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FACULDADE SETE DE SETE MBRO – FASETE<br />

CURSO DE LI CENCI ATURA EM LETRAS COM<br />

HABI LI TAÇÃO E M PORTUGUÊS E I NGLÊS<br />

MANOEL LEI TE DE ARAÚJ O<br />

A REPRESENTAÇÃO DO MATUTISMO NA POESI A DE<br />

JESSI ER QUI RI NO<br />

PAULO AFONSO- BA<br />

J UNHO / 2008<br />

1


MANOEL LEI TE DE ARAÚJ O<br />

A REPRESENTAÇÃO DO MATUTISMO NA POESI A DE<br />

JESSI ER QUI RI NO<br />

Monografia apresent ada ao curso de Gr aduação<br />

e m Letras co m Habilitação e m Port uguês e<br />

Inglês da Facul dade Set e de Set e mbr o -<br />

FASETE, co mo requisito para avaliação<br />

concl usi va. Sob a orientação da pr ofessora Ms .<br />

Mari a do Socorro Pereira Al mei da.<br />

PAULO AFONSO - BA<br />

J UNHO / 2008<br />

2


MANOEL LEI TE DE ARAÚJ O<br />

A REPRESENTAÇÃO DO MATUTISMO NA POESI A DE<br />

JESSI ER QUI RI NO<br />

Monografia Sub meti da ao cor po docent e da Facul dade Set e de Set e mbro - FASETE, co mo<br />

parte dos requisitos necessári os à obt enção do grau do Gr aduado em LETRAS, co m<br />

habilitação e m Port uguês e Ingl ês, tendo como banca exa mi nadora os seguintes professores:<br />

_______________________________________________________<br />

Pr ofessora Ms.. Maria do Socorro Pereira de Al meida - Orient adora<br />

_________________________________________________________<br />

Pr ofessor Ms. Luis José da Sil va – Exa mi nador I<br />

________________________________________________________<br />

Pr ofessor Esp. Ant oni o Francisco da Sil va Fil ho – Exa mi nador II<br />

PAULO AFONSO – BA<br />

J UNHO / 2008<br />

3


DEDI CATÓRI A<br />

Dedi co esse trabal ho a t odos os nor desti nos, matut os, cai piras e t oda co muni dade acadê mi ca,<br />

por se tratar de u m est udo relaci onado à vi da, as ações, tradições e a cult ura de t odos os<br />

mat ut os e sertanej os. Dedi co t a mbé m a t odas as pessoas que gosta m e aprecia m a literat ura<br />

popul ar e pri nci pal mente aquel es que presti giam e são ad miradores do trabal ho de Jessier<br />

Queri no, esse grande poeta em cuj as veias, corre o sangue mat ut o.<br />

4


AGRADECI MENTOS<br />

Agr adeço a pr odução desse trabal ho, pri meira ment e a Deus, por t er me dado f orça, vont ade,<br />

saúde e perseverança desde o meu i ngresso na Facul dade at é o t ér mi no dessa <strong>monografia</strong>.<br />

Ta mbé m vão meus agradeci ment os a t odos os meus fa miliares e a mi gos pel a a mi nha<br />

ausência nos movi ment os da igreja, na Associação e no meu ti me de futebol.<br />

Agr adeço pri nci pal ment e à Cí cera Maria por t er me aj udado na di gitação e por t e dado di cas<br />

que fora m i mportantes na elaboração desse trabalho.<br />

Gost aria de agradecer a todos os pr ofessores que fizera m parte da mi nha j ornada acadê mi ca e<br />

especial ment e a mi nha orientadora, Socorro Al mei da, que f oi mais que uma orientadora, f oi<br />

a mi ga, co mpanheira, consel heira e, ant es de t udo, a f ont e de mi nha i nspiração pel a literat ura e<br />

pel a escol ha do te ma para essa <strong>monografia</strong>.<br />

5


“ Gost o do farel o de pão, das conversas, do caroço chupado das<br />

pal avras, gost o da raspa dos causos chei os de sabedoria, nos fal ares<br />

mat ut os do Sertão. Gosto de pegá-las nos varais quando est ão be m à<br />

vont ade: o “ A” mostrando a cal ci nha e o “ V” de pernas pr o ar. Lá, no<br />

ara me farpado do qui ntal, o “F” é u m “P” f urado e o “ B” é só u m “P”<br />

do buchão. Gost o de j ant ar essas pal avras com outras de gabi net e,<br />

com expressões vel udosas, gost o de vê-las f ol gosas, de i nvent ar u m<br />

verbete, de fazer u m bal ancet e e fi ndar e m poesia. Eu gost o de<br />

al egria, de surpresa no dizer, gost o t a mbé m de rever pal avri nhas de<br />

ar mári o e gost o de pr ovocar mais ti o-tios entre os xexéus, peri quit os<br />

e canári os”.<br />

( Jessier Quiri no)<br />

6


RESUMO<br />

Est e trabal ho t e m co mo obj eti vo mostrar como o poet a Jessier Quiri no represent a o<br />

mat utis mo e m sua poesia, retratando cada característica que esteja li gada ao mundo mat ut o e<br />

també m evi denci ar o modo co mo esse poet a retrata os pr obl e mas sociais e morais sob a ótica<br />

do mat ut o, de f or ma crítica, satírica e irreverent e. No pri meiro capítul o abor da mos o<br />

mat utis mo e o mat ut o, diferenciando o mat ut o do cai pira para esclarecer o equí voco que as<br />

pessoas comet e m e m dá a el es u ma mes ma defini ção. No segundo capítul o, trabal ha mos a<br />

literat ura popul ar e mat ut a fazendo u m est udo desde a ori ge m da literat ura popul ar at é o<br />

surgi ment o da literat ura mat ut a, mostrando suas vertentes e represent ant es. No t erceiro<br />

capít ul o, fize mos u ma análise de al guns poe mas que mel hor represent a m as peculiari dades do<br />

mat ut o, u ma descrição da vi da do aut or e u ma análise de seu fazer poético co m o i nt uit o de<br />

mostrar o uni verso da poesia quiri niana.<br />

7


ABSTRACT<br />

This wor k has as obj ective t o show how t he poet Jessier Quiri no represents t he mat utis mo i n<br />

his poetry, depi cti ng each characteristic t hat is li nked t o t he mat ut o’s worl d and also t o<br />

evi dence t he way i n whi ch t he poet retracts t he soci al and moral pr obl e ms from t he<br />

perspecti ve of mat ut o, i n a criticis m, satiric and irreverent way. I n t he first chapt er, discussi ng<br />

the mat utis mo and mat uto and mat ut o, differentiating t he mat ut o of caipira t o cl arify t he<br />

mi sundertandi ng t hat peopl e co mmit t o gi ve t hem t he sa me defi nition. i n t he second chapt er,<br />

we wor k on popul ar literat ure and mat uta literature doi ng a st udy si nce t he rise of popul ar<br />

literat ure until t he arisi ng of mat ut a literat ure showi ng its sources and representanti ve. I n t he<br />

third chapt er , we di d an anal ysis of some poe ms t hat best represent each of mat ut o’s<br />

peculiarity and a descri ption of t he aut hor’s life and an anal ysis of his poetic way i n or der t o<br />

show the quiri niana poetry’s uni verse.<br />

Key - Wor ds: mat utis mo, mat ut o, cai pira, popul ar literat ure, mat uta literate, cult ure.<br />

8


SUMÁRI O<br />

I NTRODUÇÃO. ..................................................................................................<br />

1 O MATUTI S MO E O MATUTO......................................................................<br />

2 LI TERATURA POPULAR E LI TERATURA MATUTA............................<br />

3 O MATUTI S MO DE JESSI ER QUI RI NO......................................................<br />

3. 1 O EQUI LÍ BRI O ESTÉTI CO DA POESI A QUI RINI ANA................................<br />

3. 2 ESTE É JESSI ER QUI RI NO..............................................................................<br />

CONSI DERAÇÕES FINAI S<br />

REFERÊNCI AS<br />

10<br />

12<br />

22<br />

30<br />

31<br />

35<br />

51<br />

54<br />

9


I NTRODUÇÃO<br />

Tr at a-se de u m trabal ho de pesquisa co m o objeti vo de mostrar co mo o mat ut o é<br />

represent ado na poesia de Jessier Quiri no. Foi nos se mi nári os apresent ados e m sal a de aul a na<br />

disci pli na de literat ura popul ar que ti ve mos o cont at o co m a poesia de Jessier Quiri no, assi m<br />

foi despertado o i nt eresse de apr ofundar mais a pesquisa e m r el ação às obras desse poet a, por<br />

el e represent ar as peculiari dades do mat ut o e os pr obl e mas soci ais e morais, sob a vi são do<br />

mat ut o, de for ma satírica, crítica e irreverente.<br />

Est e trabal ho f oi feit o através de u ma pesquisa bibliográfica de caráter expl orat óri o e<br />

análise soci o-política e m r el ação à poesia mat ut a de Jessier Quiri no. Nas análises pr ocura-se<br />

vê, pri nci pal ment e co mo el e consegue reconfi gurar os cost umes, falares e co mport a ment os<br />

mat ut os através de palavras.<br />

Para a concretização do est udo, utilizou-se o mét odo de l evant a ment o bi bli ográfico<br />

por mei o de li vros, j ornais, i nternet, revistas, fil me, e CDs. Nos três pri meiros itens, busca mos<br />

infor mações e m arti gos, ensai os, resenhas que estivesse m relaci onados à literat ura popul ar ou<br />

que servisse m de e mbasa ment o t eórico para literat ura mat uta, j á que não existe u ma t eoria<br />

pr opria ment e dita, referent e a el a. Da mes ma f orma, fize mos l eit ura de livr os cuj os aut ores<br />

abor da m a literat ura popul ar e as diferent es f or mas de cult ura. Foi feit o t ambé m u m est udo de<br />

várias obras do aut or co mo pr osa Morena, Agruras da l at a d’ água, Bandeira Nordesti na,<br />

Paisagens do Interi or, entre outras.<br />

Fora m analisados, apenas al guns poe mas que retrata m os aspect os mais relevant es à<br />

pesquisa co mo a visão do mat ut o di ante da soci edade, a reli gião, a política, o val or mor al e o<br />

pr ópri o estilo de vi da e fal ares mat ut os, se m dei xar de vê t a mbé m o estilo literári o do poet a,<br />

de um modo geral.<br />

No que se refere à i nternet e aos CDs, trabal hamos o site do poet a, entre outros que<br />

mostrava m t ext os li gados à questão da literat ura popul ar e mat ut a, e ao própri o poet a, co mo<br />

també m fi ze mos u ma análise das l etras de suas músi cas ( poesias) para que pudésse mos t er o<br />

conheci ment o de como o poeta aborda o assunt o através de outras for mas poéticas.<br />

A col eta dos dados f oi f eita através de l eit uras i nterpretativas e fichament os do<br />

mat erial pesquisado, e m que t e mos co mo t e ma, a represent ação do mat utis mo na poesi a de<br />

Jessier Quiri no. Nesse trabal ho, busca mos defi nir o conceit o de mat utis mo e a diferenci ar o<br />

mat ut o do cai pira, por sere m conheci dos soci alment e co mo “suj eit os i dênticos”. Da mes ma<br />

for ma, retrata mos a discri mi nação da soci edade dita “ci vilizada” e m r el ação ao mat ut o e ao<br />

cai pira, por esses não estare m nos mes mos padrões estéticos e cult urais dessa sociedade.<br />

10


Para e mbasar mel hor a questão da excl usão, mostra mos al guns conceit os de cult ura<br />

para co mpr ovar que não existe nenhu m ti po de raça, povo, seres hu manos, i nferi or ou se m<br />

cult ura, o que há são cult uras diferentes. Nessa mes ma f or ma de análise, explicita mos as<br />

di vergências entre as culturas popul ar e er udita, com o i nt uit o de conhecer mos a ori ge m de<br />

literat ura popul ar e a suas mais novas vertentes co mo a literat ura mat uta. Ta mbé m mostra mos<br />

al guns aspect os característicos do mundo mat ut o de acordo co m os poe mas de Jessier<br />

Quiri no.<br />

No capít ul o fi nal foi feita u ma expl anação da vida do poet a Jessier Quirino para que<br />

possa mos conhecê-l o melhor e t a mbé m conhecer o seu i nt eresse pel o popul ar, uma vez que,<br />

pel a sua posição soci al e pr ofissi onal, faria parte da condut a erudita. Dessa f or ma t ent a mos<br />

conhecer através de sua poesia as características do seu fazer poético, inédit o, irreverent e,<br />

i mpregnado de neol ogismos, e m que o mes mo mostra-se dono de u ma verve aguçada no trat o<br />

com as palavras que provoca o riso naquel es que ouve m e lêe m suas poesias.<br />

11


1. O MATUTI S MO E O MATUTO<br />

Esse trabal ho obj eti va investi gar a obra de Jessier Quiri no, t entando capt ar nel a, a<br />

expressão mat ut a, ou seja, como o aut or expressa o mat utis mo, u ma vez que o mat ut o é fi gura<br />

que caracteriza sua obra e a li nguage m usada é caricat urada na lí ngua do mat ut o. Dessa f or ma<br />

surge a i ndagação: Será que existe mat utis mo? Co mo Jessier Quiri no expressa a vi da, a<br />

sapiência, a vi vência e a li nguage m daquel es que, afastados da grande metrópol e, são<br />

cha mados de mat ut os?<br />

Di ant e dessa perspecti va é i nteressante perceber o que ve m a ser mat utismo e o que<br />

sugere a vi da mat uta, para u ma mel hor co mpreensão da pr oposta desse est udo, é o que<br />

vere mos nesse pri meiro mo ment o.<br />

At ual ment e vi ve mos numa soci edade capitalista, e m que a pr opaganda é r esponsável<br />

por di vul gar e ho mogenei zar a ment ali dade humana, através das i magens pregadas pel os<br />

mei os de co muni cação co mo: t elevisão, i nternet, cel ulares que são capazes de t ornar o nosso<br />

mundo, cada vez mais virtual. Dessa f or ma, podemos afir mar que “hoj e, vi ve mos no mundo<br />

das i magens”, e a mí di a contri bui de f or ma avassal adora para isso. Um exe mpl o cl aro disso,<br />

são o “Realitys Shows” e a leitura de al guns livros.<br />

No Reality Show, pessoas que ant es era m anôni mas, quando aparece m na mí di a vira m<br />

celebri dades i nstantâneas, t orna m-se sí mbol o sexual de u m país i nteiro, ganha m di nheiro,<br />

fa ma, stat us, vira m u m í dol o naci onal. Tudo i sso, por causa, de u ma mera aparição na<br />

televisão.<br />

Pel o expost o percebe mos o poder que a i mage m t e m s obre a ment ali dade das pessoas.<br />

