A neutralidade portuguesa no conflito franco – inglês
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Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
2º CENTENÁRIO DAS INVASÕES FRANCESAS<br />
(PARTE II)<br />
A <strong>neutralidade</strong> <strong>portuguesa</strong> <strong>no</strong> <strong>conflito</strong> <strong>franco</strong> <strong>–</strong> <strong>inglês</strong><br />
Estratégia política e diplomática nas vésperas das invasões<br />
A embaixada do general Lannes.<br />
Pacificada a Europa, após dez a<strong>no</strong>s de guerras, a paz de Amiens foi apenas uma trégua.<br />
Esse curto período de tranquilidade aproveitou-o a França em fazer acreditar os seus <strong>no</strong>vos<br />
representantes diplomáticos nas Cortes até há pouco em litígio, procurando, obviamente, com<br />
essas missões, alcançar o máximo de proveito para si.<br />
Bonaparte, restabelecidas as relações com Portugal, enviava para a Corte de Lisboa,<br />
como ministro da República francesa, o general João Lannes, comandante da guarda consular,<br />
que muito se distinguira em Marengo tendo sido o vencedor da<br />
batalha de Montebelo, <strong>no</strong>me que lhe veio a dar o título de conde.<br />
Dada a amizade que existia (ou existiu?) entre Napoleão e<br />
o <strong>no</strong>vo representante da França junto do Gover<strong>no</strong> de Portugal, e<br />
o prestígio militar que este gozava, parecia, de facto, que a<br />
<strong>no</strong>meação de Lannes para Lisboa, representava uma prova de<br />
alta consideração para com o <strong>no</strong>sso País.<br />
No entanto, Thiers na sua «Histoire du Consulat» explica<br />
a decisão pelo desejo de Bonaparte afastar de Paris o general.<br />
Napoleão acabara de firmar a concordata com a Santa Sé, e<br />
restabelecera por esse tratado em França a religião católica, sem sacrificar a liberdade de<br />
consciência. Porém, o general organizou, entre os seus camaradas tenaz resistência, ou antes,<br />
«más disposições». Lannes, Augereau, etc. educados na escola revolucionária, tendo por<br />
conseguinte um grande ódio aos padres e aos emigrados, censuravam altamente, em linguagem<br />
áspera, a atitude do gover<strong>no</strong>, e diziam até inconveniências.<br />
Podia, ainda, aduzir-se um autêntico feixe de razões que teriam determinado a escolha<br />
de um militar totalmente estranho à diplomacia e seus usos. Por conseguinte, o envio de<br />
Lannes para Lisboa, deve entender-se como um afastamento, derivando mais de uma vontade<br />
de rejeição do que de um verdadeiro pla<strong>no</strong> e o certo é que … a sua escolha não foi feliz para<br />
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Portugal como representante da França junto do Príncipe Regente, o que viria a ser sobeja e<br />
lamentavelmente constatado.<br />
Entretanto o Gover<strong>no</strong> de Lisboa enviava também para Paris, como <strong>no</strong>sso ministro, D.<br />
José Maria de Sousa, o morgado de Mateus, um dos mais hábeis diplomatas, que já fora<br />
destinado a outras comissões e conhecia os assuntos que diziam respeito à política francesa.<br />
D. José Maria de Sousa chegou a Paris em 7 de Abril de 1802 e a sua primeira<br />
entrevista com Napoleão decorreu num clima de grande cordialidade, ainda que da parte do<br />
Primeiro Cônsul houvesse motivo para, de algum modo, “torcer o nariz”: é que o Gover<strong>no</strong><br />
português esquecia-se (ou fazia-se esquecido) em dar cumprimento ao estipulado <strong>no</strong> Tratado<br />
de Madrid quanto à indemnização de guerra devida à França.<br />
A inteligência e o tacto diplomático permitiram a D. José M. de Sousa moderar alguns<br />
incidentes que se lhe iam deparando. O seu casamento com uma senhora francesa, uma mulher<br />
distinta e que gozou de certa reputação literária, escreveu o célebre romance «Ourika» e era<br />
íntima de Beauharnais, facilitou-lhe, sem dúvida, a sua missão na capital francesa, tendo sido<br />
conhecida <strong>no</strong> mundo literário pelo <strong>no</strong>me de Madame de Sousa.<br />
Complicação nas relações bilaterais luso-francesas. Afrontas ao Gover<strong>no</strong><br />
português.<br />
Lannes chega a Lisboa em 2 de Maio de 1802 e desde logo se convenceu que devia<br />
impor a prepotência francesa <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso País. Era um homem conflituoso, irascível, que apesar<br />
do tratamento de excepção proporcionado, cometeu os maiores atropelos <strong>no</strong> que diz respeito à<br />
sua conduta arbitrária e prepotente; arrogante, de expedientes infames, faltando-lhe estatura de<br />
diplomata, exigia descaradamente que Portugal cedesse a todos os seus caprichos e imposições.<br />
Completamente estranho ao uso da diplomacia, soldadesco, «entrou em Lisboa como um<br />
verdadeiro temporal» e, muito em breve, cortaria relações com o <strong>no</strong>sso ministro dos<br />
Estrangeiros, D. João de Almeida de Melo e Castro, que era acusado de fazer o jogo da<br />
Inglaterra, bem como Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro e secretário de Estado, presidente<br />
do Real Erário, considerado como chefe do «partido <strong>inglês</strong>». E assim parecia ser, tanto mais<br />
que nenhum deles escondia a sua simpatia para com a Grã-Bretanha e sofrendo também da<br />
influência de Fitz Gerald, embaixador da Inglaterra em Lisboa, que odiava a França<br />
Aberto o <strong>conflito</strong> com o ministro dos Estrangeiros, e com o propósito de intimidar e<br />
violentar o Gabinete, Lannes só recorria directamente ao Príncipe Regente que, temendo o<br />
impulsivo general, procurava satisfazer-lhe as exigências, quase sempre à custa do prestígio<br />
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nacional. Diz-se que, quando ia ao Palácio da Ajuda, não perguntava pelo Príncipe Regente ou<br />
pelo Príncipe do Brasil; dizia, simplesmente: «M. du<br />
Brésil está em casa?».<br />
Aproveitando-se das imunidades diplomáticas,<br />
chegou ao ponto de estabelecer e dirigir,<br />
descaradamente, um verdadeiro corpo de<br />
contrabandistas, recebendo, enquanto esteve em Lisboa,<br />
três navios carregados, e quando partiu já estava quarto navio <strong>no</strong> Tejo.<br />
De facto, Lannes não vinha senão para enriquecer, sabendo bem que não era apto para<br />
as funções de que o encarregavam e, se veio, foi unicamente para ceder às instâncias de<br />
Napoleão e Josefina, a qual para o convencer deu a madame Lannes um presente de 60.000<br />
<strong>franco</strong>s.<br />
Semelhante comportamento do enviado francês não podia prolongar-se. As queixas do<br />
Príncipe Regente referiam que Lannes exorbitava em desprestígio do seu país, e o gover<strong>no</strong><br />
francês de modo nenhum podia conformar-se com a actividade do seu representante.<br />
Repetidas vezes reclamámos, por intermédio do <strong>no</strong>sso ministro em Paris, dos actos que<br />
entre nós praticava o representante da França. Porém, apesar das reclamações Portugal ia-se<br />
curvando a todas as exigências do general Bonaparte, o que fez dizer a Pinheiro Chagas:<br />
«Lannes praticava em Lisboa insolências que não ousaria praticar <strong>no</strong> principado do Mónaco,<br />
porque a Corte <strong>portuguesa</strong>, pelo carácter do Príncipe Regente e pela fraqueza dos seus<br />
ministros, chegara a um tal grau de abatimento e aviltamento que tudo se lhe podia fazer<br />
impunemente».<br />
Perante as constantes chamadas de atenção de D. José Maria de Sousa, Talleyrand<br />
respondia: «não ser caso de preocupação do embaixador e da Corte <strong>portuguesa</strong>, e, movido<br />
pelo rancor que tinha ao general, admirava-se de Lannes não fazer pior, prometendo substituílo».<br />
Assim informava D. José M. de Sousa, participando a Melo e Castro a opinião de<br />
Talleyrand e acrescentando: «o homem é susceptível de interesse pecuniário». Isto significava<br />
