêncio e então ele desligou, e foi<br />

estranho, mas aquela foi a primeira vez em que simpatizei<br />

com ele e isso realmente fez eu me sentir um merda.<br />

De uma maneira engraçada, eu havia me nivelado a ele.<br />

Ela havia enganado e traído a nós dois e era como se fôssemos<br />

companheiros de armas.<br />

Embora Cynthia tivesse encerrado seu relacionamento com<br />

Don para se comprometer na luta pela salvação de seu casamento,<br />

o telefonema de Don foi muito destrutivo para que ela<br />

pudesse superar. Seu marido pediu o divórcio logo em seguida.<br />

Incrivelmente, isto deu a Don esperanças renovadas quanto<br />

ao seu relacionamento com Cynthia. De sua perspectiva autocentrada,<br />

ele pensava que ainda tinha uma chance de reviver<br />

seu relacionamento, embora o seu telefonema impulsivo<br />

houvesse arruinado a vida de Cynthia. Ela ficou tão amargurada<br />

com o telefonema que nunca mais falou com ele novamente.<br />

Revelar um caso a um cônjuge ou a outro amante é um<br />

ato comum de vingança dos amantes obsessivos. Ao revelar<br />

seus casos, os amantes obsessivos matam dois coelhos com uma<br />

só cajadada: seu objeto e seu rival. E, como vimos com Don,<br />

quando os obsessores destroem um relacionamento rival, o<br />

amor que ainda repousa sob sua raiva começa a vazar para<br />

abastecer sua fraca esperança de reconciliação.<br />

VIOLÊNCIA EMOCIONAL<br />

Ainda que Don não tenha assaltado ninguém nem roubado<br />

coisa alguma, seu ato de vingança foi um ato de violência -<br />

violência emocional. A violência emocional pode ser tão destrutiva<br />

para o bem-estar psicológico de alguém quanto a violência<br />

física, pois ela cria os mesmos sentimentos de violação,<br />

medo, desamparo, frustração e raiva.<br />

Muitas vítimas de violência emocional são duplamente<br />

frustradas porque não há leis que as proteja. As vítimas de vio-<br />

DA PERSEGUIÇÃO À VINGANÇA 79<br />

lência física podem chamar a polícia. As vítimas de violência<br />

emocional não têm a quem recorrer. Don pode ter destruído<br />

o casamento de Cynthia, mas ele não infringiu nenhuma lei.<br />

Embora revelar um caso seja talvez o ato de vingança mais<br />

comum, outras táticas são também emocionalmente violentas.<br />

Eu soube de amantes obsessivos, impelidos por desespero e angústia,<br />

que sabotaram as carreiras de seus ex-amantes fazendo<br />

cenas em importantes eventos sociais de negócios ou em<br />

seus escritórios. Eu soube de amantes obsessivos que destruíram<br />

a vida social de seus ex-amantes falando mal dele ou dela<br />

para amigos e conhecidos mútuos. Soube de amantes obsessivos<br />

que arruinaram as finanças de seus ex-amantes fazendo<br />

despesas exageradas em cartões de crédito conjuntos. Tive inclusive<br />

um cliente que se comportou como o ex-amante de sua<br />

esposa e teve seu telhado trocado enquanto estava de férias,<br />

embora o telhado antigo estivesse em excelente estado. Ainda<br />

que isso se pareça mais com o enredo de um seriado de TV<br />

do que com um ato malicioso, o ex-amante voltou para casa<br />

e se deparou com uma conta de sete mil dólares. Ele passou<br />

um ano sob um estresse tremendo por causa das complicações<br />

legais e financeiras que se seguiram.<br />

A violência emocional pode ser extremamente nociva à<br />

vida do objeto do amor obsessivo, mas para alguns obsessores<br />

isto não é o bastante. Alguns obsessores precisam de um escape<br />

físico para a sua raiva.<br />

VIOLÊNCIA CONTRA A PROPRIEDADE<br />

Para os amantes obsessivos, as posses de seu objeto se tornam<br />

representações simbólicas do próprio objeto. Amantes obsessivos<br />

que se crêem incapazes de violência física contra outra<br />

pessoa freqüentemente se chocam com o quanto podem ser destrutivos<br />

quando centralizam a sua raiva vingativa em uma propriedade<br />

de seu objeto.<br />

Quando os obsessores se fixam sobre uma propriedade que<br />

simboliza o outro é geralmente algo que faz parte da vida co-


10 AMORES OBSESSIVOS<br />

tidiana do outro, algo a que o outro é particularmente afeiçoado<br />

ou que tenha tido um significado no relacionamento.<br />

Casas, carros, roupas, mobília, utensílios, cerâmica, vidros,<br />

jóias, objetos de arte, jardins - virtualmente qualquer coisa<br />

serve para a raiva do obsessor.<br />

"EU SIMPLESMENTE FIQUEI DOIDO"<br />

Quando as fantasias de Robert não podiam mais aliviar a pressão<br />

de sua raiva, ele descontou em um símbolo facilmente acessível<br />

de seu relacionamento com Sarah.<br />

Robert<br />

Durante este tempo ela ainda fazia contatos e me insinuava<br />

coisas. Talvez eu tivesse conhecido uma outra garota e tivéssemos<br />

tido um ou dois encontros, mas aí Sarah telefonava<br />

e dizia que queria deixar Danny e lá estava eu de novo,<br />

pensando que essa era a chance, que dessa vez a coisa<br />

ia. Então ela almoçaria comigo, e pronto. Voltaria para<br />

mim. Ela vinha e me prendia e depois rompia as correntes.<br />

Uma vez ela até dormiu comigo, e quando ela saiu<br />

eu simplesmente ficava doido. Ia à casa dele querendo matar<br />

alguém ... e então via o carro dela. Deus, eu assinei<br />

o empréstimo para aquele carro. Eu ajudei escolhê-lo. Como<br />

pôde estacioná-lo na calçada dele? Era quase nosso<br />

carro. Eu estava tão enlouquecido que precisava fazer algo.<br />

E fiz. Peguei um martelo e comecei a bater no carro.<br />

Quebrei o pára-brisas, os faróis, a capota, os pára-lamas.<br />

Eu tenho certeza de que se não tivesse quebrado aquele<br />

carro ... não sei o que poderia ter feito.<br />

o carro de Sarah era mais do que uma conveniente válvula<br />

de escape para a raiva de Robert. Era um símbolo da sua<br />

ligação com ela e dos seus sonhos em relação ao seu relacionamento.<br />

Ele também sabia o quanto o carro significava para<br />

ela. Era sua única posse de valor. Ela havia passado dois anos<br />

poupando para isso. Ao desmantelar o carro, Robert estava<br />

investindo contra seu relacionamento e contra a própria Sarah.<br />

,<br />

DA PERSEGUIÇÃO À VINGANÇA 81<br />

Sarah atormentou Robert repetidamente com indicações<br />

de que poderia deixar seu novo amante, Danny. Suas mensagens<br />

ambíguas mantinham Robert em um estado de intensa<br />

ansiedade. Quando Sarah dormiu com Robert, ele achou que<br />

finalmente ela havia assumido o compromisso de largar Danny.<br />

Mas aí, da mesma forma repentina com que voltou para Robert,<br />

se foi, aniquilando seus sonhos. Eu não quero dizer que<br />

a provocação de Sarah justifique de alguma forma o ataque<br />

de Robert, mas para amantes obsessivos, a esperança destroçada<br />

é quase sempre um poderoso catalisador de violência.<br />

"POR QUE SÓ EU ESTOU SOFRENDO?"<br />

Atos de vingança apenas expressam conflitos internos; nunca<br />

os solucionam. Kay descobriu isso da pior maneira. Ela veio<br />

me ver por causa da implacável angústia e culpa que estava<br />

sentindo após ter transformado uma fantasia de vingança em<br />

realidade.<br />

Kay era uma dona-de-casa divorciada com cinqüenta e dois<br />

anos e três filhos adultos. Seu cabelo escuro estava levemente<br />

salpicado de cinza, e já começavam a aparecer rugas em seu<br />

rosto ainda jovem. Seus olhos castanhos estavam inchados e<br />

vermelhos; obviamente esteve chorando durante o trajeto para<br />

o meu consultório.<br />

Contou-me que esteve casada por vinte e seis anos com<br />

um bem-sucedido empreiteiro chamado Lewis. Perto do final<br />

de seu casamento Lewis se tornara mais distante, mas Kay pensava<br />

que era apenas um reflexo de estarem envelhecendo juntos.<br />

Então, quando o último de seus filhos casou e se mudou,<br />

Lewis disse a Kay que fora infeliz por vários anos e que queria<br />

o divórcio. Kay se sentiu traída, abandonada e aterrorizada.<br />

Kay<br />

Me senti como se tivesse sido atropelada por um tanque.<br />

Toda a minha vida foi construída em torno da minha família.<br />

Então meus meninos partiram. E agora ele ia embora<br />

sem qualquer bom motivo. É isso o que ganho após<br />

ter lhe dado metade da minha vida? O que diabos ele esperava<br />

que eu fizesse? Eu fiquei muito deprimida.


n<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Lewis foi generoso no acordo do divórcio. Sabendo que<br />

Kay não possuía meios de ganhar a vida, assegurou que ela<br />

tivesse dinheiro suficiente para viver confortavelmente. Ele continuou<br />

lhe dando apoio e amizade, esperando com isso suavizar<br />

o choque que ela havia sofrido. Ainda saíam para jantar<br />

uma ou duas vezes por mês, e ele lhe mandava flores no Dia<br />

das Mães e presentes em seu aniversário.<br />

Infelizmente, Kay interpretou o apoio de Lewis como uma<br />

prova de que ainda a amava. Por três anos ela se agarrou à<br />

esperança de que ele perceberia seu engano e voltaria para ela.<br />

Quando as amigas tentavam lhe apresentar outros homens, recusava<br />

dizendo que ela e Lewis estavam tentando se reconciliar.<br />

Embora soubesse que ele estava saindo com outras mulheres,<br />

acreditava que ele estava' 'apenas atravessando a crise<br />

da meia-idade".<br />

Apesar de tentar se dedicar ao trabalho voluntário e a melhorar<br />

seu jogo de tênis, Kay estava, na verdade, apenas passando<br />

o tempo até que Lewis "recuperasse o bom senso".<br />

Durante este período, Kay persuadiu a irmã e a mãe de<br />

Lewis a tentarem pressioná-lo para lhe dar uma segunda chance.<br />

Ela constantemente pedia a seus filhos que falassem com o pai<br />

a respeito de não destruir a família. Ela até mesmo telefonou<br />

para o colega de trabalho dele e chorou no telefone, implorando<br />

a ele que falasse a seu favor. Ela continuou a mandar<br />

presentes e cartões românticos para Lewis, mesmo após ele ter<br />

lhe dito que se sentia desconfortável. Telefonava para ele todos<br />

os dias "só para bater papo", mas sempre parecia escorregar<br />

Sobre a desgraça em que se transformou a sua vida depois<br />

que ele partiu.<br />

E aí aconteceu o impensável. Lewis lhe telefonou para dizer<br />

que ia se casar.<br />

Kay<br />

Eu achei que meu coração fosse parar de bater, ali e naquele<br />

momento. Eu não podia acreditar. Todo o tempo<br />

eu tinha tanta certeza de que ele voltaria. Estava tão certa<br />

de que ele ainda me amava. Fiquei atordoada. Não podia<br />

nem encarar meus amigos, estava me sentindo deplorável.<br />

Pareciam embaraçados comigo, como se não pudessem<br />

pensar em nada para dizer porque não queriam<br />

t ,<br />

} •<br />

.'<br />

DA PERSEGUIÇÃO À VINGANÇA 83<br />

tocar em nenhum nervo exposto. Então chegou o grande<br />

dia e ele seguiu em sua lua-de-mel. A idéia deles dormindo<br />

juntos em algum paraíso tropical era demais para mim.<br />

Por que só eu devia sofrer? Foi ele quem me fez ficar assim.<br />

Eu estava ficando descontrolada.<br />

Não sendo mais capaz de se esconder atrás de um muro<br />

de negação, Kay se torturava com imagens de Lewis e sua nova<br />

esposa. E cada visão da felicidade deles era como uma outra<br />

bofetada.<br />

"NUNCA FIZ NADA VIOLENTO<br />

EM MINHA VIDA"<br />

Kay estava compreensivelmente arrasada. Mas em vez de lamentar<br />

sua perda e começar uma nova vida, ficou cada vez<br />

mais amarga. Seus pensamentos se voltaram para a vingança.<br />

Kay<br />

Eu fiquei vendo eles chegarem de sua lua-de-mel desfalecidos<br />

de amor e ele a carregando através da entrada e a<br />

atirando na cama exatamente como fez comigo quando<br />

nos casamos, e não pude suportar. Fiquei pensando que<br />

tinha que destruir aquele momento. A felicidade deles era<br />

uma pontada em meu coração. Eu não me lembro de ter<br />

dirigido até lá, eu estava no piloto automático. Mas eu<br />

sabia exatamente o que iria fazer quando chegasse. Fiquei<br />

pensando nisso por uma semana. Dei a volta na casa e<br />

quebrei uma janela para entrar e lá dentro comecei a retalhar<br />

coisas. Os ternos e camisas dele, os vestidos dela,<br />

os lençóis - isso era grande, os lençóis - o sofá, as cortinas,<br />

qualquer coisa que pudesse ser rasgada. Eu precisava<br />

destruir aquele momento, fazê-los sofrer e ter certeza<br />

de fazê-los saber o quanto eu sofria.<br />

Ao voltar para casa, Kay começou a tremer. Ela nunca<br />

havia feito nada de violento em sua vida, e agora estava coberta<br />

de sentimentos de vergonha e descrença. Quando, alguns<br />

dias mais tarde, Lewis voltou de sua lua-de-mel, a culpa que


90 AMORES OBSESSIVOS<br />

Por favor, determine se algumas destas afirmações lhe descrevem,<br />

e não tenha pressa.<br />

Você pensa que pode modificar o seu parceiro muito embora ...<br />

1. você se veja repetidamente mentindo ou encobrindo coisas<br />

para proteger seu amante das conseqüências do comportamento<br />

dele ou dela.<br />

2. você sempre precise livrar seu amante de dificuldades<br />

financeiras.<br />

3. seu amante freqüentemente lhe peça dinheiro emprestado<br />

e não pague.<br />

4. seu amante lhe minta com freqüência sobre antecedentes<br />

familiares, empregos ou estado civil.<br />

5. seu amante freqüentemente lhe engane.<br />

6. seu amante abuse de álcool ou drogas.<br />

7. seu amante seja um jogador compulsivo.<br />

8. seu amante seja verbal, emocional ou fisicamente<br />

abusivo.<br />

9. seu amante habitualmente tenha problemas com a<br />

justiça.<br />

Você está regularmente preocupado com ...<br />

1. tentar levar seu amante a fazer uma terapia.<br />

2. tentar fazer seu amante deixar de beber, usar drogas<br />

ou jogar.<br />

3. tentar arranjar um emprego para o seu amante.<br />

t,<br />

f<br />

'ii<br />

f<br />

f<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 91<br />

4. ajudar seu amante a superar problemas sexuais.<br />

5. sentir culpa por não fazer o bastante para ajudar seu<br />

amante.<br />

6. tentar fazer seu amante perceber o quanto as coisas podem<br />

ser maravilhosas se ele ou ela modificar seu comportamento<br />

frustrante.<br />

Se ao menos uma das afirmações em cada lista descreve<br />

a sua situação, você é, provavelmente, um salvador. Você se<br />

encontrará indubitavelmente assumindo a responsabilidade pela<br />

resolução dos problemas do seu amante - sejam financeiros,<br />

sexuais, emocionais, ou algum vício - mesmo que você não<br />

tenha poder para resolvê-los. Uma grande parte de seu tempo<br />

e energia será gasta lutando contra estes moinhos de vento, fazendo<br />

você se sentir sugado e usado e frustrado, exatamente<br />

como Natalie, cujas palavras abriram este capítulo.<br />

OBCECADO POR UM AMANTE CUJA<br />

VIDA É UMA BAGUNÇA<br />

Natalie, de quarenta e três anos, é uma historiadora de olhos<br />

e cabelos castanhos que leciona Moral e Cívica em uma escola<br />

pública de Los Angeles. Ela entrou para um dos meus grupos<br />

de terapia porque estava em um relacionamento que vinha<br />

se mostrando muito custoso para ela, tanto emocional<br />

quanto financeiramente. Sua atitude calma e pausada ocultava<br />

a desordem interna que expressou em seu primeiro dia no<br />

grupo.<br />

Natatie<br />

Eu queria que ele partisse. É tudo tão vicioso, tão destrutivo,<br />

tão maluco. Eu não me importo de não reaver nem<br />

um centavo do meu dinheiro. Eu sei que estarei muito me-


92 AMORES OBSESSIVOS<br />

lhor sem ele. Mas eu simplesmente não posso chutá-lo.<br />

Estamos tão ligados! Nossas vidas estão tão entrelaçadas!<br />

Natalie havia largado seu marido há dois anos e meio<br />

quando descobriu o caso que ele mantinha com a secretária.<br />

Desde então ela manteve um confuso relacionamento de dois<br />

anos com um colega casado que terminou desastrosamente<br />

quando a esposa dele chegou em casa inesperadamente e os<br />

descobriu na cama. Há mais ou menos um mês, ela conheceu<br />

Rick. Ele estava atrás dela na fila de uma sessão vespertina<br />

de cinema, e aconteceu de ambos estarem sozinhos. Começaram<br />

a conversar e resolveram sentar juntos. Após o filme, saíram<br />

para tomar um café e realmente se acertaram.<br />

Natalie<br />

Eu estava provavelmente no período mais carente, mais<br />

desesperado e pior de toda a minha vida. Eu realmente<br />

queria estar com alguém, e ali estava esse glorioso pisciano<br />

de trinta e cinco anos, louro e de olhos azuis que parecia<br />

estar ligado a mim desde sempre. Quer dizer, ali estava<br />

eu, oito anos mais velha do que ele, e ele não se importava.<br />

Era fantástico. Antes que eu soubesse, ele era tudo<br />

o que eu podia imaginar. Eu queria estar com ele o tempo<br />

todo.<br />

Rick trabalhava esporadicamente como vendedor de carros<br />

usados. Quando Natalie o conheceu, ele morava com um<br />

amigo, pois não tinha dinheiro suficiente para alugar sozinho<br />

um apartamento. Ele contou a ela que havia trabalhado para<br />

uma firma de aluguel de carros que fechou sem lhe pagar seu<br />

último mês de trabalho, forçando-o a usar suas minguadas economias.<br />

Ele estava esperando a resposta de um emprego em<br />

um revendedor Mercedes em Beverly Hills. Em três semanas,<br />

ela convidou Rick para morar em seu quarto vago, sabendo<br />

que era apenas uma questão de tempo até ele voltar a andar<br />

com suas próprias pernas. Infelizmente, dinheiro não era o único<br />

problema de Rick, como logo Natalie descobriria.<br />

::'1,<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR<br />

o INFERNO DE PROBLEMAS<br />

o relacionamento emocional de Rick e Natalie parecia progredir<br />

muito rapidamente, mas Rick jamais tomou qualquer<br />

iniciativa sexual. Isto desconcertava Natalie.<br />

Natatie<br />

Quando começamos a sair eu pensei que fosse tímido. Ele<br />

nunca me abordava. Alguns beijos, mas era só. Isso estava<br />

me deixando louca. Quando veio morar comigo, eu podia<br />

dizer que ele queria ficar mais íntimo, mas algo o retinha<br />

... aquilo só fez com que eu o desejasse ainda mais.<br />

Embora o sexo apaixonado forme o centro da maioria dos<br />

relacionamentos obsessivos, Rick o evitava. Isto embaraçava<br />

e afligia Natalie. Ela ficou cada vez mais preocupada com a<br />

falta de interesse sexual de Rick. Estava determinada a descobrir<br />

o que havia de errado e a fazer algo a respeito.<br />

Natalie<br />

I<br />

Era realmente estranhíssimo. Ele não conversava sobre o<br />

assunto e eu não queria forçá-lo, mas eu estava ficando<br />

desesperada. Uma noite pegamos Corpos Ardentes no videoclube<br />

e ficamos assistindo na minha cama. Eu fiquei<br />

muito excitada e comecei a desabotoar sua camisa. Ele pareceu<br />

realmente desconfortável com aquilo e eu finalmente<br />

perguntei o que estava acontecendo. Ele se desculpou e<br />

disse que estava tão deprimido por causa de problemas<br />

financeiros que simplesmente não conseguia ter disposição.<br />

Ele estava tendo problemas com os pagamentos de<br />

um apartamento em Bakersfield que havia comprado como<br />

um investimento - seu pai havia lhe deixado algum<br />

dinheiro - e isto o estava realmente deprimindo. Ele alugara<br />

o lugar para um caloteiro que não havia pago um<br />

níquel em seis meses, mas ele não podia ir até lá despejar<br />

o cara porque o carro estava quebrado e ele não tinha oitocentos<br />

dólares para consertá-lo ... ele estava desesperado<br />

tentando manter sua cabeça fora d'água. Eu não podia<br />

suportar vê-lo daquele jeito. Eu tinha que ajudá-lo.<br />

93


96<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

SEMPRE À BEIRA DO DESASTRE<br />

Natalie tinha tanta possibilidade de salvar Rick de seus problemas<br />

sexuais e financeiros quanto de varrer o oceano com<br />

uma vassoura.<br />

Natalie<br />

As coisas iam de mal a pior para ele, e quanto mais pioravam,<br />

mais deprimido ele ficava. Quando finalmente foi<br />

a Bakersfield para vender o apartamento, descobriu que<br />

seu inquilino havia praticamente destruído o lugar. Precisava<br />

de tapetes, cortinas, pintura, uma série de reparos ...<br />

estava uma bagunça. Ele me telefonou realmente aborrecido.<br />

Ele não podia vender sem consertar tudo, mas ele<br />

não podia consertá-lo porque estava duro. Eu sabia que<br />

iria ser caro, mas eu lhe disse que viesse para casa e que<br />

acharíamos uma saída.<br />

Natalie, como todos os salvadores, estava sendo arrastada<br />

por seu amante para dentro de um redemoinho de problemas.<br />

Rick era um perdedor clássico, sempre à beira do desastre.<br />

Se o defeito não era na transmissão, era nos freios. Se não<br />

era uma reforma em seu apartamento, era um credor colado<br />

a seu pescoço. Se conseguia arranjar um emprego, não podia<br />

suportar seu chefe. Ele nunca tinha dinheiro, mas, de acordo<br />

com Rick, nunca por culpa sua.<br />

A solução de Rick era pedir emprestado a Natalie para<br />

evitar a sucessão de pessoas que pareciam empenhadas em traílo,<br />

usá-lo ou fazê-lo fracassar. Esmagado por seus infindáveis<br />

problemas, Rick nunca chegou a pensar que ele poderia estar<br />

traindo, usando ou levando Natalie ao fracasso.<br />

ALI, MAS NEM TANTO<br />

É difícil entender o que Natalie estava tirando desse relacionamento.<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 97<br />

Natalie<br />

Às vezes eu sinto como se ele nem se importasse de eu<br />

estar viva. Ele entra no quarto, deixa-se cair sobre a cama<br />

e fica olhando para o teto. E quando eu chego para<br />

confortá-lo, ele me diz que não quer conversar sobre isso.<br />

O que realmente me dói, pois eu queria que ele soubesse<br />

que eu estava ali para ele, mas ele me deixava de fora.<br />

As carências emocionais de Natalie passavam inevitavelmente<br />

ignoradas. Nem ela nem Rick prestavam qualquer atenção<br />

a como ela se sentia ou ao que ela queria já que os sentimentos<br />

e desejos dela pareciam tão minúsculos sob a enorme<br />

sombra dos problemas dele.<br />

Natalie estava sofrendo de uma forma particularmente dolorosa<br />

de solidão: mantinha um relacionamento com alguém<br />

de quem não recebia praticamente nada em troca. Como todos<br />

os salvadores, ela se sentia rejeitada mesmo quando seu<br />

parceiro estava fisicamente com ela, pois ele não estava emocionalmente<br />

disponível para ser amoroso, encorajador, ou até<br />

mesmo capaz de apreciá-la.<br />

Vm amante que não está emocionalmente disponível é tão<br />

rejeitador quanto um que sai porta afora. O que constitui a<br />

intimidade emocional é reciprocidade de sentimentos, idéias,<br />

sonhos e experiências. Em um relacionamento saudável, tal reciprocidade<br />

pode variar com as pressões cotidianas - ninguém<br />

pode ser amoroso e altruísta durante as vinte e quatro horas<br />

do dia. No entanto, no relacionamento de um salvador, a indisponibilidade<br />

emocional é a regra e não a exceção.<br />

NADA É O BASTANTE<br />

Quando Rick voltou de Bakersfield, Natalie não estava preparada<br />

para o quanto sua última crise iria custar a ela, tanto financeira<br />

quanto emocionalmente.<br />

Natatie<br />

Ele precisava de sete mil dólares para consertar o apartamento.<br />

Eu lhe disse que não tinha este dinheiro, e ele ficou<br />

arrasado. Ele começou a discursar sobre como tudo


100 AMORES OBSESSIVOS<br />

portantes que, como se verificou, poderiam tê-la poupado não<br />

apenas de muita tristeza, mas também de muito dinheiro. Hal<br />

havia sido evasivo até mesmo sobre as informações mais básicas<br />

a seu respeito, mas, em vez de ler isto como um aviso, Debra<br />

permitiu que sua fascinação superasse seu melhor julgamento.<br />

Quando Hal se desviava das perguntas que Debra lhe<br />

fazia, ela deveria ter tido sérias dúvidas quanto ao caráter, honestidade<br />

e situação de vida dele, porém ela escolheu expressar<br />

seu sigilo em termos românticos como "misterioso" e "excitante".<br />

Ela estava tão possuída por seu charme e aparência<br />

que se recusava a permitir que quaisquer suspeitas nublassem<br />

a visão que tinha dele. O julgamento é uma das primeiras baixas<br />

do complexo de salvadores, ou de qualquer forma de amor<br />

obsessivo.<br />

UMA RESPOSTA PARA TUDO<br />

Halligou no dia seguinte e convidou-a para ir à praia. Quando<br />

chegou para buscá-la, ela ficou chocada ao vê-lo dirigir um<br />

Chevrolet de quinze anos com ferrugens, pára-lamas amassados<br />

e estofamentos rasgados.<br />

Debra<br />

Eu fiquei tão espantada dele dirigir uma tal ruína ... quer<br />

dizer, a maneira como falava, e a maneira como se vestia,<br />

ele parecia tão ... bem-sucedido. Ele deve ter lido meus pensamentos<br />

porque as primeiras palavras que disse foram:<br />

"É emprestado. Bateram no meu Maserati e ele vai ficar<br />

na oficina por um mês." Aquilo me pareceu plausível, mas<br />

na volta para casa ele me pediu para pegar uns lenços de<br />

papel no porta-luvas, e ao fazer isso, vi que o carro estava<br />

registrado no nome dele. Fiquei um pouco chateada<br />

de ele ter achado que precisava mentir para mim, mas eu<br />

sabia que era porque estava embaraçado, então eu não disse<br />

nada a respeito.<br />

É comum as pessoas exagerarem alguns aspectos de suas<br />

vidas ou colorir levemente a verdade para tentarem impressio-<br />

o COMPLEXO DE SALVADOR 101<br />

nar novos amantes ou amantes em potencial. Porém o fingimento<br />

de Hal a respeito do carro era uma mentira completa<br />

que deveria ter alertado Debra quanto a questões mais sérias<br />

acerca da honestidade dele.<br />

Todos nós recebemos pistas a respeito da personalidade<br />

e do caráter de nossos amantes no início dos relacionamentos.<br />

Mas assim que o complexo de salvador assume a cena, a<br />

interpretação dessas pistas é desviada para servir à missão de<br />

salvamento do obsessor - não importa que mentiras o amante<br />

enganador conte.<br />

Debra estava tão deslumbrada pelo charme e aparência<br />

de Hal que, em vez de deixá-lo saber como ela se sentiu por<br />

ele ter-lhe mentido, arranjou desculpas para ele. Ela temia pôr<br />

em perigo quaisquer futuras possibilidades com ele. O relacionamento<br />

mal havia começado e ela já estava estabelecendo um<br />

padrão de proteção para ele.<br />

Conforme Debra e Hal começaram a se ver com mais freqüência,<br />

Hal passou a ir visitá-la no escritório durante a semana,<br />

o que a levou a imaginar por que ele não estaria no trabalho.<br />

Quando ela lhe perguntou isso, Hal também tinha uma<br />

resposta pronta. Ele disse que era um investidor no mercado<br />

imobiliário com vários negócios em curso, e que tinha muito<br />

tempo livre até que um deles se concretizasse.<br />

Debra<br />

Ele nunca gastava nenhum dinheiro. Sempre estávamos<br />

na minha casa. Eu fazia o jantar, e encerrávamos fazendo<br />

amor. Eu tinha um ímpeto incrível, bastava vê-lo nu.<br />

Ele era divertido ... derramava champagne sobre o meu corpo<br />

e o lambia demoradamente, ou trazia estes óleos de<br />

massagem perfumados e passava horas me lambuzando ...<br />

era o paraíso. Mas lá no fundo eu sempre imaginava por<br />

que nunca saíamos, então uma noite eu finalmente fiz com<br />

que me contasse. Ele estava um pouco embaraçado, mas<br />

me disse que todo o seu dinheiro estava aplicado nestes<br />

multimilionários negócios imobiliários. Mas cada um deles<br />

parecia ter alguma espécie de impedimento temporário que<br />

o forçava a adiamentos e até que algum se resolvesse ele<br />

era rico em terras, mas pobre em dinheiro. Ao mesmo tempo,<br />

disse ele, estava pagando dois mil dólares de pensão


102 AMORES OBSESSIVOS<br />

à sua ex-esposa, que estava brigando para impedi-lo de<br />

ver seu filho e para deixá-lo na miséria. Esta foi a primeira<br />

vez em que ouvi falar de qualquer esposa ou filho, "Pelo<br />

menos ele está se abrindo comigo", pensei.<br />

Em vez de ver as clamorosas inconsistências entre a autodescrição<br />

de Hal e seu estilo de vida real, Debra preferiu ver<br />

as histórias dele como revelações pessoais, recebendo-as como<br />

sinais da confiança que ele estava começando a depositar<br />

nela. Não confiar nele seria sabotar seu próprio sonho de um<br />

relacionamento verdadeiramente honesto. Como ela poderia<br />

não acreditar nele?<br />

Como todos os salvadores, Debra evitava ver furos na história<br />

de seu amante. Era mais importante para ela estabelecer<br />

um relacionamento de confiança. Ela temia se mostrar uma<br />

cínica cheia de suspeitas, receando que ele pudesse achá-la menos<br />

amorosa ou menos atraente. Por seu desejo de cimentar<br />

uma relação duradoura com Hal, ela estava predisposta a deixar<br />

passar suas discrepâncias.<br />

Com a evolução do relacionamento, Debra pegou Hal em<br />

uma série de pequenas mentiras. Por exemplo, descobriu que<br />

ele havia usado seu cartão de crédito sem pedir. Ele se desculpou<br />

dizendo que pretendia dizer a ela, mas "esqueceu completamente".<br />

Em uma outra ocasião, achou várias ligações para<br />

a Costa Rica na sua conta de telefone. Ele negou tê-las feito,<br />

embora tivesse lhe contado que tinha um grande amigo morando<br />

lá. Tomadas isoladamente, todas estas mentiras poderiam<br />

ser explicadas como um lapso de julgamento, mas tomadas<br />

em grupo indicavam um alarmante padrão de desonestidade<br />

e exploração. Contudo, Debra se recusava a perder a fé<br />

em Hal e ia aceitando todas as suas desculpas.<br />

"EU NÃO SOU COMO ELA"<br />

Quando Hal finalmente contou a Debra sobre sua ex-esposa,<br />

ele a descreveu como gananciosa, cruel e abusiva - e a si mesmo<br />

como sua pobre e indefesa vítima. Ele inclusive confessou<br />

ter tido medo de confiar em uma mulher desde que se separara.<br />

Comprando sua história de cabo a rabo, Debra se sentiu<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 103<br />

compelida a salvar Hal de suas feridas emocionais provando<br />

a ele que nem todas as mulheres eram tão más quanto sua<br />

ex-esposa.<br />

Debra<br />

Quando ele se desculpou por não poder me levar para sair,<br />

eu disse que podia levá-lo a um restaurante ou a um concerto<br />

uma vez ou outra. Que diferença fazia quem assinava<br />

o cheque contanto que estivéssemos juntos? Ele ficou<br />

zangado. Tive que implorar a ele que me deixasse leválo<br />

para sair. Quando finalmente começamos a ir aos lugares,<br />

isto pareceu lhe dar um novo ânimo, e me fez sentir<br />

fantástica. Eu realmente queria mostrar a ele que não<br />

me importava com dinheiro; eu me importava com ele. Eu<br />

não era egoísta e ardilosa como sua ex-esposa.<br />

Para Debra, Hal era um ferido de guerra no campo de batalha<br />

matrimonial. Ela estava determinada a ser sua Florence<br />

Nightingale e curar seus ferimentos. Ela o deixaria são e aí poderiam<br />

ser felizes juntos. Mostrando a ele que era uma doadora<br />

e não uma tomadora, ela o ensinaria a novamente confiar<br />

nas mulheres.<br />

As contas dos restaurantes foram apenas o início. Alguns<br />

meses mais tarde, Debra o convidou para ir morar com ela para<br />

que ele economizasse o dinheiro do aluguel. Um mês depois<br />

ela ajudou-o a sair de um buraco judicial e financeiro<br />

emprestando-lhe seis mil dólares para cobrir os pagamentos<br />

da pensão.<br />

Debra<br />

Aí um de seus terrenos apresentou problemas geológicos<br />

e para resolvê-los seria necessária uma cota adicional de<br />

vinte mil dólares de cada sócio. Ele, obviamente, não tinha,<br />

então eu me ofereci para levantar o dinheiro em troca<br />

de uma parte da sua porcentagem. Ele pareceu relutante<br />

em aceitar meu dinheiro, mas como ele achava que<br />

era um negócio seguro, decidiu que estava tudo bem. Não<br />

era um empréstimo, era um investimento. Me fez bem eu<br />

ser capaz de fazer isto por ele, além do mais, eu iria ganhar<br />

dinheiro com o negócio.