Por outro l ado, not a mos que o poder da i magem t ransparece quando se trata de l eit ura de<br />

livros como afir ma ( CHAUÍ, 2002, p. 159): “[...] quando criança e j ove m tenta m l er u m li vro:<br />

não consegue m l er mais do que sete a dez mi nut os de cada vez, não consegue m suportar<br />

ausência de i magens e ilustrações no text o [...]”<br />

Pel o que f oi mostrado nos dois exe mpl os, percebe mos que a i mage m condi ci ona o<br />

pensa ment o e as ações das pessoas e l eva os i ndiví duos a fazere m j ul ga ment os pel a aparênci a<br />

e a val orizar o que é bel o, discri mi nando, excl ui ndo t udo aquil o que não está atrelado aos seus<br />

padr ões estéticos e cult urais, se m l evar e m cont a o mel hor do ser hu mano, a sua essênci a. Isso<br />

acont ece co m as ca madas sociais que são excl uí das, discri mi nadas como o pobre, o negr o, o<br />

ho mossexual, a pr ostituta, o analfabet o e t a mbém o mat ut o, de que m va mos falar nesse<br />

est udo.<br />

12


Di ant e do que f oi constatado, se analisar mos pr ofunda ment e, a realidade que vi ve mos,<br />

percebe-se que a pr ópria i mage m do mat ut o entra e m choque co m a sociedade “ci vilizada”,<br />

por que a noção que as pessoas t ê m do mat ut o é de u ma i mage m anacrôni ca, de u m s uj eit o que<br />

usa chapéu quebrado, cami sa xadrez, calça curta, pé chat o, portador de u m físico caveirizado,<br />

caricat urado, co mo é simbolizado pel as pessoas nas festas j uni nas. Not amos cl ara ment e, na<br />

descrição que ( CUNHA, 2003; p. 105) faz do sertanej o:<br />

O sertanej o é, ant es de t udo, u m f orte. [...] A sua aparência, entretant o, ao<br />

pri meiro l ance de vista, revela o contrári o. Falta-l he a pl ástica i mpecável, o<br />

dese mpenho, a estrut ura corretíssi ma das or ganizações atléticas. É<br />

desgraci oso, desengonçado, tort o. [...]<br />

O mundo do mat ut o ou o mat utis mo pr opria ment e dit o, é visto por ol hos<br />

preconceit uosos de pessoas da ci dade. O mat utis mo, por ser u m mundo avesso ao ci vilizado, é<br />

tachado, si mpl es ment e, co mo u m sub mundo, uma reali dade i nferior, uma prática<br />

desat ualizada, um modo de vi da que não se enquadra ao mundo moderno. Desse modo,<br />

pode mos deduzir que o mat ut o, nessa reali dade, se mostra co mo u m suj eito de i denti dade não<br />

respeitada. Ent ão, di ante do cont ext o mi di ático que mostra u m mundo i dealizado e<br />

ho mogêneo, como fica m os “outros mundos”, ou seja, os mundos daquel es que são excl uí dos<br />

por não estare m, aparentement e, ne m i nt elect ualment e dentro dos padrões siste máticos da<br />

sociedade?<br />

O ho me m da zona r ural, o conheci do e assumi do mat ut o, possui u ma i dentidade que se<br />

distingue dos de mais. Se é exat a ment e a distinção que segundo ( BAUMAN, 2005) dá<br />

identi dade do suj eit o, então se pode di zer que o mat ut o a possui, uma vez que é o diferent e,<br />

aquel e que se evi denci a no cont ext o social como “pobre”, “analfabet o”, e desconhecedor da<br />

cult ura, por que se i gnora o fat o de que el e possui u ma cult ura, que o faz úni co e por isso<br />

mes mo, possui uma i dentidade.<br />

Pel o que f oi mostrado, observa-se que a i déia que soci edade t e m do mat ut o, na<br />

verdade não condi z com a posi ção e percepção de mundo del e, ou sej a, as pessoas o<br />

consi dera m u m i gnorante de mundo quando não é verdade. Essa discri mi nação da soci edade<br />

“ci vilizada”, e m r el ação à cult ura mat uta, nasce do pensa ment o equi vocado e m acreditar na<br />

inferi ori dade dessa cult ura. O mat utis mo pode ser consi derado apenas como subcult ura. Esse<br />

últi mo t er mo pode parecer, mas não denot a u ma si gnificação negati va, valorati va, ist o é, u ma<br />

cult ura i nferi or, pois, sabe mos que essa não existe; ent ão t al t er mo, si gnifica u ma vari ação da<br />

cult ura geral.<br />

13


A subcult ura segundo Mar coni e Presott o ( 2001, p. 57) “pode ser considerada co mo<br />

u m mei o peculiar de vi da de u m gr upo menor, dentro de u ma soci edade mai or”. Dentro desse<br />

quadr o discri mi nat óri o que se encontra centrado o mat utis mo, podemos mostrar outra<br />

afir mação de acordo com Mar coni e Presott o ( 2001; p. 57) “ A subcult ura não t e m conot ação<br />

val orativa, ou seja, não é superi or ou i nferi or à outra; são apenas diferentes, devi do à<br />

or gani zação e estrut ura de seus ele ment os”.<br />

Dessa f or ma, observa mos que há u ma visão discri mi nat ória, por parte do ho me m<br />

ur bano, e m r elação ao ho me m do ca mpo. Geralment e, t ant o o mat ut o quant o o cai pira, são<br />

rot ulados co mo seres despr ovi dos de conheci mento, i nfor mação, erudi ção, enfi m, ci dadãos de<br />

cult ura i nferi or – se é que existe. Os mes mos recebe m concepções negativas, por não sere m<br />

dot ados de u ma li nguagem culta, de aparênci a e co mporta ment o el egant es. São consi derados<br />

desenquadrados do mundo ci vilizado.<br />

Entretant o, val e a pena frisar que existe m duas características f undament ais que<br />

difere m o mat ut o do caipira. A pri meira, é o t er mo mat ut o que si gnifica “desbravador do<br />

mat o” e é atri buí do ao mor ador do i nteri or do Nor deste, o Sertanej o, propria ment e dit o. O<br />

cai pira t e m a mes mo significado do mat ut o, mas esse t er mo, refere-se, especi al ment e, ao<br />

habitant e do i nteri or da Regi ão Sudeste, pri nci pal ment e, nos estados de São Paul o e Mi nas<br />

Gerais.<br />

A segunda refere-se á i déi a que a soci edade, e m geral, t e m da i mage m dos dois. O<br />

cai pira, u m suj eit o de vida mansa, se m preocupação co m a vi da, que não dá i mport ânci a à<br />

reali dade, ou seja, de u m suj eito pregui çoso, acomodado, i nati vo. O cai pira por exe mpl o, por<br />

ser de u ma regi ão de clima e sol o pr opí ci os, não passa por pr obl e mas de seca, e isso, facilita a<br />

vi da do cai pira e m adquirir o seu sustent o (ali ment o), na nat ureza. A sociedade os conf unde,<br />

tal vez, por que t e m u ma i déi a errônea de a mbos, por não saber dos pr obl emas e reali dade de<br />

cada um.<br />

Exe mpl os cl aros do ti po de cai pira, é o Jeca Tatu, personage m do escritor Mont eiro<br />

Lobat o e o Qui nzi nho do fil me Tapet e Ver mel ho. Jeca Tat u é u ma espécie de anti-herói, que<br />

vi ve à mar ge m da ci dade grande e da Hi st ória, se mpre “de cócoras”, com “ci garro na boca”,<br />

despreocupado; regi do pel a “l ei do menor esforço”. Na capa de um j ornal há al gu m t e mpo<br />

atrás, havia uma tira que mostrava a conversa de Ruy Barbosa com o Jeca Tat u:<br />

- Ol á, Jeca Tat u, tem fome?<br />

- Si m, senhor.<br />

- Ent ão vá busca o prat o.<br />

- Eu não t ô co fome.<br />

14


Nessa tira, fica explícita a i déia de que o caipira é u m suj eito excessi va ment e,<br />

pregui çoso. Essa é a visão que as pessoas da ci dade t ê m do cai pira. Mas val e salient ar que o<br />

cai pira t a mbé m trabal ha, el e cui da de seus afazeres e m casa, na r oça cui da de seus ani mais,<br />

e m busca do sustent o para a fa mília, mes mo que de for ma si mpl es, mas com di gni dade.<br />

Já o mat ut o, por convi ver com a seca, é u m suj eito preocupado co m a falta de chuva.<br />

A estiage m di zi ma os seus ani mais e o dei xa de mãos at adas, se m poder pl ant ar. Muitas vezes,<br />

falta-l he água at é para seu pr ópri o consumo. A pesar de t odos esses pr obl emas e sofri ment o, o<br />

sertanej o ai nda enfrenta, na sua l abut a di ária, um s ol causticant e, casti gador, e u m t rabal ho<br />

braçal árduo e pesado, de enxada e m punho, mas co m a fé no coração e, na esperança da<br />

chegada da i nvernada, para poder ali ment ar o seu criat óri o e pl antar o seu pedaço de t erra,<br />

local, de onde o mes mo r etira o sustent o para sua sobrevi vênci a. É essa f alta de chuva e a<br />

espera del a que faz o sertanej o trabal har durant e t odo o ano, para aco mpanhar a nat ureza e<br />

pl antar o que se pode na seca ou na chuva.<br />

Enquant o o cai pira é represent ado pel o o Jeca Tat u, suj eit o pregui çoso, o mat ut o é<br />

vist o co mo u m “ Hércul es – Quasí modo”, u m ser de aparência frágil, mas de espírito f orte.<br />

Hércul es represent a u m ho me m f orte, herói da mit ol ogi a grega. Quasí modo, o personage m<br />

monstruoso da obra corcunda de Notre Da me, de Vit or Hugo. Esse f oi um t er mo paradoxal,<br />

usado pel o o escrit or, Eucli des da Cunha, para descrever, caracterizar, definir o sertanej o, por<br />

este se mostrar aparent ement e fraco e fisica mente, desengonçado, desajeitado, de f eal dade de<br />

feição e um se mbl ant e marcado pela dor e sofri ment o.<br />

Mas, mes mo assi m, quando se apega ao trabalho, t orna-se ho me m f orte, bravo,<br />

resistent e ao mei o e m que vi ve; de corage m e perseverança, capaz de enfrent ar de sol a sol, o<br />

trabal ho braçal pesado. As aparênci as do sertanejo não são das mais bel as, mas a sua bel eza é<br />

interi or, de espírito, o sertanej o é u ma pessoa de boa í ndol e, acol hedora, prestativa, soli dária,<br />

é, na sua essência, u m ser se m malícia, se m mal dade, de confiança, mas não é “best a” co mo<br />

as pessoas cost uma m rotul ar, e Jessier dei xa isso muit o claro na sua obra.<br />

At é aqui, pude mos perceber os pont os di vergent es e m r el ação ao mat ut o e o cai pira.<br />

Agora, abor dare mos as convergênci as entre a mbos, e essas co meça m a partir de suas ori gens.<br />

Ambos são do i nt eri or, do ca mpo e vi ve m à mar ge m da ci dade grande, no ent ant o, a i mage m<br />

que a soci edade t e m desse ho me m i nt eri orano, é de u m i ndi ví duo, arcaico, rude, anacr ôni co<br />

que convi ve l ado a l ado com a soci edade “ci vilizada”, moder na. Essa sociedade, não l eva e m<br />

cont a os aspect os i di ossincráticos do mat ut o, ou sej a, não consi dera sua maneira de enxergar,<br />

sentir, reagir ao mundo.<br />

15


As pessoas vêe m no mat utis mo, u ma espéci e de mundo i nassi milável ao del as, assi m,<br />

as ações e o conheci mento desses ho mens si mpl es não são val orizados. Na reali dade, t ant o o<br />

mat ut o quant o o cai pira não são escol arizados, não t ê m o do mí ni o do conheci ment o ci entífico,<br />

mas através de seus conheci ment os e mpíricos, de suas experiências de vida, são capazes de<br />

desvendar o mundo que os cerca. Tal vez o mat ut o ou o cai pira não ent enda m nada de<br />

met eorol ogi a, agrono mi a, mas são capazes de observar o t e mpo e i nfor mar se vai chover l ogo,<br />

ou se é u m ano bo m de chuva. Ta mbé m conhecem o manej o do mais fértil do sol o e a mel hor<br />

época para plant ar, mes mo se m serem agrônomos.<br />

Co mo se pode perceber, o mat ut o é dot ado de um cert o conheci ment o e que muit as<br />

vezes, se diferencia do nosso, por que o mat ut o t em o seu modo pr ópri o de enxer gar o mundo<br />

a sua volta. Isso fica evi dent e, no causo a seguir:<br />

“Um cert o ho me m, pergunt ou ao cai pira, co mo o sol fazia para t odo di a<br />

aparecer e desaparecer no horizonte. O cai pira respondeu que à noite, o sol<br />

passava, voltava apagado”.<br />

Essa é a percepção que o mat ut o, o cai pira t e m do mundo, por que é dessa f or ma que<br />

el e vê as coisas. Esse é um f at o que faz parte do i magi nári o popul ar, por isso não t e m aut oria<br />

pr ópria.<br />

Outra característica peculiar ao mat ut o, é a sua esperteza. Às vezes, el e utiliza desse<br />

artifíci o, para não ser l udi briado no conví vi o soci al. As pessoas e m geral, cost uma m f azer<br />

rot ulações discri mi nant es e m r el ação ao mat uto, por pensare m que este seja u m suj eit o<br />

desprovi do de conheci ment o, i nteligência, entretant o percebe mos na prática, que não é be m<br />

assi m, como mostra o causo a seguir:<br />

“Um cai pira se encontra com um mat ut o e pergunt a:<br />

Cai pira: - O que ocê tá fazendo por aqui, cumpadi ?<br />

Mat ut o: - Eu t ô tentando vender esse burro.<br />

Cai pira: - Quant o quer nele?<br />

Mat ut o: - Ce m rear!<br />

Cai pira: - Ent ão tá feito eu compr o!<br />

Uma se mana depois...<br />

Cai pira: - Cu mpadi, eu quero meus ce m rear de volta, seu burro morreu.<br />

Mat ut o: - Nu m t enho co mo ti devol ver, j á gastei o di nheiro, mas me dá o<br />

burro!<br />

16


Cai pira: - O que ocê vai fazer cum um burro mort o?<br />

Mat ut o: - Eu vô rifá!<br />

Cai pira: - Co mo ocê vai rifà se ele está mort o?<br />

Mat ut o: - É só num falá que ele tá mort o!<br />

Um mês depois...<br />

Cai pira: - Cadê o burro cumpadi ?<br />

Mat ut o: - Eu rifei, vendi cem bil hetinho a três rear cada!<br />

Cai pira: - Ni ngué m regra mô?<br />

Mat ut o: - Só o cabra que ganhou!<br />

Cai pira: - O que ocê fez?<br />

Mat ut o: - Di vol vi três rear pra ele”!<br />

Pode mos afir mar que o mat utis mo ou o cai piris mo é u ma f or ma de vida si mpl es,<br />

hu mil de; nat ural; se m i déi a de consumo, l uxo ou moda. No mat utis mo se val oriza as coisas<br />

básicas para a vi da como o ali ment o, a tranqüilidade, nat ureza, saúde. Ta mbé m são<br />

val orizadas a moral, as virtudes e a reli gi osi dade, tudo marcado pel a presença do sobrenat ural.<br />

Isso por que o mat ut o não analisa esses aspect os embasados nu ma visão sistemática co m o uso<br />

da razão. Segundo ( MARCONI E PRESOTTO, 2001; p. 164) “Tudo aquil o que escapa aos<br />

senti dos do ho me m, que f oge à co mpreensão hu mana, à observação e ao ent endi ment o é<br />

consi derado sobrenat ural. Está aci ma das leis nat urais ou físicas, ou seja, em outra di mensão”.<br />

O mat ut o t e m cert o zel o pel a a moral, pri nci pal ment e quando se trata do casa ment o e<br />

da mul her. Nos l aços matri moni ais el e não ad mite o di vórci o ou adultério, vê nisso u ma<br />

infração às l eis di vi nas. O papel da mul her na visão do mat ut o é de dona do l ar, zelando pel o<br />

mari do, fil hos e a casa. Se solteira, há regras de co mporta ment o, vest uári o baseado pel a l ei da<br />

obedi ência. Di ant e desses fat ores dog máticos, sur ge o caso sobrenat ural que per mei a nos<br />

falares, nas hist órias do povo mat ut o, como o causo da “ Moça que bat eu na mãe, para ir ao<br />

baile, l á acabou dançando co m o di abo”. Entre outras hist órias f abul osas co mo a do boi que i a<br />

puxando o carro e u m ho me m sensi bilizado co m o sofri ment o do boi, expressou: “que<br />

sofri ment o”! E o boi respondeu: - “sofri ment o, passarão vocês nos fins das eras”!<br />

Na r eali dade mat uta, as virt udes estão atreladas ao trabal ho, à corage m e ao respeit o.<br />

Para o mat ut o, o ho mem virt uoso é ho me m trabal hador, capaz de cuidar de seu r oçado e<br />

sustentar sua fa mília. No mat utis mo t a mbé m se val oriza a corage m, se não dá val or ao<br />

cri mi noso, mas admira-se o home m val ente, respeitador. Segundo ( CASCUDO, 2005; p. 166)<br />

17


O Sertanej o não ad mira o cri mi noso mas o ho me m valente. Sua f or mação<br />

psicol ógica o predispõe para isso. Durant e sécul os angustiados e distant e<br />

das regi ões policiadas e regul ares, o sertão vi ve por si mes mo, co m seus<br />

chefes e milicianos.<br />

Dessa f or ma, faz surgir à fi gura de La mpi ão, cangaceiro deste mi do, respeitado por<br />

todos os sertanej os. O rei do cangaço é u m mit o no mei o dos sertanej os; é difícil encontrar u m<br />

mat ut o que não sai ba cont ar hist órias sobre as façanhas desse í cone do sertão da época do<br />