que Lannes considerava a sua estadia em Lisboa como ocupação dum lugar de alta<br />
rentabilidade, acolhendo de bom grado os favores dos portugueses para moderar as suas<br />
maneiras e a sua actividade, cobiçoso como era de ricas benesses.<br />
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Diogo Inácio de Pina Manique<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
Uma das pessoas contra quem o ministro<br />
francês mais se movimentava, não disfarçando a sua<br />
cólera, era o Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio<br />
de Pina Manique. A principal razão do ódio que lhe<br />
votava tinha a sua origem <strong>no</strong> impedimento que o<br />
Intendente pusera, como Administrador Geral das<br />
Alfândegas, ao despacho de grossa mercadoria<br />
descaminhada aos direitos, e não da acusação de ter<br />
prendido alguns franceses e mandado agredir um seu<br />
ajudante como ele declarava.<br />
Perante estas práticas, destinadas, em princípio, a combater o contrabando, comentava<br />
Lannes que tais práticas não se aplicavam aos paquetes<br />
ingleses que descarregavam <strong>no</strong> cais de Lisboa, quatro vezes<br />
ao mês, as suas mercadorias. Esta não era a opinião de José<br />
Maria de Sousa, o representante do Príncipe Regente em<br />
Paris, que explica a Talleyrand numa <strong>no</strong>ta de 29 de Maio:<br />
«A maneira como os ministros estrangeiros são tratados<br />
em Lisboa é indubitavelmente a mais vantajosa para eles<br />
do que a de todas as cortes, visto que lhes entregam com<br />
isenção de direitos, à chegada e durante todo o tempo de<br />
residência, tudo o que reclamam e asseguram ser para seu<br />
uso, desde que esses bens entrem pela Alfândega e sejam aí<br />
examinados para evitar o abuso do contrabando, que sem o saberem, se poderia aí introduzir.<br />
Os ministros de S. A. R. (Sua Alteza Real) nas cortes da Europa jamais pretenderam uma<br />
reciprocidade deste privilégio de que não desfrutam».<br />
Este texto enumerava, ainda, as diversas causas do descontentamento do futuro D. João<br />
VI a respeito de Lannes: «reclamações e ameaças contínuas, desdém manifesto pelos usos e<br />
regras de etiqueta, pretensão a não tratar a não ser com o Príncipe, sem passar pelos<br />
ministros competentes».<br />
Mesmo depois de aconselhado por Talleyrand, recomendando-lhe o apaziguamento,<br />
Lannes não renunciava ao seu objectivo imediato: a repetida exigência da demissão dos cargos<br />
que ocupava, Intendência e Alfândega, declarando explicitamente, que não admitia meio termo<br />
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na alternativa que propusera, isto é, ou que o Intendente fosse demitido dos dois referidos<br />
cargos, ou que ele, general Lannes, deixaria Portugal «para cujo efeito pedia desde logo os<br />
passaportes, acrescentando que a sua residência em Lisboa nem lhe convinha por maneira<br />
alguma, nem lhe sendo agradável, ele a deixava em virtude da autorização, que tinha do<br />
primeiro cônsul para se retirar, quando muito bem lhe parecesse».<br />
A insistência na demissão de Pina Manique levou o Príncipe Regente a ordenar ao<br />
magistrado que fizesse uma alegação por escrito, uma espécie de defesa contra as alegações<br />
que Lannes lhe tinha dirigido. Assim procedeu, remetendo-se a referida defesa ao enviado da<br />
França, acompanhada por uma <strong>no</strong>ta redigida «<strong>no</strong>s termos mais atenciosos e lisonjeiros<br />
possíveis». Todavia, esta atitude de consideração do Príncipe Regente e demonstrativa da<br />
deferência que a Corte de Lisboa tinha pelo representante da República francesa, foi<br />
completamente inútil.<br />
Não houve esforços que se não empregassem para que ele desistisse do seu projecto, ou<br />
ao me<strong>no</strong>s para que tivesse audiência de despedida. Efectivamente, o <strong>no</strong>sso Gover<strong>no</strong> ainda<br />
pretendeu obstar a tão estranho procedimento, cujo resultado não podia deixar de ser<br />
desagradável, pondo a Nação em sobressalto, e em dúvida para com a França a boa amizade<br />
que o Gover<strong>no</strong> português tanto desejava manter com ela. Os ministros visitaram-<strong>no</strong>, o Príncipe<br />
envia-lhe o seu retrato enfeitado a diamantes e «armas muito belas» e, por intermédio do<br />
visconde de Balsemão, instava para que comparecesse na audiência de despedida.<br />
O Gover<strong>no</strong> português pretendendo esgotar todos os meios possíveis para suspender a<br />
partida do ministro francês, ainda recorreu à mediação do Núncio Apostólico a fim de<br />
reconsiderar a sua atitude, ao que Lannes respondeu «com os excessos da sua ira, dizendo que<br />
já então não ficaria se não fosse o Intendente demitido dos seus empregos por um decreto, que<br />
em nada lhe fosse airoso».<br />
A tanto não anuiu o <strong>no</strong>sso Gover<strong>no</strong>. Lannes, irritado, pediu em seguida que lhe fossem<br />
dados os passaportes dentro de vinte e quatro horas, acabando por sair de Lisboa <strong>no</strong> dia 10 de<br />
Agosto, sem ter tomado audiência de despedida.<br />
Dois dias antes, a 8 de Agosto, o Príncipe D. João escrevia ao Cônsul para lhe dar conta<br />
da sua estupefacção: «Os sentimentos de confiança e amizade que sempre tive o prazer de<br />
manter convosco, não me deixam a liberdade de me dispensar de vos comunicar a partida do<br />
general Lannes que acaba de deixar a minha corte duma forma inusitada e que eu não devia<br />
esperar depois dos testemunhos públicos e constantes do meu afecto pelo gover<strong>no</strong> francês e os<br />
sinais de consideração e estima pessoais que me esforcei por prodigalizar ao seu ministro<br />
plenipotenciário».<br />
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Reacção e exigências de Napoleão Bonaparte.<br />
A vergonhosa situação desencadeada pelo general Lannes parece não ter agradado a<br />
Napoleão, se considerarmos o facto do enviado francês ter sido afastado de Paris durante<br />
algum tempo. Porém, não será de rejeitar que esta atitude pretendesse, apenas, fazer acreditar<br />
na imparcialidade do Primeiro Cônsul, ou / e tivesse sido tomada para “português ou <strong>inglês</strong><br />
ver”, visto que, como se verificará, passados poucos meses, a 12 de Março de 1803, Lannes<br />
está <strong>no</strong>vamente em Lisboa na qualidade de plenipotenciário do gover<strong>no</strong> francês.<br />
Ao futuro Imperador nada interessava a muita ou pouca razão que assistia ao Príncipe<br />
Regente D. João nas queixas que lhe fazia contra os desmandos, grosserias e afrontas do<br />
general. Perante Napoleão, o único delito de Lannes foi ter abandonado o seu cargo sem ordem<br />
do gover<strong>no</strong> francês. As fraudes, as incorrecções, as humilhações infligidas ao <strong>no</strong>sso País, que o<br />
acolhera com excessiva deferência, não tinha qualquer valor <strong>no</strong> comportamento do seu<br />
enviado. Napoleão odiava Portugal pela sua fidelidade à aliança inglesa, por dispor de óptimos<br />
portos de que a esquadra britânica se servia livremente e, ainda, porque uma esquadra<br />
<strong>portuguesa</strong> contribuíra para a derrota francesa <strong>no</strong> Mediterrâneo.<br />
Napoleão iria aproveitar-se da situação que lhe era<br />
proporcionada pela precipitada retirada de Lannes, com a<br />
finalidade de substituir, em Lisboa, a influência francesa à<br />
influência inglesa. Assim, alegando que o ministro dos<br />
Estrangeiros, D. João de Almeida de Melo e Castro, era o<br />
chefe do «partido <strong>inglês</strong>», além de que concedera os<br />
passaportes ao ministro francês e ter publicado, por meio de<br />
uma circular ao corpo diplomático, o que se tinha passado,<br />
exigia a demissão de D. João de Almeida.<br />
Em 14 de Setembro, dá, nesse sentido, instruções a<br />
Talleyrand: «deve-se censurar Lannes, que faltou a todos os usos e ao dever de funcionário<br />