104 AMORES OBSESSIVOS<br />

Embora os problemas de Hal estivessem se tornando cada<br />

vez mais caros para Debra, ela não se incomodava, pois isto<br />

fazia parte da sua campanha de salvação. Hal nem precisava<br />

pedir dinheiro a Debra. Bastava ele se queixar de problemas<br />

e lá estava ela voluntariamente lhe dando suas suadas economias.<br />

OLHOS E OUVIDOS FECHADOS<br />

PARA O MAL<br />

Debra não estava preocupada por emprestar dinheiro a Hal.<br />

Ela não tinha dúvidas de que ele a pagaria assim que um de<br />

seus terrenos fosse negociado. Ela acreditava que ele tinha o<br />

potencial para ser o homem mais dinâmico, bem-sucedido e<br />

amoroso ... Acreditava nisso porque seu coração lhe dizia isso.<br />

Sabia que se o ajudasse a atravessar este período difícil, teria<br />

sua pessoa mágica.<br />

E então o teto desabou.<br />

Debra<br />

Encontrei com Dave no mercado. Ele pareceu se divertir<br />

ao ouvir que eu e Hal estávamos juntos. Fomos tomar uma<br />

xícara de café e eu lhe perguntei se ele conhecia a ex-esposa<br />

de Hal. Ele ficou surpreso. "Que ex-esposa?", disse ele,<br />

"Ele nunca foi casado." Meu primeiro pensamento foi:<br />

"Dave está brincando." Mas ele jurou que não estava. Então<br />

fiquei tão aborrecida que pensei que fosse ter um ataque<br />

do coração. Comecei a gritar que isto não podia ser<br />

verdade! "Hal está pagando dois mil dólares por mês de<br />

pensão! Você não sabe o que está dizendo! Como pode<br />

fazer uma brincadeira tão cruel comigo .. ." Até lhe disse<br />

que nunca mais queria vê-lo. Eu berrei e esbravejei e saí<br />

enfurecida. Jamais esquecerei do completo choque e confusão<br />

em seu rosto.<br />

A "bomba" de Dave ameaçava destruir o mundo de<br />

Debra. Se acreditasse nele, teria que acreditar que Hal estava<br />

mentindo para ela, e a sua pessoa mágica não podia mentir.<br />

1F<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 105<br />

Como a maioria dos outros amantes obsessivos, os salvadores<br />

não tolerarão qualquer realidade que ameace erodir sua imagem<br />

idealizada.<br />

A raiva de Debra para com Dave era sua maneira de se<br />

defender do pânico que sentiu diante da possibilidade de o seu<br />

amante a estar enganando. Se estivesse mentindo sobre sua exesposa,<br />

também poderia estar mentindo sobre o seu amor por<br />

Debra, sobre precisar dela, sobre querê-la. Poderia inclusive<br />

estar mentindo a respeito de seus negócios só para lhe sugar<br />

dinheiro. As possibilidades eram aterradoras demais para serem<br />

contempladas. Para evitar que seu mundo desabasse, ela<br />

dirigiu sua fúria contra Dave como os antigos monarcas que<br />

matavam o mensageiro que trouxesse más notícias.<br />

"SE VOCÊ ME DISSER A VERDADE<br />

EU POSSO AJUDÁ-W"<br />

Por mais que Debra tentasse não ver nem ouvir nada de mau<br />

em relação a Hal, ela não podia evitar que as palavras explosivas<br />

de Dave ameaçassem seu muro de negação. Não havia como<br />

escapar da possibilidade de a alegação de Dave ser verdadeira.<br />

De uma hora para a outra, as "explicações" de Hal a<br />

respeito do carro, do cartão de crédito e dos telefonemas internacionais<br />

voltaram para assombrá-la. Até o momento ela<br />

as havia facilmente dispensado como incidentes isolados, mas<br />

agora ela se preocupava de, afinal, estar sendo a vítima de uma<br />

rede de enganos.<br />

Debra<br />

Quando cheguei em casa, parecia que eu ia enlouquecer.<br />

Eu tinha que saber a verdade. Hal estava na piscina, despreocupado,<br />

tomando uma das suas pinãs coladas. Eu lhe<br />

contei o que Dave dissera e implorei a ele que fosse honesto<br />

comigo. Como podíamos ter um relacionamento se<br />

não éramos sinceros um com o outro? Ele ficou realmente<br />

constrangido. Ele me implorou que o perdoasse. A verdade<br />

era que não havia ex-esposa, não havia criança, não<br />

havia pagamento de pensão. O filho de seu irmão havia<br />

sido preso por roubo e ele precisava de seis mil dólares


106 AMORES OBSESSIVOS<br />

para libertá-lo. Hal tinha medo de eu não lhe dar o dinheiro<br />

se soubesse realmente o motivo, e estava assustado<br />

com o que poderia acontecer ao filho de seu irmão na<br />

cadeia. Eu lhe disse que estava realmente magoada por<br />

ele não haver tido confiança suficiente em mim para me<br />

dizer a verdade. Eu disse que o amava, mas que iríamos<br />

ter que começar do zero. Sem mentiras, sem histórias, sem<br />

bobagens.<br />

Quando Debra confrontou Hal, ela pensava que queria<br />

a verdade, mas o que realmente queria era que Hal reforçasse<br />

sua fragmentada confiança nele. Então, ela aceitou suas explicações<br />

ainda mais complicadas e improváveis. Ela precisava<br />

que ele expulsasse a dor e o medo, e lhe reassegurasse que<br />

o relacionamento ainda era viável. E mais uma vez, ele foi<br />

condescendente.<br />

Debra<br />

Ele jurou que eu jamais ouviria outra mentira dele, e nós<br />

dois choramos. A idéia de botá-lo para fora nem me passou<br />

pela cabeça, pois eu sabia que estávamos juntos nisso<br />

até o fim. Naquela noite tivemos a melhor cama de todas.<br />

Na manhã seguinte eu acordei e ele se fora.<br />

Debra nunca mais viu Hal novamente. Quando foi verificar<br />

seu' 'investimento" no ramo imobiliário, descobriu que os<br />

papéis que ele havia lhe dado se referiam a um projeto que<br />

não existia. Ele cometera uma fraude bem planejada e bem<br />

executada. Quando calculou suas perdas financeiras, ele havia<br />

lhe levado quase trinta mil dólares, mas isto era uma gota<br />

no oceano se comparado aos seus prejuízos emocionais.<br />

"COMO PUDE PERMITIR QUE<br />

ISTO ACONTECESSE COMIGO?"<br />

Debra contou-me esta história durante um almoço, uma semana<br />

após Hal ter partido. Primeiro fiquei espantada. Ela sempre<br />

se abrira comigo a respeito de seus relacionamentos; entretanto,<br />

durante este relacionamento, havíamos nos encontra-<br />

J<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 107<br />

do várias vezes e ela jamais mencionou qualquer problema.<br />

Mas logo que os detalhes ficaram claros, o sigilo de Debra não<br />

foi mais uma surpresa. Os salvadores rotineiramente mentem<br />

por seus amantes, dão desculpas por eles, dão cobertura a eles<br />

e assumem uma fachada tanto para o resto do mundo quanto<br />

para si próprios.<br />

Debra percebeu que até mesmo no fim havia deixado passar<br />

provas absolutas de que Hal continuava fingindo para ela.<br />

Quando ele admitiu ter mentido sobre a ex-esposa e o filho,<br />

disse que era para conseguir seis mil dólares para a fiança do<br />

irmão. Mas Hal inventara a história sobre a pensão pelo menos<br />

um mês antes de seu irmão haver sido supostamente preso.<br />

Como poderia saber com um mês de antecedência que seu<br />

irmão iria precisar de dinheiro para a fiança?<br />

Quando Debra chegou a esta parte da história, seus olhos<br />

se encheram de lágrimas e ela disse: "Meu Deus, <strong>Susan</strong>, eu<br />

sou uma mulher inteligente. Como pude permitir que isso acontecesse<br />

comigo?" Eu disse a ela para parar de se repreender.<br />

Ela não era a primeira pessoa inteligente a cair numa dessas,<br />

e certamente não seria a última. Seu complexo de salvador a<br />

transformara na vítima perfeita para um hábil aproveitador.<br />

A última vez em que vi Debra, ela parecia estar bem melhor.<br />

Ela podia alegremente se descrever como "mais pobre,<br />

porém mais sábia" sem qualquer traço de rancor em sua voz.<br />

Ela ainda estava lutando para reconstruir seu ninho, mas emocionalmente,<br />

após um ano admitidamente difícil, já havia andado<br />

um bom caminho em direção à reconstrução da sua vida.<br />

A SEDUÇÃO DO SOCIOPATA<br />

Hal entrou e saiu da vida de Debra como um furacão, deixando<br />

caos e destruição em sua passagem. Ele explorou impiedosamente<br />

o amor obsessivo dela até ela começar a pegá-lo em<br />

mentiras tão gigantescas que ele se sentiu ameaçado por um<br />

iminente desmascaramento. Então ele partiu, presumidamente,<br />

para a sua próxima vítima.<br />

Infelizmente, o mundo está cheio de Hals - pessoas charmosas<br />

que têm pouca ou nenhuma consciência e nenhuma capacidade<br />

de se sensibilizar ou sentir remorso pelo mal que fa-


108 AMORES OBSESSIVOS<br />

zem aos outros. Manipulam habilmente seus amantes de várias<br />

maneiras, a mais comum das quais é a financeira. O termo<br />

clínico para pessoas assim é "sociopata".<br />

Os sociopatas são estonteantes, fascinantes, frustrantes,<br />

sedutores e persuasivos. Exalam uma aura altamente dramática<br />

e excitante. Prometem paixão, aventura e romance. Quando<br />

falam, suas palavras parecem impregnadas de verdade. Os<br />

sociopatas deslumbram pelo exterior, mas, como um elegante<br />

estúdio de filmagem, sua promessa de um interior igualmente<br />

deslumbrante leva à realidade de uma casca vazia.<br />

Os sociopatas são utilitaristas, mentirosos crônicos e manipuladores.<br />

Passam pela vida criando sofrimento para qualquer<br />

um que confie neles, seja em um relacionamento pessoal<br />

ou de negócios. Raramente sofrem emocionalmente, pois lhes<br />

faltam os mecanismos emocionais para sentirem o que a maioria<br />

das pessoas sente em interações humanas normais. Falta<br />

a eles os monitores internos de moralidade, ética e cuidado que,<br />

na maioria de nós, causa a sensação de culpa e ansiedade ao<br />

magoarmos os outros.<br />

Os salvadores se entusiasmam por relacionamentos com<br />

sociopatas porque os salvadores são doadores, e doadores são<br />

presas fáceis para os tomadores predatórios. Os sociopatas têm<br />

a vantagem adicional de serem extremamente eficazes na arte<br />

da sedução. Infelizmente, o objetivo de tal sedução não é o<br />

amor, mas o dinheiro.<br />

A maioria dos sociopatas age tão rápido que suas vítimas<br />

sabem muito pouco sobre eles até estarem inextricavelmente<br />

enredadas. Quando Debra trouxe Hal para morar em sua casa,<br />

não tinha a menor idéia de onde ele vivia anteriormente,<br />

como se sustentava, ou quais eram seus antecedentes. Ela foi<br />

invadida pela paixão antes de ter tido uma oportunidade de<br />

pensar sobre a natureza dúbia das histórias dele, e depois de<br />

estar comprometida com o relacionamento, nem queria pensar<br />

sobre isso.<br />

Se você, como Debra, está continuamente ajudando seu<br />

amante financeiramente (ou esteve tentado, ao menos uma vez,<br />

a lhe dar uma grande quantidade de dinheiro, fosse como um<br />

presente, um empréstimo ou investimento), não tenha medo de<br />

consultar um advogado ou um consultor financeiro para proteger<br />

seus interesses. Eu não estou querendo dizer que se o seu<br />

o COMPLEXO DE SALVADOR 109<br />

amante lhe pede dinheiro ele ou ela é necessariamente um sociopata,<br />

mas, no mundo real, a única maneira de se proteger<br />

de alguém como Hal é procurar o conselho de uma terceira<br />

pessoa cuja perspectiva não esteja nublada por emoções. O envolvimento<br />

de uma terceira pessoa pode enfurecer seu amante<br />

ou ameaçar a confiança que você acredita que há em seu relacionamento,<br />

mas questões financeiras nunca devem se misturar<br />

com problemas do coração.<br />

Os sociopatas sempre parecem oferecer a lua no início de<br />

um relacionamento, mas no momento em que saem, essa lua<br />

é invariavelmente eclipsada pela sombra da traição.<br />

,/<br />

OBCECADA POR UM AMANTE VICIADO<br />

Não há nenhum lugar em que os salvadores se defrontem com<br />

demônios mais poderosos do que quando tentam resgatar um<br />

parceiro viciado em drogas ou álcool. Vícios físicos não podem<br />

ser superados pelos esforços de um amante, não importa<br />

quanto este amante possa se importar, compreender, simpatizar,<br />

censurar ou reclamar. Sem um forte compromisso pessoal<br />

da parte do viciado, todo o salvamento do mundo não está<br />

apenas condenado, mas freqüentemente contribui para o problema<br />

ao suavizar as conseqüências do comportamento viciado.<br />

Obsessores que amam parceiros viciados tendem a ter relacionamentos<br />

especialmente caóticos. A história de Kirk é uma<br />

ilustração dramática.<br />

Kirk é um ex-alcoólatra de trinta e oito anos que trabalha<br />

como programador em uma grande firma de computação. Ele<br />

foi enviado a mim por seu responsável nos Alcoólicos Anônimos,<br />

que compartilhava da preocupação de Kirk de que sua<br />

amante, Loretta, lhe empurraria de volta ao seu estilo de vida<br />

anterior. Kirk estava envolvido em um relacionamento obsessivo<br />

e tempestuoso com Loretta, que era seriamente viciada<br />

em drogas e álcool, e que não demonstrava nenhum interesse<br />

em mudar seu estilo de vida destrutivo.


110 AMORES OBSESSIVOS<br />

Nos últimos dois anos, Loretta entrava e saía da casa de<br />

Kirk. Ela morava lá um mês ou dois, depois se mudava novamente<br />

sem avisar. Ele ficava sem receber notícias dela por mais<br />

alguns meses e então ela aparecia na sua porta, normalmente<br />

envolvida em algum tipo de problema. Quando Kirk veio me<br />

ver, Loretta havia voltado há algumas semanas e já estava ameaçando<br />

sair novamente.<br />

Kirk<br />

Estou sofrendo horrivelmente agora. Ela me disse que estava<br />

saindo no domingo passado, mas já se passaram cinco<br />

dias e eu não sei se ela vai embora, não sei se vai ficar.<br />

Eu realmente quero saber. Eu realmente quero que ela fique.<br />

Eu quero sinceramente que ela se recupere. A mulher<br />

me deixa louco. Eu fico louco por causa dela.<br />

Antes de conhecer Loretta, Kirk passara quatro anos indo<br />

de um romance a outro. Ele ficou profundamente magoado<br />

quando sua esposa o deixou, após dez anos de casamento,<br />

por causa da bebida e levou seus quatro filhos com ela para<br />

a Flórida. Sempre que se interessava por uma mulher, a dor<br />

voltava, deixando-o desconfiado de se comprometer com novos<br />

relacionamentos.<br />

Tudo isso mudou quando ele conheceu Loretta. Ela era<br />

uma arquivista que trabalhava em frente ao seu escritório.<br />

Kirk<br />

Um dia meu carro não quis pegar, e eu sabia que ela morava<br />

perto de mim, então perguntei-lhe se não podia me<br />

dar uma carona até em casa. Quando chegamos eu a convidei<br />

para um drinque e ela aceitou na hora. Eu estava<br />

realmente precisando de um banho e então disse que ia<br />

tomar um, e assim que as palavras saíram da minha boca<br />

eu tive este sentimento. Então perguntei a ela se não gostaria<br />

de se juntar a mim. Ela topou e terminamos fazendo<br />

amor no chuveiro. Depois disso tomamos umas bolas.<br />

Foi a trepada mais exageradamente louca e apaixonada<br />

e eu estava amando. Tudo era um mar de rosas. Passamos<br />

os dez dias seguintes na cama, parando apenas para<br />

comer, trabalhar, se embebedar e se drogar.<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 111<br />

o relacionamento de Kirk e Loretta nasceu na distorcida<br />

realidade do álcool, das drogas e da luxúria. Esta já exagerada<br />

atmosfera emocional foi feita sob medida para a obsessão.<br />

UM TIPO DIFERENTE DE IDEALIZAÇÃO<br />

A maioria dos obsessores que idealiza usa a negação para varrer<br />

as falhas de seus amantes para debaixo do tapete. Os salvadores,<br />

no entanto, estão quase sempre bem conscientes das<br />

inadequações ou dos padrões de vida destrutivos de seus<br />

amantes. ,./"<br />

Kirk<br />

Certo, ela era uma viciada e uma bêbada, mas eu também<br />

era assim quando começamos. Quer dizer, quem era eu para<br />

julgar? Interiormente, eu sabia que ela era boa, que era<br />

sensível. Eu me lembro de que uma vez esmaguei uma aranha<br />

e ela ficou realmente aborrecida. Eu sabia, lá no fundo,<br />

que ela era a garota perfeita para mim, absolutamente<br />

fantástica. Ela parecia genial, ela fazia eu me sentir genial,<br />

ela realmente sabia como me excitar. Éramos totalmente obcecados.<br />

Então, no final daqueles dez dias - os melhores<br />

que já vivi - ela desapareceu. Ela simplesmente pegou todas<br />

as coisas dela e partiu. Me senti um lixo.<br />

Kirk via Loretta como se ele tivesse visão de raios X emocional.<br />

Ele achava que podia enxergar um centro de bondade<br />

e beleza através do revestimento de seu problemático exterior.<br />

Kirk pode não ter se preocupado com o excesso de álcool<br />

e droga de Loretta, mas a maneira como desapareceu deveria<br />

tê-lo prevenido a respeito da sua volatilidade. Ela o deixou sem<br />

avisar, demonstrando que não se preocupava com os sentimentos<br />

dele. Além disso, parou de ir ao trabalho. Porém a sua clamorosa<br />

irresponsabilidade não embaçou em nada a crença de<br />

Kirk de que Loretta era a sua pessoa mágica.<br />

"PARE DE ME DIZER O QUE FAZER"<br />

Em vez de idealizar quem Loretta era, Kirk estava idealizando


114 AMORES OBSESSIVOS<br />

que ela partisse caso eu não fizesse isso. Eu estava perdidamente<br />

apaixonado, eu fazia de tudo, mas ela continuava<br />

com esta lenta dança da morte, bebendo cada vez mais<br />

uísque e se drogando cada vez mais.<br />

Loretta era a primeira bailarina nesta "lenta dança da morte",<br />

mas Kirk estava arrumando o palco e tocando a música.<br />

Em sua ânsia de ajudá-la, estava simplesmente piorando os problemas.<br />

Em vez de impor limites aos vícios dela, ele os sustentava.<br />

Em vez de insistir com ela para que se responsabilizasse<br />

por si mesma, lhe mandava mensagens de que o que ela não<br />

fizesse por si mesma, ele faria por ela. Ele permitia que ela<br />

sobrevivesse sem precisar cuidar de si mesma, e fazendo isto,<br />

permitiu que ela prosseguisse com sua autodestruição.<br />

Kirk tinha dois poderosos rivais nos afetos de Loretta: as<br />

drogas e o álcool. Ela era o centro da vida dele, dopar-se era<br />

o centro da dela. Kirk compreendia que não era o interesse primordial<br />

de Loretta, mas tolamente acreditava que poderia eliminar<br />

seus rivais. A maioria dos salvadores trabalha sob a ilusão<br />

de que o poder do seu amor irá finalmente persuadir seu<br />

parceiro a parar de beber e usar drogas. Mas o vÍCio é complexo<br />

e tenaz. Exige da parte do viciado um corajoso compromisso<br />

de perseguir ativamente sua própria reabilitação. Sem<br />

esse compromisso, nada pode fazer qualquer diferença.<br />

"MEU AMOR ACABOU"<br />

Por causa dos VÍCios de Loretta, a vida dela e a de Kirk eram<br />

uma enorme confusão. Mais cedo ou mais tarde até mesmo<br />

os salvadores mais devotados chegam aos seus limites. Kirk,<br />

finalmente, se cansou.<br />

Kirk<br />

Eu estava cansado e enjoado de pagar as contas. Estava<br />

cansado e enjoado de ouvi-la reclamar. O dinheiro acabou.<br />

O amor acabou. Acabou a compaixão. Estávamos<br />

nos agredindo mutuamente, e eu cansei. Então decidi evocar<br />

a lei do dinheiro, o que quer dizer que quem tem o<br />

dinheiro faz as leis. Eu disse a ela: "Eu tenho pago por<br />

! ·i<br />

;f.!<br />

y:-<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR 115<br />

tudo. Não posso mais me permitir pagar este preço. É hora<br />

de você partir." No dia seguinte ela embrulhou todas as<br />

suas coisas e dois de seus amigos viciados vieram buscála,<br />

jogaram suas coisas numa caminhonete e partiram. Eu<br />

esperava me sentir aliviado, mas ao contrário, me senti<br />

muito mal.<br />

Kirk não sentia nem metade da firmeza que aparentava.<br />

A natureza desequilibrada do relacionamento o havia derrubado.<br />

Os salvadores são tipicamente usados, abusados e sugados<br />

por seus amantes, daí não é de se surpreender que muitos<br />

deles terminem por desistir. Infelizmente, esta saudável decisão<br />

quase nunca é permanente.<br />

O ALTO CUSTO DA SALVAÇÃO<br />

O amor de Kirk pode ter acabado, mas sua obsessão estava<br />

longe de terminar.<br />

Kirk<br />

Aquela primeira noite sem ela foi horrível. Eu não pude<br />

dormir. Fui ao banheiro a cada cinco minutos. Meu estômago<br />

queimava, minhas mãos transpiravam, minha cabeça<br />

doía de culpa pelo que poderia acontecer a ela sem<br />

mim. Eu me odiava por tê-la deixado partir. Alguns dias<br />

mais tarde saí para procurá-la e não pude encontrá-la. Meu<br />

responsável me dizia para desistir, e eu finalmente mandei<br />

que ele se fodesse e que o AA também se fodesse.<br />

Quando ele me encontrou, eu estava inconsciente debruçado<br />

sobre duas garrafas de Jack Daniel's. Acordei em<br />

uma unidade de desintoxicação.<br />

Kirk chegou ao fundo do poço. Em sua mente, ele havia<br />

entregue Loretta aos lobos. Havia abandonado sua pessoa mágica.<br />

Havia sido egoísta, descuidado e cruel. Ao encontrar a<br />

força e a sabedoria para se desligar de sua amante, ele pagou<br />

o alto preço da culpa e da auto-reprovação. Este é o dilema<br />

do salvador:


116 AMORES OBSESSIVOS<br />

Quanto mais você age em seu próprio<br />

interesse, pior você se sente.<br />

Embo.ra Kirk estivesse fazendo. o. melho.r po.ssível para ele<br />

mesmo. (e talvez para Loretta) ao. tentar tirá-la da vida dele,<br />

sentia co.mo. se estivesse fazendo. exatamente o. o.po.sto..<br />

"PENSEI QUE HAVÍAMOS FINALMENTE<br />

TERMINADO"<br />

Quando. Kirk vo.lto.u a caminhar po.r seus próprio.s pés, co.me­<br />

Ço.U a co.nstruir uma no.va vida sem Loretta.<br />

Kirk<br />

No.s meses seguintes eu realmente o.rganizei minha cena.<br />

Voltei para o. AA co.m muita paixão., estava saindo. co.m<br />

algumas mulheres de lá e parecíamo.s estar no.s dando. bem,<br />

eu fiz o. que havia deixado. escapar quando. estava co.m Loretta<br />

... não. po.dia parar de pensar nela, mas estava determinado.<br />

a esquecê-la. Pensei que havíamo.s finalmente terminado..<br />

Aí ela apareceu no.vamente. Ela me co.nto.u que<br />

precisava de cento. e cinqüenta paus para pagar um traficante<br />

que iria acabar co.m ela caso. não. aparecesse co.m<br />

o. dinheiro.. Eu lhe dei o. dinheiro, mas lhe disse que estava<br />

agindo. co.mo. uma piranha. Ela fico.u realmente abo.rrecida<br />

co.m isso.. Admitiu que havia passado. algum tempo. no.<br />

Bo.ulevard Ho.llywo.o.d, mas disse que tudo. que co.nseguia<br />

atrair eram tiras. Ela estava co.m um aspecto. realmente<br />

ho.rrível. Estava usando. muitas drogas e parecia realmente<br />

patética. Temia ter que vo.ltar para a rua, então. o.fereci<br />

a salvação. de sempre. O que sei é que ela vo.lto.u para a<br />

minha casa. Ago.ra eu lhe do.u co.mida, do.u co.mida para<br />

seus amigo.s da escória, esto.u lhe dando. dinheiro ... Estamo.s<br />

exatamente o.nde co.meçamo.s, só que ago.ra eu esto.u<br />

sóbrio..<br />

Kirk não. havia percebido. que, apesar de suas tentativas<br />

de purificar sua vida da influência tóxica de Loretta, ainda estava<br />

extremamente vulnerável, tanto. ao. amo.r o.bsessivo. que nu-<br />

O COMPLEXO DE SALVADOR<br />

tria por ela quanto. à sua necessidade de ser necessário.. Ele acreditava<br />

falsamente que o. tempo. e a distância po.r eles mesmo.S iriam<br />

erradicar o.S sentimento.s em relação. a ela. Co.mo. era de se esperar,<br />

quando. Lo.retta vo.lto.u, seu pedido. de ajuda fo.i mais do. que<br />

suficiente para fazer ruir o. co.mpromisso. de viver sem ela.<br />

Muito.s relacio.namento.s o.bsessivo.s, especialmente aqueles<br />

entre salvado.res e amantes pro.blemático.s, terminam não.<br />

uma, mas várias vezes. Estes relacio.namento.s caem facilmente<br />

em um padrão. repetitivo. e frustrante de ro.mpimento. e reaproximação..<br />

Se vo.cê é um salvado.r e enco.ntrou a fo.rça e a o.po.rtunidade<br />

de co.lo.car limites no. que vo.cê está dispo.sto. a fazer pelo.<br />

seu parceiro o.U até mesmo. de livrar-se do. relacio.namento., é<br />

impo.rtante que vo.cê não. caia no. erro. de acreditar que está fo.ra<br />

de perigo.. Ainda que seu julgamento. lhe diga invariavelmente<br />

o. co.ntrário., a maio.ria do.s salvado.res acha extremamente difícil<br />

resistir em aceitar no.vamente em suas vidas um amante<br />

problemático..<br />

o DESEQUILÍBRIO DO PODER<br />

Os amantes problemático.s to.cam a culpa, a pena e a co.mpaixão.<br />

de seus salvado.res co.mo. se fo.ssem co.rdas bem-afinadas<br />

de um vio.lino.. Loretta tirava uma grande vantagem do. fato.<br />

de Kirk não. po.der supo.rtar vê-la nas ruas e perco.rrer quase<br />

qualquer distância para salvá-la. Hal uSo.U o. amo.r o.bsessivo.<br />

de Debra para atraí-la para uma rede de mentiras e para sabiamente<br />

levá-la a pensar que ela estava vo.luntariamente o. ajudando..<br />

Rick co.nfiava no. fato. que quanto. mais deprimido. ficasse<br />

co.m seus pro.blemas financeiros, mais Natalie abriria seu<br />

co.ração. e seu talão. de cheques.<br />

O parado.xo. do. co.mplexo. de salvado.r é que o.S amantes<br />

pro.blemático.S parecem ser fraco.s e indefeso.s, mas ainda assim<br />

têm as rédeas de seus relacio.namento.s. No. entanto., o.S salvado.res<br />

parecem estar no. co.ntrole e são. to.talmente manipulado.s<br />

e sugado.s pelas necessidades de seus amantes.<br />

1I7


118 AMORES OBSESSIVOS<br />

É muito difícil para os amantes obsessivos resistir ao impulso<br />

de salvar seu parceiro quando o complexo de salvador<br />

toca suas cordas emocionais. Mas é possível escapar a este padrão<br />

repetitivo de salvamento. Na terceira parte deste livro iremos<br />

ver maneiras de renunciar ao papel de salvador de uma<br />

vez por todas.<br />

í.<br />

PARTE DOIS<br />

OBJETOSDE<br />

AMANTES OBSESSIVOS


124 AMORES OBSESSIVOS<br />

Como o objeto de um amante obsessivo ...<br />

1. você oscila entre sentimentos de paixão e opressão?<br />

2. você ama o seu parceiro em um momento e se ressente<br />

dele ou dela no momento seguinte?<br />

3. você se sente ao mesmo tempo lisonjeado e invadido<br />

pela intensidade das atenções de seu parceiro?<br />

4. você se sente excitado pela agitação e imprevisibilidade<br />

do seu relacionamento?<br />

5. você se sente culpado quando clama por seus direitos<br />

em seu relacionamento?<br />

Se você respondeu sim para qualquer uma destas perguntas,<br />

você pode muito bem ser um co-obsessor. Enquanto se está<br />

na montanha-russa emocional de um relacionamento co-obsessivo,<br />

é quase impossível ver que coisas você está fazendo<br />

- seja ativa ou passivamente - que realmente encorajem o<br />

comportamento obsessivo de seu parceiro. Mas até você ter uma<br />

perspectiva clara de seu próprio papel no relacionamento, será<br />

difícil qualquer tipo de mudança para melhor.<br />

QUANDO A PAIXÃO OPRIME<br />

A paixão obsessiva é uma faca de dois gumes para os objetos<br />

co-obsessivos, tanto atrai como assusta. Por um lado, encontram<br />

a intensidade e o romance irresistivelmente prazeroso e<br />

excitante, por outro, a volatilidade de seu amante os pressiona<br />

e desequilibra.<br />

Karen<br />

Senti o desespero dele desde o primeiro telefonema. Ele<br />

queria me ver imediatamente, todo o tempo. Havia um<br />

poema na minha caixa de correio todos os dias. Havia flores.<br />

Eu estava impressionada com ele, era fantástico na cama,<br />

e eu adorava toda aquela atenção ... isto contou muito.<br />

, ,<br />

O OBJETO CO-OBSESSIVO 125<br />

Eu sabia que havia algo errado - era um excesso, era muito<br />

intenso - mas eu tinha saído de um casamento com um<br />

alcoólatra que me ignorava e estava tendo uma série de casos,<br />

daí o fato de Ray ter tanta vontade de me ver era, para<br />

mim, uma incrível ascensão.<br />

o amor-próprio de Karen foi arrasado por um casamento<br />

ruim e uma longa série de tentativas malsucedidas de encontrar<br />

um novo relacionamento. Ela estava ferida e precisava<br />

reafirmar seu poder de atração. A ardente e incansável perseguição<br />

de Ray era o remédio ideal. Ray preencheu sua necessidade<br />

de se sentir bem enquanto mulher, e sua auto-afirmação<br />

era muito mais importante para ela do que suas suspeitas.<br />

"EU ME SENTI TÃO SUFOCADA"<br />

Desde o início, Karen percebeu alguns aspectos da personalidade<br />

de Ray que a perturbaram. Embora tenha inicialmente<br />

acolhido sua perseguição romântica, esta rapidamente evoluiu<br />

para um ciúme intenso. Esta foi uma grande fonte de conflito<br />

entre eles.<br />

Karen<br />

Tive muitos amigos homens antes de conhecê-lo ... amigos<br />

de seis, sete, dez anos ... amigos platónicos. E saíamos<br />

juntos para almoçar ou resolver negócios ou coisas<br />

assim. Mas quando Ray entrou na minha vida, teve imediatamente<br />

muito ciúme de todos estes homens. Quando<br />

eu recebia um telefonema me dizia: "Quem é? Quantas<br />

vezes ele já te ligou? Por que está te telefonando? O que<br />

está acontecendo?" Ele não acreditava que todos estes homens<br />

eram apenas amigos. Ele queria saber tudo o que<br />

eu fazia durante o dia, com quem me encontrava, mesmo<br />

se fosse no trabalho. Eu não podia entender por que ele<br />

se incomodava tanto.<br />

Ray<br />

Quase todo mundo que a conhecia queria ter um relacionamento<br />

com ela. Isso realmente atiçava minhas insegu-


126 AMORES OBSESSIVOS<br />

ranças. Havia um bocado de tempo com o qual eu não<br />

podia contar. Eu lhe perguntava: "Como foi o seu dia?"<br />

E não tinha uma resposta. Ou recebia uma resposta onde<br />

havia quatro horas sobre as quais ela não me dizia nada.<br />

Isso me deixou maluco.<br />

Karen<br />

Era como se ele estivesse sempre em cima de mim. Eu não<br />

podia respirar. Eu ficava muito ressentida e não podia expressá-lo.<br />

Eu sentia que tinha que fazer isto por ele, então<br />

respondia todas as perguntas e dava detalhes e odiava<br />

cada um destes minutos.<br />

O interrogatório de Ray seria inapropriado sob quaisquer<br />

circunstâncias, mas surgindo tão no início do relacionamento,<br />

era especialmente exagerado. Seu comportamento enciumado<br />

sufocava Karen, criando nela sentimentos negativos que se<br />

misturavam às paixões emocional e sexual que inicialmente a<br />

levaram ao relacionamento. Sua maneira de manipular isto era<br />

aplacar os sentimentos dele, respondendo às perguntas inapropriadas.<br />

Sua aquiescência só confirmava a crença dele de que<br />

era justificável submetê-la à inquisição.<br />

INVADINDO FRONTEIRAS PESSOAIS<br />

Karen se sentia violada pelas perguntas de Ray. Ele estava invadindo<br />

suas "fronteiras" - as linhas de demarcação que definiam<br />

o território pessoal formado pelos sentimentos, pensamentos,<br />

desejos, necessidades e direitos dela. Ele estava desdenhando<br />

da liberdade que ela tinha de ser independente, e<br />

isto a enraivecia.<br />

Karen<br />

Havia toda essa raiva dentro de mim mas ela nunca vinha<br />

à tona enquanto raiva. Eu me sentia esmagada e importunada,<br />

como se eu não tivesse individualidade ou vida<br />

própria. Como se eu não fosse mais eu mesma. Eu sempre<br />

tinha que ser quem ele queria que eu fosse. Isto me<br />

enfurecia, mas a única maneira de expressar isso era me<br />

, j<br />

! ;r<br />

>.<br />

O OBJETO CO-OBSESSIVO 127<br />

afastando. Essa era a minha maneira de expressar raiva,<br />

pelas laterais. Comecei a erguer muros. Eu me enterrava<br />

no jornal todas as manhãs em vez de conversar com ele.<br />

Ficava até tarde no trabalho. Não segurava em sua mão<br />

quando saíamos para passear. Era a única maneira de sentir<br />

minha individualidade novamente.<br />

Em vez de resistir abertamente à invasão psicológica de<br />

Ray, Karen se afastou. Ela construiu um muro emocional e se<br />

escondeu por trás dele. Alguns co-obsessores criam resistência<br />

a esse tipo de abuso. Discutem, aprontam escândalos, fazem<br />

acusações, ou saem de casa (invariavelmente para serem<br />

trazidos de volta). Eles acreditam que podem resgatar sua autonomia<br />

perdida através de gritaria e tumulto. Mas assim que<br />

a poeira assenta, seu relacionamento tende a voltar aos padrões<br />

familiares de sufocação e ressentimento.<br />

Ao se afastar, Karen pensava que estava rearrumando-se<br />

e se firmando sobre os próprios pés, e, em um tipo diferente<br />

de relacionamento, isto teria acontecido. Porém, um dos paradoxos<br />

da co-obsessão é que o próprio afastamento que muitos<br />

objetos usam para tentar lidar com seu ressentimento serve<br />

apenas para incitar ainda mais o comportamento invasivo<br />

que os enraiveceu de início.<br />

Ray<br />

Ela entrava no banheiro e trancava a porta. Era tudo que<br />

fazia. Mas eu ficava louco. Havia algo na porta trancada<br />

que para mim significava rejeição e isto me horrorizava.<br />

Não que a porta tivesse que ficar aberta quando ela fosse<br />

ao banheiro, mas quando ela acordava de manhã e escovava<br />

seu cabelo ou seus dentes, costumávamos compartilhar<br />

este momento. De repente, ela queria aquele momento<br />

só para ela, e eu odiava isso. Eu pensava: "Você só está<br />

escovando o cabelo. O que diabo isso significa? Não faz<br />

sentido para mim."<br />

Karen<br />

Eu sentia algo como: "Que diabo! Pare de fazer isto comigo.<br />

Quero que você me dê o meu espaço!" O homem<br />

não tem noção de privacidade. Não posso ter uma vida


132 AMORES OBSESSIVOS<br />

o ciúme opressivo pode ser tudo, menos um sinal de amor.<br />

Padrões repetitivos de perguntas, acusações e suspeitas são, na<br />

verdade, sinais de profundas inseguranças e instabilidade emocional<br />

do amante. Estes padrões evitam o desenvolvimento de<br />

confiança e intimidade, e um relacionamento verdadeiramente<br />

amoroso não pode existir sem confiança e intimidade.<br />

A AMBIVALÊNCIA DO CO-OBSESSOR<br />

Quando Karen se afastou de Ray para restabelecer sua autonomia<br />

emocional, ele aumentou a pressão. Conseqüentemente,<br />

seu afastamento lhe deu cada vez menos o espaço para respirar<br />

que ela buscava. Ela começou a oscilar freneticamente<br />

entre querer manter o relacionamento e querer sair dele. Começou<br />

a ficar tão preocupada com sua própria indecisão quanto<br />

Ray comsua necessidade de possuí-la. Em vez de tentar resolver<br />

seus conflitos, Karen tornou-se prisioneira deles. Ela estava<br />

afundando na areia movediça da ambivalência.<br />

Karen<br />

Me sentia paralisada. Eu queria romper e não queria romper.<br />

Cheguei a terminar antes e nunca funciona. Ele sabe<br />

que com algum tempo e esforço sempre pode me dobrar.<br />

E eu acho que quero ser dobrada. Porque começo a sentir<br />

falta dele ... o vazio se abre. Eu não sei o que fazer, então<br />

não faço nada, e depois me sinto como uma idiota<br />

por ser tão indecisa.<br />

Como para quase todos os co-obsessores, a ambivalência<br />

de Karen era mais do que apenas um estado de emoções conflitantes.<br />

A ambivalência é um estado imobilizador, frustrante<br />

e enfurecedor que prende os co-obsessores entre o terror de<br />

partir e a dor de ficar.<br />

Os co-obsessores reagem a tal dilema de duas maneiras. Ou<br />

recalcam seus sentimentos ambivalentes, conformando-se<br />

com uma quantidade intolerável de conflitos internos, ou<br />

extravasam sua ambivalência, firmando-se e depois voltando<br />

atrás.<br />

Num dia Karen resistia às exigências de Ray, no dia se-<br />

O OBJETO CO-OBSESSIVO 133<br />

guinte adia. Numa semana, ela rompia com ele, na semana seguinte<br />

o aceitava de volta.<br />

. Em sua ambivalência, a maioria dos co-obsessores ficam<br />

tão confusos em relação ao que realmente sentem e ao que realmente<br />

desejam, que se vêem incapazes de tomar as decisões<br />

mais básicas a respeito de seus relacionamentos. Eles perdem<br />

a confiança em seus próprios instintos e percepções, o que torna<br />

ainda mais difícil para eles tomarem uma decisão. Esta paralisia<br />

faz com que se sintam inadequados e fracos, e os conduz<br />

à vergonha e reprovação.<br />

A REPROVAÇÃO DOS CO-OBSESSORES<br />

A reprovação é uma constante fonte de dor para os co-obsessores.<br />

Além de se reprovarem por não poderem tomar decisões,<br />

os co-obsessores se castigam por não reagirem diante das<br />

exigências de seu amante e, às vezes, até mesmo por insistirem<br />

em um relacionamento que sabem ser insano.<br />

Karen<br />

Quando ele começa a encher o meu saco, eu nunca paro<br />

e digo "Ray, isso não é da sua conta" ou "Eu não quero<br />

responder isso' '. E fico envergonhada por não dizê-lo. E<br />

me sinto "ainda pior" porque insisto nesta relação. Eu<br />

me sinto tão doente quanto ele por causa da minha própria<br />

decisão de ficar.<br />

Apesar de perceber tudo, Karen era incapaz de mudar suas<br />

maneiras capitulativas. Ao contrário, ela caiu em um ciclo frustrante<br />

de ceder e se culpar:<br />

• Quanto mais ela se reprovava, menos confiança tinha.<br />

• Quanto menos confiança tinha, mais impotente se<br />

sentia.<br />

• Quanto mais impotente se sentia, mais passiva se tornava.<br />

• Quanto mais passiva se tornava, mais tolerava o comportamento<br />

inadequado dele.<br />

• Quanto mais tolerava o comportamento inadequado dele,<br />

mais se reprovava.


134 AMORES OBSESSIVOS<br />

Em pequenas doses, a reprovação pode ser construtiva.<br />

Ela em geral nos motiva a fazer mudanças em nossas vidas.<br />

Mas quando se torna uma companhia constante - como no<br />

caso de Karen -, ela cresce cada vez mais destrutiva, erodindo<br />

a autoconfiança e a autonomia do co-obsessor.<br />

A CULPA DO eO-OBSESSOR<br />

É impossível para os co-obsessores corresponderem às expectativas<br />

e exigências de seu amante obsessivo. A natureza insaciável<br />

da obsessão assegura isto. Os co-obsessores não atingem<br />

o objetivo, e o obsessor - que depende totalmente do co-obsessor<br />

para satisfação pessoal- sofre tremendamente. Quando<br />

um amante obsessivo expressa esta dor e este desapontamento,<br />

os co-obsessores se sentem enormemente culpados, como<br />

se fossem responsáveis.<br />

Karen<br />

Mais ou menos um ano após estarmos morando juntos,<br />

senti realmente necessidade de ter algum tempo só para<br />

mim, então disse a Ray que ia sair da cidade no fim de<br />

semana. Ele reclamou muito porque queria ir também,<br />

mas eu fiquei firme - eu só precisava sair um pouco. Fui<br />

até a costa para visitar meus primos em Ventura. Foi um<br />

alívio estar em família e ter esta folga, mas uma · hora<br />

depois de eu ter chegado, ele apareceu. Eu não pude acreditar.<br />

Ray<br />

Eu imaginei que ficaria danada no início, mas eu sabia<br />

que ficaria feliz em me ver. Quero dizer, é tão romântico<br />

na praia. Como iria se divertir sem mim? E, como aconteceu,<br />

ela me deixou ficar.<br />

Karen<br />

Ele me implorou para deixá-lo ficar, apesar de termos tido<br />

aquela grande discussão sobre a minha saída. Fiquei<br />

realmente ressentida, mas então ele começou a chorar e<br />

o OBJEm CO-OBSESSIVO 135<br />

eu me senti culpada por me sentir ressentida. Meu lado<br />

maternal veio à tona - ele precisa disso e ele precisa daquilo<br />

e .estou agindo como uma bosta. Era como se ele<br />

me amasse mais do que eu o amava e eu estava um pouco<br />

mal por causa disso. Então eu finalmente disse que estava<br />

bem e ele passou o final de semana inteiro me dizendo<br />

como eu estava me divertindo. Foi horrível.<br />

Karen reagiu ao sofrimento de Ray como se ela tivesse cometido<br />

um crime, embora ela não tivesse feito nada de cruel<br />

ou malévolo. Mais uma vez ela acomodou os sentimentos dele<br />

à sua própria custa, e sofreu durante o fim de semana. Mas<br />

Karen suportava seu sofrimento porque ele reconfortava seus<br />

imerecidos sentimentos de culpa. Infelizmente, nada reconfortou<br />

sua raiva.<br />

o MOMENTO DECISIVO<br />

Para Karen, o fato de Ray ter violado sua promessa de lhe' 'dar"<br />

o fim de semana só para ela foi a gota d'água. Isto finalmente<br />

a fez ver que estava pagando um preço muito alto.<br />

Karen<br />

Voltei furiosa durante todo o caminho até a cidade. Parecia<br />

que o relacionamento era ele cuidar de suas necessidades,<br />

ele tinha que vir sempre primeiro. Mas amar<br />

é respeitar os desejos do outro, não é vir sempre na frente.<br />

Eu estava cheia do seu ciúme, de suas discussões, estava<br />

cheia dele. Estava cansada de levantar no meio da<br />

noite com meu estômago embrulhado. Quando cheguei<br />

em casa, estava realmente nervosa... Ele estava lá me<br />

esperando e sorrindo. Eu estava muito, muito zangada<br />

e ele nem notou. Apenas ficou falando sobre como o<br />

fim de semana havia sido fantástico. Bom, foi demais<br />

para mim. Eu realmente explodi e disse a ele que o queria<br />

fora da minha vida.


136<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Muitos co-obsessores nunca chegam a reconhecer a natureza<br />

destrutiva de seus relacionamentos e continuam a alimentar<br />

por anos as tendências obsessivas de seus amantes. Mas muitos<br />

outros, como Karen, decidem finalmente que os pontos negativos<br />

da relação excedem os positivos. Juntamente com a decisão<br />

de Karen veio uma descoberta.<br />

Karen<br />

Ele ficou tão chocado quando o botei para fora que apenas<br />

saiu. Fiquei pasma. Mas voltou umas duas horas depois.<br />

Bateu na porta dos fundos. Eu não respondi. Ele<br />

foi para a porta da frente. Eu não respondi. Bateu na janela.<br />

Não respondi. Eu estava furiosa porque ele estava<br />

fazendo eu me sentir uma prisioneira dentro da minha própria<br />

casa. Então eu tive a mais inacreditável percepção -<br />

este tipo atormentador de percepção - de que eu havia<br />

precisado de uma pessoa doente como ele, e de quão doente<br />

eu havia sido. Eu não podia acreditar que precisasse<br />

tanto da necessidade dele. Então jurei que desta vez eu<br />

não iria recuar. Tive que ameaçar chamar a polícia para<br />

fazê-lo ir embora.<br />

Quando Karen finalmente percebeu quão doentio era o<br />

seu relacionamento, estava inundada de vergonha e reprovação.<br />

Mas dessa vez, em vez de permitir que estes sentimentos<br />

a paralisassem, ela tomou as rédeas de sua própria vida, decidiu<br />

finalmente se sustentar em suas próprias pernas. Foi quando<br />

ela insistiu que ela e Ray procurassem ajuda profissional.<br />

A linha entre a co-obsessão e a obsessão é tênue porque<br />

os impulsos e necessidades de co-obsessores e de obsessores<br />

são virtualmente idênticos. A diferença primordial entre co-obsessores<br />

e obsessores está em quanto projetam destes impulsos<br />

e necessidades.<br />

A co-obsessão é um enlouquecedor cabo-de-guerra emocional<br />

entre opressão e paixão. Os co-obsessores toleram uma<br />

possessividade sufocante para conseguirem o amor de que necessitam<br />

para preencher o vazio interior que têm em comum<br />

com seus obsessores. Mas ao tolerarem um comportamento inapropriado,<br />

os co-obsessores, inadvertidamente, encorajam a obsessividade<br />

de seus parceiros. Ficam cada vez mais presos em .<br />

OBJElD CO-OBSESSIVO 137<br />

um relacionamento caótico e doentio até que descobrem a coragem<br />

e a determinação para fazerem algumas mudanças positivas<br />

em suas vidas.


SEIS<br />

É DIFÍCIL<br />

PÔR UM PONTO FINAL<br />

São necessárias duas pessoas para fazer um relacionamento,<br />

e são necessárias duas pessoas para terminar um relacionamento.<br />

É por isso que nunca é fácil romper um relacionamento<br />

com um amante obsessivo. Os amantes obsessivos invariavelmente<br />

se recusam a partir, e os objetos têm seus próprios<br />

conflitos a complicarem o processo.<br />

No capítulo anterior tivemos contato com um objeto que<br />

estava dividido por sentimentos conflitantes e não tinha certeza<br />

acerca de sair ou não de um relacionamento. Neste capítulo<br />

conheceremos objetos que têm uma certeza cristalina sobre<br />

o seu desejo de sair. Mas ainda passam por períodos muito<br />

difíceis descobrindo uma maneira de fazê-lo.<br />

É normal, em qualquer relacionamento fracassado, que<br />

a pessoa que quer terminar passe algum tempo até tomar esta<br />

decisão e depois passe mais algum tempo até colocá-lo em prática.<br />

Normalmente há estágios para se terminar um relacionamento,<br />

como para começar um. Mas com um amante obsessivo,<br />

o estágio final - executar a decisão - se torna um processo<br />

frustrante e emocionalmente desgastante.<br />

Poucos parceiros sortudos afirmam que querem encerrar<br />

um relacionamento e o fazem. Outros se encontram presos a<br />

uma batalha para deixar o obsessor que não aceita o fato de<br />

que o relacionamento está acabado. Porém muitos objetos de<br />

amantes obsessivos têm dificuldades para encerrar o relacionamento<br />

pois se vêem amarrados por seus próprios sentimentos<br />

- sentimentos de compaixão, culpa e desejo sexual.<br />

QUANDO OS SENTIMENTOS DO OBJETO<br />

FICAM NO CAMINHO<br />

Ninguém com um mínimo de consciência gosta de ser a causa<br />

da dor de alguém. Mas no complexo e quase sempre atordoante<br />

emaranhado das relações humanas, é inevitável que os amantes<br />

às vezes se machuquem. Mesmo que não tenhamos tido más<br />

intenções, mesmo que não tenhamos cometido atos maliciosos,<br />

ainda estamos todos suscetíveis a nos sentirmos cruéis<br />

quando machucamos um parceiro ao terminarmos um relacionamento.<br />

Em um relacionamento obsessivo, estes sentimentos<br />

são ampliados pela enormidade do sofrimento do obsessor.<br />

"EU NÃO PODIA SUPORTAR VÊ-LA CHORAR"<br />

Elliot, trinta e cinco anos, é um produtor de documentários<br />

cinematográficos, louro, robusto e barbudo, que mora em Nova<br />

York. Conheceu Lisa, uma designer autônoma, em uma festa.<br />

Ele vinha saindo com uma mulher chamada Hanna há mais<br />

ou menos um ano com uma certa regularidade, embora ambos<br />

se encontrassem com outras pessoas. Quando começou a<br />

sair com Lisa, ele contou sobre Hanna, e Lisa pareceu não se<br />

importar com isso. Ela parecia concordar que como ela e EIliot<br />

estavam apenas começando a se conhecer, era prematuro<br />

esperar quaisquer compromissos emocionais. Mas logo Elliot<br />

percebeu que a aceitação de Lisa de sua outra namorada era<br />

uma fachada. De maneiras sutis, ela começou a mostrar a ele<br />

que bem no fundo este seu relacionamento com Hanna era muito<br />

incômodo. Ela ficou cada vez mais possessiva.<br />

Foram necessárias apenas cinco semanas para que Elliot<br />

se sentisse sufocado por Lisa. Ele percebeu que não queria continuar<br />

a vê-la.<br />

Elliot<br />

Eu queria terminar tudo, sem mais palavras. Mas fiquei<br />

tão preocupado em dispensá-la delicadamente que não a<br />

estava dispensando de maneira nenhuma. Eu realmente<br />

139<br />

,J


140 AMORES OBSESSIVOS<br />

não queria mais vê-la, mas simplesmente eu não conseguia<br />

dizê-lo. Então eu a enrolava dizendo que precisava<br />

de um pouco de espaço para respirar. Eu não disse que<br />

precisávamos parar de nos ver, disse apenas que precisávamos<br />

nos ver com menos freqüência. Pensei que estava<br />

sendo muito gentil, mas ela ficou sentida do mesmo jeito.<br />

Começou a soluçar sobre como isto podia estar acontecendo<br />

conosco, as coisas estavam indo tão bem, éramos<br />

tão felizes juntos ... eu pensei comigo mesmo: "De que<br />

relacionamento ela está falando? Não parece o nosso."<br />

Mas ela parecia tão magoada ... eu me senti incrivelmente<br />

culpado. Ali estava uma mulher adulta e inteligente e eu<br />

a reduzira a uma garotinha soluçante e indefesa. Eu tinha<br />

que fazer algo para acalmá-la, então, voltei atrás. Dei<br />

alguma desculpa boba sobre estar sofrendo muita pressão<br />

no trabalho e lhe disse que talvez esse não fosse um<br />

bom: momento para conversarmos sobre isso.<br />

Elliot, diferente de Karen, sabia que queria sair. Infelizmente,<br />

ele não podia competir com a culpa e a compaixão. Suas própriasemoções<br />

minaram sua resolução, evitando que ele desse<br />

um corte naquela situação. .<br />

Elliot pensou equivocadamente que estava sendo gentil<br />

"deixando Lisa aos poucos". Estava tentando agir humanamente<br />

em uma situação difícil e desagradável. Mas, no fundo,<br />

ele estava apenas retardando e possivelmente exacerbando a<br />

dor de Lisa, a própria dor que ele estava tentando atenuar.<br />

"COMO POSSO MAGOÁ-W<br />

SE ELE ME AMA TANTO?"<br />

Se Elliot podia se sentir tão responsável pelos sentimentos de<br />

Lisa após apenas uf, mês de encóntros não-exclusivos, imagine<br />

quão responsável não se sentiu Shelly quando decidiu terminar<br />

seu casamento de dois anos.<br />

Shelly, uma morena de olhos verdes de vinte e sete anos,<br />

trabalha como assistente no consultório do meu dentista. Shelly<br />

conheceu Mark, conselheiro em uma escola de segundo grau,<br />

em um bazar de caridade na igreja em que ambos eram ativos<br />

colaboradores.<br />

..<br />

,,,,,,.f,.,, POR UM PONTO FINAL<br />

)<br />

141<br />

.. " Em seu primeiro encontro, Mark pediu a Shelly que pa­<br />

,.tUso de ver outros homens. Ela teve sérias dúvidas, mas, in­<br />

-trilada pela intensidade do interesse dele, concordou. Com a<br />

.continuação do relacionamento, ela foi inicialmente pega pela<br />

crescente adoração dele, mas por fim começou a se cansar<br />

da sua necessidade de reafirmação constante.<br />

Seis meses mais tarde, Mark pediu-a em casamento. Ela<br />

concordou, com alguma apreensão, esperando que seus "votos<br />

sagrados" aliviassem os temores dele. Não deu certo. Ao<br />

final do primeiro ano de casamento, Shelly estava cheia do que<br />

havia se tornado uma barragem de assomos de suspeitas e acusações.<br />

Ela estava convencida de que os dois jamais fariam o<br />

relacionamento funcionar. Mas não podia dizer isto a ele. Shelly<br />

veio me ver algumas semanas após o seu segundo aniversário<br />

de casamento.<br />

Shelly<br />

Eu nem mesmo sei se estive realmente apaixonada por ele,<br />

mas ele estava tão apaixonado por mim que eu imaginei<br />

que eu também estivesse. O Senhor deve ter tido um plano<br />

e uma proposta para me levar a este relacionamento.<br />

Havia uma série de coisas nele que me incomodavam -<br />

ele tem um temperamento horrível - mas eu imaginei que<br />

uma vez tendo assumido o compromisso, eu me abriria<br />

com ele e ele se acalmaria. Então nos casamos e eu realmente<br />

tentei amá-lo, mas ele fica incomodado com as menores<br />

coisas. Conversei com o meu pastor sobre isso e ele<br />

sugeriu que viéssemos juntos para tentar salvar o casamento<br />

... mas não era isso que eu queria. Eu queria sair.<br />

Ponto final. Eu só queria sair. Eu só não podia imaginar<br />

como dizer a ele. Ele é tão ... quero dizer, eu não sei o que<br />

ele fará. Ele está sempre dizendo: "Eu não posso viver<br />

sem você ... eu a amo tanto que chega a me assustar ... você<br />

é tudo pra mim .. ."<br />

Shelly se casou com Mark por todos os motivos errados.<br />

Foi o amor dele, não deles, que os levou para o altar. Além<br />

disso, ela cometeu o erro de subestimar - como faz a maioria<br />

dos objetos - a instabilidade da obsessão. Ela acreditava que<br />

o casamento iria deixá-lo seguro o bastante para' 'se acalmar",


142<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

quando, na verdade, nenhum compromisso é assegurador o bastante<br />

para superar o ciúme e a volatilidade do amor obsessivo.<br />

O compromisso de Shelly estava condenado desde o início. E<br />

após ter assumido esse compromisso, ela se viu trancada em<br />

um relacionamento por seu próprio senso deslocado de<br />

obrigação.<br />

Ao dizer a Shelly coisas do tipo' 'eu não posso viver sem<br />

você", Mark deixou muito claro que ele a considerava a guardiã<br />

do seu bem-estar emocional. Era como se ele tivesse embrulhado<br />

sua felicidade e a entregue a ela para guardar. Este ..<br />

era um fardo terrível para Shelly, que ela encarava muito seriamente.<br />

Ao aceitar a responsabilidade custodiaI pela felicidade<br />

dele, ela estava se culpando caso o deixasse.<br />

A luta de Shelly para dar um fim ao seu relacionamento<br />

era complicada por sua crença religiosa de que o casamento<br />

era sagrado e pelo fato de estar envergonhada por ter se casado<br />

com um homem que ela não amava realmente. Ela se via<br />

presa entre os mesmos sentimentos imobilizadores que frustraram<br />

Elliot - compaixão e culpa.<br />

Shelly<br />

Ele me diz: "Você é tão perfeita. Não há nada em você<br />

que eu não ame", e eu não agüento mais! Não posso ir<br />

ao mercado sem que ele vá; não posso cuidar do jardim<br />

sem que ele fique em volta; não posso escrever uma carta<br />

sem que ele queira ler; eu não vejo mais nenhum dos meus<br />

amigos porque ninguém gosta dele, mas ele não me deixa<br />

sair sozinha. Ele me ama tanto ... e isso só piora as coisas.<br />

Eu sempre me vi como uma protetora e doadora. Quer<br />

dizer, tenho trabalhado para a igreja desde que me entendo<br />

por gente. E aqui estou eu querendo arrasar a vida de<br />

um homem que não quer nada além de me amar e me adorar<br />

a cada segundo do dia. Que espécie de cristã sou eu?<br />

Não tenho que supostamente dar e receber?<br />

Shelly estava convencida de que se dissesse a Mark como<br />

ela realmente se sentia, seria uma pessoa má - tanto aos seus<br />

olhos quanto aos olhos de Deus. Como poderia infligir esse<br />

tipo de dor em um homem que lhe era tão devotado? Embora<br />

sofresse no relacionamento, suas crenças sobre como deveria<br />

É DIFÍCIL PÔR UM PONTO FINAL 14l<br />

agir uma pessoa amorosa e moral a impediam de fazer qualquer<br />

coisa para sair do relacionamento.<br />

A ARMADILHA DO SEXO<br />

o poder do prazer sexual também pode tornar difícil ao objeto<br />

de um amante obsessivo agir decididamente para pôr fim a uma<br />

relação. Embora alguns obsessores sejam insensíveis às necessidades<br />

sexuais e emocionais de seus parceiros, muitos amantes<br />

obsessivos se preocupam tanto com seus objetos que se tornam<br />

extremamente receptivos a necessidades sexuais. Estes obsessores<br />

podem ser amantes extraordinariamente satisfatórios.<br />

EIliot, mesmo tendo tomado internamente a decisão de<br />

parar de ver Lisa, continuava a desejá-la sexualmente. Este desejo<br />

foi inicialmente mais poderoso do que a sua resolução,<br />

mas sob tais circunstâncias, o sexo levou a uma crescente culpa.<br />

Algumas semanas após sua tentativa abortada de parar de<br />

vê-la, ele lhe disse que queria que fossem apenas amigos.<br />

Elliot<br />

Ela concordou em fazer tudo que eu quisesse, contanto<br />

que continuássemos a nos ver. Passei a vê-la apenas uma<br />

vez por semana, e paramos de dormir juntos. Mas ela tentava<br />

me atrair com novas técnicas de massagem, brincadeiras<br />

eróticas, qualquer coisa. Ela vestia sua lingerie nova<br />

sob o pretexto de tê-la comprado para um outro cara,<br />

depois sentava no meu colo, seminua, tentando me seduzir.<br />

Aí, uma noite, após termos bebido uma garrafa de vinho,<br />

ela estava massageando meus pés e estava ... a maneira<br />

como esfregava minha pele era realmente sensual...<br />

e então ela começou a alisar minhas pernas, minhas coxas<br />

... eu estava ficando incrivelmente excitado. Pensei comigo<br />

mesmo: "O que estou fazendo?" Sexo era a única<br />

coisa que ainda gostava de fazer com ela, e era a única<br />

coisa da qual estava me privando. E a abstinência não estava<br />

fazendo nenhuma diferença para ela - ela ainda me<br />

ligava dez vezes por dia. Então pensei: "Que diabo." Antes<br />

que eu me desse conta havíamos voltado a nos ver três<br />

vezes por semana.


