em torno de balzac ea costureirinha chinesa - Repositório da ...
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ouvi-los conversar... E melhor ain<strong>da</strong>: como Úrsula, gostaria <strong>de</strong> ver<br />
<strong>em</strong> sonhos lugares on<strong>de</strong> jamais havia estado[...] (SIJIE, 2000, p. 51)<br />
Ao ler o romance Úrsula Mirouet, o amigo <strong>de</strong> Luo acreditava passar pelos<br />
mesmos momentos vividos pela personag<strong>em</strong> Úrsula. A i<strong>de</strong>ntificação com a<br />
personag<strong>em</strong> e sua vi<strong>da</strong> acontece <strong>de</strong> forma tão r<strong>ea</strong>l que a ficção conti<strong>da</strong> no romance<br />
acaba invadindo a r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim como acontece com outros personagens <strong>de</strong><br />
Balzac e a <strong>costureirinha</strong> <strong>chinesa</strong>, que, através <strong>da</strong>s histórias li<strong>da</strong>s e narra<strong>da</strong>s por Luo<br />
e seu amigo, se <strong>em</strong>ocionam e se i<strong>de</strong>ntificam com personagens e lugares <strong>da</strong>s obras.<br />
Dos três filmes que tínhamos visto no campo <strong>de</strong> basquete <strong>de</strong> Yong Jing, o<br />
mais popular era um melodrama norte-cor<strong>ea</strong>no, cuja principal personag<strong>em</strong><br />
chamava-se “a moça <strong>da</strong>s flores” [...] ao termino <strong>da</strong> sessão, quando<br />
pronunciei a frase final, imitando a voz <strong>em</strong> off, sentimental e fatal [...] o<br />
efeito foi tão grandioso quanto o obtido pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira projeção. Todos os<br />
nossos ouvintes choraram. Até o chefe <strong>da</strong> al<strong>de</strong>ia, por mais duro que fosse,<br />
não pô<strong>de</strong> conter a cáli<strong>da</strong> efusão <strong>da</strong>s lágrimas que lhe escorreram do olho<br />
esquerdo, s<strong>em</strong>pre marcado por três gotas <strong>de</strong> sangue. (SIJIE, 2000, p. 33)<br />
Dai Sijie constrói personagens que se val<strong>em</strong> dos romances, que, para<br />
Umberto Eco (1993, p. 53), "representa uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> artifícios expressivos que o<br />
<strong>de</strong>stinatário <strong>de</strong>ve atualizar”, para, na interação entre texto e leitor, se tornar<strong>em</strong><br />
coautores, se apropriando do texto já produzido e inserindo suas interpretações,<br />
construções <strong>de</strong> sentido, toques pessoais. Luo e seu amigo, representantes <strong>da</strong><br />
burguesia r<strong>ea</strong>cionária <strong>chinesa</strong>, sa<strong>em</strong> do interior <strong>de</strong> suas casas, <strong>da</strong> solidão <strong>da</strong>s<br />
leituras <strong>de</strong> romance e a<strong>de</strong>ntram <strong>em</strong> um novo mundo, narrando as suas experiências,<br />
como burgueses urbanos para o proletariado rural chinês. Eles consegu<strong>em</strong> implantar<br />
novos valores aos romances, acrescentando outras narrativas aos mesmos,<br />
socializando suas experiências que são obti<strong>da</strong>s através <strong>da</strong> leitura, passando, assim,<br />
do individual para o coletivo. Isto só é viável pelo <strong>de</strong>sconhecimento dos al<strong>de</strong>ões<br />
sobre as obras narra<strong>da</strong>s.<br />
A todo o momento perceb<strong>em</strong>os no romance Balzac e a <strong>costureirinha</strong> <strong>chinesa</strong> a<br />
existência <strong>de</strong> um processo criativo durante a recepção <strong>de</strong> textos literários, como<br />
propõe Roger Chartier. A <strong>costureirinha</strong> se encantava com a leitura que fazia <strong>da</strong>s<br />
imagens e ficava ain<strong>da</strong> mais maravilha<strong>da</strong> quando Luo lia ou contava os romances<br />
para ela. No fascínio com as tramas li<strong>da</strong>s, brota a sensação <strong>de</strong> autonomia, que os<br />
jovens divid<strong>em</strong> com a personag<strong>em</strong> protagonista.<br />
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