público, e fazê-lo lembrar disso; deve-se pedir a demissão de Almeida e comunicar a Sousa<br />
(<strong>no</strong>sso embaixador em Paris) que esta exigência será apoiada por uma declaração de guerra,<br />
se tal for necessário…»<br />
Naturalmente preocupado, D. José Maria de Sousa esforça-se por demonstrar a<br />
Talleyrand a injustiça de se exonerar um ministro que, para mais, cumulara o representante de<br />
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França das maiores atenções, ao mesmo tempo que pede, de imediato, uma audiência a<br />
Napoleão para tratar directamente do assunto. Segundo o relato oficial, o Primeiro Cônsul<br />
insistiu tenazmente na demissão do referido ministro e, visando igualmente o próprio<br />
Intendente Pina Manique, tornava nulos todos os argumentos do <strong>no</strong>sso representante em favor<br />
do Gover<strong>no</strong> português: «… É portanto, essencial manter a boa harmonia e paz, que todo o<br />
mudo deseja… Não acredito que Portugal queira uma ruptura com a França; mas vejo que em<br />
Lisboa se obrou como se a quisessem, e que os franceses são lá bastantemente maltratados.<br />
Olhai: sua alteza real deve também desviar de si aquele administrador-geral das alfândegas,<br />
porque na verdade muitos negociantes há <strong>no</strong> Havre de Grâce, aliás boas pessoas e sensatas,<br />
que me dirigiram queixas, por terem sido vexados em Lisboa e tratados por diferente modo<br />
dos ingleses e, finalmente, como se Portugal estivesse ainda em guerra com a França. Isto não<br />
é bom; porque nós tratamos aqui muito bem os portugueses… Estas duas nações devem ser<br />
amigas; é isto o que convém a ambas elas, porque aqui não há Bourbons que Portugal possa<br />
temer. E, por certo, ainda que sejamos aliados da Espanha, jamais consentiríamos que ela<br />
invadisse Portugal, coisa a que muito <strong>no</strong>s oporíamos, protegendo-o com todas as <strong>no</strong>ssas<br />
forças. Em vista disto, é necessário reconciliarmo-<strong>no</strong>s, sendo uma ofensa para nós que Mr. de<br />
Almeida <strong>no</strong>s queira desunir».<br />
A isto replicou D. José Maria de Sousa, afirmando que o Príncipe Regente estimava em<br />
extremo a amizade da França, não querendo por modo algum ofendê-la, ao que Napoleão<br />
retorquiu:<br />
«Assim será; mas é duro que, por causa de uma circular de D. João de Almeida, as<br />
gazetas estrangeiras dêem o ministro de França em Portugal como sendo o primeiro dos<br />
contrabandistas. Isto é insuportável, mas não era assim que devia proceder uma nação<br />
amiga… Mr. de Almeida é muito exagerado e muito violento: ele parece ter feito um estudo<br />
para publicar o que devia ficar em segredo. Quanto ao administrador das alfândegas, eu não<br />
falo senão como de um homem inimigo dos franceses, e de quem todo o mundo <strong>no</strong> Havre faz<br />
queixas; mas não peço a destituição de um empregado subalter<strong>no</strong>. O príncipe regente<br />
reprimirá os seus abusos, que provavelmente desconhece, o que também sucede em toda<br />
aparte… Comunicai, pois, à vossa corte que eu desaprovo a conduta do general Lannes, e que<br />
não voltará lá. Na verdade, estou arrependido de o ter para lá mandado; julguei que o seu<br />
carácter ardente o não levasse tão longe. Ainda que o estime, acho má a sua conduta, mas lá<br />
também obraram diferentemente com ele, desde que, por loucura, lhe enviaram daqui pela<br />
posta a carta não cifrada em que eu não o apoiava e lhe ordenava de restabelecer a<br />
correspondência…Enviarei um outro ministro com quem vivereis em bem. Que o príncipe<br />
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egente exonere Mr. de Almeida do ministério, não o pondo em desgraça, o que de certo não<br />
peço. Pode ser colocado em qualquer outro lugar, podendo-se fazer isto em segredo como sua<br />
alteza real julgar mais conveniente. Que fora do ministério não haja pessoa que saiba os<br />
motivos disto, porque pela minha parte nada direi, guardando um profundo silêncio. Mas é<br />
necessário que eu seja informado de que isto foi executado, e então os negócios tomarão o seu<br />
curso… Espero, pois, que se não optará por uma ruptura.»<br />
Ao fim e ao cabo as imposições humilhantes de Napoleão, que não eram mais que um<br />
«ultimatum», foram comunicadas para Lisboa em 17 de Novembro de 1802.<br />
No dia 10 de Janeiro de 1803 recebeu D. José Maria de Sousa os despachos de Lisboa<br />
e, juntamente com eles, uma carta do Príncipe Regente para o Primeiro Cônsul que lhe foi<br />
entregue <strong>no</strong> dia seguinte. Lendo-a na mesma audiência que lhe foi entregue, D. João resistia e<br />
afirmava que estava em jogo a sua dignidade e o crédito do País, visto que o Cavaleiro de<br />
Almeida obedecera a ordens suas.<br />
Bonaparte, depois de ler o documento, irritado, disse para o <strong>no</strong>sso embaixador: «Tudo<br />
são demoras e retardamentos de conclusão, quando eu tinha dito positivamente que queria que<br />
fosse destituído M. de Almeida, e que o primeiro correio me trouxesse a <strong>no</strong>tícia de tudo ficar<br />
feito. Não o fizeram, não quero saber de mais nada do que tinha pedido, pois que nada se fez.<br />
Vou dar ordens ao ministro das relações exteriores (Talleyrand), para que ordene ao general<br />
Lannes que, imediatamente, parta para Lisboa, para tornar a exercer as funções do seu antigo<br />
posto».<br />
Não recebendo a resposta conforme ao que exigira, não esteve com meias medidas e,<br />
sem mais cerimónias, despediu-se do ministro português, demonstrando grade irritação,<br />
declarando que a sua resolução era irrevogável.<br />
E assim foi. De facto, resolve, apesar do aviso em contrário de Talleyrand, «a soldo de<br />
Sousa», reenviar Lannes para Lisboa, o mais rapidamente possível: «Creio os seus serviços<br />
úteis em Portugal», escrevia a Talleyrand a 12 de Janeiro de 1803. Insistindo nas suas<br />
exigências na resposta ao Príncipe Regente, a 14 de Janeiro, desejava, além do mais, que<br />
ficaria satisfeito se acolhessem o seu enviado «de maneira a fazer-lhe esquecer os desprazeres<br />
que alguns ministros lhe fizeram passar».<br />
Não havia dúvida que Napoleão pretendia provocar atritos e, como já se havia<br />
verificado anteriormente, ninguém melhor o podia fazer do que um homem sem formação<br />
diplomática, sem princípios, nem escrúpulos de consciência, como o general Lannes.<br />
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Logo que ficou decidida a partida de Lannes para Lisboa, o embaixador português<br />
escreveu a D. João de Almeida, aconselhando o Gover<strong>no</strong> português ao procedimento a ter com<br />
tão insolente criatura:<br />
«Lannes vai partir imediatamente para Lisboa, e terão aí o desgosto de o ver…O mais<br />
essencialmente necessário é não lhe mostrarem medo, tratá-lo com uma civilidade muito séria<br />
e com uma firmeza inabalável. Usar para com ele de toda a distinção própria a um ministro<br />
estrangeiro; mas sem diferença dos outros em coisa alguma. Assim se me é lícito acrescentar,<br />
convirá que sua alteza real o receba somente nas audiência públicas, e nunca conceder-lhe<br />
particulares, nunca tratar com ele, sem ser pelo canal do ministro. Isto me parece muito<br />
importante, aliás considero tudo perdido, e que este homem virá a romper a harmonia…Ainda<br />
sem contemplar a insinuação do primeiro cônsul sobre o Manique, me parece prudente afastálo,<br />
antes de chegar o general Lannes, do lugar da alfândega, e isto por prudência, para os não<br />
por em colisão. Como o Manique está velho, pode fazer-se isso com decência, e de maneira<br />
que não pareça receio de Lannes ou insinuação daqui».<br />
Efectivamente, perante tais circunstâncias, o que se aconselhava ao Gover<strong>no</strong> português<br />