144<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Ao se render à tremenda eletricidade sexual que existia entre<br />

eles, Elliot, mais uma vez, voltou atrás. Ele podia ter dito<br />

não. Podia ter resistido. Mas não o fez. Ele viu a sedução de<br />

Lisa como algo a que não tinha poder de resistir, algo que simplesmente<br />

acontecia a ele. Quando Lisa percebeu, fosse consciente<br />

ou inconscientemente, que ela podia segurar Elliot através<br />

do sexo, viu que ainda restava um enorme poder à sua<br />

disposição.<br />

Os homens não possuem o monopólio da rendição à sexualidade<br />

intensa. Muitas mulheres objetos caem na mesma<br />

armadilha.<br />

Shelly<br />

Quando estava crescendo, sexo sempre foi o pote de ouro<br />

no fim do arco-íris. Era algo para o qual você devia se<br />

guardar. Nunca dormi com outro homem, daí dormir com<br />

Mark era o máximo para mim. Era mais do que ser uma<br />

esposa zelosa aos olhos de Deus - embora isso seja importante<br />

para mim - era algo de que eu realmente gostava.<br />

Ainda gosto. Odiarei desistir disto quando finalmente<br />

deixá-lo. Parece tão difícil encontrar um homem, especialmente<br />

quando não se acredita em sexo antes do<br />

casamento.<br />

O anzol sexual de Shelly tinha uma farpa - as crenças<br />

religiosas que, sabia ela, evitariam que fizesse sexo a menos<br />

que se casasse novamente. O medo de sacrificar o prazer sexual<br />

não se limita àqueles que são estritamente religiosos. Muitas<br />

pessoas solteiras atualmente estão atemorizadas pelo cenário<br />

de encontros e pela ameaça das doenças sexualmente<br />

transmissíveis, inclusive a AIDS. Estes medos são o suficiente<br />

para provocar em muito objetos, tanto masculinos quanto femininos,<br />

um segundo pensamento a respeito de abandonar relacionamentos<br />

obsessivos.<br />

MENSAGENS AMBÍGUAS<br />

Quando os objetos adiam executar a decisão de terminar um<br />

relacionamento, invariavelmente se tornam desonestos, dizen-<br />

la DIFfCIL PÔR UM PONTO FINAL 145<br />

do e fazendo coisas que contradizem seus verdadeiros sentimentos.<br />

Enviam uma série de mensagens confusas, que só servem<br />

para atiçar as chamas do comportamento obsessivo do<br />

seu amante.<br />

A maioria das pessoas acredita equivocadamente que comunicamos<br />

nossos sentimentos primordialmente falando sobre<br />

eles. Pesquisas psicológicas indicam que mais de 750/0 de<br />

toda a comunicação são não-verbal. A linguagem do corpo,<br />

o comportamento e a atitude são freqüentemente mais expressivos<br />

do que as palavras. Quando estamos em conflito, ou tentando<br />

esconder nossos sentimentos reais, em geral dizemos uma<br />

coisa, mas fazemos outra, emitindo o que é comum ente conhecido<br />

como mensagens ambíguas.<br />

DIZER UMA COISA E FAZER OUTRA<br />

Apesar dos graves receios, Elliot continuou seu relacionamento<br />

sexual com Lisa. Também continuou a ver Hanna, o que<br />

frustrava Lisa cada vez mais. Uma noite ela finalmente explodiu.<br />

Mas dessa vez, em vez de recuar, Elliot se zangou e lhe<br />

disse que isto já não estava mais funcionando com ele e que<br />

ele não queria vê-la mais. Depois saiu esbravejando, deixando-a<br />

em prantos.<br />

Elliot não teve notícias de Lisa por duas semanas, o que<br />

o levou a acreditar que havia finalmente acabado. Aí ela apareceu<br />

inesperadamente em seu apartamento.<br />

Elliot<br />

Eu abri a porta e lá estava ela, toda sorrisos e doçura como<br />

se nada tivesse acontecido. Estava usando um casaco<br />

enfeitado e sapatos sexy, com saltos altos, e me lembro<br />

de ficar imaginando para o que estava vestida. Então ela<br />

abriu o casaco e estava nua por baixo. Meu primeiro pensamento<br />

foi: "Ah, não, de novo não." Tentei não ferir os<br />

sentimentos dela, mas lhe disse para ir para casa, que fora<br />

uma má idéia. Eu podia ter falado em Swahili. Ela simplesmente<br />

entrou. Continuei pensando: "Não seja idiota.<br />

Ela é louca. Você só vai começar tudo novamente." Mas<br />

ela parecia tão bem, e estava tão sexy ... quer dizer, uma<br />

'


146 AMORES OBSESSIVOS<br />

mulher nua aparece na sua porta - era como uma antiga<br />

fantasia se tornando realidade. Fiquei dizendo "não,<br />

não, não", mas não pude dar nenhuma convicção à minha<br />

voz. Cara, ela tinha me pego.<br />

Elliot enviou a Lisa uma clássica mensagem ambígua. Suas<br />

palavras diziam: "Eu não quero você", mas sua mensagem nãoverbal<br />

- que culminou em dormir com ela - era o exato oposto.<br />

Ele podia ter poupado sua saliva.<br />

Quando Lisa abriu o casaco, ela estava se expondo não<br />

apenas fisicamente, mas também emocionalmente. A dificuldade<br />

de Elliot em resistir a Lisa era claramente baseada em<br />

desejo sexual, acrescido da relutância em humilhá-la, especialmente<br />

quando ela havia se feito tão vulnerável. Dilacerado entre<br />

seu desejo e compaixão de um lado e sua determinação de se<br />

desligar do outro, Elliot se viu incapaz de enviar a Lisa uma<br />

mensagem clara e inequívoca sobre os seus sentimentos. Ao<br />

contrário, ela recebeu a mensagem de que ainda havia um lugar<br />

para ela na vida dele, bastava continuar sua perseguição.<br />

Não é de se surpreender que Lisa tenha se recusado a desistir<br />

- mais uma vez ele a havia deixado entrar, tanto literalmente<br />

quanto figuradamente.<br />

A VERDADE VIRÁ À TONA<br />

Lisa pode não ter levado Elliot a sério quando este lhe disse<br />

que queria terminar o seu relacionamento, mas, pelo menos,<br />

ele havia falado as palavras. Shelly, entretanto, não podia dizer<br />

a Mark que queria terminar. Ao contrário, ela usava palavras<br />

que tentavam esconder o que realmente queria.<br />

Shelly<br />

Chegou ao ponto de eu realmente não querer estar com<br />

ele. Eu acho que cometi um grande erro, e me sinto péssima<br />

quanto a isso, mas não estou pronta para dizer a ele<br />

como me sinto. Então ergui um muro. Alguma coisa ainda<br />

vaza por ele, você sabe, como quando estamos na igreja,<br />

ele sempre tem que estar tocando em mim. Sempre tem<br />

que estar brincando com meu cabelo, ou tocando o meu<br />

É DIFÍCIL PÔR UM PONTO FINAL 147<br />

ombro, ou segurando a minha mão. Ele me deixa claustrofóbica,<br />

como se eu estivesse sendo espremida, e eu tenho<br />

que empurrá-lo ou tirar sua mão. Aí ele diz: "Você<br />

está bem?" E eu digo: "Tô, tá tudo bem." Mas ele não<br />

engole e passa o resto do dia em volta de mim, tentando<br />

me fazer "sentir melhor". Eu tenho vontade de gritar: "Me<br />

deixe respirar!"<br />

Quando Shelly empurra a mão de Mark, ela não precisa<br />

dizer a ele que não quer que a toque, ela está falando com seu<br />

comportamento. E ao interrogá-la, ele está deixando claro que<br />

recebeu a mensagem. Embora ela esperasse que ao não expressar<br />

em voz alta os seus sentimentos pudesse, de alguma forma,<br />

escondê-los de Mark, ele percebia que ela estava escapulindo<br />

dele. Mas as palavras afirmativas dela reforçaram a convicção<br />

que ele tinha de que havia algo que podia fazer para<br />

persuadi-la novamente. Então ele agia cada vez mais colado<br />

e solícito, irritando-a cada vez mais.<br />

Quando o objeto de um amante obsessivo quer encerrar<br />

um relacionamento, não há jeito de manter escondidos os sentimentos<br />

negativos - há diversas maneiras de os verdadeiros<br />

sentimentos escaparem. E quando os amantes obsessivos percebem<br />

sentimentos negativos, seu comportamento possessivo<br />

invariavelmente aumenta, tornando qualquer tipo de rompimento<br />

cada vez mais difícil.<br />

É natural que os objetos sigam um padrão de mensagens<br />

ambíguas, mas invariavelmente pagam um preço emocional ao<br />

fazê-lo. Como vimos, quando os objetos dizem uma coisa e<br />

fazem outra, raramente se sentem bem em relação a si mesmos.<br />

Ao contrário, se sentem fracos, ansiosos e, acima de tudo,<br />

falsos, juntamente com a culpa que já está contida nas suas<br />

dificuldades de encerrar o relacionamento.<br />

Se você é objeto de um amante obsessivo e tomou a decisão<br />

de terminar o relacionamento, você precisa reconhecer que<br />

as mensagens ambíguas só acrescentam confusão a uma situação<br />

já caótica. No fim das contas, você está apenas prolongando<br />

sua infelicidade e adiando o inevitável.<br />

Muitos parceiros falham em reconhecer seu próprio papel<br />

na perpetuação de um relacionamento fracassado por es-"<br />

tarem focalizando apenas o comportamento que o obsessor está


148<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

tendo ou que pode ter. Eu não estou dizendo que assim que<br />

você parar de enviar mensagens ambíguas o seu amante obsessivo<br />

irá simplesmente arrumar seus pertences e sair tranqüilamente.<br />

Mas o seu parceiro não é o único a evitar um rompimento<br />

definitivo. Você não pode começar a lidar peremptória<br />

e efetivamente com o seu parceiro até conseguir lidar com seus<br />

próprios conflitos e comportamentos ambíguos. E não há maneira<br />

de o seu amante obsessivo deixá-lo em paz até você ser<br />

categórico com ele ou ela.<br />

o OBJETO CATEGÓRICO<br />

Na acepção comum, ser categórico significa comunicar vontades<br />

e necessidades de forma franca, honesta e direta, sem<br />

se tornar belicoso. Mas quando eu uso o termo no contexto<br />

de um relacionamento obsessivo, ele vai um pouco mais além.<br />

Objetos categóricos não devem apenas expressar sua decisão<br />

de encerrar a relação, devem tomar as atitudes necessárias para<br />

reforçar tal decisão.<br />

Romper com um amante obsessivo é, fundamentalmente,<br />

uma luta pelo poder. O objeto quer sair e o obsessor quer<br />

evitar isto. Os parceiros que esperam vencer esta luta devem<br />

começar cavando suas trincheiras defensivas, o que significa<br />

saber o que querem e comunicar de forma explícita e reiterada,<br />

sem voltar atrás.<br />

"NÃO FUI CRIADA PARA FAZER ISTO"<br />

Shelly sabia que devia ser categórica, mas não tinha idéia de<br />

por onde começar. Sua educação não a havia preparado para<br />

tal.<br />

Shelly<br />

A cada dia eu cobro de mim um pouco de coragem e planejo<br />

contar a Mark como me sinto, mas quando ele che-<br />

É DIFíCIL PÔR UM PONTO FINAL 149<br />

ga, minhas mãos começam a' suar e eu tremo toda por dentro,<br />

simplesmente não consigo fazê-lo. Na infância, nós<br />

não discutíamos. Se não gostávamos, tínhamos que aturar.<br />

Era assim que eram as coisas. E é assim que me sinto<br />

com Mark. Eu sei que é idiota ... quer dizer, eu tenho minha<br />

própria carreira e acredito que as mulheres devem ser<br />

independentes e tudo o mais ... mas na hora do vamos ver ...<br />

é exatamente assim que me sinto. Eu tenho todas essas<br />

idéias sobre como eu gostaria que fosse, mas por dentro<br />

está aquela garotinha que nunca aprendeu a agir por conta<br />

própria.<br />

Shelly crescera numa família relativamente normal. Seus<br />

pais eram amorosos, mas - como muitos pais - acreditavam<br />

que as crianças deviam ser vistas e não ouvidas. Não era permitido<br />

a Shelly responder ou discutir com seus pais. Se ficasse<br />

chateada, diziam-na para ir para o quarto até ficar "com<br />

uma cara boa". Era constantemente advertida a não dizer nada,<br />

caso não tivesse nada bom a dizer.<br />

A mãe de Shelly (e seu modelo) também vivia sob estas<br />

homilias, raramente expressando um sentimento negativo diante<br />

de seus filhos. Shelly nunca viu seus pais discutirem e, conseqüentemente,<br />

achava o conflito doméstico algo não-natural,<br />

que devia ser evitado a qualquer custo. Ela nunca aprendeu<br />

que o confronto pessoal era uma parte normal das relações<br />

humanas e uma ferramenta necessária para a resolução de<br />

conflitos.<br />

Quando adulta, Shelly não tinha nenhuma experiência individual<br />

da qual pudesse se valer para expressar sua insatisfação<br />

a Mark. Ela sabia que o que tinha que dizer iria incomodálo,<br />

e achava muito mais confortável esconder seus sentimentos<br />

do que iniciar uma discussão. Foi assim que evitou os conflitos<br />

durante toda a sua vida. A própria idéia de expressar sentimentos<br />

negativos a enchia de ansiedade. Não era natural para ela enfrentar<br />

Mark e, como o resto de nós, ela era extremamente resistente<br />

a qualquer coisa que fosse contra a sua natureza.<br />

Poucos de nós crescem em uma casa onde a liberdade de<br />

expressão de nossos sentimentos negativos é encorajada. Isto<br />

é,verdade tanto para os homens quanto para as mulheres. Embora<br />

algumas pessoas superem esta criação e consigam desen-


atO<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

volver habilidades de se comunicar categoricamente, muitos nunca<br />

o fazem. Pessoas incapazes de se manifestarem com firmeza<br />

não possuem nem vocabulário nem autoconfiança para se firmarem<br />

em um relacionamento com um amante autoritário. E<br />

os ,amantes obsessivos são quase sempre autoritários.<br />

Eu não achei que Shelly precisasse de uma psicoterapia<br />

intensiva para lidar com o seu relacionamento com Mark. Ao<br />

invés disso, ela precisava aprender a como parar de enviar mensagens<br />

ambíguas a Mark e começar a levar sua mensagem real<br />

até ele. Sugeri um trabalho voltado para a resolução da crise<br />

a curto prazo, que incluía treinamentos com vistas à peremptoriedade.<br />

Após alguns meses, Shelly estava realmente pronta<br />

para dizer a Mark, honesta e decisivamente, que ela queria se<br />

separar. Ele ficou extremamente aborrecido, mas quando ela<br />

se recusou a voltar atrás após ele ter feito um lamento eloqüente,<br />

lacrimoso e comprido, finalmente aceitou o que ela tinha a<br />

dizer. A maioria dos amantes obsessivos não é assim tão con­<br />

descendente.<br />

FAZENDO AFIRMATIVAS CATEGÓRICAS<br />

Se você não foi tão bem-sucedido quanto Shelly em persuadir<br />

um amante obsessivo de que o seu relacionamento está acabado,<br />

aqui estão algumas afirmativas categóricas que podem fazer<br />

com que ele ou ela leve suas intenções a sério.<br />

Estas afirmativas podem parecer duras, mas não há lugar<br />

para sutileza ou incerteza quando estamos tentando nos<br />

comunicar com alguém que não quer ouvir o que estamos dizendo.<br />

A chave para estas afirmativas é não deixar seu amante<br />

colocá-lo em uma posição defensiva.<br />

• Está acabado. Não há meio-termo. Eu não quero mais<br />

discutir.<br />

• Eu vou desligar agora e, se você ligar de novo, eu vou<br />

desligar sem falar com você.<br />

• Eu quero que saia agora, e não quero que volte. Se o<br />

fizer, não deixarei que entre.<br />

É DIFÍCIL PÔR UM PONTO FINAL ISI<br />

• Não me telefone, não me escreva, não apareça, não me<br />

procure de maneira alguma.<br />

• Se você continuar a me importunar, não terei escolha<br />

a não ser mover uma ação contra você.<br />

Lembre-se de que os obsessores acreditam que conhecem<br />

seus sentimentos melhor do que você mesmo, logo você não<br />

vai conseguir nada se se apegar a uma explicação de sua posição.<br />

Faça afirmativas explícitas inequívocas sobre o que você<br />

quer e o que você fará caso ele não a deixe em paz. As explicações<br />

podem fazer você se sentir menos cruel, mas elas apenas<br />

turvam as águas, dando ao obsessor a esperança de que você<br />

pode ser persuadido a reconsiderar. Um obsessor jamais desistirá<br />

enquanto você estiver disposto a conversar.<br />

"JAMAIS PENSEI<br />

QUE EU PUDESSE SER TÃO CRUEL"<br />

Mensagens categóricas podem ter um impacto significativo sobre<br />

um obsessor, e devem certamente ser o primeiro passo para<br />

qualquer objeto que queira encerrar seu relacionamento.<br />

Contudo, muitos amantes obsessivos ficam enfurecidamente<br />

surdos às afirmativas mais articuladas, enfáticas, inequívocas<br />

e decisivas.<br />

Elliot<br />

A primeira vez que tentei romper com Lisa foi assim:<br />

"Acho que não devemos nos ver mais", mas depois fui<br />

para cama com ela. Obviamente, foi um erro, então eu<br />

tentei: "Não vamos mais dormir juntos. Ainda podemos<br />

ser amigos, mas é só." Quando isso não funcionou, veio:<br />

"Você é realmente fantástica, mas nós não somos compatíveis,<br />

e acho que os sentimentos entre nós são muito<br />

confusos para termos qualquer tipo de relacionamento,<br />

mesmo que platónico." Quando esta mensagem não foi<br />

computada, fui forçado ao seguinte: "Não quero ver você,<br />

não quero que você me telefone, não quero ter nada a ver<br />

com você." E quando nem isso adiantou, tive que final-


III<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

mente começar a desligar o telefone assim que ouvia a voz<br />

dela e a bater a porta na sua cara.<br />

Elliot aprendeu pelo caminho mais árduo que nada funcionaria<br />

com Lisa, a não ser sendo frio e rude. Quando tentou<br />

separar-se dela com calma, Lisa interpretou mal suas tentativas<br />

de ser delicado e de lhe dar apoio como provas de que ele<br />

se importava com ela. Não importava o que dissesse. Ela não<br />

estava ouvindo, ela só estava procurando uma brecha. Sua indisponibilidade<br />

de aceitar um não como resposta não deixou<br />

a EIliot muita escolha além de agir de uma forma que ele odiava.<br />

Elliot<br />

Eu sempre pensei que fosse um cara muito sensível e honesto.<br />

Mas ela fez brotar o que havia de pior em mim.<br />

Quero dizer, ela me forçou a ser canalha. Eu acredito na<br />

comunicação entre duas pessoas, é assim que se solucionam<br />

os problemas. Eu jamais havia batido o telefone na<br />

cara de ninguém. Isso realmente fez com que eu me sentisse<br />

um merda.<br />

EIliot tinha fortes sentimentos de auto-reprovação. Ele agia<br />

de uma forma que contradizia a imagem que fazia de si mesmo.<br />

Ao invés de se sentir peremptório, sentiu-se brutal. Mas<br />

o comportamento de Lisa o havia encurralado. No fim das contas,<br />

sua única alternativa além de ser cruel teria sido manter<br />

um relacionamento que havia se tornado insuportável.<br />

"PENSEI QUE TIVESSE<br />

FINALMENTE ACABADO"<br />

Para alívio de EIliot, seu relacionamento com Lisa parecia estar<br />

finalmente acabado. Não teve notícia dela por quase dois<br />

meses. Mas aí ela telefonou.<br />

Elliot<br />

Ela disse que estava fazendo terapia e que aprendera que<br />

uma porção de conflitos que tinha com seus pais estavam<br />

sendo transferidos para mim. Queria sair comigo, só pa-<br />

É DIFÍCIL PÔR UM PONTO FINAL 153<br />

ra almoçar, só para amenizar o clima entre nós. Ela disse<br />

que não podia suportar a idéia de ter alguém por aí achando<br />

que ela fosse louca. Ela parecia realmente diferente,<br />

e muito sensata. De fato, o final tinha sido bem feio ... e<br />

era apenas um almoço ... Se iria ajudar a colocarmos uma<br />

pedra em cima de tudo, por que não?<br />

Sob tais circunstâncias, a maioria de nós poderia ter dito<br />

"por que não". A idéia de retroativamente transformar um final<br />

ruim em um final amigável é muito tentadora. E EIliot tinha<br />

uma boa razão para acreditar que Lisa havia finalmente aceitado<br />

a realidade da separação. Afinal, dois meses se passaram<br />

sem que ela tentasse fazer qualquer contato. Sua descrição do<br />

que havia percebido através da terapia era plausível. E ela só<br />

estava pedindo um almoço - que mal podia haver nisso?<br />

Elliot<br />

No instante em que a vi, soube que havia cometido um<br />

erro. Ela estava usando um vestido muito sexy e me cumprimentou<br />

com um grande abraço "em nome dos velhos<br />

tempos". Mal havíamos pedido a comida e ela começou<br />

a tentar me atrair para um outro encontro. Coisas do tipo:<br />

ela estava tendo aulas de culinária chinesa e queria<br />

saber se eu estaria disposto a ser sua cobaia. Ou o casamento<br />

de um amigo comum que gostaria que fôssemos<br />

juntos porque ela sempre se perdia quando ia sozinha à<br />

casa dessa pessoa. Fiquei dizendo não até ela finalmente<br />

me perguntar diretamente por que eu estava recusando todos<br />

estes convites, se eram todos tão inocentes. Eu lhe disse<br />

que não confiava nela. Então ela argumentou lucidamente<br />

sobre o quanto havia mudado nos últimos dois meses e<br />

o quanto era injusto julgá-la agora com base em um período<br />

muito problemático de sua vida. Quando ela terminou,<br />

eu estava novamente afogado em minha própria<br />

culpa. Cheguei muito perto de concordar em vê-la de novo.<br />

Mas não o fiz. Eu sabia que se lhe desse a mão, ela<br />

ia querer todo o braço.<br />

Ao concordar em almoçar com Lisa, EIliot estava, de fa.<br />

to, lhe dando umas migalhas de esperança. E os amantes ob.


154<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

sessivos transformam migalhas em grandes fatias. Elliot deveria<br />

saber que Lisa não iria desistir facilmente. O que parecia<br />

ser um encontro inofensivo transformou-se rapidamente em<br />

uma outra sedução. Só que dessa vez, em vez de usar a sensualidade,<br />

usou a razão. Ela sabia que ele temia sua volatilidade<br />

e sua emocionalidade, então deu um jeito de manter em<br />

xeque essas partes de sua personalidade. Ela se apresentou como<br />

uma mulher mudada. Mas Elliot percebeu que ela havia<br />

mudado apenas de estilo, não de objetivo.<br />

Os obsessores vêem a mais leve indicação de amizade ou<br />

até mesmo curiosidade como um sinal de que seu objeto ainda<br />

não está bastante decidido e que pode, talvez, ser reconquistado.<br />

Em alguns casos, pode ser possível manter algum contato<br />

amistoso com um ex-amante, mas como não há uma maneira<br />

de prever como um obsessor irá interpretar ou vivenciar<br />

um breve ato de abertura, é mais seguro pecar por excesso de<br />

precaução. A dura realidade para muitos objetos é que, após<br />

terem tomado a decisão e conseguido se desembaraçar de um<br />

relacionamento obsessivo, é arriscado permitir que seu examante<br />

entre novamente em suas vidas.<br />

Após seu almoço com Lisa, Elliot decidiu - mais uma<br />

vez - eliminar qualquer futuro contato com ela, não importasse<br />

o quão persuasiva fosse a abordagem. Ele simplesmente<br />

não estava disposto a ficar vulnerável às manipulações dela.<br />

Contudo, ela continuou a lhe telefonar quase todo mês durante<br />

os dois anos seguintes, cada vez com uma história inteligente<br />

diferente. Ela continuou com isso mesmo depois de Elliot ter<br />

se casado com Hanna. Porém, seus telefonemas começaram<br />

a ficar cada vez menos freqüentes com o passar do tempo. Já<br />

faz um ano que Elliot não tem notícias de Lisa.<br />

AGINDO CATEGORICAMENTE<br />

Às vezes, as palavras categóricas - até mesmo as cruéis -<br />

não são suficientes. Glória descobriu que não importava o que<br />

dissesse, seu ex-amante Jim não iria acreditar que ela não queria<br />

vê-lo. Ela finalmente recorreu à ação categórica, quando chamou<br />

a segurança para retirar Jim de seu escritório.<br />

É DIFÍCIL PÔR UM PONTO FINAL 155<br />

Glória<br />

Eu o ouvia gritar e esmurrar a porta, e pensava: "Ao diabo<br />

com ele, estou cansada de tê-lo em todos os momentos<br />

da minha vida. A vida é minha." A primeira vez que<br />

lhe disse que não queria mais vê-lo, senti que ainda estava<br />

indecisa quanto a isso, mas após seis meses de marcação<br />

sob pressão, eu estava totalmente farta. Estava cansada<br />

de ser uma vítima. Quando vi a segurança arrastálo<br />

para fora, esperava me sentir culpada, mas isso não<br />

aconteceu. Eu senti orgulho de mim mesma, por ter finalmente<br />

agido.<br />

Diferente de Elliot, que se viu atormentado pela culpa,<br />

Glória descobriu um novo sentido de confiança, força e alívio<br />

em sua ação categórica. Muitos parceiros descobrem que as<br />

ações categóricas os libertam da sensação de impotência que<br />

haviam experimentado diante da recusa de partir de seu amante<br />

obsessivo.<br />

Mas mesmo sendo emocionalmente gratificante, a ação<br />

categórica raramente é fácil. Freqüentemente, ela causa uma<br />

inconveniência considerável na vida do objeto. Aqui estão alguns<br />

exemplos de ação categórica:<br />

• Desligar no meio do telefonema ou até mesmo trocar<br />

o número do telefone.<br />

• Devolver cartas ainda fechadas.<br />

• Devolver presentes não-solicitados.<br />

• Dizer aos amigos comuns que você não quer que convidem<br />

seu ex-amante e você para a mesma festa.<br />

• Recusar-se a abrir a porta para o seu ex-amante quando<br />

ele ou ela fazem visitas inesperadas.<br />

• Chamar a segurança ou a polícia.<br />

• Conseguir uma ordem de prisão.<br />

Você não precisa de um terapeuta para lhe ensinar estes<br />

comportamentos - você só precisa se tornar decidido o bastante<br />

para pô-los em prática. Isto é sempre difícil no início,<br />

mas se o seu amante obsessivo se recusa a parar de perseguilo,<br />

eu lhe asseguro que a ação categórica ficará mais fácil com<br />

a prática. E mais cedo ou mais tarde, diante de ações verda-


156<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

deiramente categóricas e inequívocas, a maioria dos amantes<br />

obsessivos desiste.<br />

Eu sei que alguns de vocês se sentirão culpados devido<br />

à gravidade das medidas que precisarão ser tomadas, mas, sob<br />

estas circunstâncias, a culpa não é uma indicação de que você<br />

está fazendo algo de errado. É uma indicação de que você está<br />

fazendo algo que não está acostumado a fazer. Para se livrar<br />

realmente de um amante obsessivo, e readquirir o controle<br />

sobre a sua própria vida, você precisa tolerar esta culpa. A<br />

culpa irá embora, porém, se você não agir categoricamente,<br />

provavelmente o seu amante obsessivo não irá.<br />

QUANDO HÁ MAIS A PERDER<br />

DO QUE UM AMANTE<br />

Às vezes a ação categórica é complicada não apenas por fatores<br />

emocionais, mas por considerações práticas. Alguns obsessores<br />

tiram vantagens de posições de poder para perseguir<br />

seus objetos. Seja o clérigo que persegue um membro de sua<br />

congregação, o psicólogo que persegue um de seus internos,<br />

o médico que persegue sua recepcionista, ou o professor universitário<br />

que persegue um de seus alunos, os obsessores em<br />

posições de autoridade tornam infinitamente mais complicado<br />

para um parceiro terminar o relacionamento.<br />

Rhonda é professora assistente de literatura em uma grande<br />

universidade no sul da Califórnia. Ela é morena, de feições<br />

delicadas, cujos enormes óculos de aro de tartaruga dão uma<br />

aparência de coruja. Rhonda veio me ver após uma palestra,<br />

durante a qual eu mencionei estar trabalhando neste livro, e<br />

me ofereceu sua história.<br />

Rhonda estava se candidatando à efetivação em seu departamento,<br />

uma posição que iria ser fundamentalmente definida<br />

de acordo com a recomendação da poderosa chefe do<br />

departamento, uma mulher um pouco mais velha chamada<br />

Lynn. No mundo acadêmico, a efetivação é quase sempre uma<br />

questão de sobrevivência, já que sem ela não há segurança no<br />

emprego. Com quarenta anos, Rhonda estava pronta para alguma<br />

segurança em sua vida. Na verdade, ela estava atrás desta<br />

posição há cinco anos.<br />

É DIFÍCIL PÔR UM PONTO FINAL 157<br />

Um ano antes, Rhonda havia rompido com uma mulher<br />

com quem tivera um prolongado relacionamento lésbico. Nesta<br />

. época, Lynn foi muito atenciosa e lhe deu muito apoio, ajudando<br />

Rhonda a lidar com a dor do rompimento. Rhonda tinha<br />

consciência de que Lynn se sentia atraída por ela, mas Lynn<br />

não lhe era fisicamente atraente. Contudo, com o aprofundamento<br />

de seu relacionamento pessoal, Rhonda passou a achar<br />

a inteligência, a sensibilidade e a ternura de Lynn incrivelmente<br />

atraentes. Lynn insistiu em desenvolver seu relacionamento com<br />

Rhonda e, quando finalmente fez uma investida sexual, Rhonda<br />

foi receptiva.<br />

Rhonda<br />

Eu sabia que era perigoso me envolver com ela - todo<br />

o meu futuro estava em suas mãos - mas ela me assegurou<br />

que manteria nosso relacionamento pessoal separado<br />

do profissional. Eu sabia que não era assim tão simples,<br />

mas ela me disse que eu era realmente talentosa, que<br />

era a mais bem-dotada das assistentes que ela já vira, então<br />

imaginei que o cargo seria meu de qualquer maneira.<br />

E eu realmente precisava de alguém em minha vida ... ela<br />

era tão encorajadora, tão cheia de idéias, tão cheia de vida,<br />

tão cheia de amor. Era como um ímã para mim. Ela<br />

me atraiu.<br />

Rhonda acreditava que se sentia atraída pelas qualidades<br />

pessoais de Lynn, mas, como disse Henry Kissinger, o poder<br />

é o melhor afrodisíaco. A atração de Rhonda fora indubitavelmente<br />

influenciada pelos ornamentos sedutores do poder<br />

da posição que Lynn ocupava.<br />

Rhonda sabia que seu relacionamento com Lynn era complicado<br />

pelo desequilíbrio de forças que havia entre elas, mas<br />

foi só quando a natureza obsessiva de Lynn começou a emergir<br />

que Rhonda percebeu quão grande era realmente a complicação.<br />

Quando Rhonda e Lynn consolidaram seu relacionamento<br />

sexual, Lynn começou a ter fantasias de ciúmes em<br />

relação a Rhonda. Tornou-se cada vez mais possessiva. Quando<br />

Rhonda foi para um seminário de duas semanas em São<br />

Francisco, Lynn voou até lá para vê-la três vezes. Lynn também<br />

lhe telefonava quatro ou cinco vezes por dia e perguntava<br />

'-


III AMORES OBSESSIVOS<br />

se estava fazendo sexo com alguém. Aí, quando Rhonda volto\.t,<br />

Lynn começou a apresentá-la a suas amigas como se estivessem<br />

para se casar.<br />

Rhonda<br />

Comecei a me sentir como uma propriedade. Eu sabia que<br />

tinha que dar um fim a isto, mas eu tinha medo de não<br />

poder sair. Não só porque ela ficaria louca, mas com certeza<br />

eu teria que dar adeus à minha estabilidade. Cinco<br />

anos da minha vida escorrendo pelo ralo. Ela realmente<br />

me tinha em suas mãos.<br />

Rhonda havia se metido em uma situação da qual não havia<br />

uma saída fácil. Em relacionamentos anteriores, ela geralmente<br />

tentava expressar suas emoções de forma firme e clara, mas<br />

se fizesse isto com Lynn, estaria arriscando seriamente sua carreira.<br />

Por outro lado, se prosseguisse com um relacionamento<br />

apenas pelo bem do seu emprego, estaria vendendo seu bemestar<br />

emocional.<br />

Rhonda<br />

Então, uma noite, estávamos jantando com sua irmã e<br />

Lynn começou a divagar sobre todos estes planos para o<br />

futuro, dos quais eu nunca tinha ouvido falar antes ... e<br />

sobre como eu era a mulher com quem ela passaria todo<br />

o resto da sua vida. Eu percebi que não podia mais levar<br />

isto adiante. Não era justo com ela; não era justo comigo.<br />

Não importa o quanto me custasse profissionalmente,<br />

eu tinha que sair fora. Quando voltei para casa naquela<br />

noite, eu disse tudo a ela.<br />

Lynn ficou profundamente magoada com a rejeição de<br />

Rhonda. Ficou enraivecida e, como Rhonda temia, Lynn extravasou<br />

sua raiva no trabalho.<br />

Rhonda<br />

Tivemos uma reunião de departamento uns três dias mais<br />

tarde, e ela realmente falou comigo com agressividade a<br />

respeito de umas mudanças que eu queria fazer no currículo.<br />

Ela foi incrivelmente crítica em relação ao que eu<br />

I! DIFíCIL PÔR UM PONTO FINAL 159<br />

achava que eram idéias muito boas e se desviou de seu<br />

caminho para me humilhar diante de todo o departamento.<br />

Eu não disse nada, esperando que ela se refizesse, mas isso<br />

não aconteceu. Nas duas semanas seguintes, ela não<br />

perdeu sequer uma oportunidade de me criticar. Parecia<br />

bastante óbvio que iria se opor à minha efetivação, então<br />

decidi jogar duro. Eu a acusei de deixar seus sentimentos<br />

pessoais interferirem na minha carreira, e a preveni de que<br />

se não desistisse, eu iria denunciá-la à administração por<br />

hostilização sexual. Isso finalmente fez com que parasse,<br />

mas ainda havia muita tensão entre nós. Isso dificulta o<br />

meu trabalho, e às vezes entramos em choque, mas parece<br />

que serei efetivada no próximo ano.<br />

Rhonda poderia ter trocado de emprego para escapar de<br />

sua chefe obsessiva, como muitos fazem, mas esta opção nem<br />

sempre é possível ou prática. No caso de Rhonda, teria sido<br />

extremamente difícil encontrar uma outra posição efetiva e,<br />

mesmo que a encontrasse, teria que passar outros cinco anos<br />

em uma "fila de espera", até que o cargo se tornasse disponível<br />

para ela. Então Rhonda escolheu ser categórica com Lynn,<br />

apesar do risco profissional, e, ao fazê-lo, agiu da melhor forma<br />

em uma situação muito difícil. Seu ambiente de trabalho,<br />

às vezes, ficava tenso e desconfortável, mas, para Rhonda, era<br />

dos males o menor.<br />

É sempre perigoso se envolver com um amante que está<br />

em uma posição de poder. Isto é especialmente verdade se o<br />

seu amante é obsessivo, pois os obsessores tendem a ser punitivos<br />

e retaliadores quando são rejeitados. Já é bastante difícil<br />

romper com um amante obsessivo sem ter que se preocupar<br />

também com. seu emprego.<br />

A SUPREMA CHANTAGEM EMOCIONAL<br />

Não é raro os amantes obsessivos, em uma tentativa desesperada<br />

de evitar que seu parceiro os deixe, ameaçarem suicídio


'"<br />

150 AMORES OBSESSIVOS<br />

(como vimos com Anne no Capítulo Dois). Quando os obsessores<br />

declaram que suas vidas agora estão nas mãos de<br />

seus objetos, fazem uma série de pressões sobre seus parceiros<br />

para que mantenham o relacionamento. Isto aconteceu<br />

com Glória na primeira vez em que disse a Jim que queria<br />

deixá-lo.<br />

Glória<br />

Um mês após começarmos a sair juntos, decidi que não<br />

estava dando certo, mas levei uns dois meses até fazer<br />

algo a respeito. Quando lhe disse que o estava deixando,<br />

ele começou a soluçar e dizer que se atiraria de um precipício.<br />

Sem mim, a vida dele não fazia sentido. Bem, ele<br />

foi realmente melodramático, mas era tão estupidamente<br />

imprevisível... fiquei apavorada que ele pudesse realmente<br />

fazer aquilo. Então eu o acalmei e disse que lhe daria<br />

mais uma chance, mas ele teria que parar de agir tão<br />

possessivamente. Ele jurou que mudaria ... é claro, nunca<br />

mudou.<br />

Para abrandar seus compreensíveis temores, de que ele se<br />

jogaria e ela se sentiria culpada, Glória se submeteu à chantagem<br />

emocional de Jim e voltou atrás em sua decisão de deixálo.<br />

Ao capitular, Glória estava virtualmente garantindo que ele<br />

iria repetir esta ameaça sempre que se sentisse temeroso com<br />

a possibilidade dela deixá-lo.<br />

Glória<br />

Em duas semanas eu estava subindo pelas paredes novamente.<br />

Chegou ao ponto de eu sentir que seria ou ele ou<br />

eu. Então resolvi falar novamente em rompimento e rezar<br />

para que ele não fizesse o que dissera. Implorei a ele<br />

para que procurasse ajuda profissional, mas isso foi o mais<br />

longe que pude ir. Depois que o deixei, ele me procurou<br />

e ameaçou se matar mais umas duas vezes, mas nunca realmente<br />

tentou nada.<br />

Glória não tinha como saber se as ameaças de Jim eram<br />

sérias. Ninguém pode saber. Algumas pessoas que ameaçam<br />

suicidar-se nunca chegam realmente a tentá-lo. Muitas outras<br />

• DIFíCIL PÔR UM PONTO FINAL 161<br />

o fazem. O fato é que: o suicídio é fundamentalmente uma<br />

escolha pessoal.<br />

Se você, como Glória, é objeto de um amante obsessivo<br />

que está ameaçando cometer suicídio porque você quer acabar<br />

com o relacionamento, você deve levar esta ameaça a sério.<br />

Mas isso não significa que você deva assumir a responsabilidade<br />

pela vida do seu amante. A coisa mais construtiva que<br />

você pode fazer é encorajar o seu amante a fazer uso dos muitos<br />

recursos profissionais disponíveis para ajudar pessoas em<br />

crise. Se o seu amante tem amigos ou parentes interessados,<br />

você também pode alertá-los para a ameaça de suicídio, e para<br />

o fato de que você está firme em sua decisão de pôr um ponto<br />

final na relação. Tenha em mente que a vida de seu ou sua<br />

amante é de inteira responsabilidade dele ou dela.<br />

Eu sei que pode parecer difícil para você aceitar isto, mas<br />

você não tem obrigação moral de sacrificar seu próprio bemestar<br />

emocional se o seu amante obsessivo ameaça agir irracionalmente<br />

em resposta a sua decisão de partir - uma decisão<br />

que você tem todo o direito de tomar.<br />

Romper com um amante obsessivo pode ser um processo<br />

muito doloroso, complicado e angustiante. Após ter tomado<br />

a decisão de encerrar um relacionamento obsessivo, você deve<br />

estar preparado para confrontar obstáculos significativos, não<br />

apenas da parte do seu amante obsessivo, mas também de sua<br />

parte. Se você decidiu que não há meios de o relacionamento<br />

dar certo, romper pode ser difícil, mas é muito melhor do que<br />

a outra alternativa.