Cor onelis mo. Apesar de al guns acreditare m que ele foi u m cri mi noso cr uel, muit os acha m que<br />

o mes mo f oi víti ma de u m siste ma opressor e das i nj ustiças sociais, causadas pel o<br />

esqueci ment o político, portant o o t ê m co mo u m her ói. Nesse caso, nasce m às hist órias, os<br />

causos que não se baseiam no fat or verdade e si m na i magi nação, mas que serve m para<br />

enaltecer ai nda mais a figura desse herói do sertão. Co mo ve mos nitidament e, no causo a<br />

seguir, també m de aut ono mi a anôni ma:<br />

Um ho me m ar mou u ma e mboscada para mat ar La mpi ão. Fi cou de<br />

pronti dão, por trás de al gumas r ochas que ficava m na beira da estrada por<br />

onde passava La mpi ão. Quando este se aproxi mou entretida ment e, pois<br />

vi nha fechando u m ci garro, o ho me m apont ou e disparou u ma ar ma, o tiro<br />

mi steriosa ment e, acert ou o rifle de La mpi ão, depois que o disparo da ar ma<br />

de La mpi ão t eria acertado as r ochas. O ho me m sai u do l ocal correndo e<br />

espal hou por t odo sertão o feito da rapi dez de Virguli no que para muit os era<br />

i mortal à bala.<br />

São por causa dessas e outras hist órias que La mpi ão se t ornou a figura mai s<br />

i mportante e fa mosa do Sertão nor desti no. Outra característica peculiar ao mat ut o é a<br />

religi osi dade. Os Sertanej os são gui ados pel a fé e m t odas as suas ações de vi da. Para o<br />

mat ut o, t odos os fenô menos ocorri dos no mundo são causados por i nt erferênci a di vi na; sej a<br />

no nasci ment o, mort e, pedi do de chuva, cura de doenças e pr ol onga ment o da vi da. Cada caso<br />

desses, está i ntri nseca ment e li gado a u ma di vi ndade específica, como por exe mpl o: quando<br />

u ma mul her está prestes a dá a l uz faz-se pr omessa, oração a Nossa Senhora do Bo m Part o. O<br />

mes mo acont ece quando al gué m est á pert o da morte, faz-se pedi do a Nossa Senhora da Boa<br />

Mort e. Da mes ma f or ma ocorre quando há a falta de chuva. São muitas as pr omessas, rezas e<br />

pedi dos a São José, o Sant o responsável de mandar a chuva. Percebe mos clara ment e esse fat o<br />

e m uma das estrofes da músi ca “A triste Partida” de Pat ativa Do Assaré:<br />

[...] Apel a pra Março<br />

Que é o mês preferi do<br />

Do Sant o queri do<br />

Senhor São José<br />

Me u Deus, meu Deus<br />

18


Mas nada de chuva<br />

Tá t udo se m jeito<br />

Lhe foge do peito<br />

O rest o da fé [...]<br />

Os Sertanej os t a mbé m acredita m que se pl antar o mil ho no di a desse Santo ( dezenove<br />

de março) a col heita será ant es do São João, portant o dá para al cançar o obj eti vo de sua<br />

crença, “assar o mil ho na fogueira”.<br />

At é cert o t e mpo atrás havi a e ai nda há, na co muni dade mat ut a, pessoas curandeiras,<br />

capazes de curar certas enfer mi dades, através de rezas e orações, por exe mpl o: se sur gisse<br />

al gué m co m dor de dente, bastava o curador no caso, pr oferir al gumas pal avras decoradas e<br />

fazer al gumas gesticulações co m u m gal ho de certas pl antas, para o dent e afetado cair da<br />

boca. Ou se houvesse algum ani mal feri do (com bi cheira) era apenas necessári o, o dono<br />

mostrar o rastro do ani mal para que o curador pudesse curá-l o dos feri mentos, se m mes mo ver<br />

ou t ocá-l o.<br />

Ta mbé m f az parte da crença mat ut a o quebranto – espécie de doença causada pel a<br />

admiração de outre m que dei xa o i ndi ví duo se m ação e reação para nada, ou sej a, co mo di z o<br />

mat ut o: “o cabra fica a muado se m val ô pra nada, só dá vont adi di dur mi ”. A cura para esse<br />

mal se dá através de benzi ment os e rezas feitas por uma pessoa rezadeira ou curandeira.<br />

Taís fenômenos pr odi giosos acont ece m no mei o mat ut o, por que o pr ópri o mat ut o<br />

vi venci a esses fat os, ou seja, ele utiliza esses meios no seu di a a di a, no coti diano, e m t odas<br />

as suas ações, ent ão, se o ho me m ci vilizado acredita e confia no poder de cura da medi ci na, o<br />

mat ut o te m fé e confiança no milagre de cura de suas orações.<br />

A r eli gião t e m presença muit o f orte na vi da dos sertanej os. El es vi ve m com t e mor ao<br />

pecado, condi ci onados pel as as regras de condut a baseadas nas noções de be m e de mal, por<br />

isso, os causos, as hist órias, os relat os são se mpre de cunho moral que traze m lição de vi da,<br />

como vista neste relat o:<br />

Uma senhora que se encontrava no mei o de u ma discussão sobre aci dent e<br />

aut omobilístico, fez o uso da pal avra, e cont ou u m causo de ci nco pessoas<br />

que estava m dentro de u m carro e voltava m das co mpras e f ora m abor dadas<br />

por u ma vel hi nha que expressou: deus t e aco mpanhe! E u ma das pessoas<br />

que estava m no carro, respondeu: - só se f or na mal a, porque aqui dentro,<br />

está chei o. No ca mi nho, o carro virou e as ci nco pessoas morrera m. O<br />

aut omóvel ficou t odo a massado, mas i ncri vel ment e, uma dúzi a de ovos que<br />

estava dentro da mal a, não quebrou um sequer.<br />

A r eli gi osi dade encontra-se enraizada e m t odos os aspect os da vi da do mat ut o, o seu<br />

di a-a-dia, nas ações e nas hist órias. É co mu m quando entra mos na casa de u m sertanej o, nos<br />

19


deparar mos co m t erços, retrat os, estát uas de santos e m l ugar de destaque na casa. No mei o<br />

desse “altar caseiro” é raro não encontrar mos um r etrat o ou u ma estát ua de Padre Cí cer o, o<br />

Sant o Padr oeiro de t odos os Sertanej os. Apesar de não t er si do canoni zado, ou sej a, de não ser<br />

reconheci do pel a i greja como sant o, t odos os nordesti nos o consi dera m u ma di vi ndade. São<br />

vári os pedi dos de bênçãos, causos, pr omessas, milagres atri buí dos a el e. “O Meu Padi m Pade<br />

Ci sso” co mo é cha mado no Sertão, é venerado e respeitado por t odos, ro meiros, políticos,<br />

aut ori dades e at é mes mo cangaceiros. Segundo a hist ória, La mpi ão cr uzou t odo o Sert ão para<br />

ir ao Juazeiro pedir a bênção ao padre Cí cero, isso mostra a consi deração e o respeit o que o<br />

rei do cangaço tinha pel o sant o, como mostra ( CASCUDO, 2005, p. 153)<br />

La mpeão desde esse dia<br />

Jurou vi ngar-se ta mbé m,<br />

Di zendo – foi ini mi go<br />

Mat o, não pergunt o a que m...<br />

Só respeit o nesse mundo<br />

Pade Cisso e mais ni ngué m...<br />

É bo m frisar que a i da de La mpi ão ao Juazeiro, não f oi só por causa da bênção a<br />

receber, mas t a mbé m por moti vos políticos. Sabe-se que el e se diri gia ao Ceará a convite do<br />

Padre Cí cero Ro mão para i ntegrar o bat al hão patri ótico no co mbat e à Col una Prestes –<br />

movi ment o político – militar brasileiro existente entre 1925 e 1927, ligado ao tenentis mo.<br />

O t enetis mo é t a mbé m u m movi ment o político-miltar f or mado por j ovens oficiais,<br />

tenent es do exércit o brasileiro, que, i nconfor mados co m a sit uação política do Br asil, ti nha m<br />

como u m dos seus obj etivos perseguire m os j agunços revolt osos, ou sej a, aquel es que se<br />

opunha m as i déi as militaristas. Est e é o moti vo que explica o por quê da i nt egração de<br />

La mpi ão ao batal hão patriótico.<br />

Observa m-se ai nda que muitas atri bui ções ao Padre Cí cero não pertence ao seu<br />

bene mérit o e si m, de outros ent es reli gi osos co mo: Frei Serafi m de Cat ania, Frei Hercul ano e<br />

o Padre I bi api na co mo afir ma ( CASCUDO, 2005; p. 143) “ Hoj e o Padre Cícero é o centro de<br />

for mação du ma gesta, soma de episódi os fant ásticos, de mil agres tradi ci onais de i nt ervenções<br />

ful mi nant es, outrora pertencent es outros personagens i mpressi onadores da multi dão”. Mas<br />

esses entraves não f ora m suficientes para manchar a i mage m dessa fi gura venerável, sí mbol o<br />

de fé de t odo Sertão, pois at ual ment e seus fi éis ai nda faze m, t odos os anos, várias<br />

peregri nações e r omarias, e m busca de mil agres, ação de graça, cura de doenças, paga ment o<br />

de promessa. El e que continua vi vo no coração de cada um de seus segui dores.<br />

20


Ent ão, pode mos di zer que o mat utis mo é u m mundo ant agôni co ao mundo<br />

consi derado “ci vilizado” por ser marcado por características que l he são peculiares, que o<br />

faze m úni co, si ngul ar e que o i dentifica m. Dessa f or ma, faz surgir certa discri mi nação por<br />

parte da soci edade dita “ci vilizada” que t ece concepções negati vas e m consi derar o mat utis mo<br />

sob u ma reali dade anacrôni ca e portant o, “i nferior”. Mas sabe mos que essa depreci ação não<br />

se f unda ment a, por que, co mo f oi vist o ant eri or ment e, não há cult ura superior à outra, exist e m<br />

apenas cult uras diferentes. O mat ut o, o sertanej o, nesse cont ext o, ta mbé m sofre essa<br />

desval orização, por causa de sua i mage m, li nguage m e seu co mporta ment o que se choca m<br />

com a reali dade at ual.<br />

21


2. LI TERATURA POPULAR E LI TERATURA MATUTA<br />

Quando se fala e m literat ura mat uta, l ogo t emos a necessi dade de falar e m literat ura<br />

popul ar, já que a mes ma nasce do povo e para o povo. Mas pri meiro é i mportant e conhecer o<br />

si gnificado da pal avra cult ura para que possa mos ir mais al é m ao que se refere`a literat ura<br />

popul ar.<br />

Co mo sabe mos, a pri ncí pi o, cult ura si gnifica desenvol vi ment o i nt elect ual; conj unt o<br />

de experiências e realizações hu manas ou conheci ment os adquiri dos nu ma det er mi nada área<br />

de ati vi dade, como é defi ni da nos di ci onári os. Poré m não é t ão fácil assi m, de dá u ma<br />

defi nição de cult ura. No decorrer dos anos, vári os est udos f ora m feit os e muit os aut ores t ê m<br />

dado vári os conceit os e o que se vê é u m agl omer ado de defi nições em r el ação à cult ura.<br />

Portant o, utilizare mos aqui, um conceit o abrangent e que envol ve t oda vi da soci al, abor dado<br />

por ( ARANTES, 2004; p. 34):<br />

(...) Todas as nossas ações, seja na esfera do t rabal ho, das rel ações<br />

conj ugais, da produção econô mi ca ou artística, do sexo, da reli gião, das<br />

for mas de do mi nação e de soli dariedade, t udo nas soci edades hu manas é<br />

constituí do segundo os códi gos e as convenções si mbólicas a que<br />

deno mi na mos “cult ura”.<br />

Essa defi nição de cult ura se asse mel ha co m outra dada por ( TYLOR apud LARAI A,<br />

2005, p. 25) “é este t odo co mpl exo que i ncl ui conheci ment o, crença, arte, moral, leis,<br />

cost umes ou qual quer outra capaci dade ou hábit os adquiri dos pel o ho mem co mo me mbr o de<br />

u ma soci edade”.<br />

Nesse cont ext o, percebe mos que a cult ura está e m t odos os aspect os da soci edade e<br />

e m t oda parte. El a é regul adora de t odas as relações soci ais co mo, casa ment o, sexo, reli gião,<br />

desenvol vi ment o econômi co, co mo t a mbé m, mant edora da estrut uração e da tradi ção dos<br />

gr upos sociais.<br />

Segundo ( HOLLANDA apud ARANTES, 2004, p. 9) “Cult ura”, e m seu uso<br />

corrent e, si gnifica “saber, est udo, el egância es mero, ela evoca os do mí nios da fil osofia, das<br />

ci ências e das belas – artes”.<br />

Quando faze mos uma observação a esse conceit o, ve mos que u ma pessoa que t e m<br />

cult ura, mostra-se el egante, cult o, dot ado de conheci ment o, est udo e de bom gost o e m r el ação<br />

à músi ca e as artes. Mas não é be m assi m. Existem outras f or mas de cultura, que est aria m<br />

ligadas as outras áreas de conheci ment o co mo procedi ment os de cura, t écni cas de trabal ho,<br />

fabricação de re médi os, ut ensílios, crença de preceit os reli gi osos, como foi vist o no capít ul o<br />

ant eri or. O i ndi ví duo consi derado pel a cl asse domi nant e de acult urado, pode não saber as<br />

22


letras da acade mi a, mas tem u m conheci ment o de mundo, t oda u ma experiência de vi da e o<br />

conheci ment o que l he per mite a l eit ura das coisas, mes mo se m saber l er e escrever, co mo se<br />

pode ver nos di versos exe mpl os que i nt egra m o mundo da literat ura popul ar. Nesse cont ext o<br />

se pode vê argument os co mo os de Marcos Aci oll y no trecho do li vro “ Nor desti nados”<br />

(1978):<br />

[...]<br />

__Já desde que o te mpo é te mpo<br />

E o mundo é mundo, que eu ouço<br />

Muit as hist órias cont adas<br />

Por retirantes, seu môço.<br />

Hi st órias que fala m se mpre<br />

Das sêcas com seus rigores,<br />

Dos homens virando lendas<br />

Na bôca dos cantadores.<br />

Hi st órias que a gente encontra<br />

Escritas, de outra maneira,<br />

Em verso e não mais e m prosa,<br />

Nesses fol het os de feira.<br />

Hi st órias que são as mes mas<br />

Que a gente sabe de cor,<br />

Mas fi nge que nunca sabe<br />

Para escutá-las mel hor.<br />

[...]<br />

__Cego Qui ntão, me despeço<br />

De sua prosa e agradeço<br />

Pois tenho se mpre vi vi do<br />

Mel hor do que a Deus mereço<br />

E assi m, lá no fi m do mundo,<br />

Ouvi a conversa inteira<br />

De um cego que convenceu- me<br />

Da mi nha própria cegueira.<br />

Be m mereci da é a fa ma<br />

Do vel ho cego Qui ntão,<br />

Que se espal hou, criou nome,<br />

No alto e bai xo sertão.<br />

Por isso ni ngué m duvi de<br />

Que o cego Qui ntão, senhore,<br />

Acabe virando lenda<br />

Na boca dos cantadores.<br />

[...]<br />

Entretant o, para que possa mos ent ender o paradoxo existente no i nterior da cult ura,<br />

entre o “saber do povo” e o “conheci ment o acadêmi co”, é necessári o voltar mos u m pouco na<br />

hist ória, para conhecer mos a ori ge m dessas duas vertentes.<br />

Desde a Gr écia Antiga, que j á se ouvi a a rapsódi a dos poet as popul ares no mei o das<br />

ruas. A rapsódi a era uma espécie de co mposição que reuni a vári os trechos de mel odi as<br />

tradici onais ou popul ares, geral ment e cant ada por poet as cegos, nas praças, no centro da<br />

23


capital, At enas. Esti ma-se que muit os trechos dessas canti gas f ora m usados por Ho mer o para<br />

compor suas epopéi as, como afir ma Medeiros (2007; p. 01)<br />

Ho mer o era u ma f ont e de conheci ment o. Na verdade, o poe ma matri z j á<br />

existia quando chegou Homer o; el e não f oi propria ment e o aut or da “Ilíada”<br />

e da “ Odisséia” mas o responsável pel a grande sí ntese daquil o que existia<br />

tão-soment e na dispersão, pois os poe mas ho méricos est ão carregados de<br />

“Epos” ( palavra ou discurso) i nscritos nu ma l onga tradi ção oral pr ovi nda do<br />

fundo dos te mpos.<br />

Pel o que percebe mos, desde os pri mór di os j á havi a traços da literat ura popul ar.<br />