como mais conveniente era adoptar uma linha de conduta que pudesse evitar tudo quanto fosse<br />
susceptível de trazer graves confrontações com o general, de quem muito se temia, olhando ao<br />
procedimento que tivera da primeira vez na Corte de Lisboa.<br />
Assim, o Príncipe Regente, numa atitude de fraqueza e / ou conveniência, sem outras<br />
alternativas, e antes de Lannes chegar a Lisboa, demitiu Pina Manique do lugar de Director da<br />
alfândega pelo seguinte decreto:<br />
«Havendo-me representado o doutor Diogo Inácio de Pina Manique, do meu Conselho,<br />
Desembargador do Paço, e Intendente Geral da Polícia da Corte do Rei<strong>no</strong>, que os muitos e<br />
laboriosos lugares e comissões que dele tenho confiado e a sua idade lhe não permitem<br />
atender, como sempre praticou, com o cuidado e zelo que necessita a importante<br />
administração geral da alfândega do açúcar, e tendo consideração ao referido, e tê-lo<br />
promovido ao lugar de chanceler mór do Rei<strong>no</strong>, hei por bem deferir-lhe, aliviando-o da dita<br />
administração geral da alfândega do açúcar vencendo os mesmos ordenados, que levava na<br />
folha da dita alfândega e as tiras e marcas. O conselho da fazenda o tenha entendido e faça<br />
executar com os despachos necessários. Palácio de Salvaterra de Magos em 14 de Março de<br />
1803».<br />
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Regresso do general Lannes a Lisboa e… à insolência. Paz precária.<br />
A 8 de Fevereiro de 1803, Lannes, agora apoiado claramente por Napoleão, viajou para<br />
Rochefort de onde embarcou a bordo de uma fragata de guerra francesa, tendo chegado a<br />
Lisboa a 12 de Março.<br />
Desde o seu regresso, Lannes dá <strong>no</strong>vamente nas vistas por via de uma conduta<br />
inconveniente, chegando a Lisboa ainda mais arrogante do que partira, porquanto sentia bem a<br />
<strong>no</strong>ssa fraqueza, demonstrando em todos os seus actos o maior desprezo pelo país onde estava<br />
acreditado. Diz Eduardo Brazão que «o representante da França considerava-se como um<br />
verdadeiro procônsul do seu país em Portugal».<br />
De facto, assim que chegou a Lisboa mandou desembarcar e conduzir para sua casa<br />
todas as fazendas que trouxe consigo sem passar pela alfândega, fechando-se, mais uma vez, os<br />
olhos a tal excesso, sem que nada se lhe dissesse, não obstante serem até proibidas muitas<br />
daquelas mercadorias.<br />
A demissão de Pina Manique do lugar de Director Geral das Alfândegas estava longe<br />
de o satisfazer, porquanto teria dito a um ministro estrangeiro que o havia fazer demitir do<br />
lugar de Intendente da Polícia. E mais disse, que estava decidido a pedir outras demissões,<br />
pretendendo referir-se a D. João de Almeida de Melo e Castro, ministro dos Estrangeiros e do<br />
Presidente do Real Erário, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, «enfim de todos os homens afectos<br />
ao partido <strong>inglês</strong>», na certeza de que em caso de recusa partiria, <strong>no</strong>vamente, dentro de vinte e<br />
quatro horas para fora de Portugal, sem pedir audiência de despedida.<br />
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Logo, após, a sua entrada em Lisboa, recusa-se a cumprir o protocolo para as<br />
audiências, anunciando a sua chegada<br />
por escrito ao Ministro do Rei<strong>no</strong> em<br />
vez de se dirigir, como era costume, ao<br />
ministro dos Estrangeiros. Como,<br />
naturalmente, lhe tivesse recusado os<br />
ofícios, foi ele próprio entregá-los a<br />
Queluz para lhe não serem rejeitados,<br />
numa ocasião em que D. João tinha<br />
vindo para Lisboa. Perante a firme<br />
decisão de se lhe devolverem os despachos que não fossem enviados directamente ao ministro<br />
dos Negócios Estrangeiros, depressa verificou que não havia forma de corresponder-se com o<br />
Gover<strong>no</strong> senão através daquele ministro, razão porque se resolveu a mandá-los pelas vias<br />
competentes.<br />
Lannes não só não cumpria as regras da diplomacia como sujeitava D. João a suportar<br />
situações humilhantes, <strong>no</strong>meadamente, nas audiências que lhe concedia, só porque se tratava<br />
de uma potência com poderes sem limites sobre os peque<strong>no</strong>s estados.<br />
Logo na audiência da recepção, em que foi admitido pelo Príncipe Regente, indo contra<br />
todas as etiquetas, e numa falta de respeito pela Corte de que era hóspede, aproveitou a ocasião<br />
para fazer um discurso insultuoso e violento, acusando o Gover<strong>no</strong> português de servir com<br />
parcialidade a Grã-Bretanha, formulando com a maior insolência e os mais grosseiros termos<br />
uma série de queixas e ameaças descabidas e extemporâneas.<br />
O Príncipe Regente, intimidado com o despropósito do embaixador, tentou com calma e<br />
cordialidade aconselhá-lo a pedir que formulasse por escrito todas as suas queixas para serem<br />
apreciadas com justiça, o que prometeu, mas nunca cumpriu.<br />
Pouco tempo depois, conseguiu uma segunda audiência do Príncipe, onde «mais<br />
desabrido do que nunca», proferiu, ou vociferou, queixas e invectivas contra o ministério<br />
existente, não se tendo coibido de dizer que todos os ministros se achavam vendidos à<br />
Inglaterra, sendo inimigos declarados da França. Logo de seguida pediu as demissões já<br />
referidas, D. João de Almeida de Melo e Castro e Rodrigo de Sousa Coutinho e a de «todos os<br />
mais indivíduos que lhe passaram pela cabeça», esperando ver atendidas imediatamente as<br />
suas reclamações.<br />
Pacientemente, D. João respondeu-lhe que «os seus ministros eram todos portugueses,<br />
e portanto natural e constantemente dirigidos pelo interesse do seu sobera<strong>no</strong> e do seu país, e<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
11
por conseguinte isentos de toda a influência estrangeira nas suas opiniões e conduta». O<br />
Príncipe Regente repetiu-lhe pela última vez a necessidade de o formular por escrito, uma vez<br />
que esta era a prática de todas as Cortes para se tratarem negócios internacionais e que «esta<br />
forma era absolutamente necessária, e em semelhante mais do que nunca, para assim se<br />
prevenirem as desinteligências a que se estava exposto nas questões e respostas verbais». A<br />
isto replicou, irritado: «semelhantes negócios não são de natureza a serem postos por escrito».<br />
Tudo isto, e muito mais, foi transmitido a Napoleão Bonaparte, dando motivo a que D.<br />
José Maria de Sousa lhe pedisse definitivamente a remoção de Lannes. A este pedido o<br />
Primeiro Cônsul deu ordem a Talleyrand que respondesse às reclamações do representante<br />
português apenas verbalmente, nada de declarações escritas que pudessem tornar-se<br />
comprometedoras. Talleyrand ia entretendo D. José Maria de Sousa com meros paliativos sem<br />
conduzir a alguma coisa de concreto, até que por fim, o diplomata obteve do próprio Bonaparte<br />
a seguinte consideração: «que os ministros do Príncipe Regente eram todos ingleses e<br />
antifranceses; que Mr. de Almeida era todo <strong>inglês</strong>; e finalmente que as circunstâncias deviam<br />
desculpar os erros, que o general Lannes pudesse ter cometido; mas que o ponto mais<br />
importante, depois daquela ruptura, era saber a decisão que Portugal tomaria naquela<br />
conjuntura». Que conjuntura?<br />
Portugal entre dois fogos<br />
A paz de Amiens entre a França e a Inglaterra, em que os interesses portugueses não<br />
foram, nem de perto, nem de longe, salvaguardados, não trouxeram tranquilidade à Europa.<br />
Os círculos internacionais aperceberam-se facilmente de que Napoleão Bonaparte não<br />
quisera senão obter uma pausa na luta, para reorganizar o seu prestígio inter<strong>no</strong> de salvador da<br />
República e da Pátria e proceder depois à execução do pla<strong>no</strong> que, engrandecendo a França,<br />
satisfizesse, igualmente, as suas ambições pessoais.<br />