164<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Nan não acreditou que Walter quisesse realmente dizer isto.<br />

Ela começou a lhe telefonar várias vezes por dia, a ir até a oficina,<br />

ir até o seu apartamento, e a mandar cartas, esperando<br />

fazê-lo mudar de idéia. Quando Walter se recusou a responder<br />

às tentativas, ela ficou histérica. Em certa ocasião, ela atirou<br />

uma xícara de café em Walter na cozinha dele. De uma<br />

outra, atirou uma chave inglesa na vitrine. Walter estava cada<br />

vez mais aborrecido e frustrado pela recusa dela em desistir<br />

apesar de sua reiterada rejeição, mas ele não tinha nenhuma<br />

idéia de como fazê-la parar. Ele esperava que ela finalmente<br />

perdesse o gás e o deixasse em paz.<br />

Um mês após o rompimento, Walter conheceu Betty, uma<br />

agente de seguros. Eles começaram a sair juntos e logo se<br />

apaixonaram.<br />

Walter<br />

Quando eu e Betty ficamos noivos, imaginei que esta seria<br />

a gota d'água que tiraria Nan do meu pé. Na vez seguinte<br />

em que veio à oficina, eu contei a ela. Ela se transformou<br />

em uma rainha de gelo. Ficou paralisada. Eu me<br />

lembro de tê-la ouvido murmurar algo sobre ter certeza<br />

de que eu não a esqueceria, e depois saiu. Eu imaginei<br />

que aquilo era o fim e voltei ao trabalho.<br />

Walter, como muitos outros objetos, viu-se tranqüilizado<br />

por uma falsa sensação de alívio pelo fato de Nan parecer ter<br />

recebido a notícia de seu noivado com bastante calma. Ele estava<br />

esperando uma explosão, e quando esta não aconteceu,<br />

presumiu que estivesse livre. Mas a raiva obsessiva, como vimos<br />

no decorrer do livro, raramente fica contida. Ela pode ser<br />

exteriorizada contra uma inocente terceira parte; pode explodir<br />

internamente provocando acessos de autodestruição no obsessor;<br />

mas em geral ela explode contra o parceiro, muito freqüentemente<br />

de forma violenta.<br />

Nan deu a Walter uma pista muito clara de que ele teria<br />

notícias dela, só que ele não percebeu. Se tivesse prestado mais<br />

atenção, poderia ter percebido que quando ela' 'murmurou algo<br />

sobre ter certeza de que eu não a esqueceria", estava fazendo<br />

uma ameaça.<br />

"EU NUNCA PENSEI QUE<br />

ELA CHEGASSE A TANTO"<br />

Ao chegar em casa naquela noite, Walter encontrou sua porta<br />

da frente escancarada. Seu primeiro pensamento foi de que havia<br />

sido assaltado, mas, ao entrar, sentiu cheiro de fumaça.<br />

Walter<br />

Minha adrenalina era bombeada como um motor de quatro<br />

cilindros. Fui até o quarto e as minhas roupas estavam<br />

por toda parte, como se um furacão tivesse passado.<br />

Havia cuecas, camisas, meias, tudo espalhado ... mas nada<br />

grande. Casacos, calças, peças maiores, você sabe? Então<br />

segui meu faro até o banheiro e lá estava o resto das<br />

minhas coisas ... em cinzas. Ela pôs todo o meu armário<br />

dentro da banheira. O banheiro estava negro de fumaça,<br />

e a tinta das paredes estava queimada. Chamei a polícia,<br />

mas eu não podia provar que ela havia feito aquilo, então<br />

eles não puderam fazer nada. Mas eu sabia que tinha sido<br />

ela porque a porta estava aberta e ela era a única pessoa<br />

que tinha uma chave. Eu sei que foi idiotice não ter<br />

trocado a fechadura, mas eu nunca pensei que ela fosse<br />

fazer algo assim.<br />

Como muitos objetos de amantes obsessivos - especialmente<br />

os masculinos - Walter tendia a ser complacente com<br />

relação à sua segurança. Afinal, ele era tão maior e mais forte<br />

do que Nan; a idéia dela ser capaz de agredi-lo nem mesmo<br />

passava por sua cabeça. Mas Walter sabia que Nan tinha tendências<br />

violentas, porque ela atirava objetos durante seus acessos<br />

de cólera. E ele sabia que ela tinha fácil acesso ao seu apartamento,<br />

porque, durante o namoro, ele havia lhe dado uma<br />

chave. Uma precaução tão simples quanto mudar a fechadura<br />

poderia não ter evitado Nan de extravasar sua raiva; por outro<br />

lado, poderia. Até mesmo um pequenino obstáculo é, às<br />

vezes, capaz de desencorajar um obsessor de agir segundo um<br />

impulso momentâneo.<br />

165


166<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Walter<br />

Eu tive muita sorte de ela não ter queimado todo o prédio.<br />

E tenho que lhe dizer, eu só pude pensar nisso nos<br />

dois meses seguintes. Quer dizer, o que a impediu de voltar,<br />

queimar tudo enquanto eu estivesse dormindo? Eu lutei<br />

na guerra da Coréia - eu posso qlidar de mim mesmo.<br />

Mas eu estava assustado. Estava realmente assustado. Ainda<br />

estou. Soube que ela tomou uma overdose e foi internada<br />

em um hospital em algum lugar, mas eu ainda receio<br />

que ela possa voltar. Já se passaram dois anos, mas<br />

eu ainda penso nisso.<br />

Walter, que no início nem imaginava que podia correr algum<br />

perigo, ainda estava assustado após dois anos. Embora<br />

a explosão violenta de Nan tivesse se dirigido apenas contra<br />

seus pertences, ela demonstrou nitidamente com violência sua<br />

capacidade de vingança. Ele estava justificadamente preocupado<br />

que sua próxima agressão fosse contra ele ou contra sua<br />

nova esposa. Walter não encontrou conforto no fato de ela nunca<br />

ter voltado - ao contrário, ficava preocupada com o medo<br />

de que pudesse voltar. Quando os amantes obsessivos transformam<br />

sentimentos violentos em atos violentos, não há meios<br />

de dizer por quanto tempo continuarão ou até onde irão. Mesmo<br />

que jamais tenham chegado ao ponto de atacar a propriedade,<br />

o medo que engendram pode despencar como uma espada<br />

sobre a cabeça do parceiro.<br />

AGRESSÃO SEXUAL<br />

J aney é uma ruiva de vinte anos excepcionalmente bela, filha<br />

de queridos amigos meus. Eu conheço Janey desde quando nasceu.<br />

Há dois anos, quando era caloura em uma universidade<br />

da Ivy League, conheceu Victor, que estava com vinte e quatro<br />

anos e cursava administração de empresas. Ela não estava<br />

romanticamente interessada em Victor, mas eles compartilhavam<br />

um amor pelos filmes clássicos e iam ao cinema freqüen-<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA<br />

temente nos finais de semana, embora sempre com um grupo<br />

de amigos. Janey percebeu que Victor sentia-se muito atraído<br />

por ela, mas ela tomou cuidado de nunca sair sozinha com<br />

ele, e seguiu seu caminho para não encorajá-lo. Então, certa<br />

noite, ele apareceu em seu dormitório e declarou seu amor.<br />

Janey<br />

Ele ficou parado no hall com aquele olhar de cão fiel, esperando<br />

que eu dissesse que também o amava. Eu lhe disse<br />

que ele era um cara muito legal, mas eu não estava interessada<br />

em me envolver com ele. Ele disse: "Não vamos<br />

tomar nenhuma decisão agora, vamos esperar e ver o que<br />

acontece." Havia algo realmente esquisito em tudo aquilo,<br />

mas um monte de caras já disse que me amava e normalmente<br />

era só conversa, então eu tentei esquecer o assunto.<br />

Bem, ele não me deixou. Começou a aparecer em<br />

todo lugar que eu ia. Ele me esperava no fim das minhas<br />

aulas. Entrava atrás de mim na fila da cafeteria, e sentava<br />

ao meu lado mesmo quando eu dizia não - então parei<br />

de comer na cafeteria. Mesmo quando eu não o via,<br />

tinha sempre a impressão de que estava me observando,<br />

especialmente quando eu saía com alguém - era tão grudento.<br />

Então cancelei alguns encontros e não tive que lidar<br />

com isso, e uma amiga resolveu fazer algo pelo meu<br />

caso, então fui à Segurança do Campus. Tiveram uma longa<br />

conversa com ele e ele prometeu parar, mas não o fez.<br />

Então passei a ficar mais no meu quarto. Era mais fácil<br />

do que sair e ficar sentindo que algum idiota estava me<br />

espionando.<br />

Embora não tivessem um relacionamento íntimo, a obsessão<br />

de Victor estava estreitando o mundo de Janey. Ela se<br />

encontrava em um estado frustrante de limbo, comum a muitos<br />

objetos, onde não podia tomar nenhuma atitude legal contra<br />

o seu obsessor já que este não havia feito nenhuma ameaça<br />

declarada nem violado nenhuma lei. Quando apresentou queixa<br />

sobre Victor pela segunda vez, um segurança da universidade<br />

lhe disse: "Se prendermos todo cara do campus que dá em cima<br />

de uma garota, teremos que chamar a Guarda Nacional."<br />

167


168<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Janey<br />

Uma noite, eu estava saindo da biblioteca e percebi que<br />

ele estava me seguindo, então o enfrentei... e disse a ele<br />

que me deixasse em paz. Sua resposta foi: "Eu te amo<br />

tanto que posso até morrer. Me dê só um beijo." Eu disse:<br />

"Você deve estar brincando", e aí começou uma espécie<br />

de briga pelo poder onde ele tentava me beijar e eu<br />

tentava afastá-lo, e todo o tempo ele me dizia o quanto<br />

me amava, e o que me lembro depois é que pegou uma<br />

faca e estávamos no mato e ele ameaçava me matar se não<br />

pudesse me possuir. E aí ele me estuprou.<br />

Após o estupro, Janey ficou deprimida e se isolou, saiu<br />

da escola e voltou para casa. Disse a seus pais que queria algum<br />

tempo para se recuperar do trauma, mas se recusava a<br />

falar do estupro, se recusava a procurar aconselhamento e se<br />

recusava a dar queixa. Como muitas vítimas de estupro, Janey<br />

não estava disposta a encarar a provação de um julgamento,<br />

apesar de um medo assolador de que Victor pudesse encontrá-la<br />

e repetisse seu crime.<br />

Isto continuou por quase um ano. Os pais de Janey estavam<br />

cada vez mais preocupados. Apesar de parecer estar funcionando<br />

nas atividades cotidianas, eles sabiam o quanto Janey<br />

havia mudado desde o estupro: não estava fazendo nada<br />

para voltar à escola, estava trabalhando em um emprego sem<br />

nenhum futuro e não estava saindo com ninguém. Via alguns<br />

velhos amigos ocasionalmente, e quando lhe perguntavam sobre<br />

o seu estado de espírito, ela insistia que estava tudo bem<br />

e que logo iria retomar sua vida normal.<br />

"ESTOU CANSADA DE ME SENTIR ASSIM"<br />

Desde o dia em que voltou para casa que eu tentava convencer<br />

Janey a procurar um terapeuta que pudesse trabalhar as barreiras<br />

emocionais de seu trauma, mas ela se recusava categoricamente.<br />

Como tantas vítimas de crime violento, com a cura<br />

das feridas físicas, Janey estava tão ansiosa para esquecer o<br />

que havia acontecido que escolheu ignorar, em vez de encarar,<br />

suas feridas emocionais.<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA 169<br />

Eu me senti incrivelmente frustrada por ser incapaz de fazer<br />

alguma coisa pelo sofrimento de Janey - ou por sua negação.<br />

Um instante de poder para Victor se transformou em<br />

meses de angústia e tormento para ela. Fiquei enfurecida, como<br />

sempre fico, pelo fato da vida de uma inocente jovem poder<br />

ser tão facilmente devastada pela violência impulsiva de<br />

um obsessor depravado.<br />

Então, uma tarde, para meu prazer, Janey telefonou e me<br />

convidou para almoçar com ela. Nós nos encontramos no dia<br />

seguinte, e fiquei alegre ao verificar que, pela primeira vez desde<br />

o estupro, ela parecia ansiosa para falar.<br />

Janey<br />

Estava vendo essa açucarada história de amor na TV e,<br />

de repente, me vi ali sentada, soluçando. Fiquei pensando<br />

em como nunca mais eu seria capaz de me sentir normaIo<br />

bastante para me apaixonar novamente. <strong>Susan</strong>, estou<br />

tão cansada de me sentir assim! Por favor, me ajude.<br />

Embora pedir ajuda possa parecer um passo simples, exigiu<br />

de Janey uma grande dose de coragem e honestidade. Eu<br />

a encaminhei para um colega especialista no trabalho com vítimas<br />

de agressões sexuais e, quando Janey ficou mais forte,<br />

resolveu se erguer e finalmente apresentou queixa contra Victor.<br />

Seu caso viu-se significativamente enfraquecido por já haver<br />

decorrido um ano, e ela teria que viajar para outro estado<br />

para testemunhar, mas estes obstáculos não eram importantes<br />

para ela. Ela precisava dar este passo afirmativo para se desvitimizar.<br />

Mesmo que o caso jamais vá a julgamento, ela sabe<br />

que tem a auto-estima para lutar, e isso, mais do que qualquer<br />

veredito do júri, está ajudando Janey a recuperar sua antiga<br />

autoconfiança.<br />

REAGIR<br />

Tendemos a associar o estupro a agressão feita por estranhos,<br />

mas a incidência de mulheres estupradas por alguém que conhecem<br />

é alarmantemente alta. Qualquer julgamento de estupro<br />

é uma provação para a vítima, mas quando o estuprador<br />

- ------"


170 AMORES OBSESSIVOS<br />

é alguém que a vítima conhece e de quem já gostou, ou até<br />

amou, é muito mais difícil para ela encontrar a força emocional<br />

para dar queixa. Se a agressão foi feita pelo marido ou namorado,<br />

pode ser especialmente difícil para a vítima defender<br />

sua credibilidade contra as acusações de consentimento que<br />

tão freqüentemente fazem parte do exame dos depoimentos.<br />

Mas apesar das dificuldades de um julgamento, eu sempre aconselho<br />

as vítimas de estupro a agirem peremptoriamente e apresentarem<br />

queixa. É uma forma de combater a dor e o medo,<br />

em vez de conviver com eles.<br />

Quando o estuprador é um obsessor, sua vítima tem outros<br />

receios ainda. Diferente de muitos estupros, este tipo de<br />

estupro não é um ato casual. A vítima foi escolhida como alvo.<br />

E é muito provável que o estuprador tente de novo.<br />

Só por esta razão, as mulheres que são sexualmente atacadas<br />

por amantes obsessivos devem dar queixa e se prepararem<br />

para todo o processo legal até levar seu estuprado r para trás das<br />

grades. Mesmo que o julgamento não resulte em uma sentença<br />

de prisão, o objeto está enviando uma mensagem clara ao obsessor<br />

de que ela não ficará como vítima. Isto impede que alguns<br />

obsessores tentem um contato posterior com suas vítimas.<br />

Janey foi forçada a se desligar dos amigos e professores<br />

que havia conhecido porque Victor continuava estudando na<br />

universidade que ela estivera freqüentando, mas começou a procurar<br />

novas faculdades. Ela tem menos medo de sair sozinha<br />

à noite, está se fortalecendo fisicamente, tendo aulas de defesa<br />

pessoal e agora carrega consigo um gás paralisante. Também<br />

está se fortalecendo psicologicamente indo uma vez por<br />

semana a um grupo de vítimas de estupro e trabalhando voluntariamente,<br />

duas vezes por mês, numa linha de socorro a<br />

crises por estupro. Janey vive atormentada por pesadelos desde<br />

o dia do estupro, mas eles estão se tornando cada vez menos<br />

freqüentes, e, com a terapia, está começando a resgatar<br />

sua capacidade de apreciar a vida.<br />

VIOLÊNCIA FÍSICA<br />

A violência é uma ameaça muito real nos relacionamentos íntimos<br />

- no mínimo uma de cada dez mulheres norte-ame ri-<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA<br />

canas é espancada por um marido ou amante. Para os objetos<br />

de amantes obsessivos, o perigo continua mesmo após o fim<br />

do relacionamento. Amantes obsessivos que pensam que estão<br />

perdendo a sua pessoa mágica podem ser impulsionados<br />

por uma necessidade de reconquistar o poder sobre o seu ex-amante<br />

ou por um desejo de vingança.<br />

Embora os homens também possam ser vítimas de amantes<br />

obsessivos violentos, a maioria das vítimas relatadas é de mulheres.<br />

Um ex-amante ou marido violento pode aterrorizar todos<br />

os espaços de atuação de um parceiro, tornando impossível<br />

que ela tenha uma vida normal. Toda lembrança é um lembrete<br />

assustador de que ele está lá fora. Toda batida na porta,<br />

qualquer som de passos, qualquer sombra levanta o espectro<br />

de um assaltante obcecado pronto para atacar. Embora a maioria<br />

dos amantes obsessivos não se torne fisicamente violenta<br />

quando seu relacionamento termina, isto serve de pouco consolo<br />

para aqueles parceiros cujos amantes o fazem.<br />

"JAMAIS IMAGINEI<br />

QUE ELE FOSSE ME BATER"<br />

Samantha, vinte e sete anos, alta, extremamente magra, loura<br />

e com pele de porcelana, trabalhava como caixa em uma grande<br />

de investimentos. Estava casada há dois anos e meio com<br />

trinta e um anos, residente em cardiologia no Los Ange­<br />

County Hospital. A natureza obsessiva de Harry surgiu logo<br />

início do casamento. Ele tinha acessos de cólera se ela não<br />

vesse em casa quando ele chegasse do hospital. Ele precisava<br />

reafirmação constante da fidelidade e devoção de sua esposa.<br />

No começo, Samantha, como muitos outros parceiros, toas<br />

inseguranças de Harry pensando que diminuiriam com<br />

aprofundamento da relação. Mas após um ano de casamenela<br />

começou a perceber o lado físico da raiva de Harry, um<br />

. - que jamais havia visto antes. Em uma ocasião ele socou<br />

armário, em outra atirou uma garrafa de cerveja em uma<br />

espelhada. Tais explosões assustaram Samantha, mas<br />

subestimou sua importância atribuindo-as a tensões tem-<br />

171


172 AMORES OBSESSIVOS<br />

porárias no trabalho. Ela nunca imaginou que ele pudesse realmente<br />

bater nela.<br />

Logo depois do segundo aniversário de casamento, Samantha<br />

engravidou. Isto pareceu provocar ainda mais ciúmes em<br />

Harry - é comum os amantes obsessivos se sentirem ameaçados<br />

pela perspectiva de ter que compartilhar sua parceira com<br />

um bebê. Dois meses mais tarde, quando Samantha voltou tarde<br />

de uma visita a uma prima, Harry explodiu. Acusou-a de ter<br />

estado com um outro homem, esbofeteou-a com força o suficiente<br />

para jogá-la no chão.<br />

Samantha<br />

Eu estava mais espantada emocionalmente do que fisicamente.<br />

Eu tinha tanta certeza de que o conhecia. Tinha<br />

tanta certeza de que jamais faria qualquer coisa para me<br />

machucar. Naquele momento algo morreu dentro de mim.<br />

Pela primeira vez ele me pareceu feio. Eu sabia que não<br />

poderia mais viver com ele. Estava tudo acabado.<br />

Naquela noite ela se mudou para a casa de sua mãe. Alguns<br />

dias depois entrou com o pedido de divórcio. Para evitar<br />

que Harry tivesse uma oportunidade de repetir a agressão, o<br />

advogado de Samantha foi ao tribunal para obter uma ordem<br />

judicial. Harry estava proibido de contactar Samantha diretamente<br />

ou de chegar a menos de 300 metros dela.<br />

LAMENTANDO O FIM DE UM<br />

RELACIONAMENTO VIOLENTO<br />

Samantha tolerou as explosões e acessos de Harry por dois<br />

anos, mas ela não estava disposta a tolerar agressão física. No<br />

momento em que ele cruzou essa linha, ela sabia que tinha que<br />

deixá-lo, e o fez rápida e decididamente. Contudo, sua decisão<br />

não foi fácil.<br />

Samantha<br />

Fiquei realmente deprimida por algum tempo. Afinal, eu<br />

estava carregando um filho dele, e havíamos tido ótimos<br />

momentos. Eu sempre pensei que fosse ficar com ele pe-<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA 173<br />

10 resto da minha vida, então, de repente ... é difícil abrir<br />

mão disto.<br />

Muitos objetos de amantes obsessivos, como Samantha,<br />

acreditam que, por estarem fazendo algo saudável para eles mesmos<br />

ao terminarem um relacionamento violento, sairão emocionalmente<br />

ilesos. Mas o choque e o horror de Samantha diante<br />

da violência de Harry não a impediram de sofrer pelo fim de<br />

seu casamento e pelo fracasso de suas expectativas para o futuro.<br />

É difícil para a maioria das pessoas compreender como um<br />

parceiro pode lamentar a perda de um relacionamento violento.<br />

Mas não importa quão ruim tenha se tornado o relacionamento;<br />

quando ele chega ao fim, a maioria dos parceiros sente uma<br />

espécie de perda pelos bons tempos, pela segurança de se sentir<br />

conectado a uma outra pessoa, e pelo' 'que poderia ter sido' '.<br />

RACIONALIZANDO A VIOLÊNCIA<br />

A tristeza natural de Samantha amainou seus sentimentos em<br />

relação a Harry, afastando seu tão justificado medo dele. Ela<br />

iniciou um processo, comum a muitas vítimas de obsessores violentos,<br />

de racionalização do abuso emocional e físico de Harry.<br />

Samantha<br />

Eu sabia que não queria manter um relacionamento com<br />

um cara que pode bater em uma mulher, mas eu ficava<br />

pensando naquela noite ... talvez eu tivesse um pouco de<br />

culpa ... eu devia ter telefonado avisando que ia chegar tarde,<br />

eu sabia como ele ficava quando não sabia onde eu<br />

estava. Talvez fosse só aquela vez, quer dizer, ele nunca<br />

me bateu antes ... e ele parecia tão surpreso quanto eu ...<br />

se desculpou tanto ... quer dizer, ele não é um monstro.<br />

Eu não teria me casado com ele se fosse.<br />

Samantha não hesitou em sua decisão de se divorciar de<br />

Harry, mas continuava fazendo alguns perigosos jogos mentais.<br />

Ao assumir alguma responsabilidade pela violência de<br />

Harry contra ela, estava baixando suas defesas. Muitas vítimas<br />

o fazem numa tentativa de provarem a si mesmas que não


174<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

foram tolas ao escolherem tal parceiro e que otempo e a energia<br />

que colocaram no relacionamento não foram desperdiçados.<br />

QUANDO O PARCEIRO<br />

BAIXA A GUARDA<br />

Os sentimentos contraditórios de Samantha em relação a Harry<br />

foram acrescidos pelo fato de ela estar carregando um filho<br />

deles. Logo, mostrou-se compreensivelmente confusa quando,<br />

um mês após tê-lo deixado, ele telefonou e pediu para vê-la.<br />

Samantha<br />

Eu lhe disse que ele não podia estar telefonando por causa<br />

da ordem judicial e tudo o mais, mas ele disse que realmente<br />

doía eu ter pensado que precisasse ir tão longe, ter<br />

pensado que ele me machucaria novamente. E isto fez eu<br />

me sentir culpada. Ele disse que só queria aliviar seu peito.<br />

Ele sabia que estava acabado, mas queria se desculpar<br />

e, pelo menos, tornar nosso relacionamento civilizado, pelo<br />

bem do bebê. Ele parecia tão calmo e tão doce e tão arrependido...<br />

eu simplesmente não podia dizer não. Então<br />

disse a ele que poderia me ver por dez minutos, só isso,<br />

e depois teria que sair. Ele concordou.<br />

Quando Samantha permitiu que Harry viesse conversar<br />

com ela a despeito da ordem judicial, enviou a ele a mensagem<br />

de que ela realmente não se importava muito com tal ordem.<br />

Ela estava virtualmente lhe dando permissão para retomar<br />

sua perseguição. É sempre difícil se manter firme diante<br />

de um ex-amante contrito e ferido, mas independente de quão<br />

apologético Harry possa ter soado, Samantha jamais deveria<br />

ter perdido de vista o fato essencial de que ele ainda era o mesmo<br />

homem que a havia agredido - nada mudara.<br />

Samantha estava sendo descuidada ao concordar em conversar<br />

com Harry, mas uma vez tomada a decisão, ela jamais<br />

deveria ter concordado em encontrá-lo em particular, sozinha<br />

na casa de sua mãe, onde estava vulnerável e desprotegida.<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA 175<br />

Samantha<br />

Começamos a conversar e ele parecia bem. Ele me disse<br />

que estava muito mal com o que tinha acontecido e muito<br />

arrependido e que queria que eu voltasse para ele. Ele<br />

queria que tivéssemos nosso bebê juntos e que fôssemos<br />

uma família. Tentei ser gentil, mas lhe disse que era tarde<br />

demais, que eu jamais poderia confiar nele novamente.<br />

Que nunca mais me sentiria segura. Ele tentou me persuadir<br />

de que eu poderia, e quando isso não funcionou,<br />

ele ficou cada vez mais frustrado até começar a gritar comigo.<br />

Nesse momento eu já estava muito assustada, então<br />

eu lhe disse que seus dez minutos estavam esgotados<br />

e que ele deveria ir embora como prometera. Mas quando<br />

eu abri a porta, ele se recusou a sair, então eu o empurrei<br />

para fora. E quando tentei fechar a porta, ele ficou<br />

doido e me puxou para o hall. Eu comecei a gritar<br />

e ele me empurrou pelas escadas. Depois disso só me lembro<br />

da ambulância e das dores por todo o corpo. Naquela<br />

noite eu perdi o bebê. Jamais me perdoarei por ser tão<br />

idiota.<br />

Em um minuto, a vida de Samantha se transformou em<br />

um pesadelo. Além do seu aborto, ela sofreu uma concussão,<br />

duas costelas quebradas e uma hemorragia interna que quase<br />

lhe custou a vida. Ela também caiu em uma profunda depressão,<br />

culpando-se pela morte do bebê.<br />

Fazendo um retrospecto, Samantha percebeu que havia tido<br />

provas suficientes de que Harry iria repetir seu comportamento<br />

violento. Se explodia por causa de algo tão insignificante<br />

quanto ela voltar tarde, ela poderia ter previsto a raiva<br />

vulcânica que surgiria quando ele encarasse a dolorosa realidade<br />

do divórcio. Mas Harry não era espancador de esposas<br />

crânico, e em parte por causa disso, Samantha baixou sua guarda.<br />

Isso foi apenas um breve lapso de julgamento, mas que<br />

exigiu um preço terrível.<br />

Harry foi finalmente condenado por agressão a Samantha<br />

e por homicídio involuntário pela morte de seu filho ainda<br />

em gestação. Ele cumpre atualmente sua pena em uma penitenciária<br />

estadual. Samantha está se restabelecendo e trabalhando<br />

seu trauma emocional na terapia. Planeja mudar-se para<br />

r


178<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

fisicamente abusivo, foi certamente abusivo emocionalmente.<br />

Ele se enraivecia só de pensar que ela não estava dando a ele<br />

cem por cento de sua atenção, e ficava sem falar com ela durante<br />

dias. Em algumas ocasiões chegou a esconder as chaves<br />

do carro dela para evitar que saísse com amigos. Ele uma vez<br />

jogou fora um vestido novo e caro porque o achava muito "provocante"<br />

para ela usar em público.<br />

Quando Rachel comunicou a Grant que iria deixá-lo, ele<br />

ficou furioso e disse a ela que se ela o deixasse, ele a mataria.<br />

Mas ela não levou tal ameaça a sério. Quando sua amiga sugeriu<br />

que ela chamasse a polícia, Rachel zombou da idéia, insistindo<br />

que Grant estava apenas exercendo seu usual estilo melodramático.<br />

Além do que, ele nunca a havia agredido fisicamente.<br />

Ellie<br />

Se ela tivesse me contado o que ele havia dito, ou até mesmo<br />

algumas das coisas que ele havia feito enquanto viviam<br />

juntos, eu nunca teria concordado em ajudá-lo. Mas<br />

ela sempre me contara coisas tão maravilhosas a respeito<br />

dele ... Então ela apareceu para jantar e lá estava ele. Eu<br />

esperava que ela ficasse chateada, mas ela mostrou-se furiosa.<br />

Nem chegou a entrar. Ela me disse que eu não tinha<br />

o direito de fazer isto, e saiu. Essa foi a última vez<br />

que a vi com vida.<br />

Neste ponto da história Ellie começou a soluçar. Ela não<br />

precisou me contar o resto - eu havia lido no jornal. Grant<br />

seguiu Rachel e tiveram uma breve discussão, ele puxou uma<br />

arma e atirou nela três vezes. Ela morreu instantaneamente.<br />

Ellie sentiu-se terrivelmente culpada por haver organizado<br />

aquele encontro que levou à morte de sua irmã. Mas Ellie<br />

foi facilmente manipulada por Grant, pois ela não tinha meios<br />

de saber quão obsessivo ele era.<br />

o PERIGO DE NÃO FAZER NADA<br />

Como Rachel, a maioria de nós tem uma forte necessidade de<br />

acreditar que jamais poderia se apaixonar por alguém capaz<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA 179<br />

de nos ferir. Resistimos a encarar a possibilidade de termos julgado<br />

mal um amante, de que fomos logrados em um relacionamento<br />

romântico. Gostamos de acreditar que nosso julgamento<br />

procede, que realmente conhecemos as pessoas à nossa<br />

volta.<br />

Além disso, para alguns de nós a violência é tão estranha<br />

à nossa natureza que não podemos conceber que ninguém de<br />

quem fomos realmente íntimos vá nos agredir. Rachel fez esta<br />

suposição equivocada em relação a Grant, racionalizando que<br />

ele estava apenas agindo de acordo com o seu "usual estilo<br />

melodramático' '.<br />

Não há como saber se Rachel poderia ter feito algo para<br />

evitar que Grant transformasse sua ameaça em realidade, mas<br />

ela poderia ter reduzido suas chances se tivesse levado sua ameaça<br />

mais a sério. Ela deveria ter relatado à polícia. Deveria ter<br />

contado à sua família e a seus amigos sobre o comportamento<br />

e as ameaças dele, e pedido que a ajudassem. Isto não é dizer<br />

que Rachel deve ser culpada de seu próprio assassinato. Mesmo<br />

que tivesse tomado uma atitude mais incisiva para se proteger,<br />

ela não seria capaz de garantir sua segurança. Mas, ao<br />

subestimar a raiva de seu rejeitado amante obsessivo, cometeu<br />

um erro muito humano que a tornou ainda mais vulnerável<br />

- e pequenas diferenças podem, às vezes, decidir entre a vida<br />

e a morte.<br />

UMA PESSOA PREVENIDA<br />

VALE POR DUAS<br />

Eu gostaria de ter uma bola de cristal para ajudá-la a prever<br />

se você precisa temer seu amante obsessivo, mas ninguém<br />

pode prever com absoluta certeza como as pessoas irão se<br />

comportar. Há, contudo, alguns traços de personalidade, comportamentos<br />

e antecedentes que podem aumentar a probabilidade<br />

de que um amante rejeitado irá se tornar fisicamente<br />

violento.