Co mo t a mbé m sabe mos que a Gr écia f oi berço de t oda cult ura oci dent al. Di ant e do que f oi<br />

constatado, pode mos i nferir que t oda literat ura pr ovei o do popul ar e que ant es não havi a<br />

separação entre a literat ura popul ar e a erudita.<br />

A ori ge m da literat ura popul ar oci dent al se deu a partir do século XII, pri meiro<br />

como oposição à i greja, por se caracterizar pel o u ma li nguage m r egi onal, popul ar, diferent e<br />

do l ati m, lí ngua oficial de t oda Eur opa cristã. O povo utilizava dessa li nguage m popul ar para<br />

cont ar as hist órias, os versos, be m de f or ma pri mitiva di vergent e do l ati m que tratava assunt os<br />

erudit os ou religi osos.<br />

Pode mos di zer que a literat ura popul ar surgi u da mi st ura dos povos que vi nha m de<br />

vári os pont os da Eur opa e m busca dos l ugares sagrados e m f or ma de peregri nação. No mei o<br />

dessas agl omerações se concentra m poet as nômades que exercia m o papel de j ornalista,<br />

passando t oda i nfor mação e cont ando hist órias de avent ura e bravura. Mesmo por que, naquel e<br />

tempo, t oda literat ura era passada de f or ma oral, não havi a i mprensa e a cult ura, os<br />

conheci ment os e as hist órias era m guardados na me móri a do povo.<br />

A co muni cação era feita oral ment e, as histórias, l endas, causos, fatos ocorri dos ou<br />

não era m cont ados de pai para fil ho, ou por pessoas i dosas. Outra caract erística marcant e<br />

dessa época f oi a cult ura não-latina ser comu m a t odas as cl asses, ou seja, as manifestações<br />

literárias não era m f eitas e m l ati m, lí ngua oficial da época e t ant o a cl asse do mi nant e quant o o<br />

povo e m geral partici pava m dessas manifestações, pois não havi a u ma separação da cult ura<br />

popul ar e erudita.<br />

No sécul o XVIII, com a educação il umi nista e a ascensão da bur guesia é que sur ge<br />

essa dissociação, o que vai dese mbocar na Revol ução francesa. Al é m dest a cl asse médi a<br />

assumir o poder econô mi co el a t a mbé m passou a do mi nar os aspect os culturais, separando as<br />

manifestações do povo, literat ura popul ar, da elite, literat ura erudita, como abor da Luyt en<br />

(2005; p. 21)<br />

24


[...] lá pel o fi m do sécul o XVIII, após a Revol ução Francesa, t e mos u ma<br />

transfor mação que vai repercutir por t oda a Eur opa. É a ascensão da<br />

burguesia. At é ent ão, t oda a cult ura não-latina era co mu m t ant o a<br />

do mi nant es – nobres e cortesões -, co mo ao povo pr opria ment e dit o. Co m a<br />

Revol ução I ndustrial e a t omada do poder por u ma espécie de cl asse médi a<br />

da época, houve u ma t entativa, da parte desta, de al cançar não só o poder,<br />

mas aspect os cult urais ant es e m mãos excl usi vas dos poderosos que<br />

acabava m de cair.<br />

A partir daí, nasce u ma certa oposição entre as duas cult uras e essa f or ma de se opor, é<br />

que vai caracterizar, i dentificar a literat ura popul ar, como afir ma ( LUYTEN, 2005; p. 12) “ A<br />

cult ura popul ar abrange todos os set ores da vi da de u m povo, mas geralment e i ndi ca certa<br />

oposição à cult ura oficial, erudita. El a se manifesta co m mai or vi gor e m soci edades nas quai s<br />

à di visão de classes é acent uada”.<br />

No Br asil, acont ece do mes mo modo, as i nfl uências bur guesas ta mbé m f ora m<br />

mar cant es. No sécul o XI X, predomi nava e m t oda soci edade, u ma ment alidade escravocrata,<br />

esse fat or i deol ógi co fazi a co m que as pessoas e m geral, adot asse m uma post ura de não<br />

val orizar o trabal ho manual, e si m, a pr ofissão que exi gisse a capaci dade int elect ual. Por esse<br />

moti vo, t odo trabal ho que f osse feit o co m as mãos, era ti do co mo i nferi or; e aquel e exerci do<br />

através da intelect uali dade, era vist o como superi or.<br />

De certa f or ma, existia uma separação entre o “saber” e o “fazer”, segundo Ar ant es<br />

(2004; p. 14) “Essa dissoci ação entre “fazer” e “saber”, e mbora a ri gor falsa, é bási ca para a<br />

manut enção das cl asses soci ais pois el a j ustifica que uns t enha m poder sobre o l abor de<br />

outros”. Por essa perspecti va, ficou det er mi nado que o “saber” é pertencent e à elite e o<br />

“fazer” à cl asse subalterna. Portant o, é a partir dessa di cot omi a, que nasce u m cert o<br />

preconceit o e m r elação à cult ura popul ar, por el a ser nascedoura dessa última. De acor do co m<br />

( AYALA E AYALA, 2003; p. 51):<br />

Dessa f or ma, a cult ura popul ar é ent endi da co mo pr odução hist orica ment e<br />

det er mi nada, el aborada e consumi da pel os grupos subalternos de u ma<br />

sociedade capitalista, que se caracteriza pela expl oração econô mi ca e pel a<br />

“distribuição desi gual do trabal ho, da riqueza e do poder”.<br />

No ent ant o, devi do aos pr ocessos de desenvol vi ment o econô mi co ocorri dos nas<br />

ci dades, houve u ma espécie de dispari dade econô mi ca entre a cl asse soci al alta e a cl asse<br />

social bai xa. A literat ura popul ar, por ser hist oricament e, nascedoura dessa cl asse “i nferi or” e<br />

por estar mais presente no mei o rural, sofre uma desval orização por parte da sociedade.<br />

25


Nesse panora ma conflituoso e excl udent e, nasce u ma das vertentes da literat ura<br />

popul ar, a literat ura de cor del. O no me de literatura de cor del ve m de Portugal, e, co m t odos<br />

sabe m, pel o fat o de sere m os f ol het os presos por u m pequeno cor del ou bar bant e, e m<br />

exposição nos l ocais onde era m vendi dos. A presença da literat ura de cor del no Br asil, se deu<br />

no Nor deste, pri meiro como f or ma de r omanceiros, traduzi dos pel os col onos e m suas<br />

bagagens no sécul o XVI. Como afir ma Di egues Jr. (1986, p. 36)<br />

[...] co mo seria nat ural, se transladou, co m o col ono port uguês, para o<br />

Br asil; nas naus col oni zadoras, co mo os l avradores, os artífices, a gent e do<br />

povo, vei o nat ural ment e esta tradição de r o manceiro, que se fi xaria no<br />

Nor deste como literat ura de cordel.<br />

Pel o que pode mos perceber na afir mati va aci ma, a literat ura de cordel brasileira se<br />

ori gi nou e f oi trazi da de Port ugal por pessoas de cl asse soci al bai xa, pobre. A partir daí,<br />

explica-se o fat o dessa for ma de poesia t er ganhado mai or aceitabilidade popul ar do que a<br />

pr osa, e outras f or mas de expressões, devi do ao seu bai xo cust o de pr odução. Poré m i sso, só<br />

foi possí vel, depois do surgi ment o da i mprensa, por que ant es, t oda pr odução literária era<br />

registrada e m “cadernos manuscritos”. De acordo co m Luyt en ( 2005; p. 45) “o povo co mu m<br />

se expri me por mei o de manifestações si mpl es por ser essa a úni ca f or ma que seus poucos<br />

recursos per mite m”.<br />

Por isso que a pr odução dos li vret os de cor del, te m u m cust o mí ni mo. O papel, ti po<br />

jornal e o t a manho das fol has gira e m t orno de 11 por 16 c m e a capa feita co m papel de<br />

e mbr ul ho. Outra característica peculiar a literat ura de cor del está relaci onada a sua estrut ura<br />

i mpressa, mais de 80/° vê m e m f or ma de sextilha ou septilha. Est as são co mpost as de seis e<br />

sete versos co m set e sílabas cada u m. As ri mas cost uma m ser pares no segundo, quart o e<br />

sext o versos. Aqui, uns exe mpl os “Co mo Ant ôni o Sil vi no fez o di abo chocar” e “ A Confissão<br />

de Ant ôni o Sil vi no” da aut oria de Leandro Go mes de Barros:<br />

O di abo pergunt ou- me:<br />

- O Senhor de onde ve m?<br />

Que m é e como se cha ma?<br />

Que profissão é que te m?<br />

- Eu sou Ant ôni o Sil vi no,<br />

Que não respeita ni ngué m!<br />

Ant ôni o Sil vi no um dia<br />

Pensava na sua vi da,<br />

Di zendo: - mi nha existência<br />

Nest e mundo foi perdi da<br />

Eu perco a graça do eterno<br />

E o carrasco do inferno<br />

Me espera de mão ergui da!<br />

26


Outra estrut ura muit o co mu m na literat ura de cor del são as hist órias dos desafi os<br />

feitos pel os repentistas que consiste nu m e mbat e poético entre dois cant adores e m que vence<br />

aquel e que conseguir rimar durant e mais t e mpo. Esses desafi os acontece m at ravés dos<br />

repent es. Os “repent es” são i mpr ovisações mo ment ânea cant adas por u m ou dois poet as que<br />

cha ma m a at enção dos ouvi ntes pel a rapi dez da for mação dos versos. Esses desafi os depois<br />

torna m te mas de cordéis.<br />

A mai s nova vertente da literat ura popul ar deno mi na-se como literat ura mat ut a. Esse<br />

tipo de literat ura se caracteriza pel o o uso de u ma linguage m si mpl es, cheia de neol ogis mos e<br />

expressões r udi ment ares que represent a m a vi da, a tradi ção, a cult ura de um povo que vi ve as<br />

mar gens da ci dade grande ou nas pequenas ci dades. A literat ura mat uta se diferenci a do<br />

cordel, por variar e m suas f or mas, ou sej a, essa literat ura não segue u ma nor ma padrão para a<br />

el aboração de suas estrofes. El a é escrita t ant o e m for ma de pr osa quant o em poesia. Diferent e<br />

da literat ura de cor del que geral ment e é escrita ou cant ada e m sextilhas - estrofes de seis<br />

versos e m que há a predomi nânci a de uma for ma fixa.<br />

Ai nda é muit o escasso o mat erial que re met e a pesquisa da literat ura mat ut a por<br />

haver a percepção de que t udo que é literat ura popul ar é literat ura matuta, assi m traze m<br />

se mpre a expressão do cor del co mo exe mpl o. No ent ant o o que se quer enfatizar nesse est udo<br />

são os aspect os que diferenci a m o cordel da literatura mat uta.<br />

Embora a mbos pertençam ao uni verso popul ar e o cor del traga t a mbé m uma car ga de<br />

mat utice por cont ar a vi da e a cult ura sertaneja, ele t e m u ma f or ma fi xa e se caracteriza cor del<br />

justa ment e pel a f or ma que é pr oduzi do: papel j ornal, pági nas com 11 a 16 c m. e m médi a de<br />

10 a 50 pági nas, sendo de 10 a 30 o cor del pr opria ment e dit o, sobre qual quer assunt o e os que<br />

têm mai s de 30 pági nas são os r omanceiros, aquel es que traze m u m r omance cont ado e m<br />

versos quase se mpre e m sextilhas, septilhas ou até déci mas.<br />

A literat ura mat uta por sua vez, apesar de trazer a mes ma métrica do cordel, o verso<br />

setessilábico, não obedece a u ma f or ma fi xa. Pode ser escrita e m li vros de grau das edit oras,<br />

també m pode m ser escritos e m estrofes ou não e t er estrofes de f or mas diferent es e m u m<br />

mes mo poe ma. Da mes ma f or ma, pode ser escrita e m pr osa co mo os vári os causos const ant es<br />

e m li vros de aut ores conheci dos.<br />

Hoj e existe m j á mui tos represent antes dessa vertente popul ar. No Nordeste os mai s<br />

conheci dos são Zé da Luz, Pat ativa do Assaré e Jessier Quiri no esse últi mo será o nosso<br />

obj et o de est udo nessa pesquisa.<br />

Já que fala mos nos represent antes, falare mos t a mbé m do que os diferenci a m ou<br />

aproxi ma m. Zé da Luz é o que a cl asse do mi nante cha ma de “analfabet o”, ou sej a, não ti nha<br />

27


conheci ment o nenhu m das l etras, mas poet ava como u m grande cânone como se vê no poe ma<br />

del e a seguir:<br />

Ai Se Sêsse<br />

Se um di a nois se gostasse<br />

Se um di a nois se queresse<br />

Se nois dois se e mpareasse<br />

Se j unti m nois dois vi vesse<br />

Se j unti m nois dois morasse<br />

Se j unti m nois dois drumisse<br />

Se j unti m ois dois morresse<br />

Se pro céu nois assubisse<br />

Mas poré m se acont ecesse<br />

E São Pedro não abrisse a porta do céu<br />

E fosse te dizer quarquer tolice<br />

E se eu me arri mi nasse<br />

E t u cum eu i nsistisse<br />

Pra que eu me arresol vesse<br />

E a mi nha faca puxasse<br />

E o bucho do céu furasse<br />

Tar vés que nois dois caisse<br />

E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse.<br />

Pat ati va t e m seus poe mas editados e m vári os li vros como “ Cant e l á que eu cant o cá”<br />

“ O Cant o do Pat ati va” entre outros. Apesar de existir al guns cor déis de Pat ati va co mo é o<br />

caso do “ ABC do Nor deste fl agelado” el e não se di zia cordelista por que o cor del li mitaria u m<br />

pouco sua i nspiração, por isso nos seus livros se observa várias for mas de poe mas.<br />

Pat ati va só passou 4 meses na escol a, não consegui a escrever nada, mas l eu grandes<br />

obras co mo “ Os Lusí adas” de Ca mões, l eu a obra de poet as co mo Dr ummond e seu poet a<br />

preferi do era Castro Al ves, tal vez por esse ter uma perspecti va social se melhant e a dele.<br />

Apesar de Pat ati va e Jessier t ere m e m co mu m a crítica aos políticos, el es se<br />

diferenci a m na maneira de se expressar. Jessier é satírico e Pat ati va é lírico e senti ment al<br />

como se pode ver no poema a seguir:<br />

[...]<br />

Já tou véi o, acabrunhado,<br />

Mas i nri ba deste chão,<br />

fui o mais afurt unado<br />

De t odos fios de Adão.<br />

A morte de Nanã<br />

Dentro da mi nha pobreza,<br />

Eu tinha grande riqueza:<br />

Era uma queri da fia,<br />

Poré m morreu muit o nova.<br />

Foi sacudi da na cova<br />

28


Co m seis ano e doze dia.<br />

Mas, neste mundo de Cristo,<br />

Pobre não pode gozá.<br />

Eu, quando me le mbr o disto,<br />

Dá, vontade de chorá.<br />

Quando há seca no sertão,<br />

Ao pobre farta feijão,<br />

Fari nha, mi o e arrôis.<br />

Foi isso o que acont eceu:<br />

A mi nha fia morreu,<br />

Na seca de trinta e dois.<br />

Vendo que não tinha inverno,<br />

O meu patrão, um tirano,<br />

Se m te mê Deus ne m o inferno,<br />

Me dexou no desengano,<br />

Se m nada mais me arranjá.<br />

Teve que se ali ment á,<br />

Mi nha queri da Nanã,<br />

No mais penoso matrat o,<br />

Co mendo caça do mat o<br />

E go ma de mucunã.<br />

[...]<br />

Nanã foi, naquele dia,<br />

A Jesus mostrá seu riso<br />

E oment a mais a quantia<br />

Dos anj o do Paraíso.<br />

Na mi nha magi nação,<br />

Caço e não acho expressão<br />

Pra dizê como é que fico.<br />

Pensando naquele adeus<br />

E a curpa não é de Deus,<br />

A curpa é dos home rico.<br />

Morreu no mai ó matrat o<br />

Me u a mô lindo e mi moso.<br />

Me u patrão, aquele ingrat o,<br />

Foi o mai ó cri mi noso,<br />

Foi o mai ó assarsi no.<br />

O meu anj o pequeni no<br />

Foi sacudi do no fundo<br />

Do mais pobre ci mitero<br />

E eu hoje me consi dero<br />

O mais pobre deste mundo.<br />

Percebe-se no poe ma aci ma, a dor, a angústia, a l a ment ação de u m pai, que a fil ha<br />

morreu de f ome, por causa da seca, mas que na reali dade os verdadeiros cul pados pel a a<br />

mort e da meni na f ora m os que di ze m ser os represent antes do povo, os políticos. Not a mos,<br />

essa crítica aos políticos, mas el a é col ocada de for ma sutil, recalcada em t o m de l a ment o,<br />

diferente das poesias de Jessier Quiri no que é direta; satírica, irreverente, i mpregnada de<br />

hu mor.<br />

Co mo j á f oi falado ant eri or ment e a literat ura mat ut a é at ual ment e uma das vertent es<br />

mai s utilizadas na literatura popul ar e u m dos seus mai ores represent ant es se m dúvi da é<br />