A paz de Amiens foi para a Europa apenas uma trégua, tanto mais que, pouco depois,<br />
em Maio de 1803, a França e a Inglaterra viriam a envolver-se <strong>no</strong>vamente em litígio.<br />
Conquanto a ocupação de Malta tivesse constituído o “pomo da discórdia”, o contencioso entre<br />
as duas grandes potências apontava para objectivos de maior envergadura. Na realidade, o que<br />
estava em causa era a disputa pela hegemonia europeia.<br />
Pressentiam-se acontecimentos políticos graves, que punham em jogo a estabilidade e o<br />
futuro da Nação <strong>portuguesa</strong>. Perante tais circunstâncias Portugal teria que definir posições em<br />
tão difícil conjuntura.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
12
Depois de termos conseguido que a França <strong>no</strong>s aceitasse a <strong>neutralidade</strong> <strong>no</strong> <strong>conflito</strong> em<br />
que a República se envolvera com as outras Potências europeias, <strong>conflito</strong> que, afinal, só veio a<br />
terminar em Waterlow, o Príncipe Regente pôs todo o empenho em manter essa <strong>neutralidade</strong>.<br />
O futuro D. João VI não deixava de tentar tudo o que lhe era possível para manter as melhores<br />
relações com a França e a Espanha, embora o equilíbrio dos laços de amizade com estes dois<br />
países fosse dos mais difíceis em virtude dos tratados de aliança luso <strong>–</strong> britânicos, velhos de<br />
séculos e da posição assumida pelo Gabinete londri<strong>no</strong>, de declarado inimigo da França.<br />
De modo algum <strong>no</strong>s conviria sair de uma política de <strong>neutralidade</strong> negociada à custa de<br />
pesada indemnização, além de que a situação militar do país não permitiria repelir os<br />
frequentes atropelos de que Portugal era vítima e, muito me<strong>no</strong>s, garantir com possibilidade de<br />
êxito a defesa nacional em caso de ataque: «vivia-se em Portugal sob a influência da fraqueza<br />
do tesouro, copiosamente sangrado, já pelas despesas da guerra, já e sucessivamente por<br />
elevadas somas para peitas e, mais ainda, para pagamento de anuidades das grossas<br />
indemnizações à França».<br />
A própria concessão e o reconhecimento da <strong>neutralidade</strong> <strong>portuguesa</strong>, que representava o<br />
sossego da Nação foram obtidos à custa de quantiosas “luvas” e duma importante<br />
indemnização, de que a França exigia rigorosamente o pagamento das prestações, por vezes até<br />
com antecipação.<br />
Dificuldades de toda a ordem punham em “xeque” a estabilidade da política externa<br />
nacional, subordinada ao procedimento desleal de Madrid, às insolências e ameaças da França<br />
e ainda a ter que suportar o despotismo das exigências dos interesses britânicos e as<br />
infidelidades da Corte londinense. Portugal situava-se entre dois fogos:<br />
Optando pela Inglaterra, como anteriormente foi sublinhado, garantia a defesa dos seus<br />
portos, mas tornava-se vulnerável à invasão por terra pelos franceses; alinhando <strong>no</strong> bloco<br />
francês, garantia a protecção das fronteiras, mas os seus portos e domínios coloniais ficariam<br />
expostos ao poderio naval britânico.<br />
Assim, a solução mais viável e a única conveniente seria pronunciar-se pela<br />
<strong>neutralidade</strong> e defendê-la a todo o custo e… que custo!<br />
No dia 12 de Maio de 1803 os embaixadores dos dois países em litígio abandonavam os<br />
respectivos postos e, cinco dias depois, a 17, a Grã-Bretanha declarava formalmente guerra à<br />
França. E como os dois adversários estavam a postos, a guerra iniciou-se de imediato.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
13
De <strong>no</strong>vo na mais embaraçosa situação, este acontecimento exigia do <strong>no</strong>sso País uma<br />
atitude definida. Portugal decidiu-se, como não podia deixar de ser, por uma política de<br />
<strong>neutralidade</strong> para com as duas potências em litígio, embora Napoleão ainda tentasse alcançar o<br />
apoio do Príncipe D. João que lhe foi recusado, tendo a Inglaterra acordado nessa <strong>neutralidade</strong><br />
que o <strong>no</strong>sso País desejava manter.<br />
Procurando com todo o empenho ficar neutral <strong>no</strong> meio de uma luta que se previa<br />
prolongada e de consequências incalculáveis, o Príncipe Regente, logo <strong>no</strong>s primeiros dias de<br />
Junho, proclamou a <strong>neutralidade</strong> do <strong>no</strong>sso País, conforme, pouco depois, se publicou na<br />
«Gazeta de Lisboa»:<br />
«Tendo sido o constante objecto dos meus paternais<br />
desejos e das minhas reais disposições manter<br />
inviolavelmente as relações de paz, que felizmente<br />
subsistem entre mim e as potências minhas aliadas e<br />
amigas, e convindo nas presentes circunstancias da<br />
Europa estabelecer os princípios, que devem regular o<br />
inviolável sistema de <strong>neutralidade</strong>, que me proponho fazer<br />
observar, quando suceda, o que Deus não permita,<br />
suscitar-se a guerra entre potências minhas aliadas e<br />
amigas; tendo em vista quanto importa ao bem da<br />
humanidade e tranquilidade dos meus domínios e vassalos remover todas e quaisquer<br />
contestações que poderiam resultar da falta de conhecimento das regulações, tendentes a<br />
obter os fins que me proponho: sou servido declarar que os corsários das potências<br />
beligerantes não sejam admitidos <strong>no</strong>s portos dos meus estados e domínios, nem as presas, que<br />
por eles, ou por naus, fragatas, ou por quaisquer outras embarcações de guerra se fizerem,<br />
sem outra excepção, que a dos casos em que o direito das gentes faz indispensável a<br />
hospitalidade; com a condição porém, que <strong>no</strong>s mesmos portos se lhes não consentirá vender<br />
ou descarregarem as ditas presas, se a eles <strong>no</strong>s referidos casos, nem demorarem-se mais<br />
tempo que o necessário para evitarem o perigo ou conseguirem os i<strong>no</strong>centes socorros que lhes<br />
forem necessários, instaurando assim e pondo em todo o seu vigor a observância do decreto<br />
de 30 de Agosto de 1780, pelo qual se determi<strong>no</strong>u a mesma matéria. O conselho de guerra o<br />
tenha assim entendido e o faça executar, expedindo logo as ordens necessárias aos<br />
governadores e comandantes das províncias, fortalezas e praças nesta mesma conformidade.<br />
Palácio de Queluz, em 30 de Junho de 1803. Com a rubrica do príncipe regente <strong>no</strong>sso<br />
senhor».<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
14
Julgo que D. João (ou o Ministério) estava plenamente convencido que as coisas não<br />
eram assim tão fáceis pretendendo, apenas, demonstrar o seu desejo de tranquilidade <strong>no</strong> País,<br />
através de uma proclamação que a França contestaria, ou não daria a me<strong>no</strong>r importância. O<br />
Príncipe Regente punha, e Napoleão… dispunha. Vejamos.<br />
Obviamente, Bonaparte não estava resolvido, assim de pé para a mão, a conceder a<br />
Portugal o carácter de potência neutral sem <strong>no</strong>vas contrapartidas, pois considerava que desde o<br />
começo da <strong>no</strong>va guerra entre a França e a Inglaterra, o <strong>no</strong>sso País era obrigado a fechar os seus<br />
portos à Grã-Bretanha, segundo o estipulado <strong>no</strong> Tratado de Madrid. De facto, achando-se rota a<br />
paz de Amiens, entendia que as coisas tinham regressado ao ponto de partida, subsistindo,<br />
portanto, as antigas disposições, que ligavam as diferentes potências com a França. Assim, a<br />
guerra passava a ser a mesma que era antes daquela ruptura, e então não podia haver meio<br />
termo para Portugal entre fechar os portos aos ingleses, ou continuar em guerra com a França.<br />
Deste modo, Portugal via inteiramente anulados os grandes e pesados sacrifícios que a<br />