180 AMORES OBSESSIVOS<br />

História violenta:<br />

A história normalmente se repete, e a história pessoal não<br />

é exceção. Obsessores que agridem fisicamente seus parceiros<br />

durante o relacionamento têm, quando rejeitados,<br />

uma probabilidade muito maior de usar a agressão como<br />

uma tática para reconquistar o controle ou para se vingar.<br />

Mas mesmo que os obsessores nunca tenham agredido<br />

seus parceiros, podem ter expressado sua raiva violentamente<br />

de outras formas. Eles podem ter uma história<br />

de se meter em brigas, de quebrar ou atirar objetos, ou<br />

de socar paredes. Estes obsessores têm um padrão de recorrerem<br />

à violência quando estão transtornados e, sob<br />

grande estresse emocional, ficam mais propensos a perderem<br />

todo o controle e a agredirem o parceiro.<br />

Drogas ou álcool:<br />

O abuso de substâncias químicas e a violência freqüentemente<br />

andam juntos. Continua o debate sobre se o abuso<br />

de drogas e álcool é uma doença física ou psicológica, mas<br />

independente da causa, a tendência ao abuso de drogas<br />

e álcool indica uma incapacidade de controlar impulsos<br />

destrutivos e de avaliar as conseqüências.<br />

Além disso, o álcool e as drogas distorcem o raciocínio<br />

e a percepção do viciado. Quando esta distorção aumenta<br />

os sentimentos de raiva do indivíduo, reduzindo<br />

o medo das conseqüências, o resultado é quase sempre<br />

a violência. Algumas drogas - especialmente os estimulantes<br />

como as anfetaminas, a cocaína e seus derivados<br />

- geram impulsos violentos, seja por diminuir a moderação<br />

seja por intensificar os ciúmes e as suspeitas irracionais.<br />

As pessoas que abusam de álcool ou drogas tendem<br />

a naufragar mais no vício quando magoadas. A violência<br />

é um resultado tragicamente comum.<br />

Ameaças de violência:<br />

Muitas pessoas fazem ameaças vazias. Mas como vimos<br />

neste capítulo, os obsessores que fazem ameaças violen-<br />

\<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA 181<br />

tas em geral as levam até o fim. As ameaças de violência<br />

devem sempre ser levadas a sério.<br />

Antecedentes familiares violentos:<br />

Há dois tipos de violência familiar - abuso do cônjuge<br />

e abuso do filho. Ambos ensinam à criança que a violência<br />

é um meio eficaz de se obter poder e controle. Embora<br />

muitas pessoas saiam de uma família violenta decididas<br />

a jamais repetirem o padrão, outras saem sem conhecer<br />

nenhum outro método de lidar com a frustração. Obsessores<br />

que crescem com violência geralmente recorrem<br />

à violência.<br />

Quero enfatizar que o que relatei são indicadores, não<br />

prognósticos. Mas se o seu amante obsessivo tem alguma destas<br />

características, o risco dela ou dele, quando rejeitado, usar<br />

de violência contra você é muito maior. Quanto mais consciência<br />

você tiver do risco, maior será a sua capacidade de se<br />

proteger.<br />

COMO SE PROfEGER<br />

Vivemos em um mundo de incertezas. Não há meio de se proteger<br />

contra todos os perigos possíveis, mas você pode reduzir<br />

suas chances de se tornar uma vítima de um obsessor violento<br />

tomando as medidas protetoras que você tem à sua disposição.<br />

Após ter trabalhado com vítimas de crimes violentos por<br />

muitos anos, estou bem cônscia das falhas e frustrações dos<br />

nossos sistemas legal e jurídico. Eles só podem reagir após uma<br />

lei ter sido transgredida, e, com excessiva freqüência, isto já<br />

é tarde demais. Chamo isto de "síndrome do se-ele-te-matar-nos-telefone".<br />

Entretanto, estas instituições e agências estão<br />

se tornando cada vez mais sensíveis às necessidades das<br />

pessoas que acreditam que estão correndo perigo, mas que não


182 AMORES OBSESSIVOS<br />

foram realmente agredidas. Se você teme por sua segurança<br />

pessoal é importante que você entre em contato com o departamento<br />

de polícia local.<br />

As delegacias de mulheres, seu advogado pessoal e os escritórios<br />

de ajuda legal são recursos importantes para qualquer<br />

um que esteja preocupado com um ex-amante violento.<br />

Eles podem ser capazes de ajudá-lo a obter uma ordem de restrição<br />

contra o seu amante obsessivo ou até mesmo prendê-lo<br />

- em alguns estados agora é crime a simples ameaça de um<br />

dano físico.<br />

Tive clientes que, em situações extremas, mudaram de emprego,<br />

de casa e até mesmo de cidade para escapar de um amante<br />

obsessivo. Tais tipos de medidas são escolhas pessoais que<br />

só você pode fazer. Mas eu também vi as trágicas conseqüências<br />

para homens e mulheres que não tomaram tais medidas<br />

ou que não recorreram ao sistema legal para que os auxiliasse,<br />

simplesmente por temerem estar sendo exagerados ou parecendo<br />

melodramáticos. Por favor, não tenha vergonha de expressar<br />

seus temores para a família, os amigos ou as autoridades legais.<br />

Ao lidar com amantes obsessivos ameaçadores ou violentos<br />

é sempre melhor prevenir do que remediar.<br />

NÃO FOI SUA CULPA<br />

Felizmente, a maioria dos amantes obsessivos não se entrega<br />

à violência. Mas se você faz parte da azarada minoria de objetos<br />

que se defronta com um obsessor violento, não se culpe.<br />

Mesmo que você tenha alimentado a obsessão enviando mensagens<br />

ambíguas ou ignorando sinais, isto não o torna responsável<br />

pela violência do seu amante obsessivo.<br />

A responsabilidade da violência é do agressor.<br />

Por favor, não aumente o dano ao seu bem-estar culpando-se<br />

pelo ato criminoso e covarde de uma outra pessoa.<br />

Se você foi objeto de um obsessor violento, o trauma pode<br />

ter sérias repercussões em outras áreas da sua vida. Certamente<br />

afetará sua capacidade de estar aberto para relacionamentos<br />

subseqüentes. Se você foi vítima de violência, eu rea-<br />

QUANDO A OBSESSÃO GERA VIOLÊNCIA 183<br />

firmo categoricamente que você deve encontrar um terapeuta<br />

que possa ajudá-lo a restaurar sua confiança abalada.<br />

Os objetos, como os obsessores, também precisam ser libertados<br />

da obsessão.


OITO<br />

CONEXÃO COMPULSIVA:<br />

A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS<br />

Você quer dizer que não é o amor que está me fazendo<br />

agir assim! Se não é amor, que diabo é?<br />

- Robert<br />

Que misterioso poder impele os amantes obsessivos a sentirem,<br />

pensarem e agirem de maneira tão contrária ao equilíbrio<br />

emocional, ao bom senso e ao comportamento amoroso?<br />

Por que os obsessores são tão carentes? Por que são tão<br />

zangados? E tão assustados? Por que os obsessores são tão<br />

confusos?<br />

Para respondermos a estas perguntas devemos começar do<br />

princípio, onde o comportamento obsessivo foi aprendido.<br />

A CONEXÃO FELIZ<br />

Quando recém-nascidos, somos seres puramente emocionais.<br />

Quando nossas necessidades básicas não são satisfeitas - quando<br />

estamos com fome, ou cansados, ou com frio, ou desconfortáveis,<br />

ou com dor - ficamos infelizes e zangados. Mas<br />

quando estamos aconchegados nos braços de nossa mãe e com<br />

nossa fome saciada pelo leite quente, vivemos a mais pura felicidade,<br />

um estado de perfeita ligação com a mãe, um estado<br />

de total segurança, ternura e satisfação. Nosso universo é um<br />

simples mundo interno de necessidade e satisfação, desejo e<br />

contenta'inento. Não vivemos nada além de nós mesmos. A mãe<br />

é parte de nós. Nós e nossa mãe somos um só.


192 AMORES OBSESSIVOS<br />

do a imagem que fazemos de nós mesmos encontra-se extremamente<br />

vulnerável.<br />

Mas para a maioria de nós, o comportamento de nossos<br />

pais constitui a sala de aula fundamental a partir da qual finalmente<br />

nos formamos para os relacionamentos amorosos.<br />

É com os nossos pais que aprendemos como os homens e as<br />

mulheres supostamente interagem. A maneira como os nossos<br />

pais se tratam é o modelo a partir do qual normalmente<br />

vamos tratar nossos próprios parceiros nos relacionamentos<br />

amorosos, e também de como esperamos ser tratados em troca.<br />

A maneira como os nossos pais nos tratam forma a base<br />

da nossa compreensão do amor.<br />

"NINGUÉM ME AMOU"<br />

A história de Nora exemplifica o que a maioria de nós entende<br />

por "rejeição na infância". Nora é a gerente da loja de roupas<br />

em Beverly Hills que ficou obcecada por seu amante Tom<br />

após apenas uns poucos encontros. Nora foi criada em uma<br />

pequena cidade do Mississippi. Seu pai faleceu em um acidente<br />

de carro quando ela era muito jovem e sua mãe logo se casou<br />

de novo.<br />

Nora<br />

Minha mãe costumava me bater sempre com uma correia<br />

de afiar navalhas e me dizer o quanto estava envergonhada<br />

de mim. Tinha vergonha do meu sotaque sulista, tinha<br />

vergonha das minhas notas ... Quando estava com treze<br />

anos, comecei a andar com os garotos. Quando minha mãe<br />

descobriu, começou a reclamar sempre que eu me aproximava<br />

de meu padrasto. Ninguém nunca se abraçou em<br />

minha casa, então eu jamais o toquei, mas ela ainda me<br />

acusava de tentar seduzi-lo quando tudo o que eu estava<br />

fazendo era ficar sentada com 1l1inhas roupas de ginástica<br />

ou pedir para ele me ajudar a fechar o colar. Quando<br />

engravidei aos quatorze anos, ela me chamou de puta e<br />

me surrou tanto que eu ainda tenho as cicatrizes. Mas eu<br />

continuei por lá porque, no mínimo, havia um pouco de<br />

afeição. Tudo que um cara precisava fazer era me acom-<br />

CONEXÃO COMPULSIVA: A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS 193<br />

panhar da igreja até em casa e eu me apaixonavá. Quando<br />

você não tem amor em casa, você procura por ele em<br />

qualquer lugar.<br />

Não há nenhuma sutileza em relação à situação de Nora.<br />

Sua experiência na infância e adolescência foi dominada por<br />

sentimentos de não ser querida e não ser amada. A rejeição<br />

de sua mãe era rude e explícita. Porém muitas formas de rejeição<br />

são menos evidentes.<br />

Nora<br />

Papai morreu quando eu tinha quatro anos. Eu me lembro<br />

de pensar: "Por que ele foi embora se me amava?"<br />

Eu não entendia o que significava morrer, eu só sabia que<br />

ele não estava mais lá comigo.<br />

Nora, como tantas crianças na sua situação, reagiu à morte<br />

do pai como se ela tivesse sido rejeitada. Os filhos também<br />

reagem assim a divórcios ou a inevitáveis ausências do pai ou<br />

da mãe. Os pais não precisam rejeitar seus filhos abertamente<br />

para que as crianças se sintam rejeitadas.<br />

Até mesmo o pai ou a mãe mais bondosos podem fazer<br />

seus filhos se sentirem rejeitados uma vez ou outra, apenas por<br />

mandá-los para o seu quarto ou por estarem ocupados demais<br />

para prestarem atenção neles. A rejeição pode ser uma experiência<br />

altamente subjetiva. A chave para prevenir que este tipo<br />

de rejeição subjetiva evolua para uma conexão compulsiva<br />

é confortar e tranqüilizar os filhos, para deixar claro que são<br />

amados e que não há nenhuma intenção de rejeição.<br />

A maioria das crianças que se tornam adultos obsessores<br />

vem de famílias nas quais se sentiram jreqüentemente nãoamados,<br />

indesejados, ignorados ou abandonados por seus pais.<br />

Tais sentimentos contínuos de rejeição deixam as crianças compreensivelmente<br />

desesperadas por amor, mas elas só conhecem<br />

uma fonte para buscá-lo - seus pais rejeitadores. Quanto mais<br />

tentam se reconectar com o amor parental, mais são rejeitadas.<br />

Quanto mais rejeitadas, mais desesperadas se tornam. E<br />

qUinto mais cresce a sua conexão compulsiva, maior probabilidade<br />

ela tem de prosseguir pela idade adulta.


194<br />

"EU FARIA QUALQUER COISA<br />

PARA TER MEU PAI DE VOLTA"<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

A obsessão de Margaret por Phil era, de muitas maneiras, uma<br />

repetição da sua compulsão infantil para se conectar com seu<br />

pai durante e após ele haver se divorciado de sua mãe. Margaret<br />

é a assistente de advocacia ruiva que apareceu inesperadamente<br />

na casa do seu amante policial Phil e o encontrou com<br />

outra mulher.<br />

Margaret<br />

Meu pai deixou minha mãe quando eu tinha sete anos.<br />

Ele a deixou por causa de outra mulher, mas na hora<br />

ninguém me disse isso. Não pude entender por que ele<br />

me deixou. Eu achava que devia ter feito alguma coisa<br />

para ele partir, mas não podia imaginar o que era. Eu<br />

só sabia que ele não me amava mais. Em um minuto<br />

ele estava ali e no minuto seguinte não estava mais. Ele<br />

se mudou e não tive notícias dele por quase um ano, mas<br />

sonhava com ele todas as noites. Ele só me telefonou<br />

uma vez durante aquele primeiro ano, no meu aniversário.<br />

Eu me lembro que minha mãe me deu uma bicicleta,<br />

mas ainda acho que o telefonema dele foi o melhor presente<br />

que recebi. Eu sentia muito a sua falta. Minha mãe<br />

se esforçava para me consolar, mas não importava o quanto<br />

ela me amasse, jamais poderia trazer de volta a parte<br />

do meu coração que ele havia levado. Eu faria qualquer<br />

coisa para tê-lo de volta.<br />

Margaret estava chorando e se lamentando por um pai que<br />

ela adorava, mas que havia demonstrado pouco amor ou interesse<br />

por ela após a separação. Se ele houvesse mantido alguma<br />

espécie de relacionamento com Mªrgaret, poderia ter sido<br />

capaz de ajudá-la a entender sua decisão de partir, fazendo<br />

assim com que ela se sentisse menos rejeitada. Ele também poderia<br />

ter sido capaz de fazê-la compreender que não era responsável<br />

por sua partida, um equívoco comum a muitos filhos<br />

de casais divorciados. Mas quando o pai de Margaret a<br />

CONEXÃO COMPULSIVA: A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS 195<br />

cortou virtualmente da vida dele, a afastou das respostas às<br />

perguntas que a perseguiriam por anos a fio.<br />

O pai de Margaret deixou-a se sentindo culpada, ferida,<br />

desamada, abandonada e humilhada. Em resposta à dor que<br />

ele lhe causara, era natural que Margaret sentisse raiva de seu<br />

pai. Mas, como a maioria dos filhos rejeitados, Margaret não<br />

tinha uma saída para a sua raiva. Temendo que quaisquer emoções<br />

"negativas" afastassem ainda mais o seu pai, Margaret<br />

enterrou sua raiva em seu inconsciente.<br />

Margaret estava convencida de que apenas o seu pai poderia<br />

aplacar sua dor. Apesar de todo o sofrimento causado<br />

pelo desaparecimento, ela tinha uma esmagadora necessidade<br />

de se reconectar com o pai. E essa mesma necessidade foi reativada<br />

com Phil, vinte e sete anos mais tarde.<br />

"EU ME SENTIA INVISÍVEL"<br />

Os sentimentos de rejeição de Margaret eram resultado de um<br />

literal abandono infantil. Mas os sentimentos de rejeição de<br />

uma criança não são de forma alguma dependentes da real perda<br />

do pai ou da mãe. Eles podem ter a mesma intensidade se<br />

a criança se sente emocionalmente abandonada.<br />

Anne, por exemplo, teve uma família intacta, mas cresceu<br />

sobrecarregada pelos mesmos problemas emocionais malresolvidos<br />

de Margaret. Anne é a cabeleireira que tentou o suicídio<br />

e quebrou todos os vidros de seu apartamento quando<br />

seu amante, John, tentou terminar o relacionamento. Quando<br />

veio me ver pela primeira vez, descreveu sua infância como feliz<br />

e amorosa. Mas quando começou a explorar suas lembranças<br />

percebeu que seus pais estavam tão preocupados com seu<br />

irmão mais velho que raramente tinham tempo para ela.<br />

Anne<br />

Meu irmão mais velho era o menino de ouro. Tudo o que<br />

fazia era perfeito. Todos realmente o amavam, inclusive<br />

eu. Mas quando eu estava com oito ou nove anos - ele<br />

b era sete anos mais velho - algo aconteceu e de repente<br />

ele e meus pais brigavam muito, e eles estavam sempre levando<br />

ele a médicos, e ele começou a ter problemas na


'"<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

escola e até mesmo com a polícia. Só mais tarde é que<br />

percebi que estava envolvido com drogas, mas o que isso<br />

significou para mim foi que eu me senti como se não existisse<br />

e eu não podia imaginar por quê. Eu estava sempre<br />

dizendo "Ei! eu estou aqui", mas ninguém parecia se importar.<br />

Eles simplesmente não tinham mais tempo para<br />

mim. Eu achava que eles haviam parado de me amar e<br />

decidiram me ignorar. Eu odiei isto.<br />

Os pais de Anne podem ter sido amorosos e bem-iI}tencionados,<br />

mas, em sua preocupação, eles emocionalmente<br />

traíram sua filha. O redemoinho caseiro provocado por seu<br />

irmão fez Anne se sentir rejeitada, pois suas necessidades<br />

de apoio e encorajamento emocional foram totalmente<br />

esquecidas.<br />

Enquanto criança, Anne não pôde entender que os fatos<br />

da vida foram responsáveis pelo afastamento de seus pais; ela<br />

só sabia que estava sendo ignorada, e isto a magoava. A mensagem<br />

humilhante que Anne recebeu foi de que seus pais não<br />

lhe davam importância, e traduziu isto como querendo dizer<br />

que era indesejada. Ela precisava do amor e da atenção que<br />

toda criança merece, e quando isto foi tirado sem nenhuma<br />

explicação, a rejeição cavou um sulco profundo dentro dela,<br />

que ela não tinha como preencher.<br />

Como Margaret, Anne foi vítima de uma esmagadora crise<br />

fàmiliar. Ninguém partiu e ninguém morreu, mas o abandono<br />

emocional que viveu foi igualmente doloroso.<br />

"NADA DO QUE FAÇO<br />

É BASTANTE BOM"<br />

Há uma outra forma de rejeição - &s vezes declarada, às vezes<br />

não - que encontro nos antecedentes familiares de um número<br />

surpreendente de amantes obsessivos. Esta rejeição resulta<br />

de pais que não demonstram aprovação, que têm expectativas<br />

tão irreais que seus filhos nunca têm uma chance de<br />

alcançá-las. Estes pais são invariavelmente prepotentes, altamente<br />

perfeccionistas.<br />

CONEXÃO COMPULSIVA: A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS 197<br />

O pai de Robert era assim. Robert é o vendedor que ficou<br />

tão enraivecido por ter sido rejeitado por sua amante Sarah<br />

que arrebentou o carro dela. Seu pai era um tenente da polícia<br />

extremamente exigente.<br />

Robert<br />

Nada que eu fizesse era bom o suficiente para ele. Eu nunca<br />

era bom o suficiente para ele. Se deixasse um livro aberto<br />

sobre a escrivaninha, ouvia um discurso sobre ser um desleixado.<br />

Se chegasse em casa com alguma nota menor do<br />

que A, ouvia um discurso sobre como não estava me esforçando.<br />

Nas raras ocasiões em que fazia algo direito, ele<br />

dizia "já não era sem tempo". Sempre me senti como uma<br />

grande decepção, como se ele não me quisesse porque eu<br />

não era o filho que ele julgava que merecia.<br />

Robert achava que a única razão pela qual não conseguia<br />

satisfazer os padrões de seu pai era a sua própria fraqueza.<br />

E se culpava por isso. Ele jamais imaginou que os padrões de<br />

seu pai podiam ser irreais. Ele continuava tentando satisfazêlos.<br />

E quanto mais tentava, mais humilhado ficava quando inevitavelmente<br />

fracassava.<br />

REJEIÇÃO DOS COMPANHEIROS<br />

Quase todas as crianças que foram rejeitadas por seus pais vivem<br />

sentimentos contínuos e desgastantes de humilhação. Tais<br />

sentimentos distorcem inevitavelmente a personalidade de uma<br />

criança, afetando sua capacidade de fazer amigos. Robert é<br />

um exemplo clássico.<br />

&<br />

Robert<br />

Tive momentos realmente difíceis na escola. Eu era tão<br />

tímido e retraído que as pessoas costumavam me chamar<br />

de Rato. Eu odiava isso, mas nunca dizia nada. Toda vez<br />

que via alguém rindo, achava que estava rindo de mim.<br />

Especialmente as garotas. Eu ficava torcendo para que o<br />

dia acabasse.


le. AMORES OBSESSIVOS<br />

A rejeição que Robert sentia por parte de seus colegas<br />

acrescentou um elemento a mais à rejeição que ele já estava<br />

carregando, afetando seu senso de auto-estima. C0nseqüentemente,<br />

ele se tornou tímido e retraído.<br />

É muito comum as crianças que são rejeitadas em casa serem<br />

vítimas da rejeição pelos companheiros na escola ou nas<br />

brincadeiras. Muitas ficam com medo de interagirem com outras<br />

crianças, pois antecipam o menosprezo ou a transformação em<br />

alvo de brincadeiras cruéis. Outras se tornam tão mal-humoradas<br />

que têm dificuldade para fazer amigos e são motivo de<br />

riso porque choram com facilidade. Outras ainda tentam compensar<br />

seus sentimentos de inadequação tornando-se arrogantes<br />

ou correndo riscos tolos apenas para chamarem a atenção.<br />

A ridicularização ou o ostracismo dos colegas soma insultos<br />

à injúria da rejeição parental, abastecendo a compulsão<br />

da criança de se reconectar com o amor que seu pai ou<br />

sua mãe lhe negaram.<br />

A WTA CONTINUA: OS PAIS SIMBÓLICOS<br />

As crianças lutam contra a rejeição de várias formas. Como<br />

as crianças são desencorajadas a expressarem verbalmente sua<br />

angústia, seus medos ou sua raiva, elas usualmente expressam<br />

estes sentimentos dolorosos através de seu comportamento.<br />

Algumas crianças se obrigam a superarem todos na escola,<br />

nos esportes, em atividades culturais ou até mesmo em tarefas<br />

caseiras na esperança de ganharem a aprovação dos pais.<br />

Outras, seja como uma manifestação de frustração ou uma tentativa<br />

de ganhar atenção, projetam sua dor gerando em torno<br />

de si um grande alvoroço devido a drogas, álcool, comportamento<br />

sexual inapropriado, vandalismo ou violência. Não importa<br />

como lutem, estas crianças não parecem poder vencer,<br />

mas isto apenas as impele a tentar com mais afinco.<br />

Quando adultos, os amantes obsessivos vivem a rejeição<br />

do parceiro como mais do que um evento circunstancial: ela<br />

reabre dolorosas feridas infantis. Os amantes obsessivos se vêem<br />

renovando sua velha batalha familiar, mas agora, como adul-<br />

CONEXÃO COMPULSIVA: A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS 199<br />

tos, maiores, mais fortes, mais inteligentes, mais resistentes,<br />

suas probabilidades parecem bem melhores. Eles, após todos<br />

estes anos, podem vislumbrar a possibilidade de realmente vencerem<br />

a luta. Seus objetos estão inconscientemente lhes oferecendo<br />

uma milagrosa segunda chance, a oportunidade de uma<br />

vida. Tomados por um otimismo irreal, doentio, os obsessores<br />

aceitam mais uma vez o desafio contra a rejeição.<br />

Em alguns relacionamentos os objetos rejeitam seus obsessores<br />

desde o início. Mas nos relacionamentos onde os parceiros<br />

são de alguma forma amorosos e complacentes, os obsessores<br />

têm uma necessidade inconsciente de descobrir maneiras<br />

de precipitar a rejeição. A reencenação da rejeição infantil<br />

nos relacionamentos adultos é uma necessidade básica<br />

para todos os amantes obsessivos. Sem rejeição não há luta,<br />

e sem luta não há chance de vitória.<br />

Entretanto os obsessores encaram um dilema: como vencer<br />

uma luta de infância mal-resolvida sem enfrentarem o objeto<br />

original desta luta - a saber, o pai ou a mãe rejeitadora.<br />

Sua única solução é transformar seu amante em um "pai simbólico",<br />

um dublê do original.<br />

Quando sugiro aos clientes obsessivos que seus amantes<br />

se tornaram seus pais simbólicos, eles invariavelmente reagem<br />

com descrença ou embaraço, como se eu estivesse sugerindo<br />

que quisessem dormir com seu pai ou sua mãe. Mas eu lhes<br />

asseguro que (apesar da teoria edipiana de Freud) acredito que<br />

os pais simbólicos são dublês emocionais, e não sexuais.<br />

Ao transformarem um amante em um pai simbólico, os<br />

obsessores não estão reciclando as normais fantasias românticas<br />

em relação a papai e mamãe tanto quanto estão fazendo<br />

renascer uma tragédia infantil. Seu relacionamento se torna<br />

um teatro no qual montam uma antiga e deprimente peça com<br />

um novo e excitante ator. E o único propósito desta nova produção<br />

é dar à nova peça um novo final - um final feliz.<br />

.,<br />

EVENTOS FAMILIARES,<br />

SENTIMENTOS FAMILIARES<br />

Quando Margaret me contou a história da abrupta partida de<br />

seu pai, ela resistiu à minha sugestão de que estava usando Phil


200<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

como um pai simbólico. Mas então eu apontei os impressionantes<br />

paralelos entre os dois homens:<br />

• Seu pai partiu sem avisar.<br />

• Phil partiu sem avisar.<br />

• Seu pai a trocou por uma outra mulher.<br />

• Phil a trocou por uma outra mulher.<br />

• Os telefonemas esporádicos de seu pai mantinham animadas<br />

as suas esperanças.<br />

• O interesse sexual esporádico de Phil mantinha animadas<br />

as suas esperanças.<br />

• Seu pai demonstrou pouco interesse em manter um relacionamento<br />

íntimo depois que partiu.<br />

• Phil demonstrou pouco interesse em manter um relacionamento<br />

íntimo depois que partiu.<br />

Phil estava inadvertidamente apertando botões emocionais<br />

que despertavam em Margaret o mesmo desespero e<br />

angústia que sentiu quando foi rejeitada por seu pai. Ela<br />

temia que Phil a abandonasse da mesma maneira que seu<br />

pai havia feito, e temia igualmente ter que reviver os mesmos<br />

sentimentos. Então, ela se recusou a aceitar a rejeição de Phil,<br />

da mesma maneira como havia se recusado a aceitar a rejeição<br />

de seu pai.<br />

ComÇ> era uma garotinha, não havia nada que Margaret<br />

pudesse fazer para perseguir seu pai, mas agora, com Phil, tinha<br />

uma oportunidade de suplantar seus anteriores sentimentos<br />

de impotência. Em vez de se manter passiva, como foi for­<br />

'çada a ser quando criança, ela lutou ativamente para anular<br />

as tentativas de rejeição de Phil. Ela acreditava, inconscientemente,<br />

que se pudesse mudar Phil, poderia finalmente triunfar<br />

sobre a rejeição de seu pai. Quando Margaret e eu comparamos<br />

como ela se sentiu em relação â seu pai e a Phil, as semelhanças<br />

se tornaram ainda mais óbvias para ela.<br />

CONEXÃO COMPULSIVA: A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS<br />