Jessier Quiri no, não só pel as f or mas, mas por cont er e m 100/° de sua obra, as mat utices do<br />

di a-a-dia do povo sertanej o e nor desti no e m geral. Assi m a partir do pr óxi mo capít ul o<br />

entrare mos e m cont at o co m o mat utis mo quiri niano e l ogo após va mos conhecer u m pouco<br />

mai s da vi da e da obra do poeta através da obra.<br />

29


3. O MATUTI S MO DE JESSI ER QUI RI NO<br />

A poesia quiri niana ve m mostrar os aspect os i ndi ossi ncráticos do mat ut o, defender a<br />

sua i denti dade cult ural e val orizar a tradição, as crenças e a cult ura do povo sertanej o. Jessier<br />

busca retratar t odos os aspect os da vi da do mat ut o, fazendo u ma discrição de f or ma mi nuci osa<br />

dos val ores, das crenças, do modo de vi da do mundo mat ut o, através de u ma li nguage m<br />

al egórica, cômi ca ri quíssi ma e m neol ogis mo e t er mos arcaicos, nos quais procura mostrar<br />

com hu mor, as espertezas do mat ut o e a denunci ar critica ment e os pr obl emas soci ais, políticos<br />

e morais, por mei o de poe mas i mpregnados de humor, sarcas mo e irreverênci a.<br />

Em t oda sua obra Jessier se mpre busca explicitar a sit uação sofredora do sertanej o,<br />

flagelado pel a seca, esqueci do pel os políticos e margi nalizado por u ma soci edade excl udent e<br />

que hist orica ment e val oriza e reproduz as i deol ogi as e o pensa ment o da elite. Dessa f or ma<br />

fica às mar gens da soci edade t udo aquil o que estej a f ora dos padrões culturais e est ético da<br />

cl asse do mi nant e. Co mo j á f oi vist o no pri meiro capít ul o desse trabal ho, a literat ura mat ut a<br />

por está i nseri da ou ser de ori ge m das cl asses subalternas e está mais present e no mei o r ural e<br />

nas ci dades do i nteri or, muit as vezes l hes são atribuí das características negati vas, el a r ot ul ada<br />

como al go arcaico, rude, i ncult o que f oi ou está sendo superado pel os pr ocessos de<br />

ci vilização.<br />

A poesia de Jessier Quiri no vai se opor a essa val orização, por parte da soci edade,<br />

por que o mat ut o apesar de r ot ulado por muit os co mo u m i ndi ví duo r ude, incult o, i ngênuo, na<br />

poesia quiri niana el e é represent ado co mo u m sujeit o espert o, experiente, conhecedor das<br />

artes- manhas do j ogo político e soci al, um observador calculista dos val ores morais e éticos<br />

da sociedade.<br />

Jessier t ent a de u ma certa f or ma, cha mar atenção das aut ori dades e dos pr ópri os<br />

sertanej os para a reali dade caótica, dos pr obl e mas sociais enfrentados por el es. Sua poesi a<br />

ganha f or ma de denúncia quando retrata esses aspect os pr obl e máticos e tent a fazer co m que<br />

os sertanej os se aut o val orize m e possa m enxergar os val ores da cultura e da tradi ção<br />

sertaneja, por que os mesmos são seres hu manos que age m, pensa m e t ê m em s ua essênci a, u m<br />

espírito soli dári o, acol hedor, prestativo, donos de u ma í ndol e i mpecável.<br />

Percebe-se na poesia quiriniana u ma val orização da expressão oral nor destina, através<br />

de u ma li nguage m caricaturada, e m que representa o coti diano do ho me m si mpl es, do mat ut o.<br />

Assi m afir ma Mell o na capa do li vro “ Bandeira Nor desti na”: Jessier i nvent ou a<br />

xil oli nguage m, u ma li nguage m capaz de retratar a ri queza cult ural nor destina se m per der o<br />

traço funda ment al da si mplici dade do seu povo.<br />

30


3. 1 O EQUI LÍ BRI O ESTÉTI CO DA POESI A QUI RI NI ANA<br />

De acordo co m al guns t eóricos, A poesia de Jessier ganha vi vaci dade quando<br />

recitada pel o aut or. El a ganha vi da devi do à for ma co m que o poet a narra os fat os, co m<br />

gest os, pausa e u m manej o de cor po fabul oso que chega a maestrar o poe ma. O mes mo é<br />

dot ado de u ma ment e i ncrí vel, capaz de l e mbrar de t odos os por menores conti dos nas entre<br />

linhas do poe ma.<br />

A poesia quiri niana t e m u ma si ngul ari dade úni ca, que se sobressai das demai s, por que<br />

u ma coisa é fazer a l eit ura de seus poe mas, que j á é al go fasci nant e, outra é a recitação que vai<br />

mai s al é m, el e consegue prender nossa at enção, é i mpossí vel cont er o riso. Jessi er quando<br />

recita, sua poesia adquire co mpreensão, admiração, encant o, devi do a veemênci a das pal avras<br />

e u ma i nt erpretação perfeita do r ot eiro do poe ma que faz co m que o público t a mbé m vi aj e na<br />

hist ória do mundo encantado da poesia.<br />

A poesia quiri niana não é para ser li da e m silênci o co mo as poesias de gabi net e,<br />

erudita. El a é feita para ser falada, difundi da aos quatro vent os, como afir ma Mel o na capa do<br />

livro “ Agr uras da Lat a D’ água”: “Toda poesia de Jessier Quiri no é assim, não se cont ent a<br />

com l eit ura silenci osa e transbor da nu ma orali dade co mpulsória. Br ot a e m si, um espírit o<br />

decl a mador, que faz com que o l eit or compartilhe os versos para aqueles que est ão a sua<br />

volta. ” Muit os que t ê m o cont at o co m essa poesia mat uta se encanta de i medi at o. O<br />

espet acul ar na poesia quiri niana é a capaci dade que Jessier t e m de di zer t ant o na pal avra<br />

escrita, o que geral ment e, diz no discurso oral, como afir ma Carrero (2006; p. 07)<br />

Jessier Quiri no conhece o f enô meno de unir as duas manifestações, co m<br />

igual quali dade. Pode-se ouvir conversar durant e horas e l ê-l o co m i gual<br />

sensação de riso e de desl umbra ment o. Porque na escrita ele t e m a mes ma<br />

leveza no gest ual, na distribui ção de palavras nas pausas e nos rit mos.<br />

É característica da poesia quiri niana abor dar assunt os delicados ou chul os, mas que<br />

não chega ser desagradável por que quando é retratado pel o artista, ele consegue passar de<br />

for ma t ão sutil e equilibrada, que o l eit or ou ouvint e não consegue vê como vul gar ou chul o.<br />

Existe u ma espécie de equilíbri o estético que faz co m que o ri dícul o não co mpr o met a ou<br />

interfira na i nterpretação do poe ma, co mo pode mos perceber nos trechos do poe ma “ Bai xe as<br />

ar mas co medor!” e m que mostra u m at o li bi di noso, mas da f or ma, a maneira que o poet a<br />

abor da o assunt o quase não percebe mos isso, pois é i nsti gant e a li nguage m, engraçadas as<br />

comparações e as met áforas usadas faze m parte do coti diano mat ut o como se vê a seguir:<br />

31


BAI XE AS ARMA COMEDOR!<br />

[...]<br />

Vai que tu arriba a saia<br />

Vai que eu veja o essenciá<br />

Vai que eu pede e mbreagem<br />

Vai que eu sai ba debrear<br />

Vai que tu venta pro norte<br />

Vai que eu sou t odi m jangada<br />

Vai que eu seja um tabul eiro<br />

Vai que tu seja a cocada<br />

Vai que tu se rouxi nolas<br />

Vai que eu seja um passarinho<br />

Vai que eu saia da gai ola<br />

Vai que tu a mostre o ni nho.<br />

Vai que tu sois moça anja<br />

Vai que eu seja um pecador<br />

Vai que tu sois gozo-eterno<br />

Vai que eu sou rojão-do-a mor.<br />

Vai que teu: “ui-ui - meu-bem! ”<br />

Acor de o véi roncador<br />

Vai que esse véi grite brabo<br />

Co m u m revól ver no meu rabo:<br />

Bai xe as ar ma co medor!<br />

Jessier, conhecedor de nossa cult ura, sabe que o riso só é causado pel o ri dícul o ou pel a<br />

caricat urização das coisas e u ma dose de por nografia, mes mo por que, a bel eza não causa<br />

gargal hadas, dessa for ma afir ma Laraia (2005; p. 69)<br />

O r epetitivo pastelão ameri cano não encontra entre nós a mes ma<br />

recepti vi dade da co médi a erótica italiana, porque e m nossa cult ura a pi ada<br />

deve ser t e mperada co m uma boa dose de sexo e não mel ada pel o arre messo<br />

de t ortas e bol os na face do adversári o.<br />

Portant o, apesar de Jessier t er o do mí ni o de mant er o equilíbri o estético de sua poesi a,<br />

se m se dei xar l evar pel o vul gar, o chul o e se m perder o equilíbri o, ele não segue u ma nor ma<br />

rígi da do padrão da métrica ou u ma f or ma i mposta, el e t e m nor ma pr ópria, ora suas obras se<br />

encontra m no ca mpo da pr osa ora na poesia, resgat ando t er mos arcaicos que faze m s oar co mo<br />

moder nos. Co mo afir ma Mell o na capa do livro “Bandeira Nor desti na”:<br />

No ent ant o, a obra de Jessier Quiri no vai al é m do sucesso da di versão que<br />

proporci ona e m r ecitais e l eituras. Na verdade el e renovou o que pega mos<br />

por ví ci o cha mar de poesia popul ar nordestina. Seus versos não t e m u ma<br />

métrica própria. Sua poesia não t e me ir as raias da prosa, ou sua pr osa de<br />

tão musi cal vira poesia. Seu vocábul o resgata t er mos arcaicos co m t ant a<br />

nat uralidade que os fazem s oar cont e mporâneos, assi m co mo t er mos<br />

32


moderníssi mos são i ncorporados à fala mat uta co m u m se m preconceit os<br />

que os faria m nat urais até na boca da mai s antiga bisavó sertaneja.<br />

Pode mos ver cl ara mente a pr osa quiri niana no trecho da hist ória do personage m<br />

Ma né Cabeli m abai xo:<br />

[...]<br />

Quer vê, vá ouvi ndo aí: Do mi ngo, eu, be m di zer, a manheci espirrando<br />

cani vete... Espirrando canivet e, não! Eu a manheci com os chi nel o trocado e<br />

pisando e m bosta de cururu... Em bosta de cururu, não!!! Eu a manheci<br />

pisando e m r ast o de corno! Ol ha só que m chega be m cedo l á e m casa, co m<br />

aquela cabeça aut o-dos-pi olho... cabeça aut o-dos-pol ho, não!!! Co m aquel a<br />

cabeça de vaca do chifre mocho: Que m chegou f oi cumpade Mané Cabeli m<br />

com a falta de vergonha e a corage m! Tu acredita? Com a falta de ver gonha<br />

e a corage m, não!!! El e vei foi aco mpanhado daquela profana do cabel o<br />

fino que ficou dentro du m t rio-elétrico, que era ver o ca mi nhão do zi nferno,<br />

esperando o resultado!<br />

[...]<br />

No poe ma, “Coisas Pra se Di zer Benzó- Deus”, a seguir, percebe mos a maneira co m<br />

que Jessier trabal ha a rima e m sua poesia e quando faze mos u ma análise ve mos al gu mas<br />

coisas que são co muns no i nteri or. Uma mul her co m muit os fil hos, um boi adeiro que grita<br />

si multanea ment e ao barul ho dos chocal hos do gado, e m mei o às pl ant as nati vas e u m s ol o<br />

muit o seco. A estrofe finaliza-se co m os cost umes do sert anej o, modo própri o de preparar o<br />

café e co m a expressão que é muit o peculiar ao sertanej o, “Benzo- Deus”, utilizada para<br />

el ogi ar al go de bom, seu falar na linguage m arcaica no últi mo verso.<br />

[...]<br />

“Sá- Zefi nha ser mãe de tantos filhos<br />

Be m di zer sendo uma zefi nharia<br />

Boi adeiro aboi ando e m si ntoni a<br />

Co m o blé m- bl é m do chocalho que chocal ha<br />

Jure mas com escoli ose nas gal has<br />

Respirando num sol o ressequi do<br />

Um café be m t orrado e bem fervi do<br />

Que agrada monarcas e plebeus<br />

São coisas que se di ga benzó- Deus!<br />

No l ugar que caxete é compri mi do”.<br />

[...]<br />

A poesia quiri niana de for ma al guma, t enta defor mar o modo de falar do mat ut o,<br />

agir co m di scri mi nação ou f orjar u m supost o erro na pr onúnci a das pal avras. As pal avras são<br />

33


grafadas diferente para represent ar o modo de falar do sertanej o, como por exe mpl o, a pal avra<br />

“ mi ni no” é escrita dessa for ma e m suas obras, porque é assi m que o mat uto fala. Ta mbé m, é<br />

bo m frisar que o mat ut o não é enf ocado co mo um débil ment al, um i di ota, como é vist o pel a<br />

sociedade, pel o contrári o, na poesia de Jessier, esse mat ut o é val orizado e repr esent ado co mo<br />

u m ser hu mano co mpl eto de me móri a e de i magi nação. Esses aspect os fi ca m cl aros e m<br />

muit os dos causos que ele cont a e u m del es é o do “ Mat ut o no ci ne ma”, que cont a a hist ória<br />

de u m mat ut o que vai assistir a u m fil me a mericano l egendado. Mes mo s e m saber l er ou<br />

ent ender a fala dos personagens el e ent ende o filme e ai nda consegue cont ar t udo para que m<br />

quiser ouvir.<br />

34


3. 2 ESTE É JESSI ER QUI RI NO<br />

Jessier Quiri no é o pri nci pal expoent e da literat ura mat uta, a mais nova vertent e da<br />

literat ura popul ar e defensor das causas e i dentidade mat utas. Jessier se aut o defi ne co mo<br />

arquitet o por pr ofissão, poet a por vocação e mat ut o por convi cção. Ar quitet o por pr ofissão<br />

por que apesar de el e ser conheci do naci onal ment e co mo u m poet a popul ar, el e exerce a<br />

pr ofissão de ar quitet o desde 1982, quando t er mi nou o curso de ar quitet ura pel a UFPB – e m<br />

João Pessoa - PB, t endo obras espal hadas por t odo Nor deste, pri nci pal ment e na área de<br />

concessi onárias de aut omóveis.<br />

Poet a por vocação, por que j á nasceu co m esse dom poético de bri ncar com as pal avras<br />

e fazer o público paralisar e se entreter di ante de sua habilidade t ant o para a orat ória poética<br />

quant o para o seu manejo da escrita, como afirma Paul o Cal da:( www.jessierquiri no. com. br<br />

05/ 2008) “dono de u m estilo pr ópri o – do mador de pal avras –[...] de u ma ver ve apurada e de<br />

u m extre mo preci osis mo no manej o da métrica e da ri ma, o poet a [...] sabe co mo ni ngué m<br />

prender a at enção do público”. Mat ut o por convicção, devi do ao seu gosto, por se consi derar<br />

mat ut o e está convi ct o disso de t er na sua essênci a u m espírito matut o. Jessier é u m<br />

interessado por causa poética nor desti na, persegue os fat os e hist órias mat ut as co m “os ol hos<br />

e faro de um cão rastejador. ”<br />

Jessier Quiri no nasceu e m Ca mpi na Gr ande – PB e mora at ual ment e e m It abai ana<br />

desde 1983. Fil ho de Antôni o Quiri no de Mel o e Mari a Po mpéi a de Ar aújo Mel o. É o quart o<br />

filho de u ma pr ol e de ci nco. Est udou e m Campi na Gr ande at é o ginási o, no I nstit ut o<br />

Do mi ngos Sávi o e no Col égi o Pi o XI. Fez curso ci entífico e m Recife e facul dade e m João<br />

Pessoa.<br />

Na carreira artística, o mes mo é aut odi data co mo i nstrumentista, toca vi ol ão e fez<br />

cursos de desenhos artístico e ar quitet ônico. Na literat ura, como t odos nós sabe mos, é u m<br />

poet a popul ar, trabal ha a pr osa, poesia, a métrica e a ri ma, é u m decl a mador por excel ênci a,<br />

u m “do mador de pal avras”, assi m o mes mo afir ma na contra capa do li vro “Pr osa Mor ena”:<br />