paz de Badajoz e Madrid lhe tinham custado, colocando-<strong>no</strong>s <strong>no</strong> mesmo dilema em que, durante<br />
a<strong>no</strong>s a fio, <strong>no</strong>s vimos envolvidos, isto é, ou continuar a aliança com a Grã-Bretanha,<br />
constituindo-se Portugal, por este motivo inimigo da França, ou vice-versa, de romper a<br />
referida aliança para se declarar amigo da França e inimigo da Inglaterra.<br />
Posteriormente, Napoleão conceder-<strong>no</strong>s-ia a <strong>neutralidade</strong> se lhe pagássemos dois<br />
milhões de <strong>franco</strong>s por mês enquanto durasse a guerra, acrescentando que, se o Gover<strong>no</strong><br />
português se recusasse a este acordo, um exército francês invadiria Portugal, com a<br />
colaboração da Espanha. Ora, a Portugal era impossível satisfazer tão excessiva soma, não<br />
podendo, assim, pagar o pesado tributo que Napoleão lhe exigia.<br />
Viragem na política externa<br />
O Gover<strong>no</strong> português receando o perigo iminente que o ameaçava (e tinha razão de<br />
sobra para isso), pois era evidente que a França, de um momento para o outro, poderia enviar<br />
os seus exércitos contra Portugal, resolveu requerer ao Gabinete londri<strong>no</strong> uma informação clara<br />
e concreta do que pensava da <strong>no</strong>ssa <strong>neutralidade</strong> e sobre os socorros com que devíamos contar,<br />
se não pudéssemos fugir à contingência da França <strong>no</strong>s declarar guerra.<br />
O <strong>no</strong>sso ministro em Londres, D. Domingos António de Sousa Coutinho, obteve em<br />
resposta de Lord Hawkesbury que a Inglaterra se regozijava com a <strong>no</strong>ssa situação de<br />
<strong>neutralidade</strong>, garantindo que ela seria absolutamente respeitada pela sua parte, declarando ser<br />
sua intenção não somente respeitar aquela <strong>neutralidade</strong> e também já ter dado ordens rigorosas a<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
15
esse respeito aos seus oficiais… Além disto, prometia expedir, como de facto expediu, um<br />
correio ao ministro <strong>inglês</strong> em Madrid, fazendo saber ao gover<strong>no</strong> espanhol que «Sua Majestade<br />
Britânica considerava a entrada de quaisquer tropas francesas em Espanha como uma<br />
declaração de guerra daquele rei<strong>no</strong> à Grã-Bretanha, devendo o referido ministro entender-se<br />
também com o de Portugal naquela Corte sobre as providências a tomar para conjurar o<br />
perigo». A respeito dos socorros militares, quando porventura a França declarasse guerra a<br />
Portugal, S. M. B. não podia, <strong>no</strong> caso em que o seu exército se encontrava, decidir sobre tal<br />
assunto, enquanto não fossem postas em prática as providências militares, que haviam<br />
determinado para a defesa dos seus próprios domínios. Sobre o subsídio pecuniário, que<br />
também era referido, seria impossível que o gover<strong>no</strong> <strong>inglês</strong> pudesse dar uma resposta definitiva<br />
sobre tal assunto, enquanto não se fixassem definitivamente as finanças do país para o a<strong>no</strong> que<br />
então corria. Finalmente, a rematar, em atitude de desinteresse pela sorte do seu aliado, lord<br />
Hawkesbury transmitia ao <strong>no</strong>sso embaixador, Domingos Sousa Coutinho: «Tendo-vos<br />
comunicado os sentimentos do gover<strong>no</strong> de Sua Majestade <strong>no</strong>s pontos mais essenciais, que<br />
contém o vosso memorandum, resta-me só pedir-vos que, comunicando-os à vossa Corte,<br />
queirais acompanhá-los com a expressão, que Sua Majestade justamente espera, que o<br />
gover<strong>no</strong> de Portugal se não fie somente <strong>no</strong>s auxílios exter<strong>no</strong>s; mas lembrando-se que a<br />
segurança de cada estado deve depender essencialmente dos seus próprios esforços, não<br />
perca tempo em preparar aquelas medidas internas, que possam pô-lo em estado de repelir<br />
qualquer agressão hostil, que contra ele se intente».<br />
É dentro deste quadro que a decepção provocada pela posição inglesa poderá, em parte,<br />
explicar a viragem para a política francesa, já que a Portugal, sentindo-se humilhantemente<br />
desamparado, não lhe restaria qualquer outra alternativa, que não fosse a de interceder junto de<br />
Lannes para que Bonaparte <strong>no</strong>s reconhecesse e respeitasse a <strong>neutralidade</strong>.<br />
Com efeito, perante este (mais um) abando<strong>no</strong> da Grã-Bretanha, e uma vez verificada a<br />
completa impossibilidade do Gover<strong>no</strong> português poder resistir por si só a uma <strong>no</strong>va coligação<br />
entre a Espanha e a França, foi necessário contemporizar com Lannes, dando-lhe sobre a Corte<br />
de Madrid a preferência na negociação da <strong>no</strong>ssa <strong>neutralidade</strong>, esperando Portugal que, com<br />
essa “distinção”, o fizesse ser mais moderado em relação aos <strong>no</strong>ssos interesses. Porém, não<br />
aconteceu assim nas primeiras conversações entabuladas sobre a questão da <strong>neutralidade</strong>.<br />
Lannes apresenta queixas pelo facto de se encontrarem navios de guerra ingleses <strong>no</strong>s<br />
portos do Rei<strong>no</strong> e que o duque de Sussex, filho do rei de Inglaterra, alimentava conluios<br />
subversivos na própria Lisboa. A 22 de Agosto, reclamando, de modo brusco, os passaportes,<br />
ameaça fazer logo entrar na Espanha o exército francês, que estava em Baiona, aguardando<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
16
apenas as suas ordens para se pôr em marcha. É imediatamente recebido em Queluz e, nesse<br />
mesmo dia, 23 de Agosto de 1803, consegue que D. João de Almeida Melo e Castro<br />
abandonasse o Gover<strong>no</strong> «como preliminar indispensável, dizia Lannes, para o Príncipe<br />
Regente se congraçar com Napoleão, sem todavia dizer como». Esta demissão foi, sem perda<br />
de tempo, comunicada, por ofício de 25 de Agosto, para Paris a D. José Maria de Sousa,<br />
participando que Melo e Castro tinha sido substituído na repartição dos Negócios Estrangeiros<br />
por Luiz Pinto de Sousa Coutinho, a quem se dera o título de visconde de Balsemão como<br />
prémio das negociações da paz de 1801. Acrescentava, «haver-se levado a efeito a citada<br />
demissão por deferência de Sua Alteza Real para com as exigências do general Lannes». D.<br />
Rodrigo de Sousa Coutinho que, como se sabe, estava igualmente na mira dos ódios do<br />
representante francês, viu-se demitido da presidência do Real Erário, por decreto de 31 de<br />
Agosto, sendo substituído nesta repartição por Luís de Vasconcellos e Sousa.<br />
Distanciando-<strong>no</strong>s dos acontecimentos, numa perspectiva do tempo, julgo poder aceitarse<br />
que o Príncipe Regente não sentiria verdadeira inclinação por qualquer dos partidos (<strong>inglês</strong><br />
ou francês). Naquele momento, certamente, interessava-lhe muito mais aquele que se<br />
considerava poder oferecer maior utilidade à Nação. Defendera, com grandes esforços e com<br />
os fracos meios de que dispunha, a aliança com a Inglaterra da qual esperaria o mais sólido<br />
apoio. Porém, depois do desapontamento provocado pela resposta de Lord Hawkesbury, que<br />
<strong>no</strong>s deixava em maus “lençóis” (e, posteriormente, não foram poucas as ocasiões em que tratou<br />
Portugal como potência de 3ª classe) o Príncipe Regente voltou-se para a França, sofrendo,<br />
resignadamente, as afrontas de Lannes, lisonjeando-o, mesmo conhecendo mais que ninguém a<br />
sua venalidade e brutalidade. Regressando às demissões, poder-se-á concluir que «a orientação<br />
seguida pelo Regente, acabando por afastar do gover<strong>no</strong> os ministros que desagradavam ao<br />
embaixador francês <strong>–</strong> vista mais tarde como desonrosa e ilustrativa da fraqueza moral do<br />
Príncipe <strong>–</strong> seguia o caminho apontado pelos conselheiros mais próximos, o qual se escudava<br />