EVENTOS DIFERENTES, SENTIMENTOS<br />

FAMILIARES<br />

Para Ray, os paralelos entre sua mãe real e a simbólica não<br />

eram tão nítidos quanto o foram para Margaret. Ray é o câmera<br />

que era tão possessivo e inseguro que entrava em pânico<br />

quando sua amante co-obsessiva, Karen, fechava a porta do<br />

banheiro.<br />

Quando criança, Ray se sentia constantemente rejeitado<br />

por sua mãe alcoólatra. Quando adulto, quando Karen o rejeitou,<br />

suas experiências interiores foram exatamente as mesmas.<br />

Mas não havia paralelos diretos entre as experiências externas<br />

de seu relacionamento com Karen e as experiências<br />

externas de sua infância.<br />

Ray<br />

Minha mãe estava sempre ou gritando comigo ou me ignorando.<br />

Era como se desejasse que eu não estivesse ali,<br />

como se eu fosse um peso para ela. Meu pai estava sempre<br />

no trabalho. Eu não podia culpá-lo por não querer<br />

ficar em casa com ela, do jeito que ela era, mas com isso<br />

sobrávamos só eu e ela. Tentei fazer coisas para ela, fazêla<br />

ver o quanto eu a amava, mas eu nunca era capaz de<br />

fazer nada de bom o suficiente.<br />

Os sentimentos de rejeição de Phil provinham da indisponibilidade<br />

emocional de seu pai e de sua mãe, mas especialmente<br />

do abuso verbal e emocional de sua mãe. Ela não oabandonou<br />

fisicamente e nem o pôs para fora de casa, mas ela o<br />

transformou em um órfão psicológico.<br />

Adulto, Ray nunca encontrou Karen bêbada ao chegar em<br />

casa. Karen não abusava dele verbalmente ou emocionalmente.<br />

Na verdade, ela tentava ser uma parceira amorosa. Mas o seu mínimo<br />

desejo de privacidade no banheiro reativou os sentimentos<br />

de abandono e raiva frustrada da infância dele. Embora os<br />

eventos de sua infância não se refletissem no comportamento de<br />

Karen, sua reação emocional foi claramente uma reencenação.<br />

b Quem, além de um bebê, fica amedrontado quando a mãe ou<br />

o pai desaparece por trás da porta do banheiro? Quem, além de<br />

um bebê, fica com raiva quando o pai ou a mãe não abre a porta?<br />

201


ICe AMORES OBSESSIVOS<br />

e marcadas contra ela. Ela não apenas estava assumindo responsabilidades<br />

adultas em uma idade em que não estava preparada<br />

para administrá-las, também estava tentando fazer o<br />

impossível ao tentar "consertar" um adulto que não estava disposto<br />

a se ajudar. Natalie estava fadada a perder.<br />

Anos depois, quando ficou sem dinheiro para ajudar Rick<br />

e ele a acusou de não se importar com ele, ela abriu seu rico<br />

filão de culpa. As acusações de Rick soaram nela como rejeição,<br />

e ela tratou destes sentimentos da mesma maneira como<br />

na infância, tentando com mais afinco, desdobrando-se e passando<br />

por sacrifícios adicionais.<br />

"POR QUE ESCOLHO AMANTES<br />

COM TANTOS PROBLEMAS?"<br />

Conforme trabalhava com Natalie, percebi que Rick não foi<br />

o primeiro amante problemático que ela se sentiu compelida<br />

a salvar. Seu ex-marido era um alcoólatra. E um homem com<br />

quem se casou na universidade sofria de crises maníacodepressivas.<br />

Quando pensou a respeito de suas relações passadas,<br />

começou a reconhecer um padrão de se sentir atraída por<br />

homens que precisavam de muito trabalho de recuperação.<br />

Kirk também se sentia atraído por amantes com problemas.<br />

Kirk é o alcoólatra recuperado cuja amante viciada, Loretta,<br />

o abandonou repetidas vezes para só aparecer quando<br />

estivesse precisando de dinheiro ou de um lugar para ficar. Sua<br />

experiência com Loretta refletiu um padrão que percorria quase<br />

todos os seus relacionamentos e, como Natalie, ele descobriu<br />

que este padrão tinha raízes em sua infância.<br />

Kirk<br />

Desde garotinho que sabia que minha mãe era diferente de<br />

todo o mundo. Ela falava sozinha, atirava farpas - e qualquer<br />

coisa que estivesse à mão -, acusava as pessoas de roubarem<br />

coisas. E tinha um monte de :'inimigos". Ela entrava<br />

e saía de hospitais, mas tudo era inútil. Ela continuava<br />

despencando. Era realmente difícil de presenciar. Eu ainda<br />

me lembro de quando era pequeno e ela costumava cantar<br />

para mim ... e costumávamos rir muito. Mas quando eu es-<br />

CONEXÃO COMPULSIVA: A RAIZ DOS AMORES OBSESSIVOS 207<br />

tava com dez anos, ela estava realmente em outro mundo.<br />

Cara, e que tristeza. Tive que assistir à sua queda até o ponto<br />

em que ela não podia sequer cuidar de si mesma. Então meu<br />

pai contratava uma enfermeira durante a semana, e nos fins<br />

de semana era a minha vez. Ele ia para o escritório trabalhar<br />

ou algo assim, e eu ficava com minha mãe e tentava fazêla<br />

comer. Eu costumava misturar seu remédio na comida<br />

porque de outra forma ela pensava que era veneno. Às vezes<br />

ela atirava o prato longe e eu tinha que limpar tudo. A<br />

pior parte era mantê-la calma. Ficava paranóica, vendo inimigos<br />

entrando por todos os lados e me fazia checar todas<br />

as portas e janelas um milhão de vezes. Eu prometia a ela<br />

que ninguém iria entrar, mas dali a dez minutos seu pânico<br />

recomeçava. Eu fazia o que podia para acalmá-la, mas ela<br />

ficava cada vez mais transtornada. Era angustiante.<br />

Ao tomar conta de sua mãe gravemente perturbada, Kirk<br />

não aprendeu somente a ser um salvador, mas também desenvolveu<br />

uma enorme tolerância para com comportamentos inapropriados<br />

e caóticos. Sua primeira experiência amorosa veio<br />

junto com altas doses de ansiedade. Ele passou a associar o<br />

amor a confusões internas e externas.<br />

Anos mais tarde, quando o comportamento impulsivo e<br />

auto destrutivo de Loretta transformou a já instável vida de Kirk<br />

num completo caos, ela trouxe à tona muitos dos velhos e familiares<br />

sentimentos que ele inconscientemente associava ao<br />

amor. Isto, combinado ao fato de Loretta precisar ser salva de<br />

uma aparentemente infindável série de problemas, foi irresistível<br />

para Kirk. Através de Loretta ele podia tentar, de uma<br />

vez por todas, obter uma simbólica vitória sobre a nãointencional,<br />

mas dolorosa, rejeição de sua mãe.<br />

Kirk havia travado esta mesma batalha em outros relacionamentos<br />

anteriores a Loretta.<br />

Kirk<br />

Loretta não foi a primeira. Eu já havia me metido com<br />

três mulheres, ou três mulheres haviam se metido comigo,<br />

dependendo de como você queira ver as coisas. Era<br />

sempre a mesma história - todas fracassadas. Consegui<br />

ficar fora de colônias e prisões, e não me matei, e até segui


212 AMORES OBSESSIVOS<br />

mento acabado, se você ainda assedia um amante que não lhe<br />

quer mais, ou se você está tentando salvar uma relação que<br />

você já suspeita estar sendo arruinada pela sua obsessão. Embora<br />

o caminho da cura não seja fácil, eu lhe asseguro de que<br />

se você está disposto a segui-lo comigo, sua dor irá cessar e<br />

sua vida começará a se acalmar.<br />

Estamos prestes a embarcar em uma importante jornada<br />

juntos, uma jornada para romper velhos padrões e exorcizar<br />

velhos fantasmas. Durante o percurso, eu o guiarei através de<br />

uma série de exercícios e técnicas específicas que o ajudarão<br />

a se livrar de - ou, no mínimo, a controlar - sua obsessão.<br />

Na primeira parte dessa jornada iremos isolar e identificar<br />

seus pensamentos, sentimentos e comportamentos obsessivos,<br />

assim você pode ver como eles interagem. Depois podemos<br />

começar a trabalhar realmente para controlá-los. Após<br />

adquirirem substancial controle, iremos confrontar alguns problemas<br />

da infância para começarmos a extirpar a obsessão em<br />

sua fonte. E, finalmente, iremos explorar novas formas de viver<br />

e amar sem obsessão.<br />

É claro, se você quer vencer os demônios do amor obsessivo,<br />

é necessário tempo, energia, coragem, determinação e uma<br />

total adesão a tal propósito. Porém, esses exercícios e técnicas<br />

deram certo com meus clientes e eu sei que podem dar certo<br />

com você também.<br />

ANTES DE COMEÇARMOS<br />

Perguntam-me com freqüência se as seções de tratamento em<br />

meus livros podem ser usadas sem ajuda profissional. Certamente,<br />

você pode aprender por si só as estratégias comportamentais<br />

e de comunicação. Para muitos de vocês, isto pode ser<br />

suficiente para ajudá-los a superar suas tendências obsessivas.<br />

Mas se você também está enfrentando problemas como<br />

depressão recorrente, graves crises de ansiedade, impulsos suicidas,<br />

distúrbios alimentares ou do sono, distúrbios psicossomáticos<br />

ou acessos de cólera, então é essencial que você tenha<br />

o acompanhamento de um terapeuta e avaliação médica.<br />

Além disso, muitos obsessores tendem a ser compulsivos<br />

em outras áreas de suas vidas que não seus relacionamentos<br />

FIXANDO SEU RUMO 213<br />

amorosos. Se você está usando drogas ou álcool para amortecer<br />

seus sentimentos, você deve lidar com essas compulsões antes<br />

de tentar realizar o trabalho desta seção. O álcool e as drogas<br />

debilitam seu raciocínio e sua percepção, o que debilita seriamente<br />

sua capacidade de lidar efetivamente com seu comportamento<br />

e seus pensamentos obsessivos. Se você está enfrentando<br />

dificuldades desse tipo, eu aconselho a não perder<br />

tempo e procurar imediatamente o único apoio e ajuda disponível<br />

existente, tal como o Alcoólicos Anônimos.<br />

Você pode demonstrar alguma resistência a alguns dos itens<br />

que vou lhe pedir para fazer nos capítulos desta seção. Alguns<br />

deles podem lhe parecer tediosos ou consumir muito tempo.<br />

Outros podem lhe despertar emoções desconfortáveis. Mas eu<br />

só posso presumir que se você leu até aqui é porque chegou<br />

à conclusão de que está pronto para fazer algo a respeito dos<br />

seus padrões frustrantes de comportamento. Não há garantias<br />

de que o trabalho que você está para fazer irá salvar seu relacionamento,<br />

mas trata-se de um bom caminho na direção de<br />

salvar você.<br />

DESWCANDO O FOCO<br />

A maioria dos amantes obsessivos que recebo na terapia vem<br />

com a esperança de que eu vá ajudá-los a descobrir uma maneira<br />

de reconquistar seus parceiros. Eles querem que eu os<br />

"conserte" para assim se tornarem mais atraentes e mais desejáveis<br />

à sua pessoa mágica. Infelizmente, estão se dirigindo<br />

para o fim errado. O objetivo desse trabalho não deve ser recuperar<br />

o seu parceiro, mas reciij}erar você:- ------<br />

. ---,,----- ---'.'_._ .. _>----" .. -<br />

Se você quer escapar da tortura da obsessão, deve<br />

deslocar seu foco do seu amante para você mesmo.<br />

Até agora, você esteve colocando o seu bem-estar emocional<br />

nas mãos de seu parceiro. Se ele o aceitava, você estava<br />

no céu, se o recusava, você estava no inferno. Esta espécie de<br />

responsabilidade deslocada é injusta para com o seu amante<br />

e injusta para com você. Ao dirigir o foco para si mesmo, você<br />

está começando a trazer a responsabilidade por sua saúde


III<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

o QUE EU FIZ? telefonei para ele<br />

QUAL FOI O RESULTADO? eu sabia que ele ia ficar danado,<br />

então, assim que ele atendeu, eu desliguei e me senti<br />

uma imbecil<br />

Segunda, 8:30h - 11:00h da manhã<br />

O QUE CAUSOU OS PENSAMENTOS? comecei a pensar nele<br />

e não podia parar<br />

O QUE PENSEI? ele soube que era eu no telefone e me<br />

odiou por incomodá-lo<br />

COMO ME SENTI? humilhada, triste, desesperançada<br />

O QUE EU QUERIA FAZER? me enroscar na cama e chorar<br />

O QUE EU FIZ? comi sorvete no café da manhã<br />

QUAL FOI O RESULTADO? pensei nele a manhã inteira -<br />

mesmo depois de ter chegado no trabalho<br />

Você pode perceber uma diferença significativa entre as<br />

duas primeiras anotações e a terceira. As duas primeiras se referem<br />

especificamente a incidentes: o telefonema que acendeu<br />

suas expectativas e o telefonema que ela deu como conseqüência.<br />

A terceira anotação foi muito mais geral, referindo-se a<br />

um período de tempo durante o qual esteve inundada por tantos<br />

pensamentos diferentes em relação ao seu ex-amante que<br />

lhe era impossível ser específica.<br />

Nora me disse que se sentiu mal ao responder à pergunta<br />

"O que causou os pensamentos?" com "comecei a pensar nele<br />

e não pude parar" porque achou que tinha respondido realmente<br />

a pergunta. Eu lhe disse o que digo a todos os meus clientes,<br />

não há uma maneira certa ou uma maneira errada de se<br />

responder às perguntas. O diário não deve deixá-lo nervoso,<br />

ninguém irá atribuir uma nota a ele.<br />

o ESTIW NÃO CONTA<br />

O estilo de Nora era !Seco. Ray, o câmera, tendia a se alongar<br />

mais nas anotações. Apesar de seu ocupado horário de trabalho,<br />

Ray esperava ansiosamente para escrever no seu diário,<br />

pois sabia que estava fazendo algo contra as tendências obsessivas<br />

que estavam sabotando seu relacionamento com Karen.<br />

FIXANDO SEU RUMO<br />

Quando Ray e Karen vieram para uma consulta, estavam<br />

separados há duas semanas. Embora quisessem fazer terapia<br />

de casais, eu preferi trabalhar separadamente com Ray por alguns<br />

meses, pois era ele que estava com comportamentos obsessivos<br />

descontrolados. Ao mesmo tempo, recomendei a Karen<br />

um grupo de apoio para mulheres cujo foco estava em<br />

aprender a impor limites, comunicar-se explicitamente e ser incisiva.<br />

Eu lhes assegurei de que a terapia de casais seria muito<br />

mais construtiva após terem passado algum tempo separados<br />

lidando com alguns de seus problemas individuais. Ambos concordaram<br />

e começaram a trabalhar.<br />

Ray estava muito motivado e logo começou com seus registros.<br />

Aqui está um exemplo de uma de suas anotações:<br />

Domingo, hora do café<br />

O QUE CAUSOU OS PENSAMENTOS? O cheiro de café sempre<br />

me lembra Karen porque ela prepara um do outro<br />

mundo.<br />

O QUE EU PENSEI? Estou pensando em como eu seria muito<br />

mais feliz se Karen estivesse comigo. O café estaria<br />

mais gostoso, eu teria alguém com quem conversar, talvez<br />

pudéssemos encerrar fazendo amor. Costumávamos<br />

ler o jornal de domingo juntos. Sinto muito a falta dela.<br />

Gostaria de saber o que está fazendo agora. Tenho<br />

medo de que esteja com um outro cara. Ela é tão bonita.<br />

qualquer cara pegaria a oportunidade. Se estiver com<br />

outro, queria quebrar o pescoço dele. Queria que ela estivesse<br />

aqui.<br />

COMO ME SENTI? Me sinto sozinho e frustrado pois não<br />

há nada que possa fazer agora. Fico louco comigo mesmo<br />

por não ser capaz de controlar meu ciúme e meu<br />

temperamento. Fico louco com ela por ter me dispensado.<br />

Me sinto deprimido.<br />

O QUE EU QUERIA FAZER? Quero ir até a casa dela e vêla<br />

e ter certeza de que está sozinha e fazer amor com<br />

ela apaixonadamente.<br />

O QUE EU FIZ? Fui até a casa dela e vi que seu carro não<br />

estava lá.<br />

QUAL FOI O RESULTADO? Estava muito deprimido para<br />

ir à ginástica, então, em vez disso, fiquei em casa ven-<br />

223


*<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

do o futebol na televisão e sentindo pena de mim<br />

mesmo.<br />

Algo tão mínimo como o cheiro de café foi suficiente para<br />

disparar lembranças e desejos tão intensos que Ray foi levado<br />

a ir à casa de Karen, e finalmente ficar deprimido pelo<br />

resto do dia.<br />

Repare que as primeiras quatro perguntas foram respondidas<br />

no presente e as duas últimas no passado. Ray escreveu<br />

sobre como estava se sentindo enquanto tomava seu café da<br />

manhã. Mas quando foi impelido a ir à casa de Karen, deixou<br />

seu diário para trás. Aí completou sua anotação mais tarde.<br />

Este método de partir as anotações em partes diferentes é bom,<br />

desde que você registre a informação completa.<br />

Ray ainda passava algum tempo com Karen. Isto significa<br />

que, diferente de Nora, Ray tinha anotações baseadas em<br />

suas interações com sua parceira. Aqui está um exemplo:<br />

Quinta-feira, noite<br />

O QUE CAUSOU OS PENSAMENTOS? Íamos sair para jantar.<br />

Estive pensando nisso desde quando me levantei.<br />

O QUE EU PENSEI? Estava preocupado com o humor dela.<br />

Passei quase vinte minutos escolhendo uma camisa,<br />

estou preocupado com a minha aparência.<br />

Quando saímos fiquei pensando que ela estava olhando<br />

para esse outro cara no restaurante. Tudo o que eu<br />

dizia era apenas bobagem, o que eu realmente queria<br />

perguntar a ela era se iria para casa comigo depois<br />

do jantar ou não, mas não perguntei porque quando<br />

a pressiono ela fica louca. Não tinha certeza de como<br />

agir porque agora que estamos ambos fazendo terapia<br />

eu não tenho mais certeza das regras. Ela parecia que<br />

não queria estar ali. Após o jantar ela me fez levá-la<br />

para casa e eu não pude parar de pensar que ela<br />

não queria dormir comigo nunca mais porque não<br />

me amava mais.<br />

COMO ME SENTI? Me sinto realmente nervoso e desconfortável,<br />

as coisas estão mudando e eu não sei se para<br />

melhor. Tenho medo porque a estou perdendo e me sinto<br />

um fraco por não poder fazer nada a respeito.<br />

FIXANDO SEU RUMO<br />

Quando ela não veio para a minha casa comigo, me senti<br />

rejeitado e traído.<br />

O QUE EU QUIS FAZER? Queria convencê-la a vir para casa<br />

comigo.<br />

O QUE EU FIZ? Tentei convencê-la a vir para casa comigo.<br />

QUAL FOI O RESULTADO? Ela ficou possessa e eu me senti<br />

um idiota.<br />

Você deve ter percebido que Ray pegou uma noite inteira<br />

e a colocou em uma anotação (novamente começando a anotação<br />

em um momento e a completando em outro). Nora, por<br />

sua vez, pegou um simples incidente e o dividiu em três anotações<br />

distintas. Utilize o estilo que lhe der mais conforto. Só<br />

há duas coisas que importam em seu diário:<br />

1. um esforço real para isolar e identificar seus pensamentos,<br />

sentimentos e comportamentos<br />

2. coragem para descrever acuradamente o seu comportamento<br />

independente de quão embaraçoso ele possa ser<br />

Por favor, não tente neste momento analisar ou interpretar<br />

suas anotações. Haverá muito tempo para isso mais tarde.<br />

É importante que você tenha liberdade para fazer anotações<br />

sem se sentir culpado pelo que signifiquem ou pelo que possam<br />

djzer a seu respeito. Quanto menos você tentar analisálas,<br />

menos probabilidade terá de censurá-las.<br />

Este diário é só para você (ou para ser compartilhado com<br />

seu terapeuta), logo não há razão para não ser totalmente honesto.<br />

Uma vez tendo superado qualquer resistência que você<br />

possa ter, você descobrirá que este registro é uma cópia daquela<br />

parte da sua vida que precisa mudar, e quanto mais acurada<br />

a cópia, mais fácil será projetar as correções.<br />

225


DEZ<br />

DEMOLINDO<br />

O SISTEMA OBSESSIVO<br />

Só há uma maneira de escapar à dor do amor obsessivo: fechar<br />

o "sistema obsessivo". Este sistema tem três componentes<br />

- pensamentos obsessivos, sentimentos obsessivos e comportamentos<br />

obsessivos. Estes três componentes se alimentam<br />

e nutrem um ao outro e, como as engrenagens de uma máquina,<br />

se você diminui a velocidade de uma, as outras inevitavelmente<br />

a seguirão.<br />

As partes interconectadas e interdependentes do sistema<br />

obsessivo afetam umas às outras de uma forma repetitiva e<br />

previsível.<br />

PENSAMENTOS CRIAM SENTIMENIDS<br />

que<br />

LEVAM A COMPORTAMENTOS<br />

que<br />

DISPARAM MAIS PENSAMENTOS<br />

que<br />

DÃO NOVAMENTE INÍCIO AO CICLO<br />

Vamos iniciar o processo de interrupção do seu sistema<br />

obsessivo focalizando primeiramente a mudança de seus pensamentos<br />

e comportamentos. Você pode estar se perguntando<br />

por que não vou trabalhar diretamente com sentimentos nesse<br />

momento. Não quero de modo algum diminuir a importância<br />

dos sentimentos, mas 'tive muitos clientes que estavam convencidos<br />

de que, antes que pudessem fazer esse trabalho, precisariam<br />

se sentir mais fortalecidos e menos ansiosos. Em outras<br />

palavras, eles usavam seus sentimentos como uma desculpa para<br />

não fazer o que precisavam fazer.<br />

DEMOLINDO o SISTEMA OBSESSIVO 227<br />

O fato é que esse trabalho irá fazer com que você se sinta<br />

mais forte, irá fazer com que você se sinta mais calmo. Quando<br />

você muda seus pensamentos e seus comportamentos, seus<br />

sentimentos, como parte do sistema, terão que mudar com eles.<br />

Logo, não há motivo para esperar. Teremos muito tempo para<br />

lidar em profundidade com seus sentimentos nos Capítulos Onze<br />

e Doze.<br />

Todas as horas que você passou escrevendo o seu diário<br />

nas últimas duas semanas irão agora ser recompensadas, as<br />

suas anotações o ajudarão a compreender como o seu sistema<br />

obsessivo pessoal funciona. Sente-se com o seu diário e leia-o.<br />

Preste atenção em como as respostas à pergunta' 'O que<br />

pensei?" levaram aos sentimentos descritos em suas respostas<br />

a "Como me senti?"<br />

Depois veja como esses sentimentos o levaram a repetir<br />

os comportamentos que você descreveu em resposta a "O que<br />

eu fiz?"<br />

Finalmente, considere como esses comportamentos criaram<br />

problemas em sua vida, revendo suas respostas a " Qual<br />

foi o resultado?" O comportamento obsessivo não existe em<br />

um vácuo; ele tem conseqüências, e essas conseqüências geralmente<br />

são dolorosas ao obsessor e a seu objeto.<br />

Assim que o seu diário lhe der acesso ao funcionamento<br />

interior do seu sistema obsessivo, você pode dar início ao processo<br />

de demolição.<br />

/O<br />

TIRANDO FÉRIAS EMOCIONAIS<br />

Os padrões de comportamento obsessivo o desorientam como<br />

uma implacável tempestade de areia psicológica. Se você<br />

quiser reconquistar seu equilíbrio emocional, terá que sair da<br />

tempestade. Então, vou pedir a você que faça algo corajoso:<br />

tire férias de seus pensamentos e comportamentos obsessivos.<br />

Isto é o que chamo de "férias emocionais", um tempo afastado<br />

de seu parceiro e/ou de suas táticas persecutórias. Durante<br />

esse tempo, sua atenção estará dirigida para você mes-


238 AMORES OBSESSIVOS<br />

semanas, tire vantagem desse condicionamento e se cerque de<br />

miniaturas de sinais de pare que servirão como alarmes visuais<br />

sempre que você sentir necessidade de extravasar de maneira<br />

impulsiva.<br />

Meus clientes acharam estes sinais muito eficazes para interromper<br />

seus impulsos obsessivos. Você pode desenhá-los com<br />

pilot ou lápis de cera vermelho em folhas de papéis e colocá-los<br />

em qualquer lugar onde você possa extravasar seu comportamento.<br />

Isto normalmente significa colocá-los em seus telefones,<br />

no volante do carro e na porta de saída. Você também pode<br />

colocar um no espelho do banheiro, em sua bolsa, na geladeira,<br />

no travesseiro e em sua mesa de trabalho. Pelas próximas<br />

duas semanas, sempre que olhar para um sinal de pare, lembrese<br />

de que assumiu o compromisso de parar com o seu comportamento<br />

obsessivo e pense sobre o que está fazendo neste<br />

exato momento.<br />

Isto pode parecer simplista, mas inúmeras pesquisas sobre<br />

o inconsciente demonstraram que os símbolos visuais causam<br />

um impacto muito maior sobre nós do que as palavras.<br />

Estes sinais de pare irão ajudá-lo a transformar seus impulsos<br />

em opções, lembrando a você que você tem o poder de interromper<br />

seus padrões obsessivos.<br />

ENCONTRANDO UMA ÂNCORA EMOCIONAL<br />

Os programas de auxílio como os do Alcoólicos Anônimos contam<br />

com pessoas chamadas de "responsáveis" que ficam à disposição<br />

dos membros quando estes sentem necessidade de apoio<br />

e encorajamento. Quando os membros do AA sentem que estão<br />

perdendo a batalha, seu responsável é a cavalaria que vem<br />

em seu socorro. A mesma técnica pode ser extremamente eficaz<br />

na luta contra o amor obsessivo.<br />

Se você tem um amigo íntimo ou parente com quem se<br />

sinta seguro o bastante para confiar os detalhes da sua situação,<br />

procure-o durante este período de duas semanas. Peça a<br />

esta pessoa que seja sua âncora, um cabo de sustentação emocional<br />

que o ajude a não afogar-se nos problemas.<br />

(OBS.: Se você é membro do AA, seu responsável já está<br />

provavelmente agindo como sua âncora. Você pode perguntar<br />

DEMOLINDO O SISTEMA OBSESSIVO<br />

ao seu responsável se prefere que você peça a alguma outra<br />

pessoa para ser sua âncora para que você possa lidar especificamente<br />

com o seu relacionamento obsessivo. Mas em geral<br />

os papéis de âncora e responsável superpõem-se a ponto de<br />

ser impossível dividi-los.)<br />

O trabalho principal do seu âncora é estar disponível para<br />

conversar com você, seja pessoalmente ou por telefone, nos<br />

momentos em que você se sentir perigosamente próximo de<br />

um ato obsessivo. Eu sei o quanto é difícil parar de projetar<br />

todas as insuportáveis pressões que foram construídas dentro<br />

de você. Quando a sua força de vontade começar a fraquejar,<br />

chame sua âncora.<br />

Quando você diz as coisas<br />

tem menos probabilidade de fazê-las.<br />

Você pode relutar em pedir a um amigo que assuma este<br />

compromisso com você. Parece muito para se pedir a uma pessoa,<br />

dependendo de quanto ancoradouro você vai precisar. Mas<br />

um número surpreendente de amigos e parentes irá se oferecer<br />

de bom grado voluntariamente. Afinal, muitos deles viram como<br />

a obsessão lhes causa sofrimento e devem receber com agrado<br />

a oportunidade de ajudá-lo a se livrar dela.<br />

Às vezes é especialmente difícil para os homens arrolarem<br />

uma âncora já que muitos deles foram condicionados socialmente<br />

a não revelarem suas emoções. Os homens em geral<br />

acreditam que pedir ajuda é sinal de fraqueza. Muitos dos meus<br />

clientes homens acabam passando suas férias emocionais sem<br />

uma âncora. Uma âncora não é certamente imprescindível, mas<br />

o apoio de um parente ou amigo carinhoso pode tomar o trabalho<br />

de resistência ao comportamento obsessivo infinitamente<br />

mais fácil.<br />

A sua âncora não está lá apenas para ouvir, mas também<br />

para fazer o melhor que puder para convencê-lo a não fazer<br />

nada de obsessivo. Isso significa que você deve dizer à sua âncora<br />

quais têm sido os seus padrões obsessivos de comportamento<br />

no passado e como você está tentando interrompê-los<br />

durante suas férias emocionais. Explique as suas preocupações<br />

em relação às tentações que você sofre de repetir alguns de seus<br />

comportamentos passados durante as próximas duas semanas<br />

239<br />

"


w AMORES OBSESSIVOS<br />

DESVIANDO SEUS PENSAMENTOS<br />

Da mesma forma que você aprendeu a desviar o seu comportamento<br />

para alguma atividade física ao perceber que ia se comportar<br />

obsessivamente, você pode desviar seus pensamentos obsessivos<br />

envolvendo-se em atividades que exijam concentração.<br />

Aprenda uma língua estrangeira, pinte o apartamento, organize<br />

seu caderno de telefones ou faça palavras cruzadas.<br />

Quando começar a ter um pensamento obsessivo, obrigue-se<br />

a fazer algo que exija que você desvie o foco. Assegure-se<br />

de que a atividade estará facilmente disponível quando<br />

precisar dela. Se está pintando um quadro, mantenha o cavalete<br />

armado. Se está fazendo vídeos domésticos, mantenha o<br />

sistema preparado. Se está jogando xadrez, convide um amigo<br />

para jogar ou arranje um computador que jogue xadrez.<br />

Qualquer que seja a atividade escolhida, se ela o força a<br />

se concentrar, irá ajudá-lo a tirar os pensamentos obsessivos<br />

de sua mente. O conceito é simples, mas eficiente.<br />

(,<br />

PULVERIZANDO SEUS<br />

PENSAMENTOS OBSESSIVOS<br />

Em psicologia, como no jornalismo, uma imagem pode valer<br />

mais do que mil palavras. A última técnica que irei mostrar<br />

para controlar seus pensamentos obsessivos é um exercício de<br />

visualização no qual você vai se fotografar realmente destruindo<br />

tais pensamentos.<br />

A visualização é uma forma útil de se obter alguma distância<br />

psicológica de sua obsessão. Será útil você observar<br />

seus pensamentos obsessivos como entidades separadas e distintas<br />

de você mesmo. Embora você deva reconhecer a responsabilidade<br />

pessoal por sua obsessão e por mantê-la viva,<br />

ela não está cravada no centro do seu ser. Os seus pensamentos<br />

obsessivos não são pedaços de você - são seus fardos,<br />

seus inimigos.<br />

Embora este exercício só dure alguns minutos, você deve<br />

encontrar um lugar tranqüilo e confortável para sentar, a fim<br />

DEMOLINDO O SISTEMA OBSESSIVO 241)<br />

de auxiliar a concentração. Respire fundo algumas vezes antes<br />

de começar, então feche os olhos... I ,<br />

Visualize seus pensamentos obsessivos como uma gigantesca<br />

pedra esmagando seus ombros arqueados. Agora<br />

imagine-se corrigindo a postura e jogando fora a pedra.<br />

Veja a sua pedra cair no chão com um sonoro estrondo.<br />

Perceba a sensação de alívio ao estirar seus músculos e<br />

aprecie a leveza que sente sem o seu fardo.<br />

Olhe para a sua pedra e sinta a raiva surgir conforme<br />

você vai percebendo o quanto ela pesava e lhe causava<br />

dor. Imagine-se um enorme martelo, quebrando-a em<br />

pedaços. A cada pedaço você libera um pouco mais de<br />

raiva.<br />

Quando reduzir a pedra a fragmentos, imagine-se recolhendo<br />

estes fragmentos em um balde.<br />

Leve seu balde de fragmentos para uma ilha tropical.<br />

Ao caminhar pela beira d'água, pegue os restos do<br />

que foram seus pensamentos obsessivos e os atire no mar.<br />

Veja os fragmentos afundarem no oceano e se decomporem<br />

lentamente até desaparecerem na areia.<br />

Enquanto as ondas batem em suas pernas, sinta<br />

o sol, a maresia, ouça as gaivotas e aproveite a sensação<br />

de triunfo, alívio e liberdade. Você venceu seu tirano<br />

pessoal.<br />

Sempre que sentir a pedra da obsessão pesando em seus<br />

ombros, você pode voltar a esta visualização para encontrar<br />

algum alívio. Quanto mais você usar sua visualização, mais<br />

eficaz ela se tornará no afastamento de pensamentos obsessivos<br />

de sua mente.<br />

Tenho usado esta visualização específica em vários clientes<br />

há muitos anos. Mas isso não quer dizer que você deva segui-la<br />

ao pé da letra. Você pode preferir atirar seus pensamentos<br />

obsessivos do alto de uma montanha, jogá-los no fogo, ou<br />

enterrá-los em um caixão. Sinta-se livre para usar as imagens<br />

que achar mais eficazes.<br />

Através do exercício de visualização, você pode aproveitar<br />

o poder das imagens para afetar profundamente os seus<br />

pensamentos, tanto conscientes quanto inconscientes.