“ Gost o de fazer cócegas co m as pal avras. E e m mat éria de decl a mar, sempr e tiro passage m<br />

para viagens mais longas e tibungões mais profundos nas caci mbas da poesia”.<br />

Nas obras de Jessier Quiri no percebe mos a preocupação que esse poet a t e m e m<br />

relação à pr obl e mática da sit uação de vi da dos sertanej os. Jessier se manifesta e m pr ol da<br />

causa daquel es menos favoreci dos, utilizando, como ar ma, a sua poesia, para retratar as<br />

mazel as políticas que atinge o Nor deste assi m co mo retrata t a mbé m as nor desti ni dades de<br />

35


for ma si ngul ar e cô mi ca co m seu estilo pr ópri o, crítico e irreverent e co mo mostra o<br />

depoi ment o a seguir:<br />

Jessier Quiri no expl ora uma verve i mpar no trat o com as palavras com sua<br />

vei a cômi ca e extre ma criativi dade. Ele, como poucos, sabe ilustrar através<br />

do j ogo de palavras adornado de uma for ma poética, cont ar causos sobre a<br />

terra nordestina e a gente desse lugar.<br />

www. parai ba. com. br/ noticia.sht ml ?56072 2007, p. 1)<br />

Jessier é o aut or dos li vros: Paisage m de I nt eri or ( poesia), “ Agr uras da Lat a D’ água”<br />

(poesia), “ O Chapéu Mal e o Lobi nho Vermel ho” (i nfantil), “Pr osa Mor ena” ( poesia),<br />

“Política de Pé de Mur o – O Co mit ê do Povão”, neste li vro, Jessier mostra u m be m -<br />

hu morado co mit ê de l egendas e i magens co mposto de 195 f ot ografias de pi chações políticas,<br />

exóticas que causa m o riso de que m vê e l ê. É u ma espécie de col eta de t odos os apeli dos<br />

engraçados de políticos, utilizados e m ca mpanhas el eit orais. Al gu mas dessas f ot ografias<br />

col etadas por el e f ora m envi adas por a mi gos, sabedores do i nteresse del e pel a causa. Ta mbé m<br />

gravou CDs: Paisage m de I nt eri or 1 e 2 e o l ivro de Bandeira Nor desti na que t a mbé m<br />

acompanha o CD. Ai nda t e m “ A Fol ha de Bol do”, ” Notícia de Cachaceiro” – e m parceria<br />

com Joselito Nunes – todos editados pela edição Bagaço do Recife.<br />

O poe ma a seguir é o carro-chefe da poesia de Jessier Quiri no e pode ser consi derado<br />

como o seu pri nci pal poe ma, por que é o que mai s evi denci a, explicita, demonstra o uni verso<br />

visual, o panora ma da poesia quiri niana e revela a i mage m i nt eri orana do Nor deste. Percebe-<br />

se t a mbé m u ma expressão da li nguage m mat ut a no tít ul o desse poe ma, “Isso é cagado e<br />

cuspi do paisage m de i nteri or”, ou seja, u ma variação da li nguage m e m que na nor ma padrão<br />

seria “Isso é decalcado e escul pi do paisage m de i nteri or”.<br />

Est e poe ma é u m ver dadeiro retrat o da reali dade do povo nor desti no. Nel e, Jessier<br />

enfatiza a tranqüilidade, a si mplici dade da vi da das pessoas de u ma pequena ci dade do<br />

interi or, e m que há poucos recursos t ecnol ógi cos, onde a vi da sur ge de f orma be m nat ural e m<br />

mei o a ut ensílios e coisas que só são encontrados no i nteri or do sertão. Tais obj et os co mo:<br />

chapéu de cour o, gi bão, ciscador, corda e enxada, são mat eriais de extre mo val or para o<br />

mat ut o, pois esses objet os são utilizados diaria ment e no trabal ho dele.<br />

Ta mbé m Jessier denunci a a co mpra de vot os que i nfeliz ment e ai nda existe no Nor dest e<br />

(na quarta estrofe), e m que os políticos se apr oveitam da i ngenui dade política dos sertanej os<br />

devi do sua falta de escol ari dade, para se beneficiare m fi nanceira ment e e politica ment e da<br />

situação. Da mes ma f or ma são mostradas características peculiares ao mat ut o co mo a<br />

36


presença da reli gi osi dade, a fi gura do ho me m coraj oso e a tradi ção da dança do f orró do di a<br />

de São João, fi nalizando co m o poder e o do mí nio que as altas aut ori dades exerce m sobre a<br />

sociedade mat uta.<br />

Isso é cagado e cuspi do paisage m de interi or<br />

Mat ut o no mêi da pista<br />

meni no chorando nu<br />

rol o de fumo e beiju<br />

col chão de pal ha listrado<br />

u m par de bêbo agarrado<br />

pret o vei o rezador<br />

jument o jipe e trat or<br />

lençol voando estendi do<br />

isso é cagado e cuspi do<br />

paisage m de interi or.<br />

Três mol eque fedorent o<br />

morcegando um ca mi nhão<br />

chapéu de couro e gi bão<br />

bodega com surti ment o<br />

poeira no pé de vent o<br />

tabuléro de cocada<br />

banguel a dando risada<br />

das prosa do cantador<br />

buchuda sentindo dor<br />

com o filho quase pari do<br />

isso é cagado e cuspi do<br />

paisage m de interi or.<br />

[...]<br />

Mastruz e erva-ci dreira<br />

debai xo dum jat obá<br />

meni no querendo ol har<br />

as calça da lavadeira<br />

u m chi ado de porteira<br />

u m fole de oito bai xo<br />

pit omba boa no cacho<br />

u m canári o cantador<br />

ca mi nhão de eleitor<br />

com os vot o tudo vendi do<br />

isso é cagado e cuspi do<br />

paisage m de interi or.<br />

Um mot orista cangueiro<br />

u m ji pe chêi de batata<br />

u m balai de al percata<br />

porca gorda no chi queiro<br />

u m ca mel ô tra mbi queiro<br />

avel ós e lagartixa<br />

bode véi o de barbicha<br />

bisaco de caçador<br />

u m vaqueiro aboiador<br />

37


odegueiro ador meci do<br />

isso é cagado e cuspi do<br />

paisage m de interi or.<br />

Me ni nas na cirandi nha<br />

u m pul a corda e um t oca<br />

varredeira na fofoca<br />

u ma saca de fari nha<br />

cacarej o de galinha<br />

novena no mês de mai o<br />

vira-lata e papagai o<br />

carroça de a mol ador<br />

fachada de toda cor<br />

u m brugueli m desnutrido<br />

isso é cagado e cuspi do<br />

paisage m de interi or.<br />

[...]<br />

Um forró de pé de serra<br />

fogueira mil ho e balão<br />

u m t um-t um-t um de pilão<br />

u m cabritinho que berra<br />

u ma mant ei ga da terra<br />

zoada no mêi da feira<br />

facada na gafieira<br />

mat ut o respeitador<br />

padre, prefeito e dout or<br />

os home mais entendi do<br />

isso é cagado e cuspi do<br />

paisage m de interi or.<br />

(Paisage m de Interi or)<br />

O pr óxi mo poe ma retrata a festa de carnaval sob a ótica do mat ut o e evi denci a vári os<br />

fat os i morais que passam, muitas vezes, despercebi dos pel as pessoas, só por que é época de<br />

carnaval, como se nesse perí odo carnavalesco, valesse de t udo, co mo se a sociedade esti vesse<br />

liberta, nesses três di as para a prática da i moralidade, se m pensar nos valores, respeit o, nos<br />

preceit os religi osos que, para o mat ut o, são de extre mo val or moral.<br />

Co mo sabe mos, o mat uto t e m u m zel o pel a moral e quando há u ma quebra desse<br />

val or, surge u m pr obl e ma soci al, por exe mpl o, a gravi dez i ndesejada como é exe mplificado<br />

na últi ma estrofe do poema. Isso mostra as duas faces do carnaval, a di versão, a i nj eção de<br />

capital, geração de e mpregos t e mporári os, mas por outro l ado, gera violênci a, surt os de<br />

doenças, aci dent es, se m falar na perda dos val ores da soci edade. Na segunda estrofe se vê a<br />

crítica ao abuso da bebi da e co mo ao i ngeri-la se bot a e m peri go a vi da das outras pessoas. Na<br />

quarta estrofe se percebe quando o mundo vira as avessas e as pessoas se aproveita m para a<br />

38


prática de t odas as li bertinagens. Na sext a e séti ma estrofes se vê a virada da hi pocrisia soci al,<br />

quando t odo mundo é igual no mei o da baderna.<br />

Mat ut o no Carnaval<br />

Existe uma bri ncadêra<br />

qu’eu não gost o de bri ncá<br />

é pula qui ne m macaco<br />

nos dia de carnavá.<br />

É bri ncadêra suada<br />

cum sujêra e vexação<br />

c’us povo bêbo e mui ado<br />

vi vendo de mangação<br />

pul ando i n riba dos carro<br />

os chofé só dando isparro<br />

entrando nas contra mão.<br />

É festej o deferente<br />

dos forró lá dos terrêro<br />

c’us casá fori nfunfando<br />

cada quá cum seu parcêro<br />

fulia é que ne m macu mba<br />

toca mais de mil zabu mba<br />

não se ôve um safonêro.<br />

É nessa ta mborilada<br />

que os besta vira tarado<br />

que mada me vira quenga<br />

que urso vira viado<br />

que o mais pacat o se zanga<br />

que gerená faz munganga<br />

qu’é pre mitido pecado.<br />

É pre miti do zuêra<br />

é pre mitido pulá<br />

zoná, caí na gandáia<br />

é pre mitido mui á<br />

fumá, cherá e bebê<br />

é pre mitido perdê<br />

o proi bi do é achá.<br />

É aí que a ta mpa avôa<br />

pro de baxo do pulêro<br />

criado dá na patrôa<br />

que o rico vira lixêro<br />

pro baxo da fantasia<br />

todo mundo é nos trêis dia<br />

o que não é ano i ntêro.<br />

Já vi maj ó de sai ote<br />

levando isporro dum cabo<br />

vi pade de cara branca<br />

fantasiado de diabo<br />

vi vitalina feliz<br />

que só não deu por um triz<br />

mas i nda isquent ô o rabo.<br />

Vi coxa, vi peito, bunda<br />

vi fe me t oda pelada<br />

patroa chi que sa mbando<br />

no broco das e mpregada<br />

ho me mijando na rua<br />

ne m as bai guia abut ua<br />

e os povo não dize nada.<br />

Vi nêga de incarnada<br />

usando peruca lôra<br />

pai aço de a mbul ança<br />

laúça dando bilôra<br />

os povo se istraçaiando<br />

só pruque passô tocando<br />

u m frevo – um tá de bassôra.<br />

vi crente cherá peufumo<br />

c’ua cara chêa de pó<br />

fresco levando dedada<br />

gali nha de palet ó<br />

noi va ingoli ndo liança<br />

vi delegado de trança<br />

avô sarrando c’avó.<br />

É nessa xiri mba mbada<br />

que acabei de contá<br />

que adispois de nove mês<br />

mai s pra pert o do natá<br />

in quaje toda fa mi a<br />

nasce um fí da fulia<br />

cum esse tá carnavá.<br />

(Paisage m de Interi or)<br />

A r eli gi osi dade encontra-se enraizada e m t odos os aspect os da vi da dos sertanej os. El a é<br />

regul adora de t odas as ações, do trabal ho, do cotidiano, do di a-a-dia, enfim, o mat ut o atri bui<br />

39


todos os fenômenos do mundo às l eis di vi nas como: pedi do de chuva, prol onga ment o da vi da<br />

cura de doença, sorte no casa ment o. O mat ut o t e m pouca di versão, é muit o apegado ao<br />

trabal ho e u m dos seus entreteni ment os são as f estas reli gi osas, as festas do padr oeiro, a<br />

novena, a quer messe, onde, paga m-se pr omessas, e faze m oração, rezas e pedi dos ao sant o<br />

padr oeiro, o sant o do l ugar, com i nt uit o de alcançar a graça desejada. Ta mbé m é muit o<br />

comu m nos deparar mos com a presença da reli gião quando entra mos na casa do u m mat ut o,<br />

e m que pode mos encontrar t erços, crucifixo retratos de sant os, e m l ugar de destaque na sal a.<br />

Outra característica reli giosa e co mu m do mat ut o é batizar o fil ho ou col ocar o no me do l ugar<br />

com o no me de sant o, todas essas perspecti vas são capt adas por Jessier Quiri no e revel adas<br />

magistral ment e e m sua obra como se vê no poe ma abai xo:<br />

Os Sant os da Paraí ba<br />

Êh! povo Parai bano<br />

gostadozi m de rezar!<br />

pois bota nome de Sant o<br />

e m t udo quant o é lugar.<br />

Se o cumpade é benzedor<br />

é romeiro ou rezador<br />

se aj oel he, va mo rezar:<br />

reze e m Sant a Gertrudes<br />

Terezi nha, e Sant a Cruz<br />

e m São João do rio do Pei xe<br />

São Ma mede e Bo m Jesus<br />

e m São João do sabuji<br />

e m São João do Cariri<br />

reze no Brej o do Cruz.<br />

Vá rezar lá e m Bonit o<br />

Bonit o de Sant a Fé<br />

Sant a Rita e São Gonçal o<br />

e m Frei Martin se quiser<br />

e m São José de Espi nharas<br />

e m São José dos Cordeiros<br />

lá e m São José da Mat a<br />

na mat a de São José.<br />

Pr ocure Brej o dos Sant os<br />

São Bastião do Umbuzeiro<br />

não esqueça São Francisco<br />

o Sant o mais verdadeiro<br />

tem Barra de São mi guel<br />

tem Barra de santa Rosa<br />

respeite São João do Ti gre<br />

que te m reza milagrosa.<br />

lá e m São José dos Pat os<br />

e m São José de Pilar<br />

e m São José de Mari mbas<br />

bot e José pra rezar<br />

e m Sal gado de São Féli x<br />

São Mi guel de Itai pu<br />

faça uma reza be m forte<br />

que dê pra mi m e pra tu.<br />

Vá rezar e m São Vi cente<br />

nas banda do Seri dó<br />

reze e m Sant a Luzia<br />

mas não caia no forró<br />

lembre de Nossa Senhora<br />

Senhora do Li vra ment o<br />

passe por Brej o das Freiras<br />

vá se aj oel har e m São Bento.<br />

Em São José de Piranhas<br />

ou da lagoa Tapada<br />

e m São José de Cai ana<br />

reze reza caprichada<br />

ao chegar e m Sant a Hel ena<br />

reze uma vez e m lati m<br />

pra ter mi nar reze um terço<br />

e m São José do Bonfi m.<br />

(Paisage m de Interi or)<br />

40


Jessier faz uma lista de Sant os que são usadas para nomear as ci dades. Num l udis mo<br />

be m hu morado ele consegue unir a ci dade e o costu me dos sertanej os.<br />

Da mes ma f or ma que os í ndi os, o mat ut o por está pr óxi mo a nat ureza t e m u m cert o<br />

apego à el a e del a el e tira o sustent o para suas necessi dades. Assi m o sertanej o que t e m co mo<br />

seu mai or pr obl e ma, a seca, busca no u mbuzeiro a sol ução para acabar com a sede mostrada<br />

no poe ma a seguir.<br />

No ent ant o, percebe mos que o poet a hu mani za a ár vore e chega a pedir a benção ao<br />

u mbuzeiro, j á que esse pedi do de benção atri bui-se às pessoas que estão muit o pr óxi mo de<br />

nós, que são respeitadas e ad miradas como: pai, padri nho, ti o. Isso mostra que o mat ut o<br />

mant é m u m l aço de afeto mút uo co m r el ação ao u mbuzeiro. Em muit os povoados do i nt eri or<br />

do Nor deste é co mu m as pessoas zel are m pel a árvore, muitas chega m a varrer, podar, aguá-la,<br />

pois o frut o dessa árvore, quando mi st urado a outros pr odut os, vira u mbuzada, prat o<br />

apreciado pel o mat ut o, ali ment o f orte no co mbat e à f ome durant e t odo o ano, mes mo que sej a<br />

de seca. Por isso, o u mbuzeiro é ti do co mo u ma árvore sagrada, por el e saciar a sede e mat ar a<br />

fome dos sertanej os.<br />

Umbuzeiro Sagrado<br />

A benção,<br />

Me u Umbuzeiro Sagrado!<br />

A raiz do umbuzeiro<br />

É be m dizer<br />

Uma nuve m a moj ada de inverno<br />

E e m se tratando de água<br />

Feit o botija no chão<br />

É meu baú de guardados.<br />

Por isso me curvo mei o anzol ado<br />

E peço a benção<br />

Ao Umbuzeiro Sagrado.<br />

A bênção,<br />

Me u Umbuzeiro Sagrado!<br />

E se mpre que houver um frei o<br />

No carro da invernada<br />

Haverá uma raiz de cisterna<br />

Acudi ndo a mat utada.<br />

O frut o do umbuzeiro<br />

É verde a mel anciado<br />

Ma dur o, é bol ha a marela<br />

De azedo açucarado<br />

Na boca do sertanej o<br />

É beij o de esti mação<br />

E passado e m urupe ma<br />

No leite, açúcar e cozi do<br />

É o grosso da umbuzada.<br />

Por isso, sua bênção,<br />

Por tanta força e mprestada.<br />

Or ando ao pé do umbuzeiro:<br />

O gaitear dos cabritos<br />

Hi no capri no e Nordeste<br />

O verde mandacaru<br />

De redondura vi ncada<br />

Jure ma, Jure ma preta<br />

Ma greliça e espi nhent a<br />

Bi st uri da vaqueirada.<br />

Todos pedi ndo a bênção<br />

Ao Umbuzeiro Sagrado.<br />

A bênção,<br />

Me u umbuzeiro sagrado!<br />

Dou de oferenda ao umbuzeiro<br />

Me us versos de mat o adentro<br />

Be m mant ei gosos de nata<br />

41


Um escândal o de gali nheiro<br />

Anunci ando a post ura<br />

A chuva beijando a tarde<br />

E a tel ha escoando prata<br />

Co m o sol feito um Deus fumant e<br />

Co m seu charut o de brasa.<br />

A BENÇÃO,<br />

MEU UMBUZEI RO<br />

SAGRADO!<br />

( Bandeira Nordestina)<br />

Jessier faz uma homenage m ao umbuzeiro nu ma expressão met afórica e e moci onant e<br />

pel a for ma como usa os fat ores sertanej os e expressões como se vê na segunda estrofe,<br />

especial ment e nos quatro pri meiros versos.<br />

Jessier assi m co mo t odo mat ut o, sertanej o, se preocupa co m a seca. No poe ma a seguir,<br />

el e retrata a pr obl e mática da seca que se encontra enraizada na vi da de t odos os nor desti nos.<br />