naquele que geralmente se toma como o mais indiscutível dos argumentos: o da necessidade».<br />
Na verdade, com o desejo, de certo modo, desesperado, de salvação, o Príncipe Regente<br />
resolvia mudar as principais pedras do xadrez político, sendo evidente o facto de agradar mais<br />
à França do que à Inglaterra.<br />
Reacção Britânica.<br />
Como era de prever, o regresso do «impulsivo e arrebatado» Lannes, bem com a<br />
demissão de D. João de Almeida Melo e Castro, causaram, naturalmente, o maior<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
17
desapontamento em Fitz Gerald que, dias depois, a 28 de Agosto escrevia ao Príncipe Regente<br />
manifestando «despeito e impertinência».<br />
Questionando D. João, perguntava «se a demissão do ministro poderia alterar, de<br />
algum modo, as relações de paz e amizade entre Portugal e a Grã-Bretanha; se o Príncipe<br />
estava resolvido a manter, inteiramente, na guerra a <strong>neutralidade</strong> declarada na forma do<br />
decreto de 13 de Junho do mesmo a<strong>no</strong> de 1803; se o Príncipe resolvera firmemente não<br />
admitir <strong>no</strong> continente, ou <strong>no</strong>s domínios ultramari<strong>no</strong>s, tropas estrangeiras e inimigas da<br />
Inglaterra; se tinha a intenção de resistir com força armada à marcha de tropas francesas<br />
para os seus estados, <strong>no</strong> caso de ela chegar a efectuar-se, e em tal emergência recorreria ao<br />
auxílio <strong>inglês</strong>; se o Príncipe resistiria a todo o pedido de encerramento dos seus portos ao<br />
comércio britânico; e, por último, se, apesar da demissão de D. João de Almeida, tencionava<br />
continuar a permitir que o Enviado de França (Lannes) tratasse, separada ou pessoalmente,<br />
de negócios com Sua Alteza, ou exigir que este Enviado se conformasse aos usos estabelecidos<br />
e seguidos pelos outros ministros estrangeiros em Lisboa».<br />
Em Novembro desse mesmo a<strong>no</strong> de 1803, Lord Fitz Gerald, tirando partido do<br />
descontentamento reinante na Corte <strong>portuguesa</strong>, provocado pelas constantes e arbitrárias<br />
exigências da parte de Lannes e da intolerância do seu procedimento, lembrava ao Gover<strong>no</strong><br />
português, em <strong>no</strong>ta ao visconde de Balsemão, ser difícil na actual conjuntura a manutenção das<br />
possessões europeias de Portugal.<br />
Nesta circunstância, Sua Majestade Britânica pretendia providenciar à salvação das<br />
colónias <strong>portuguesa</strong>s e assegurar assim, em caso de necessidade, os meios de uma retirada<br />
honrosa ao seu aliado que, de certo, «antes quereria sacrificar o seu sossego e cómodo<br />
pessoal, que demorar-se inutilmente na Metrópole, em risco de perder a honra, a liberdade e<br />
talvez a Coroa». Acrescentava não estar <strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s da Grã-Bretanha propor uma retirada<br />
prematura, já que S.M.B. desejaria mobilizar todos os esforços possíveis <strong>no</strong> sentido de<br />
defender Portugal pelo lado do mar. No entanto, a Inglaterra chega mesmo a propor a retirada<br />
da Corte para o Brasil, possibilitando, assim, aos súbditos de S. M. B. campo livre em Portugal<br />
e, a pretexto de protecção, o domínio de territórios coloniais.<br />
Ao fim e ao cabo, Lord Fitz Gerald esforçava-se por neutralizar a influência de Lannes<br />
junto da Corte <strong>portuguesa</strong> recorrendo ao almirante Campbell, então ao serviço de Portugal e<br />
diligenciando pela intervenção dos duques de Kent e Sussex, filhos de Jorge III, residentes<br />
entre nós. Porém, resultaram infrutíferas as “démarches” <strong>no</strong> sentido de esfriar as relações entre<br />
o Príncipe Regente e Lannes, bem como a convencê-lo a transferir-se para o Brasil, o que…não<br />
tardaria a acontecer.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
18
A compra da <strong>neutralidade</strong>. O pagamento dos subsídios.<br />
Daqui para à frente, o chamado «partido francês», que Lannes controlava, começa a<br />
preponderar na Corte, de tal modo que foram expedidas ordens para o <strong>no</strong>sso embaixador<br />
recomendando-lhe que não se insistisse mais na remoção de Lannes.<br />
Efectivamente, Lannes parecia gozar do favor pessoal do Príncipe Regente que o<br />
tratava com muitos obséquios, o cumulava de presentes e o convidava para caçadas. «Desde<br />
então <strong>–</strong> esclarece Luz Soria<strong>no</strong> <strong>–</strong> Lannes foi tido por D. João como o seu melhor amigo, coisa<br />
para que muito concorreu o locupletar-se à custa de Portugal, como se vê pelas queixas que<br />
sobre este ponto fez para Lisboa o <strong>no</strong>sso embaixador em Paris, D. José Maria de Sousa, em<br />
ofício de 2 de Agosto». O insolente militar-diplomata, aproveitando a boa fé e consciente dos<br />
receios da Corte <strong>portuguesa</strong>, ia exigindo adiantamentos, garantindo que, por seu intermédio, a<br />
França e a Espanha deixariam de insistir com o Gover<strong>no</strong> português para que se declarasse<br />
inimigo da Inglaterra, e que Napoleão reconheceria a <strong>neutralidade</strong> <strong>portuguesa</strong>.<br />
O Príncipe mostra-se tão benevolente para com Lannes que se prontificou e sua esposa,<br />
D. Carlota Joaquina, a apadrinharem-lhe um filho, baptismo<br />
que se realizou com toda a pompa e solenidade na real capela<br />
da Bemposta, na presença da família real e dos vultos mais<br />
grados da Corte. O padrinho, além de dar ao afilhado o seu<br />
próprio <strong>no</strong>me, ofereceu-lhe presentes <strong>no</strong> valor de 12.000<br />
libras, sendo obrigado a declarar, na «Gazeta de Lisboa» de<br />
18 de Setembro, que a dádiva não tinha significação política.<br />
Para celebrar o malogro do atentado contra Napoleão,<br />
Lannes manda rezar uma missa solene e um Te Deum<br />
Laudamus na igreja do Loreto onde acorre largamente a<br />
<strong>no</strong>breza <strong>portuguesa</strong>, os grandes comerciantes e todo o corpo<br />
diplomático <strong>–</strong> exceptuando os ingleses, obviamente. À <strong>no</strong>ite deu uma ceia, baile e grande<br />
concerto, em que cantaram e tocaram a famosa Catalani, Gafforini, Monhelli, Nalsi, Matucei,<br />
Olivieri, Angelleli e Violani, sendo directores os mestres Fioravanti e Marcos Portugal. O luxo<br />
e esplendor deram a esta festa um brilho de tal modo elevado, que não deixou de causar grande<br />
“azia” ao embaixador <strong>inglês</strong>, Lord Fitz Gerald, pois bastante azedado já andava ele pelo facto<br />
que se narra a seguir.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
19
D. João mostrava com Lannes uma condescendência a toda a prova, chegando por sua<br />
exigência a mandar publicar num suplemento da «Gazeta de Lisboa» um artigo do «Moniteur»<br />
francês, que lança sobre a Inglaterra a responsabilidade do atentado dirigido contra Napoleão.<br />
Lord Fitzgerald irrita-se com isso e queixa-se num despacho rude e cheio de insolências,<br />
despacho que comunica a todo corpo diplomático. O Gover<strong>no</strong> português sofre mais esta<br />
afronta e só obtém o perdão do referido embaixador, fazendo publicar também na «Gazeta de<br />
Lisboa», para mostrar imparcialidade, os artigos em que a imprensa oficial inglesa desmente as<br />
asserções do «Moniteur» francês.<br />
Lannes chega a alcançar o<br />
privilégio de gozar os jardins e<br />
propriedades reais, quando e como lhe<br />
agradasse, convidando o Príncipe Regente<br />
a passar alguns dias em Mafra a seu lado.<br />
Perante estes preliminares parecia<br />
que a negociação do tratado não teria<br />
dificuldade em ser levada a bom termo,<br />
só que…quando estava prestes a concluirse,<br />
e tudo se dava por ajustado, houve uma reunião mais acesa que provocou a deterioração das<br />