m AMORES OBSESSIVOS<br />

Era verdade que comparado com muitos amantes obsessivos<br />

com que tenho trabalhado, Anne tinha muito pouco do<br />

que se queixar em relação à infância. Ela não foi abandonada;<br />

não sofreu abusos físicos, sexuais ou verbais e nem seu pai<br />

nem sua mãe eram alcoólatras ou viciados em drogas. Anne<br />

amava seus pais e estava ressentida com a mera sugestão de<br />

que pudessem ter sido falhos ou cruéis.<br />

<strong>Susan</strong><br />

Veja, agora você pode entender que os problemas de seu<br />

irmão afastaram seus pais de você, mas quando pequena,<br />

você era jovem demais para entender. Você me disse<br />

várias vezes como costumava se sentir invisível e<br />

negligenciada.<br />

Anne<br />

Mas eu não fui rejeitada. Rejeição é quando as pessoas<br />

não querem você. Somente maus pais rejeitam seus filhos.<br />

Os meus só estavam ocupados.<br />

Assegurei a Anne de que não estava tentando acusar<br />

seus pais de terem sido pessoas más, ou mesmo inadequadas.<br />

Mas permanecia o fato de Anne ter descrito a experiência<br />

de se sentir negligenciada quando criança. A diferença<br />

entre se sentir "negligenciada" e se sentir "rejeitada" é unicamente<br />

de terminologia. Os sentimentos subjacentes são<br />

idênticos.<br />

Com a continuidade do nosso trabalho juntas, Anne veio<br />

a compreender que o que aconteceu com ela foi realmente uma<br />

espécie de rejeição infantil. Armada desta consciência, ela estava<br />

finalmente capacitada a ver a ligação entre seu passado<br />

e sua obsessão, e após reconhecer a ligação, foi capaz de dar<br />

os passos necessários para reduzir o poder que a obsessão exercia<br />

sobre ela.<br />

A história de Anne ilustra como a experiência da rejeição<br />

infantil pode ser muito sutil. Isto é verdadeiro inclusive para<br />

alguns salvadores, especialmente se seus pais eram física ou<br />

mentalmente doentes em vez de serem alcoólatras ou viciados<br />

em drogas. Mas não importa se suas feridas são óbvias ou obscuras<br />

- se você quer curá-las, precisa encará-las.<br />

II<br />

Ir<br />

EXORCIZANDO VELHOS FANTASMAS<br />

UMA CARTA À MÃE<br />

OU AO PAI REJEITADOR<br />

Através de seu trabalho na terapia, Margaret compreendeu que<br />

sua dor não fora causada apenas pelo fracasso de seu relacionamento<br />

com Phil, mas também pela forma como esse relacionamento<br />

reabriu feridas de sua infância. O pai de Margaret<br />

não só a havia deixado, mas agravou a ferida ao não manter<br />

contato com ela após ter partido.<br />

Perguntei a Margaret o que ela havia feito em relação à dor<br />

que havia ficado da rejeição de seu pai. Ela respondeu que nunca<br />

havia feito realmente nada a respeito. Para Margaret - como<br />

para a maioria das pessoas - o trauma infantil era algo que<br />

se devia atravessar e depois tentar esquecer. Porém, tal abordagem<br />

deixou o trauma enterrado dentro dela, onde continuou a<br />

causar-lhe dor. Eu disse a ela que se quisesse retirar a dor de seu<br />

sistema de uma vez por todas, tinha que parar de reprimi-la.<br />

Para ajudar Margaret a fazê-lo, pedi a ela que escrevesse<br />

uma carta ao seu pai rejeitador, contando a ele como se sentiu<br />

quando ele deixou a família. Ela teria que, de algum modo,<br />

enfrentar sua dor ao expor seus sentimentos no papel. Aqui<br />

está o que escreveu:<br />

Querido papai,<br />

Quando você foi embora, partiu meu coração. Me senti<br />

tão mal! Posso entender por que você deixou mamãe, muitas<br />

pessoas se divorciam. Mas por que me deixou também?<br />

Por que não veio me ver uma vez ou outra? Por que não<br />

telefonou? Por que não escreveu? Sempre pensei que fosse<br />

porque você não me amava mais. Ou talvez eu tivesse feito<br />

algo de errado e você estivesse com raiva de mim. Quando<br />

via outras crianças com seus pais, isso só me causava<br />

mais dor. Imagino que você nunca se importou com o quanto<br />

eu o amava. Nunca vou entender como você pôde simplesmente<br />

virar suas costas para mim daquele jeito. Eu não<br />

merecia ser tratada assim. Tudo o que fiz foi amar você.<br />

Margaret<br />

271


1'71 AMORES OBSESSIVOS<br />

Quando Margaret trouxe sua carta para o grupo, ela nos<br />

disse que passou quatro dias só para sentar e começar a escrever.<br />

Esta resistência era uma demonstração clara de como ela<br />

temia encarar sua dor mal resolvida.<br />

Ao ler a carta para nós, foi obrigada a interromper diversas<br />

vezes, pois estava com a voz embargada. Mas conforme revelava<br />

a dor que havia anteriormente resguardado em seu inconsciente,<br />

percebeu que, embora desconfortável, não era tão devastadora<br />

quanto ela temia que fosse. Isto foi uma descoberta excitante<br />

para ela - sua dor machucava, mas ela podia suportar.<br />

Peço a você que escreva uma carta. Ela pode ajudá-lo a<br />

esclarecer, identificar e focalizar seus sentimentos de rejeição<br />

infantil de maneira a começar o processo de exorcismo destes<br />

fantasmas particularmente insistentes. Comece sua carta com<br />

as palavras que melhor descrevem a especificidade de sua situação.<br />

Por exemplo:<br />

"Quando você me deixou, eu me sentL .. "<br />

"Quando você me negligenciou, eu me senti .. . "<br />

"Quando você me humilhava o tempo todo, eu me sentia<br />

.. ."<br />

"Quando você me bateu, eu me senti ... "<br />

"Quando eu tive que cuidar de você e ser seu pai, eu me<br />

senti...' ,<br />

"Quando você se embebedava, eu me sentia .. ."<br />

Tente recordar e expressar o maior número possível de sentimentos<br />

da infância que puder. Não os julgue e não esconda<br />

nada. Você tem direito a toda a gama de seus sentimentos,<br />

quaisquer que sejam.<br />

A RAIVA DE ROBERT<br />

Enquanto a carta de Margaret expressava grande parte de sua<br />

dor, outras cartas - por exemplo, a de Robert - focalizavam<br />

vários sentimentos diferentes ao mesmo tempo.<br />

Robert era o vendedor que, após destruir o carro da namorada<br />

com um martelo, veio me ver porque tinha medo de<br />

Ir<br />

EXORCIZANDO VELHOS FANTASMAS 273<br />

terminar machucando alguém caso não controlasse seu temperamento.<br />

Robert diferia da maioria das pessoas que extravasam<br />

sua raiva ou fantasias de vingança através da violência<br />

e não têm coragem ou perspicácia para procurar ajuda. Robert<br />

parecia verdadeiramente motivado a controlar a sua raiva.<br />

Pedi a Robert que escrevesse uma carta a seu pai para poder<br />

expressar construtivamente os sentimentos que teve em criança,<br />

quando seu pai trocou sua mãe por outra mulher - os mesmos<br />

sentimentos que estava reencenando destrutivamente em<br />

seu relacionamento obsessivo com Sarah. Eis aqui um excerto<br />

de uma carta de cinco páginas que ele trouxe na semana seguinte:<br />

Pai,<br />

Na noite em que você me deixou parado naquela estrada<br />

e saiu com aquela mulher, me senti como um inseto<br />

que havia sido pisado. Gostaria de ter podido pisá-lo de<br />

volta ...<br />

Que diabo de pai se preocupa mais com uma vagabunda<br />

do que com seu próprio filho? Um verdadeiro babaca,<br />

esse ...<br />

Jamais o perdoarei por ter feito isso comigo. E jamais<br />

o perdoarei por ter feito isso com mamãe. Você nos<br />

tratou como lixo e eu o odeio por isso.<br />

Seu filho,<br />

Robert<br />

Em contraposição à carta de Margaret, Robert focalizou<br />

sua raiva em vez de sua tristeza. Mas, na verdade, Robert e<br />

Margaret se pareciam mais do que diferiam. Raiva e tristeza<br />

caminham de mãos dadas quando estão enraizadas na rejeição<br />

infantil.<br />

A raiva de Robert e a tristeza de Margaret refletiam a mesma<br />

dor; só a expressavam de maneira diferente. Seus padrões<br />

particulares de expressar a dor eram típicos da forma como<br />

a nossa cultura tenta nos canalizar. Em nossa sociedade - na<br />

verdade, na maioria das sociedades - as mulheres se sentem<br />

mais confortáveis expressando tristeza do que raiva, enquanto<br />

os homens tendem exatamente ao oposto. Robert estava inconscientemente<br />

usando sua raiva para encobrir uma emoção


II AMORES OBSESSIVOS<br />

1'011 para substituir a mãe abusiva que tivera e, através de seu<br />

maravilhosamente imaginativo exercício, arranjara uma dentro<br />

dela mesma. Este poderoso processo curativo é chamado<br />

de ICrepaternidade". Através de seu exercício de boa mãe, Nora<br />

estava começando a expelir as mensagens negativas que sua<br />

mãe havia plantado em seu inconsciente e a substituí-las pelas<br />

mensagens amorosas que sempre quisera e merecera.<br />

I' Nora fornece um exemplo excelente de como usar as habilidades<br />

que você está aprendendo nesses exercícios de visualização<br />

e teatralização para criar seus próprios novos exercícios.<br />

Ela adorou quando eu lhe disse que ia usar este exercício<br />

com outros pacientes. Desde então fiz do exercício da "boa<br />

mãe" (adaptado para incluir "bons pais") uma parte do meu<br />

repertório terapêutico e o tenho usado eficazmente há anos.<br />

Você não pode esperar que um exercício vá desfazer anos<br />

de dor, especialmente se você o faz apenas uma vez. Alguns desses<br />

exercícios precisam ser repetidos regularmente como exercícios<br />

físicos. Outros só precisam ser feitos uma vez ou duas. Por<br />

exemplo, você certamente não precisa escrever uma carta diferente<br />

para o seu pai rejeitador toda semana, mas você pode reler<br />

sua carta sempre que quiser. E você provavelmente não precisa<br />

se desculpar com sua criança interior mais do que uma ou duas<br />

vezes, mas você pode tranqüilizar e reconfortar essa criança sempre<br />

que se sentir agitado e assustado. Não há limites para a repetição<br />

do exercício da boa mãe - é uma vitamina emocional.<br />

RENUNCIANDO À ruTA INFANTIL<br />

Ao fazer esses exercícios, você sentirá uma nova sensação de<br />

força e de determinação. Você se sentirá arrancando lentamente<br />

do seu inconsciente o poder de controlar sua própria vida. Mas<br />

antes de poder realmente se libertar das correntes da obsessão,<br />

vo.cê tem que renunciar, de uma vez por todas, à luta infantil<br />

de mudar sua mãe ou pai rejeitador.<br />

Após escrever a carta a seu pai e fazer o exercício do bom<br />

pai, Margaret estava se sentindo melhor do que nunca. Mas<br />

antes de poder realmente renunciar à sua luta, tinha de revelar<br />

EXORCIZANDO VELHOS FANTASMAS J"<br />

a raiva que ainda se encontrava sob a sua tristeza mais acessível,<br />

exatamente como Robert tivera que chegar à tristeza que<br />

estava por baixo de sua raiva.<br />

Para ajudar Margaret a fazer isto, pedi a ela para imaginar<br />

que estava em uma peça, estrelada por seu próprio pai. A peça<br />

era uma improvisação onde seu pai leria a carta que ela havia escrito<br />

e depois responderia como se estivesse aqui e agora.<br />

Quando Margaret começou, retratou um homem que parecia<br />

verdadeiramente triste pela dor que havia causado. Considerando<br />

como o seu pai a tinha tratado, esta era uma imagem<br />

irrealisticamente simpática. Então interrompi Margaret<br />

e pedi a ela que representasse seu pai, não como ela queria que<br />

ele fosse, mas ao contrário, como os seus piores sentimentos<br />

o descreveriam. Isto era muito mais difícil para ela.<br />

Margaret (como seu pai)<br />

Não sei o que quer que eu diga sobre a sua carta. No que<br />

me diz respeito, é tudo história antiga. Eu não podia mais<br />

suportar sua mãe, então saí, e você era parte do fardo.<br />

Não telefonei porque não quis. Não tinha nada para dizer<br />

a você e não tinha nenhum interesse em ouvir o que<br />

você tinha a dizer. Não me importava com vocês. E, agora,<br />

vocês fazem parte de um passado que eu já esqueci.<br />

<strong>Susan</strong><br />

Certo. Aí está. Seus piores medos verbalizados. O que está<br />

sentindo agora?<br />

Margaret<br />

Eu não sei, porque essas foram as minhas palavras, não<br />

as dele. Esses foram os meus medos. Não acredito que ele<br />

realmente dissesse essas coisas para mim.<br />

<strong>Susan</strong><br />

Mas Margaret... ele disse essas coisas para você. Com o<br />

seu comportamento.<br />

Por um momento, Margaret pareceu que ia chorar. Mas<br />

conforme a verdade foi sendo absorvida, ela começou a se mostrar<br />

zangada.


AMORES OBSESSIVOS<br />

t.tUtl de infância. Você não pode resolver esta luta até dessimt.oUzar<br />

o seu parceiro.<br />

Ray estava passando por um período particularmente difícil<br />

ao tentar separar Karen de sua mãe. Em um nível racional<br />

ele entendia como havia transformado Karen em sua mãe<br />

simbólica, mas emocionalmente ainda fazia isso. Para ajudálo<br />

a parar, pedi a ele que trouxesse duas fotografias, uma de<br />

sua mãe e outra de Karen.<br />

Na sessão seguinte, pedi que colocasse as fotos lado a lado<br />

sobre uma de duas cadeiras vazias. Depois disse-lhe que explicasse<br />

a Karen - através da foto - exatamente como esteve<br />

tentando fazê-la compensar o dano emocional que a mãe havia<br />

causado a ele.<br />

Ray<br />

Sinto muito eu ter misturado você e minha mãe. Vocês são<br />

duas pessoas distintas, mas certamente eu não a estive tratando<br />

dessa forma.<br />

Neste ponto eu o interrompi e pedi que separasse as fotos<br />

como uma maneira de simbolicamente separar as pessoas. Ele<br />

pegou a fotografia de sua mãe e a colocou na outra cadeira<br />

vazia. Enquanto conversava com Karen, ele se voltava para a<br />

outra cadeira sempre que se referia à mãe. Isto ajudou a reforçar<br />

o objetivo do exercício - ver que Karen não era sua mãe.<br />

Ray<br />

Minha mãe me deixava louco e eu estava sempre tentando<br />

fazê-la ver o quanto eu a amava, assim ela pararia.<br />

Quando conheci você, comecei a fazer a mesma coisa, só<br />

que desta vez eu deixei você louca e isso foi desprezível.<br />

Ela era uma alcoólatra, e você não é. Ela sempre gritava<br />

comigo, você não. Eu tinha que cuidar dela, você pode<br />

cuidar de si mesma. Era ela que devia cuidar de mim, não<br />

você. Ela sempre fez eu me sentir impotente e assustado.<br />

Me sinto assim com você, às vezes, mas sei que isso vem<br />

de mim e não de você, e tenho que me lembrar disso sempre<br />

que me sentir assim. Ela é ela e você é você, e eu realmente<br />

sinto muito por ter misturado as coisas.<br />

EXORCIZANDO VELHOS FANTASMAS<br />

Ao fazer tal exercício, Ray estava sentindo, bem como compreendendo,<br />

a diferença entre sua mãe e Karen. Ele me disse<br />

que ficou surpreso com até onde este exercício o tinha levado.<br />

Esta foi uma importante experiência emocional para Ray, algo<br />

de que podia se recordar sempre que começasse a reagir a<br />

Karen da mesma maneira que reagira à mãe na infância.<br />

Ray havia projetado em Karen todas as suas fantasias obsessivas<br />

acerca de transformar sua mãe. Mas ao dessimbolizar<br />

Karen, ele a estava libertando dessas expectativas impossíveis.<br />

Nenhum parceiro pode curar<br />

as feridas de rejeição infantil.<br />

Você, e somente você, tem a capacidade, a motivação e<br />

a responsabilidade de desempenhar tal tarefa.<br />

A dor emocional da rejeição infantil não irá sumir da noite<br />

para o dia. Levou muito tempo para se formar e levará muito<br />

tempo para ser desmontada. Mas se fizer desses exercícios uma<br />

parte constante de sua vida, você continuará a diminuir o poder<br />

que a rejeição infantil tem sobre você e sobre o seu comportamento<br />

nos relacionamentos amorosos. Você não é mais<br />

uma criança impotente. Você é um adulto com a responsabilidade<br />

e o poder de lidar com os fantasmas de seu passado.<br />

2113


TREZE<br />

MANTENDO O EQUILÍBRIO<br />

Até aqui você trabalhou muito. Descobriu formas de mudar<br />

muitos dos seus padrões de comportamento obsessivo, e trabalhou<br />

visando ao controle dos seus pensamentos e sentimentos<br />

obsessivos. Você finalmente desistiu do objeto de seu amor<br />

obsessivo ou retirou muito da obsessão do seu relacionamento.<br />

E você confrontou a rejeição infantil que primeiro formou<br />

a base para o seu amor obsessivo.<br />

Só falta fazer mais uma coisa: reforçar tais mudanças<br />

para se assegurar de que elas não desaparecerão em relacionamentos<br />

futuros ou em seu remodelado relacionamento<br />

presente.<br />

Quer você esteja em meio a um relacionamento ou à procura<br />

de um relacionamento, alguma forma de rejeição - mesmo<br />

que apenas temporária - é virtualmente inevitável. Isto<br />

não é tão trágico quanto parece; é simplesmente a mamúra como<br />

são as coisas na interação humana normal.<br />

Se você está vivendo um relacionamento, não importa<br />

quão bom ele seja, seu parceiro pode se afastar, ele ou ela pode<br />

usar palavras duras que o deixarão se sentindo indesejado,<br />

ou uma incompreensão pode parecer uma rejeição. Ambos podem<br />

até mesmo se distanciarem e decidirem se separar. Os sentimentos<br />

humanos recuam e avançam. Nenhum relacionamento<br />

traz um selo de garantia.<br />

Se você está procurando um relacionamento amoroso, você<br />

pode ser abandonado algumas vezes até encontrar um. Seu novo<br />

objeto amoroso pode não se sentir atraído por você, ele ou ela<br />

pode ter muito medo de intimidade, a sincronização pode dar<br />

errado, pode haver complicações familiares, seu futuro par pode<br />

odiar o seu cachorro ... as possibilidades são infinitas. Mesmo<br />

que você tenha seu comportamento obsessivo totalmente sob<br />

[<br />

,.<br />

MANTENDO o EQUILíBRIO 285<br />

controle, você pode ser rejeitado por razões que estão completamente<br />

fora do seu controle.<br />

Eu não quero dizer que sua vida amorosa está destinada<br />

a ser uma rejeição após outra. Você ndo está programado para<br />

sentir atração apenas por pessoas que irão magoar você.<br />

Você não está condenado a uma vida de decepções amorosas<br />

e dor. Você não foi escolhido por um poder maior para ser<br />

obsessivo por toda a eternidade.<br />

Contudo, um pouco de medicina preventiva não deve fazer<br />

mal. E possuir os instrumentos para lidar com a rejeição<br />

fará você se sentir mais seguro e mais confiante em qualquer<br />

relacionamento. Neste capítulo vou lhe mostrar como estar preparado,<br />

como é possível modificar sua percepção da rejeição<br />

e aprender novas maneiras de responder a ela.<br />

VELHOS DISPARADORES,<br />

NOVAS PERCEPÇÕES<br />

Como um amante obsessivo, você esteve sempre esquecido<br />

do prejuízo que o seu comportamento estava causando ao<br />

seu relacionamento. Você pode ter visto a si mesmo como<br />

vítima inocente de um parceiro sem coração. Agora, como<br />

um amante ex-obsessivo, você pode estar tão sensível aos seus<br />

antigos pontos fracos, e tão decidido a evitar a repetição dos<br />

erros passados, que vai assumir responsabilidade demais por<br />

quaisquer problemas que possam surgir em seus relacionamentos.<br />

Isto é especialmente fácil de acontecer quando um novo<br />

parceiro o rejeita sem comunicar claramente por quê. Além<br />

do que, é comum as pessoas terem dificuldade de serem explícitas<br />

em relação às suas razões para encerrarem um relacionamento.<br />

Ou seu parceiro pode simplesmente largar tudo ou<br />

parar de procurá-lo sem dar explicações. Algumas pessoas<br />

nem sabem por que estão insatisfeitas, elas só sabem que querem<br />

acabar. Quando amantes ex-obsessivos defrontam com<br />

este vácuo desconhecido, tipicamente presumem que se tives-


VELHOS DISPARADORES,<br />

NOVAS REAÇÕES<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

Todos conhecemos a horrível frustração de nos encontrarmos<br />

em situação dolorosa, humilhante e não sermos capazes de pensar<br />

em nada para dizer. No carro, a caminho de casa, lembramos<br />

invariavelmente de um milhão de coisas que gostaríamos<br />

de ter dito, mas no calor do pânico, as palavras que nos vêm<br />

à boca tendem a ser inadequadas ou lamentáveis.<br />

Por essa razão, é bom ter mais do que percepção e consciência<br />

à sua disposição caso você precise lidar com a rejeição.<br />

É bom você estar pronto para articular essa percepção e<br />

essa consciência. Se você está armado com as respostas verbais<br />

específicas, você pode minimizar seus sentimentos de impotência<br />

e manter sua dignidade. Deixe-me ilustrar.<br />

Mais ou menos quatro meses após romper com Phil, Margaret<br />

veio à sua sessão de grupo com um dilema.<br />

Margaret<br />

Venho saindo com esse cara há algumas semanas e estou<br />

realmente começando a gostar dele. Mas tenho tanto medo<br />

de que não dê certo que não quero mais sair com ele<br />

novamente. Não sei se posso suportar a humilhação de<br />

outra rejeição. A experiência com Phil simplesmente acabou<br />

comigo.<br />

Margaret já havia feito progressos consideráveis no controle<br />

de seu comportamento obsessivo. E havia feito avanços<br />

monumentais no reparo aos danos da infância causados pela<br />

rejeição de seu pai. Mas ela ainda estava sentindo as feridas<br />

emocionais de sua experiência com Phil. Ela temia que uma<br />

nova rejeição pudesse novamente disparar suas velhas e conhecidas<br />

dores e que ela reagisse da mesma maneira degradante.<br />

II'<br />

MANTENDO O EQUILíBRIO 289<br />

DESTRUIDORES DA DIGNIDADE<br />

No passado, Margaret reagiu à rejeição como faz a maioria<br />

dos amantes obsessivos, com o que eu chamo de "destruidores<br />

da dignidade' '.<br />

Os destruidores da dignidade mais comuns são:<br />

• implorar por outra chance<br />

• recusar o fato de que a relação está acabada<br />

• ameaçar prejudicar o outro ou a você mesmo<br />

• prever que você não será capaz de sobreviver a um<br />

rompimento<br />

• oferecer-se para fazer de tudo para não perder o seu<br />

parceiro<br />

No passado, os destruidores de dignidade de Margaret a<br />

fizeram se sentir tola, desesperada e, às vezes, alucinada. Para<br />

aliviar seu medo de repetir tais comportamentos no futuro, sugeri<br />

que praticasse algumas novas reações a seus velhos disparadores.<br />

PRESERVADORES DA DIGNIDADE<br />

Um dos meios pelos quais ajudo as pessoas a aprenderem novas<br />

reações à rejeição é estimular sua pior previsão em um ambiente<br />

não-ameaçador.<br />

Antes de levar Margaret a fazer este exercício, demonstrei-o<br />

para ela pedindo a cada membro do seu grupo que me dissesse<br />

algo rejeitador, como se estivéssemos terminando um relacionamento.<br />

O grupo de Margaret era formado por homens<br />

e mulheres que estavam tentando superar padrões obsessivos.<br />

Como a rejeição era um problema comum a todos, não lhes<br />

foi difícil formularem afirmativas rejeitadoras que serviriam<br />

como disparadores para a sua própria obsessão. Então mostrei<br />

a Margaret como ela deveria reagir a estes disparadores<br />

com novas respostas.<br />

Chamo este tipo de respostas de "preservadores da dignidade":


AMORES OBSESSIVOS<br />

VELHO DISPARADOR: "Nunca mais quero ver você de novo."<br />

NOVA RESPOSTA: "Dói ouvir você dizer isso, mas vou respeitar<br />

sua decisão."<br />

VELHO DISPARADOR: " Não posso mais agüentar. Você é<br />

carente demais para mim."<br />

NOVA RESPOSTA: "Eu sei que sou carente, mas estou trabalhando<br />

isto. Sinto muito que você não esteja disposto<br />

a me dar o tempo de que preciso para mudar."<br />

VELHO DISPARADOR: "Eu não te amo mais."<br />

NOVA RESPOSTA: "Aprecio sua honestidade. Sinto muito<br />

que as coisas não tenham funcionado."<br />

VELHO DISPARADOR: "Não me sinto atraído fisicamente<br />

por você. Vamos apenas ser amigos."<br />

NOVA RESPOSTA: "Nós obviamente queremos coisas diferentes<br />

deste relacionamento, então acho melhor não<br />

nos vermos mais."<br />

VELHO DISPARADOR: "Não quero ferir seus sentimentos,<br />

mas você não é meu tipo."<br />

NOVA RESPOSTA: "Gostaria que as coisas tivessem sido<br />

diferentes, mas aceito o fato de não terem sido."<br />

Após meu exercício, distribuí esta lista de respostas preservadoras<br />

da dignidade para todos no grupo. Depois fizemos<br />

o exercício novamente, com Margaret na berlinda. A cada frase<br />

rejeitadora dita por um membro, ela respondeu com uma<br />

das novas respostas da lista, ou com uma resposta sua adaptada<br />

da lista. Quando terminou, Margaret percebeu como suas<br />

respostas passadas à rejeição foram diferentes.<br />

O segredo de dar uma resposta preservadora da dignidade<br />

está em torná-la impossível de contra-argumentação ou defesa.<br />

Dessa forma, você não se verá na posição de implorar<br />

ou persuadir alguém a amá-lo.<br />

É claro, não importa quão bem você tenha compreendido<br />

O princípio dos preservadores de dignidade, você ainda pode<br />

nlo conseguir verbalizar nada se for mais uma vez confron-<br />

MANTENDO O EQUILÍBRIO 291<br />

tado pela rejeição. Por causa disso, peço a você que decore algumas<br />

das respostas preservadoras de dignidade para que estejam<br />

à sua disposição quando você precisar delas. Você não<br />

precisa estar fazendo terapia de grupo para aprendê-las ou<br />

praticá-las. Você pode usar um gravador, com a mesma eficácia.<br />

Para fazer isto, grave uma série de frases rejeitadoras, deixando<br />

um espaço entre elas para a sua resposta. Você pode usar<br />

os disparadores sugeridos pelos membros do grupo de Margaret<br />

e acrescentar outras afirmações rejeitadoras de sua própria<br />

experiência pessoal. Quando ouvir a fita, responda com um<br />

ou mais dos preservadores de dignidade vistos. Você irá descobrir<br />

que quase todos eles podem servir como resposta a quase<br />

todas as formas de rejeição.<br />

Ter um repertório de novas respostas para velhos disparadores<br />

evita que você caia no desespero que o levava a dizer e<br />

fazer coisas que viria a lamentar. Estas respostas preservadoras<br />

de dignidade são como preservadores de vida emocionais.<br />

Elas o mantêm flutuando quando suas marés emocionais ameaçam<br />

afundá-lo.<br />

CONFRONTANDO MENSAGENS AMBÍGUAS<br />

Uma outra maneira de evitar o disparo de comportamento obsessivo<br />

é aprender a esclarecer quaisquer mensagens ambíguasque<br />

um parceiro atuaI ou futuro possa lhe enviar. Como vimos,<br />

mensagens ambíguas podem realmente desequilibrá-lo.<br />

Você se agarra desesperadamente à parte da mensagem que diz<br />

ou insinua que seu parceiro quer você, enquanto ao mesmo<br />

tempo fica horrorizado com a parte que diz ou sugere que ele<br />

ou ela não quer mais nada com você. A maneira mais fácil<br />

de ver através da névoa é recusar-se a ser confundido. Se você<br />

acha que seu parceiro está dizendo uma coisa e fazendo outra,<br />

não tente adivinhar o que está acontecendo - pergunte.<br />

Aqui estão alguns exemplos de perguntas que você pode<br />

fazer a seu parceiro:<br />

"Eu não entendo uma coisa. Você diz que me ama, mas<br />

não tem tempo para mim. Isto não parece contraditório?"


,.,,--<br />

AMORES OBSESSIVOS<br />

IIVocê está me mandando muitos sinais confusos. Nós nos<br />

vemos três vezes por semana, mas você ainda sai com outras<br />

pessoas. Que tipo de relacionamento você quer?"<br />

"Você age como se quisesse um verdadeiro compromisso<br />

comigo, mas toda vez que toco no assunto você fica distante.<br />

Estou perdendo meu tempo neste relacionamento?"<br />

"Você fala sobre querer ter um compromisso sério comigo,<br />

mas nuncafaz nada a respeito. O que está acontecendo<br />

exatamente?"<br />

"Quando estamos sozinhos, você age como se realmente<br />

fôssemos especiais, mas quando saímos com seus amigos,<br />

você age como se eu fosse um encontro casual. Eu fico<br />

achando que a única coisa que você quer deste relacionamento<br />

é o sexo. É verdade?"<br />

Obviamente, esta lista pode continuar infinitamente. Mas<br />

a estratégia central é fazer as perguntas que irão trazer à tona<br />

os problemas que estão ocultos. Mesmo que você arrisque receber<br />

respostas de que não goste, você sempre estará melhor<br />

sabendo a verdade do que se escondendo no sombrio mundo<br />

dos medos e especulações.<br />

HÁ AMOR DEPOIS DA OBSESSÃO?<br />

Se você fez os exercícios deste livro, certamente está se sentindo<br />

melhor em relação a si mesmo, ainda assim, pode estar um<br />

pouco vacilante para iniciar novos relacionamentos. Afinal, a<br />

sua obsessão foi uma parte tão dominante de você por tanto<br />

tempo que é difícil imaginar um relacionamento sem ela.<br />

Agora você dispõe de algumas das ferramentas necessárias<br />

para entrar em um relacionamento novo, mais saudável<br />

• 'mais satisfatório. Contudo, isso não significa necessariamente<br />

que voe! está pronto para usar tais ferramentas. Antes de po-<br />

"<br />

MANTENDO O EQUILÍBRIO 293<br />

der se sentir confortável e seguro com um novo parceiro, você<br />

tem que aprender a se sentir confortável e seguro consigo<br />

mesmo.<br />

APRENDENDO A CONFIAR EM SI MESMO<br />

Muitos ex-obsessores entram em novos relacionamentos com<br />

um tal horror de repetir erros passados que pisam em ovos ao<br />

lidar com um novo parceiro. Isto faz com que pareçam nervosos,<br />

distantes e misteriosos para a pessoa que estão tentando<br />

conhecer. Eles têm medo de confiar em si mesmos, medo de<br />

serem eles mesmos.<br />

Quando Anne se envolveu em seu primeiro relacionamento<br />

pós-John, estava muito preocupada, pois achava que se fosse<br />

espontânea, iria perder o controle que havia ganho sobre o seu<br />

comportamento obsessivo.<br />

Garanti a Anne que a sua auto confiança iria aumentar<br />

com o tempo se ela pudesse relaxar o suficiente para se permitir<br />

correr alguns riscos emocionais. Mesmo que as coisas não<br />

dêem certo sempre, ela poderia aprender tanto com seus fracassos<br />

quanto com seus sucessos. Mostrar-se constantemente<br />

defensiva emocionalmente pode ser extremamente custoso, para<br />

você e para o seu parceiro.<br />

Anne concordou em fazer um esforço para ser menos contida<br />

com seu novo namorado. Quando ela e seu parceiro comemoraram<br />

seis meses juntos, ela estava se sentindo muito menos<br />

ansiosa em relação a ser mais aberta e genuína com ele.<br />

Anne<br />

Não sei se acredito mais nele agora ou se acredito mais<br />

em mim, mas me sinto muito mais filosófica em relação<br />

a este relacionamento. É assim, eu não sinto que vou para<br />

o fundo do poço novamente, então não me preocupo<br />

tanto com isso. Se este relacionamento não der certo, não<br />

deu certo. Ele tem que ser bom para mim também, você<br />

sabe. Nunca prestei atenção a isso antes. Sempre me dediquei<br />

tanto a fazer com que ele me amasse que nunca<br />

me importei se eu estava me sentindo péssima. Agora eu<br />

sei que se não estou feliz posso sair dali. Ficarei desapon-


AMORES OBSESSIVOS<br />

iI , tada, mas sobreviverei. E isso é realmente me libertar para<br />

mim mesma. É um sentimento inacreditável, Se você<br />

me perguntasse há seis meses se algum dia eu pensaria<br />

assim eu iria dizer' 'de jeito nenhum". Talvez eu esteja brincando<br />

comigo mesma, mas tudo que sei é que não vou<br />

enlouquecer de preocupação com este relacionamento, e<br />

isto por si só é um milagre.<br />

Anne fez muito mais do que relaxar em seus novos relacionamentos.<br />

Ela fez mudanças em suas atitudes e expectativas<br />

que a ajudaram a manter seu relacionamento e sua vida<br />

em perspectiva. Ela percebeu que um relacionamento precisava<br />

funcionar para ela aqui e agora, não em alguma fantasia<br />

futura. Para ajudar a manter sua perspectiva, ela retomou amizades<br />

e atividades que havia deixado quando começou sua obsessiva<br />

perseguição a John. Ela estava integrando o seu relacionamento<br />

na sua vida em vez de transformá-lo em fim e finalidade<br />

de sua existência.<br />

Com o passar do tempo, Anne descobriu que dava cada<br />

vez menos trabalho controlar seu comportamento obsessivo.<br />

As técnicas que trabalhou tanto para aprender durante as suas<br />

férias emocionais tornaram-se cada vez mais automáticas. Ela<br />

aprendeu a confiar mais em si mesma, o medo das próprias<br />

tendências obsessivas diminuiu e seu relacionamento progrediu.<br />

CELEBRANDO<br />

UMA NOVA FORMA DE AMAR<br />

Ray e Karen estavam juntos há dois tempestuosos anos quando<br />

começaram a fazer terapia. Um ano depois ainda estavam<br />

juntos, mas agora estavam unidos em um tipo de relacionamento<br />

progressivamente diferente. Ray estava aprendendo a<br />

controlar o seu comportamento obsessivo, e Karen estava aprendendo<br />

a impor limites claros e rígidos para que tipo de comportamento<br />

estava disposta a aceitar da parte dele.<br />

Quando estava próximo do fim de seu trabalho comigo,<br />

Ray trouxe uma carta muito pungente que havia entregue a<br />

Karen.<br />

., ..<br />

MANTENDO O EQUILÍBRIO<br />

Minha querida Karen,<br />

Embora nos conheçamos há três anos, marco o início<br />

do nosso relacionamento a partir daquele momento,<br />

exatamente há um ano, quando voltei para você depois<br />

das duas semanas mais sofridas, mas mais esclarecedoras,<br />

da minha vida. Eu sei que as coisas que aprendi durante<br />

as minhas férias emocionais salvaram o nosso relacionamento,<br />

e agradeço a Deus por isso todos os dias.<br />

Ainda dói pensar em toda a tortura que lhe infligi.<br />

Sempre que penso nisso fico novamente aterrorizado com<br />

a minha insensibilidade. Eu humilhei você e fui emocionalmente<br />

cruel, eu pensava estar corrigindo algo de errado<br />

que você estava fazendo. Eu estava fazendo o exato<br />

oposto do que sentia por você, desrespeitando e desonrando<br />

a mais importante de todas as coisas para mim, sua<br />

dignidade e individualidade. Eu lamento pelo tempo e<br />

amor perdidos.<br />

Agora eu sei que a raiva e a dor dentro de mim não<br />

têm nada a ver com você, e todo dia o meu amor por você<br />

me ajuda a lembrar isso. Sei que prosperaremos se eu<br />

continuar a agir consistentemente com respeito e amor.<br />

Eu sei, lá no fundo, que não será fácil. Ainda há muitas<br />

coisas para aprender e muitos hábitos para perder. Mas<br />

eu amo você por estar me ajudando a acabar com isso,<br />

apesar da dor e sofrimento que lhe causei no passado. E<br />

eu amo você por não me deixar sair com nenhuma das<br />

minhas bobagens. E amo você especialmente por me dar<br />

a chance de mudar quando muitas outras mulheres teriam<br />

me chutado. Mas acima de tudo, amo você por você ser<br />

exatamente quem você é.<br />

Feliz aniversário, querida. Eu te amo.<br />

Ray<br />

A carta de aniversário de Ray era uma maneira alegre de<br />

celebrar não apenas a sua renúncia aos padrões obsessivos, mas<br />

sua descoberta de uma nova forma de amar, que o libertou<br />

do medo e da raiva que dominaram sua vida com Karen no<br />

passado.<br />

Como conseqüência do trabalho que havia feito para compreender<br />

como invadira as fronteiras de Karen, Ray agora acei-<br />

295


AMORES OBSESSIVOS<br />

o fato de que Karen era um ser distinto dele. Isso signifique<br />

ela tinha direito a seus próprios sentimentos, pensae<br />

interesses, e que ele tinha que respeitar esse direito.<br />

A obsessão não pode coexistir com este tipo de respeito<br />

pelos direitos pessoais de um parceiro, e um bom relacionamento<br />

não pode existir sem isso.<br />

TROCANDO PERTURBAÇÃO POR<br />

VERDADEIRA INTIMIDADE<br />

Mas como você reconhece um bom relacionamento quando ele<br />

aparece? Como você sabe que é isso? A resposta é, você não<br />

pode - de início. Se você parte para um relacionamento novo<br />

"sabendo que é esse", você está carregando esse relacionamento<br />

com os mesmos tipos de fantasias e expectativas mágicas que<br />

o sabotaram no passado.<br />

Novos relacionamentos são, por natureza, cheios de incógnitas.<br />

Até você dar ao relacionamento tempo suficiente para<br />

se desenvolver, até que você e seu parceiro tenham convivido<br />

um com o outro o tempo suficiente para ver se estão caminhando<br />

na mesma direção, até que você tenha tido a oportunidade<br />

de explorar os medos e sonhos mais profundos de seu<br />

parceiro e de revelar os seus, você não pode saber se o seu amor<br />

é o verdadeiro. Exploração e descoberta mútuas, isso é que é<br />

intimidade.<br />

Se você é como a maioria dos ex-obsessores, pode passar<br />

um mau bocado acreditando que um relacionamento seguro,<br />

confortável, baseado em verdadeira intimidade pode possivelmente<br />

ser apaixonado e excitante. Como o único amor que conheceu<br />

era carregado de dramaticidade, paixão sem perturbação<br />

pode não parecer paixão verdadeira para você.<br />

Mas renunciar à obsessão não significa renunciar à paixão.<br />

Significa renunciar ao sofrimento, ansiedade, caos, humilhação,<br />

ciúmes e possessividade. Uma vez tendo removido<br />

estes obstáculos a um relacionamento saudável, você se libertará<br />

para descobrir a profunda alegria da genuína intimidade<br />

- a única base para um amor verdadeiramente satisfatório.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!