Mas essa questão não se resume soment e a falta de água, se analisar be m à sit uação,<br />

percebe mos que não falta água no Nor deste, o que falta é vont ade, i nteresse político e m<br />

mudar essa reali dade caótica, por que há gr upos políticos e grandes l atifundi ári os que se<br />

beneficia m co m a seca, faze m j ogo, manobras políticas, mant ê m u ma rel ação de poder-<br />

espécie de acordo entre a mbas as partes e m que os políticos desvi a m os recursos desti nados<br />

ao co mbat e à seca para beneficiar os grandes pr oprietári os de t erras e m troca de vot os de u m<br />

el eitorado que pensa que deve favores a esses “coronéis do sertão”.<br />

Muit os fazendeiros faze m e mprésti mos bancários de verbas do governo e para se<br />

livrare m da i nadi mpl ência, usa m a seca co mo o moti vo pri nci pal para o não paga ment o das<br />

dí vi das contraí das. Ai nda esses gr upos prega m suas i deol ogi as e m afir mar que a seca é u m<br />

fenômeno nat ural e t otal responsável pel a f ome e pel a mi séria na regi ão e to ma m medi da para<br />

i mpedir que ações eficazes sej a m adot adas co m o i nt uit o de et ernizar o pr obl e ma, é que se<br />

mostra no poe ma abai xo:<br />

Sede de Poder<br />

Nor deste, capital da sede<br />

E é com sede que a sede cresce<br />

E o Poder a poder da sede<br />

Não deseja que a sede cesse.<br />

Que m sepulta um crist o na rede<br />

Vai vi vendo a poder de prece<br />

É sertão nu m pé-de-parede<br />

Vendo t udo morrer de “EDE”<br />

Pois ali já bebera m o “S”.<br />

( Bandeira Nor desti na)<br />

O Zé Qual quer mostrado no poe ma a seguir representa t odos os mat ut os, sertanej os<br />

que vi ve m u ma vi da si mpl es, se m conf ort o, nu ma sit uação difícil causada pel a falta de água,<br />

na t erra e m que execut a o trabal ho braçal, pesado, na qual o úni co peri go que a meaça a vi da,<br />

42


al é m da seca, é a pegada de bois – u m trabal ho perigoso que requer muita corage m, agili dade,<br />

experiência e deter mi nação.<br />

Esse Zé Qual quer é sí mbol o de resistência às adversi dades do mei o, a crueza do sertão<br />

casti gado pel o sol ardente e causticante. A sit uação enfrent ada por el e não é para qual quer<br />

u m; ou seja, o trabal ho que el e faz não é fácil, precisa de conheci ment o e prática que t al vez<br />

u m ho me m ur bano ou u m despreparado não consi ga fazer, portant o, o Zé Qual quer t e m<br />

conheci ment o e é bo m naquil o que faz. É por causa dessa vi da dura e desse trabal ho br ut al<br />

que o Zé Qual quer é comparado a u m “u mbuzeiro”, sí mbol o de resistência, co mo t a mbé m a<br />

u m “ mil ho assado” que mes mo depois de i ngeri do pode sair i nteiro, se não f or be m<br />

masti gado.<br />

O i nt eressante é que t odas as co mparações feitas para mostrar a capaci dade e quali dades<br />

do Zé Qual quer, são feitas a partir de aspect os, element os ou i nstrument os de uso do pr ópri o<br />

sertanej o, ou mat ut o, como se ver nas estrofes 5, 6, 7 e 8.<br />

Dessa f or ma, percebe mos que o sertanej o, apesar de ser persistente, coraj oso,<br />

enfrent ador das sit uações mai s adversas, mas que por trás desse ho me m bravo, há u m ser que<br />

é capaz de a mar e quando a ma é co mo u ma “mant ei ga nu ma crea mecrakerzi nha” co mo é<br />

mostrado no poe ma.<br />

Ta mbé m not a mos que esse Zé Qual quer represent ante dos sertanej os e mat ut os, se<br />

mostra apegado a sua religi osi dade e fiel ao matrimôni o, mas perde t oda sua post ura quando<br />

este é col ocado e m risco, ou se al gum engraçadi nho mexer co m sua mul her assi m co mo<br />

reagiria qual quer sertanejo.<br />

Zé Qual quer e Chi ca Boa<br />

Empurra a cancela Zé<br />

Abre o curral da verdade<br />

Pra mostrar pra moci dade<br />

Co mo é que vi ve um Zé<br />

Se m um confort o sequer<br />

Co m sua latas furadas<br />

E a caci mba tão distante<br />

Um Zé ara me farpant e<br />

Feit o de gente e de fé.<br />

O Zé se aprisi ona<br />

Aos cacos vel hos da enxada<br />

Que nasce herdeiro do nada<br />

E qual quer lado é seu ca mi nho<br />

Me dal has são seus espi nhos<br />

Quedas de bois são batal has<br />

Seus braços, duas cangal has<br />

De tai pa e barro é seu ni nho.<br />

O Zé meti do e m gi bão<br />

Nu ma besta atrás dum boi<br />

Por entre as jure mas pretas<br />

Por onde o bicho se foi<br />

A poder de grito e ois<br />

Peitando gravet o tort o<br />

Um dos três vai sair mort o<br />

Ou ele, a besta ou o boi.<br />

É cabôco elefantado<br />

Que não te m medo de cruz<br />

Que fita o sol faiscando<br />

Dez mil pei xeiras de luz<br />

O Zé que assi m se conduz<br />

Nas brenhas deste sertão<br />

43


O Zé Ni ngué m, Zé Qual quer<br />

Mas o Qual quer desse Zé<br />

Não é qual quer qual quer não.<br />

Sois umbuzeiro de estrada<br />

Sois ni nho de carcará<br />

Sois fol ha seca, sois gal ho<br />

Sois ful ô de se cheirar<br />

Sois frut o doce e azedo<br />

Sois raiz que logo cedo<br />

Quer terra pra se enfiar.<br />

Sois bafo de cuscuzeira<br />

Sois cal do de mil ho quent e<br />

Sois a canjica do mil ho<br />

Sois mil ho pessoal ment e<br />

Tu sois forte no batente<br />

Tu sois como mil ho assado<br />

Se não for be m masti gado<br />

Sai inteirinho da gente.<br />

Tu desarruma as tristezas<br />

Caçando uma risadi nha<br />

Sois doi do, doi do t u sois<br />

Tu sois um baião-de-dois<br />

tu sois pirão de fari nha<br />

Sois brut o que se a mei ga<br />

No a mor tu sois mant ei ga<br />

Nu ma crea mecrackerzi nha.<br />

Sois um Zé Qual quer do mat o<br />

Pr ovador de a margor<br />

Tu sois urro, sois maciço<br />

Devot o do Padre Ci ço<br />

Sois mat ut o rezador<br />

O Zé Qual quer e m pessoa<br />

Mari do de Chi ca Boa<br />

O t eu verdadeiro a mor.<br />

É Francisca Cali méria<br />

Feliciana Qual quer<br />

Chi ca boa é apeli do<br />

Pode cha mar que m quiser<br />

Mas di go às outras pessoas<br />

Não di ga m que Chi ca “É” boa<br />

O cabra que assi m caçoa<br />

Vê direiti m que m é Zé.<br />

(Prosa Morena)<br />

No poe ma abai xo Jessier denunci a a corrupção dos políticos que faze m o uso do<br />

di nheiro público e m benefíci o pr ópri o e tira m até daquel es menos favoreci dos que, muit as<br />

vezes, não t ê m quase nada a oferecer. Esses corrupt os para se li vrare m de u ma CPI, quando<br />

pegos no flagrant e, e m um delito político, mostram pr ovas irrelevant es, sem j ustificati va, mas<br />

são pr ot egi dos pel a l ei e por seus co mpanheiros de pr ofissão e quando não há escapat ória,<br />

renunci a m ao cargo e em outra el eição apr oveitam o esqueci ment o político, por parte do<br />

el eitorado, para voltar a se candi datar e a se reel eger. É esse “ci cl o político vi ci oso” que<br />

Jessier tenta mostrar no poe ma abai xo:<br />

Exe mpl o Politicoso<br />

Aquel e ali por exe mpl o<br />

É um político exe mpl ar<br />

Só pega no que é dele<br />

Na hora que vai mijar<br />

Rouba do cego o caneco<br />

Rasga roupa de boneco<br />

Pra ver meni no chorar.<br />

E vi ndo uma CPI<br />

Querendo CPIzar<br />

estrebucha, mostra as prova<br />

44


Mol dada pra se aprovar<br />

Se i nocent a e vai-se e mbora...<br />

Se for muit o cai pora<br />

E não der pra se livrar<br />

Renuncia, junta os caco...<br />

Co mo nada aqui, dá nada<br />

Dá outra candi dat ura<br />

E t orna a politicar.<br />

(Prosa Morena)<br />

O poe ma segui nte surgi u a partir das observações que Jessier fez das f or mas de co mo<br />

os políticos or gani zava m u m co mí ci o e m Ca mpanha no i nteri or. Nesse poema Jessier faz u ma<br />

descrição perfeita de u m co mí ci o de ci dade do i nteri or, e m que não é necessári o muit a coisa<br />

para fazer u ma ca mpanha el eit oral, basta o apoio de outros políticos corrupt os, dos “puxa-<br />

sacos”, pedir o “ V” da vit ória do povo encabrest ado e apresent ar de f or ma tri unfal, o<br />

candi dat o pl eiteado ao cargo e fazer pr omessas difíceis de sere m cu mpridas para ganhar a<br />

el eição.<br />

Não precisa de muita novi dade ou renovação, todo ano el eit oral, são as mes mas<br />

coisas, as mes mas hist órias e pr omessas, mas que são suficientes para l udi briar o povo<br />

alienado politica ment e. Depois da el eição a hist ória t a mbé m não é diferent e, o povo é<br />

esqueci do, as pr omessas não são cu mpri das e esses políticos, al é m de gozar dos pri vilégi os<br />

ofereci dos pel a pr ofissão ai nda utiliza m o di nheiro público e m benefíci os pr ópri os, de f or ma<br />

esbanj adora, se m pensar na sit uação sofredora daquel es menos favoreci dos. Obser va-se que a<br />

linguage m utilizada é própria do mat ut o, para que seja ent endi da por t odos. Vê-se t a mbé m<br />

que o uso de di alet os matut os é constant e não só nesse, mas e m t odos os poe mas quiri nianos.<br />

Os neol ogis mos e a maneira co mo usa os di alet os mat ut os pode causar dificul dade aos l eit ores<br />

de outras regi ões tal é a fideli dade de Jessier com o sertão.<br />

Co mí ci o de Beco Estreito<br />

Pra se fazer um comí ci o<br />

Em te mpo de eleição<br />

Não carece de arrodei<br />

Ne m di nheiro muit o não<br />

Bast a um F-4000<br />

Ou qual quer mei ca mi nhão<br />

Ent alado e m beco estreito<br />

E um bandeirado má feito<br />

Cr uzando e m dez posição.<br />

Um l ocut or tabacudo<br />

De converseiro compri do<br />

Uns alto-falante rouco<br />

Que espal he o alari do<br />

Mi crofone com flanela<br />

Ou ver mel ha ou a marela<br />

Conf or me a cor do partido.<br />

Uma ga mbi arra véa<br />

Banguela no acender<br />

Quatro fai xa de bra mant e<br />

Escrito qual quer dizer<br />

45


Doi s pistom e um taró<br />

Pode até ficar mel hor<br />

Uma t orci da pra torcer.<br />

Aí é subir riba<br />

Mei a dúzia de corrut o<br />

Quatro babão, ci nco puta<br />

Uns oito capanga brut o<br />

E acunhar na promessa<br />

E a pisadi nha é essa:<br />

Três promessa por mi nut o.<br />

Anunci ar a chegança<br />

Do corrut o ganhador<br />

Pedir o “V” da vitória<br />

Dos dedo dos eleitor<br />

E mandar que os vira-lata<br />

Do boj o da passeata<br />

Traga o home no andor.<br />

Pr ot egendo o monossílabo<br />

De dedada e beliscão<br />

A caval o na cacunda<br />

Chega o dono da eleição<br />

Faz boca de fechecler<br />

E nesse qué-ré-qué-qué<br />

Vez por outra um foguetão.<br />

Co m voz de vent o encanado<br />

Co m o VI VA dos babão<br />

É só dizer que é mentira<br />

Sua fa ma de ladrão<br />

Fal ar do roubo dos home<br />

Pr o met er o fi m da fome<br />

E tá ganha a eleição.<br />

E ter mi nada a ca mpanha<br />

Fat urada a votação<br />

Foda-se povo, pist om<br />

Foda-se ca mi nhão<br />

Pr o messa, met a e progra ma...<br />

É só mer gul har na Brahma<br />

E curtir a posição.<br />

Sendo um cabra despachudo<br />

De politiquice quent e<br />

Bat edorzão de carteira<br />

Vi garistão compet ente<br />

É só mandar pros otári o<br />

A fot o num calendári o<br />

Be m fa mília, be m decent e:<br />

El e, um diabo séri o, honrado<br />

El a, uma diaba infl uent e<br />

Be m vestido e be m posado<br />

At é parecendo gente<br />

Carregando a tiracol o<br />

Um di abozi nho i nocente.<br />

(Prosa Morena)<br />

Acont ecença Mat uta, o pr óxi mo poe ma, é u ma carta de resposta de u m mat ut o que<br />

dei xou a sua t erra nat al e f oi morar e m São Paulo. Lá e m r esposta a carta do co mpadre que<br />

ficou no Nor deste, faz toda u ma descrição da vida da ci dade grande, bem diferent e da vi da<br />

que ele tinha no i nteri or do Sertão.<br />

Esse poe ma retrata u m vel ho pr obl e ma e muit o comu m no Nor deste, o êxodo r ural, a<br />

saí da do ho me m do campo para as grandes cidades. Se analisar mos um pouco a hist ória,<br />

percebe mos que este, é u m pr obl e ma hist órico, por que desde a época da li bertação dos<br />

escravos que o estado de São Paul o necessita de mão- de-obra para garantir o<br />

desenvol vi ment o. Pri meiro vi era m os eur opeus para substituir o trabal ho escravo. Da mes ma<br />

for ma, os nor desti nos t ambé m se sentira m atraí dos pel a grande oferta de trabal ho no fi nal do<br />

sécul o XI X e i níci o do sécul o XX, pri meiro na lavoura do café e depois na construção da<br />

ci dade de São Paul o.<br />

46


Um outro fat or causador da retirada de vári os sertanej os para as grandes ci dades, é a<br />

seca. Muit os abandona m seus l ugares para não morrere m de f ome, vende m seus pertences,<br />

suas t erras, pega m sua família e parte m para o sul co m o s onho de pr ogredir na vi da. Dei xa m<br />

para trás os parent es, o cost ume, a cult ura e a t erra nat al para se avent urare m nu m outro l ugar<br />

desconheci do. Na mai oria das vezes esses sertanej os só conhece m o manej o do trabal ho no<br />

roçado, não t ê m nenhu ma qualificação pr ofissi onal, quando chega m na capital, passa m l ongo<br />

perí odo dese mpregados e o pi or é que os mesmos não consegue m se enquadrar a u ma<br />

reali dade diferent e.<br />

Assustado co m a vi ol ênci a e passando por necessi dades, o mat ut o sonha se mpre e m<br />

voltar para o seu l ugar de ori ge m. Sent e saudade das coisas, dos obj et os e ut ensíli os que só<br />

são encontrados no sertão. O mat ut o t a mbé m não conhece as malícias da ci dade grande e<br />

ignora a i morali dade das pessoas, a falta de consciência, caráter e respeit o e m r el ação à<br />

aut ori dade, se m f al ar na vi olênci a que para el e é al go i nadmi ssí vel, que não faz parte do seu<br />

coti diano. Co mo di z Jessier e m seu CD “Paisagem de i nteri or”: “ O sertanej o chega na ci dade<br />

grande co m a saudade na garupa”, ou seja, o matut o carrega se mpre a i déi a de poder voltar<br />

para o lugar de suas raízes.<br />

Um poe ma que traz a linguage m cont errânea dos que aqui ficara m. Vê-se que pel o<br />

menos nesse caso não houve a corrupção, co mo os que vão para o sul e passa m a se achare m<br />

mel hor que os outros. Vê-se t a mbé m na maneira de falar, as expressões e no mes que o mat ut o<br />

dá para as coisas, o mat uto co mo o pr ópri o Jessier col oca, é aquel e que passa dificul dade nos<br />

lugares, mas não bai xa a cabeça se mpre há u m jeito de sair das sit uações. Nos poe mas de<br />

Jessier se vê que quando não t e m u ma pal avra ou quando não sabe pr onunci á-la o mat ut o<br />

invent a, mas não dei xa de se comuni car.<br />

Acont ecença Mat uta II<br />

A resposta<br />

São Paul o, tant o de tant o<br />

de mil novecent os e tant o<br />

Me u cumpade Zé de Nuca<br />

recebi suas nutiça<br />

e já li, já dei risada<br />

já espal hei pra mundi ça<br />

por aqui tá um sufoco<br />

nós véve de pouco a pouco<br />

mode ladrão e puliça.<br />

Nós só pensa e m apurar<br />

os di nheiro das passage<br />

pra mode nós ir si mbora<br />

pois aqui não te m vant age<br />

tamo nos bolso dos home<br />

com cal ô com frio e fome<br />

tou inté vendo visage.<br />

Vi sei um pé de pereiro<br />

e m prena via São João<br />

u ma moita de mufombo<br />

vi três jument o fujão<br />

u m pé de carrapateira<br />

vi catrevage de feira<br />

chapéu de couro e gi bão.<br />

Indagori nha eu passava<br />

lá pulas Praça da Sé<br />

foi me dando uma friage<br />

47


não pude ficar e m pé<br />

vi um pé de umburana<br />

u m j uá, um mar mel eiro<br />

avistei um boi adeiro<br />

munt ado num pangaré.<br />

Tou sofrendo<br />

má de banzo<br />

u m sofri dão a muado<br />

eu não troco dez São Paul o<br />

por um trecho do roçado<br />

já acabei mi nhas posse<br />

vai ver o qué bom pra tosse<br />

se tu vier pr’ esses lado.<br />

Aqui não te m um si bite<br />

u m bi gode, um curi ó<br />

e nenhu m passo canouro<br />

ne m calango, ne m mocó<br />

não te m mel de jandaíra<br />

ne m roupa de gasi mira<br />

ne m te m cobra de ci pó.<br />

Ne m caçuá, ne m chocal ho<br />

ne m urupe ma ou pilão<br />

ne m se vê um la mbe-la mbe<br />

pra retratar um cristão<br />

e donzela! Ne m por ce m!!<br />

pois nessas banda só te m<br />

mul é de variação.<br />

Um mari mbondo cabôco<br />

que chegue pra ferruá<br />

não te m gali nha pedrez<br />

lambedô de mangará<br />

é uma vi da cruent a<br />

sertanej o não agüent a<br />

pode me acreditar.<br />

Te m vi garista, gobira<br />

gent e boa é muit o pouca<br />

achei um dono de circo<br />

infeliz das costa ôca<br />

se dizendo companheiro<br />

comeu t odo meu di nheiro<br />

me dei xando só de touca.<br />

Me j untei com bala- Bal a<br />

mode o circo nós tomá<br />

temê mo, mas não lucrê mo<br />

mode o tant o de azá:<br />

o pal haço entristeceu<br />

três anãozi nho cresceu<br />

os puleiro se quebrou-se<br />

as e mpanada rasgou-se<br />

não pude mo cost urá.<br />

Zé Fuxi co ispragat ou-se<br />

de bai xo dum ca mi nhão<br />

Coi ó escapou fedendo<br />

dos tiro do esquadrão<br />

pisou no beiço da cova<br />

levou um tiro nos óvo<br />

Não fala mais e m tesão.<br />

Tou vi vendo de biscái<br />

até quando i nda não sei<br />

sei que não posso vi vê<br />

pro riba desse aperrêi<br />

baxáro a ripa no pade...<br />

vi vê aqui meu cumpade<br />

só na base do TÊI- BÊI.<br />

Escapá por essas banda<br />

já é coisa milagrosa<br />

me alegro mode os verso<br />

pois nós sofre mas nós gl osa<br />

se tiver boi assi nado<br />

fique aí por esses lado<br />

e segue Maria Rosa.<br />

(Paisage m de Interi or)<br />

48


Pode mos perceber as expressões que o mat ut o dá as coisas no poe ma a seguir “Li nda<br />

não, Aquel as Tui a!!”, em que Jessier mostra a descrição, os el ogi os que o mat ut o faz a sua<br />

a mada, be m ao modo dele, com u ma li nguage m riquíssi ma e m t er mos peculiares ao mat ut o.<br />

Nesse poe ma percebe mos que apesar do mat ut o não t er o do mí ni o do conheci ment o<br />

acadê mi co, co mo os grandes cânones da literat ura brasileira, el e é capaz de poet ar ao seu j eit o<br />

e a expressar os senti ment os de acordo co m as coisas, os ut ensílios, obj etos, os fenô menos<br />

que para el e são i mportantíssi mos. El e co mpara o cor po da mul her à f or ma de u m pil ão e<br />

també m no tít ul o poderia ser “li nda não, li ndíssima”, mas o mat ut o di z “li nda não, aquel as<br />

tuia” para exaltar a beleza fe mi ni na como not a mos nos trechos abai xo:<br />

Li nda não, Aquel as Tui a!!<br />

Ol ha só a caboqui nha<br />

Que bai xou no meu sonhar:<br />

Li nda não, aquelas tuia!<br />

Me u sonho foi pras cucui a<br />

Quando dei fé de ol har.<br />

Be m di zer, o jeito dela<br />

Era um cristal de flanela<br />

De tant o fofo e brilhar.<br />

De lindeza be m muit ona<br />

De fofura desossada<br />

Bei ci nho de bago grosso<br />

De bicudez encarnada<br />

Um pilãozi m de ci nt ura<br />

Dez légua de for mosura<br />

De vastidão deleitada.<br />

Cri at uri nha agarrosa<br />

Festej osa no chegar<br />

Cosquent a pel o cangot e<br />

Mol ecota nos coisar<br />

Co m três horas de espi o<br />

Não dá pro cabra espiar<br />

De tant o peri go afoito...<br />

Tri nta e sete, trinta e oito<br />

O chi neli m de pisar.<br />

[...]<br />

Na análise desses poe mas, pude mos ver o ca mpo da poesia de Jessier Quiri no, os<br />

el e ment os que constituem o uni verso de seu fazer poético, os “i ngredi entes” que f or ma m a<br />

sua poesia. Jessier descreve de f or ma perfeita os val ores morais, as crenças, a reli gi osi dade, a<br />

tradição e a cult ura do povo mat ut o, como t a mbé m, percebe mos que Jessier não dei xa de<br />

retratar, de f or ma crítica, os pr obl e mas soci ais co mo a seca, a politicagem e a morali dade.<br />

49


Nesse cont ext o pode mos afir mar que Jessier e m t oda sua obra, et nografa poetica ment e t odos<br />

os val ores, hábit os, ut ensílios e a li nguage m do sertão e que sua poesia é u m ver dadeiro<br />

retrat o e m pret o e branco da reali dade nordesti na.<br />

50


CONSI DERAÇÕES FI NAI S<br />

Esse est udo retratou a poesia de Jessier Quiri no, nu ma perspectiva de co mo o aut or<br />

expressa o mat utis mo, uma vez que e m sua obra, o mat ut o é a f ont e de i nspiração poética, o<br />

centro de suas at enções. No i ní ci o i ndaga mos se existiria, na verdade, o matutis mo, j á que não<br />

há u m est udo relaci onado ao mes mo, entretant o, as pessoas cost uma m conceit uar o<br />

mat utis mo, a literat ura mat ut a, como u ma literat ura de cor del. Na verdade esse ti po de<br />

literat ura, é a mais nova vertente da literat ura popul ar.<br />

Nesse mes mo context o, o mat ut o e o cai pira são conceit uados co mo suj eit os i guais, por<br />

sere m do i nt eri or, no entant o, se engana que assim pensa, pois el es são de regi ões diferentes.<br />

São vist os pel a sociedade de f or ma diferenciada, e m que o mat ut o é retratado co mo u m<br />

ho me m sofredor, trabal hador, enfrent ador das mais adversas sit uações enquant o que o cai pira<br />

é vist o co mo suj eit o desprovi do de preocupação co m a vi da, regi do pel a l ei do menor esforço,<br />

pregui çoso pr opria ment e dit o. Os dois são t achados co m di scri mi nação por parte da soci edade<br />

bur guesa dita ci vilizada que j ul ga as pessoas pela aparência, posição social, cor, raça e at é<br />

mes mo pel o modo de falar.<br />

Nessa perspecti va observou-se que o mat uto se encontra desenquadrado às exi gênci as<br />

do mundo moder no, por não está aparent e ment e ne m soci al ment e enquadrado nessa reali dade.<br />

Mas é bo m dei xar cl aro, que a mbos são seres humanos, pensa m, age m, mes mo que ao modo<br />

del es, dot ados de conheci ment os, experiência que t al vez, para nós não seja r elevant e, mas que<br />

para eles é de extre ma i mportância à vi da.<br />

O mundo mat ut o é marcado por características, aspect os que l he dão u ma disti nção, sua<br />

identi dade, que o faz diferente do mundo pr ogressista e m que vi ve mos. Tais características<br />

seria m: a li nguage m, comporta ment o, reli gi osi dade, moral, crenças, causos, a corage m e o<br />

respeit o, t odos i nfl uenciados pel a presença do sobrenat ural. O mat uto por não t er o<br />

conheci ment o acadê mi co, siste mático das coisas, geral ment e atri bui os fat os ao mi stéri o; às<br />

leis que f oge m da co mpreensão hu mana, dessa f or ma, faz se surgir os causos, as hist órias, as<br />

lendas que são frut os da imagi nação popul ar.<br />

No que se refere à literat ura mat uta e a literat ura popul ar, a pri ncípi o, abor da mos os<br />

si gnificados de cult ura para mostrar e co mpr ovar que cult ura não só está rel aci onada ao<br />

mundo acadê mi co, ao conheci ment o siste mático das coisas e das bel as – art es. Ta mbé m<br />

existe m outras f or mas de cult ura que faze m parte do conheci ment o e mpí rico, da experiênci a<br />

de vi da e não são respeitadas.<br />

51


Not a mos que há hist orica ment e, u ma di vergênci a entre a literat ura popul ar e a literat ura<br />

erudita, mes mo sabendo que não havi a u ma separação entre el as. Ta mbé m t oda represent ação<br />

literária era feita de f orma oral, só depois do surgi ment o da bur guesia e da i mprensa, houve<br />

u ma dissociação entre as duas cult uras e toda for ma de literat ura passou a ser feita escrita.<br />

A partir daí, nasce u ma das vertentes da literat ura popul ar, a literatura de cor del que<br />

ganha grande popul ari dade, por t er u m bai xo cust o de pr odução. No i nt eri or da literat ura<br />

popul ar há os repent es e os desafi os que são cantorias de co mposi ção i nstant ânea e m que u m<br />

ou dois cant adores narram ou se desafia m e m f or ma de verso. As pessoas cost uma m dar a<br />

literat ura mat uta a mes ma desi gnação de literat ura de cor del, mas há u ma diferença entre as<br />

duas, por que a pri meira pode ser pr oduzi da e m di versas f or mas e e m prosa ou poesi a e a<br />

segunda t e m u ma f or ma fi xa. Na literat ura mat uta encontra mos u m dos seus mai ores<br />

expoent es, Jessier Quiri no que e m sua poesia retrata o perfil do sertanej o e a pura reali dade do<br />

sertão.<br />

Est a pesquisa t eve a i mportânci a de retratar o mat ut o de f or ma mais val orizada, j á que o<br />

mes mo é víti ma de preconceit o do ho me m ur bano, devi do a seu modo de ser. Pr ocur ou-se<br />

també m esclarecer as i ndagações sobre a existênci a do mat utis mo e do seu desapareci ment o.<br />

Ant es desse est udo, acreditáva mos na não existênci a desse mundo fabuloso, ri quíssi mo e m<br />

tradição, cost ume ou no desapareci ment o dessa cult ura, por causa do grande pr ocesso de<br />

desenvol vi ment o avassalador dos recursos t ecnológi cos, da f orça ho mogenei zadora dos mei os<br />

de comuni cação e da cultura de massa.<br />

Durant e o est udo das obras de Jessier Quiri no, percebe mos que a pr ópria poesi a<br />

quiri niana fez ressurgir, br otar essa cult ura cha mada cult ura mat uta que até ent ão pareci a est á<br />

engoli da pel a vorage m t ecnol ógi ca. Jessier trouxe à t ona t odas aquel as pal avras, arcaí s mos,<br />

ter mos, dit os que só ouvíamos da boca de nossa avó e t a mbé m a pr ópria cult ura sertanej a, j á<br />

que a sua poesia é um retrat o perfeito da realidade, do coti diano do sertão.<br />

O mel hor de t udo é que Jessier, por ser u m “do mador de pal avras”, mi st ura no seu fazer<br />

poético, os t er mos arcaícos, os neol ogis mos com as pal avras de gabi net e e assi m, acabou<br />

surgi ndo essa poesia encant adora, irreverente, rica e m humor que pede para ser decla mada.<br />

Jessier dei xa cl aro e m seu trabal ho, que o mat ut o não é u m sujeito despr ovi do de<br />

conheci ment o, que merece respeit o, di gni dade. A represent ação do mat ut o na poesi a<br />

quiri niana é de u m suj eito espert o, i nteligent e, experiente que é capaz de int erpretar t odos os<br />

acont eci ment os de mundo, mes mo sendo de u m j eit o peculiar, mas não deixa de partici par do<br />

conví vi o social.<br />

52


Concl ui-se, poré m que esse est udo não t ermi na por aqui, mas pode ser o i ní ci o de u m<br />

outro muit o mais aprofundado que possa trazer mai s i nfor mações, conheci ment os sobre esse<br />

mundo i ncrí vel do mat utis mo para toda popul ação que aprecia a literat ura popul ar.<br />

53


REFERÊNCI AS<br />

ARANTES, Ant ôni o August o. O que é cult ura popul ar. 14ª ed. São Paul o: Brasiliense,<br />

2004.<br />

AYALA, Marcos e Ayala, Mari a I gnez Novais. Cult ura Popul ar no Brasil. 2ª ed. São Paul o:<br />

Áti ca, 2003.<br />

BAUMAN, Zi gmunt. Identi dade. São Paul o: Jorge Zahar, 2005.<br />

CALDAS, Paul o. Jessier Qui ri no por Paul o Cal das. www. j essierquiri no.co m. br. Acesso e m<br />

15/ 05/ 08.<br />

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