relações entre o plenipotenciário francês e <strong>no</strong>sso gover<strong>no</strong>, pedindo Lannes <strong>no</strong>vamente os<br />
passaportes, na intenção de abandonar a embaixada. Num momento incerto da <strong>no</strong>ssa política<br />
externa, o Príncipe Regente, recebendo-o em audiência privada, consegue com a sua<br />
afabilidade convencê-lo a reiniciar as negociações e três meses depois estava concluída a<br />
convenção <strong>franco</strong> <strong>–</strong> <strong>portuguesa</strong> de <strong>neutralidade</strong>.<br />
Efectivamente, em 19 de Março de 1804 assinava-se uma convenção de <strong>neutralidade</strong> e<br />
subsídios entre Lannes, representante da França, e o Gover<strong>no</strong> de Portugal.<br />
O Primeiro Cônsul da República Francesa, elevado por senatus <strong>–</strong> consultus de 18 de<br />
Maio ao tro<strong>no</strong> imperial, permitia que as obrigações impostas ao Príncipe Regente pelo Tratado<br />
de paz assinado em Madrid a 29 de Setembro de 1801, fossem convertidas em subsidio<br />
pecuniário de dezasseis milhões de <strong>franco</strong>s. Este subsídio seria pago de mês a mês a contar de<br />
1 de Dezembro de 1803, obrigando-se o Príncipe Regente a mandar «pagar em espécies, um<br />
mês depois da troca das ratificações, <strong>no</strong> Tesouro Público de França, a parte que então tiver<br />
vencido do subsídio ajustado; e quanto ao resto do subsídio por pagar, mandará entregar<br />
imediatamente, depois da troca das ratificações pelo seu ministro plenipotenciário em Paris,<br />
ao tesoureiro do gover<strong>no</strong>, obrigações de um milhão de <strong>franco</strong>s, que se satisfarão<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
20
sucessivamente de mês em mês até total pagamento».<br />
Além do subsídio, o Príncipe Regente concedia, ainda, à França mais facilidades<br />
comerciais do que aquelas que já usufruía <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso país.<br />
Napoleão anuía em aceitar o estatuto de <strong>neutralidade</strong> a Portugal durante o <strong>conflito</strong>, e<br />
prometia não impugnar quaisquer medidas que pudessem ser tomadas relativamente às «nações<br />
beligerantes, em consequência dos princípios e leis gerais de <strong>neutralidade</strong>».<br />
Portugal procurava por todos os meios ao seu alcance evitar qualquer <strong>conflito</strong> que<br />
pudesse bulir, de algum modo, com a sua condição de potência neutral, ainda que para a<br />
consecução desse fim se tivesse sujeitado, por vezes, a situações vexatórias. E, até à<br />
transferência da Corte para o Brasil, a política externa da Nação tomou sempre como directriz<br />
dominante a «declaração persistentemente re<strong>no</strong>vada a todos os gover<strong>no</strong>s estrangeiros,<br />
<strong>no</strong>meadamente à França, à Espanha, à Inglaterra e à Rússia, que a <strong>neutralidade</strong> cujo<br />
reconhecimento tão caro havia custado, seria mantida a todo o transe, só saindo Sua Alteza<br />
dela <strong>no</strong> caso de ter de repelir qualquer violência contrária aos direitos de soberania da Coroa<br />
<strong>portuguesa</strong>».<br />
Reforço do “partido francês”<br />
Como <strong>no</strong> princípio de 1804 o Ministério se encontrasse reduzido apenas a dois<br />
ministros, pois que Luiz Pinto de Sousa tinha adoecido gravemente, o Príncipe D. João, em 10<br />
de Fevereiro, «tendo tido repetidas provas do zelo, fidelidade e inteligência do conde de Vila<br />
Verde» e pretendendo demonstrar o quanto lhe eram particularmente agradáveis os seus<br />
serviços, <strong>no</strong>meia D. Diogo de Noronha (Conde de Vila Verde), ministro Assistente ao<br />
Despacho. Espera S. A. R. que neste <strong>no</strong>vo cargo o continue a servir com «o mesmo acerto,<br />
fidelidade e amor com que sempre se tem distinguido <strong>no</strong> régio serviço». Obviamente, Vila<br />
Verde era um homem afecto ao “partido francês”<br />
Alguns meses depois, Vila Verde participa a António Araújo de Azevedo que o<br />
Príncipe Regente «houve por bem <strong>no</strong>meá-lo ministro secretário de Estado dos Negócios<br />
Estrangeiros e da Guerra». Inequivocamente, a <strong>no</strong>meação de Araújo de Azevedo para o<br />
referido cargo significava uma viragem na política externa de Portugal, até então<br />
excessivamente ligada à orientação do Gabinete londinense.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
21
Araújo de Azevedo estava alicerçado numa base de relacionamento pessoal em que<br />
sobressaíam «os mais eminentes vultos da política parisiense, <strong>no</strong>meadamente Talleyrand<br />
(ministro das Relações Exteriores), na simpatia que à Corte de Carlos IV e ao gover<strong>no</strong><br />
francês, deviam merecer os direitos da coroa <strong>portuguesa</strong>, e a franqueza e sinceridade que se<br />
punham na posição de Portugal perante aquelas nações».<br />
Que a entrada de Araújo para o Ministério, em substituição de um ministro anglófilo<br />
implicava objectivos conducentes a manter com a França relações<br />
amistosas, demonstra-o a declarada oposição de Lord Strangford,<br />
representante da Inglaterra em Lisboa<br />
Elucidativo: com o conde de Vila Verde, ministro<br />
Assistente ao Despacho, Araújo de Azevedo <strong>no</strong>s Negócios<br />
Estrangeiros e Guerra, o visconde de Anadia, João Rodrigues de<br />
Sá, sobraçando a pasta da Marinha e Luiz de Vasconcelos e Sousa<br />
<strong>no</strong> Erário, o Ministério fica completo em Junho de 1804, «todos <strong>–</strong><br />
dizia-se <strong>–</strong> muito bem vistos pelos franceses». Este Gover<strong>no</strong> de personalidades afectas ao<br />
«partido francês», se por um lado deixava transparecer uma orientação correspondente a uma<br />
plataforma de entendimento entre as duas nações, por outro parece corresponder a uma falta de<br />
apoio por parte da Inglaterra.<br />
Pouco depois, certamente por influência, ou imposição, de Lannes o ministro português<br />
em Paris, D. José Maria de Sousa, foi substituído por D. Lourenço de Lima, homem dedicado<br />
ao partido francês. A este propósito, António de Araújo de Azevedo, conhecido politicamente<br />
por Araújo, escreveu a Talleyrand a participar-lhe que o Príncipe Regente resolvera enviar um<br />
embaixador extraordinário a Paris para felicitar Bonaparte pela sua elevação ao tro<strong>no</strong> imperial,<br />
e que a escolha recaíra em D. Lourenço de Lima «que vous avez connu a Paris» e se fazia<br />
recomendável pelo nascimento ilustre e qualidades pessoais, «qui ont captivé la bienviellance<br />
du Marechal de l’Empire Lannes»; pedia o assentimento de S. M. I.: «par delicatesse et par<br />
égard pour S. M. l´Emp., souhaite avoir la certitude que ce choix lui est agreable» … Os<br />
termos em que Araújo de Azevedo se exprimira eram, claramente, propícios a lisonjear<br />
Napoleão <strong>no</strong> momento culminante da sua carrreira ascensional.<br />
Em 7 de Julho, o mesmo Araújo, oficiava ao <strong>no</strong>sso embaixador em Londres <strong>no</strong> sentido<br />
de justificar perante o Gabinete de S. James, a modificação operada na diplomacia <strong>portuguesa</strong>.<br />
O empenho manifestado por António de Araújo para que não houvesse qualquer<br />
espécie de alarme por parte da Inglaterra, compreende-se e pode filiar-se <strong>no</strong> facto de D.<br />
Lourenço de Lima ser «personna <strong>no</strong>n grata» ao “partido <strong>inglês</strong>” e ter sido considerado como<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
22
«grande amigo da França». Então, participava ao <strong>no</strong>sso embaixador, Domingos de Sousa<br />
Coutinho: «…o Príncipe Regente <strong>no</strong>sso senhor determi<strong>no</strong>u mandar a Paris D. Lourenço de<br />
Lima como embaixador extraordinário para cumprimentar Bonaparte (Napoleão ia ser<br />
coroado Imperador). O marechal Lannes tinha escrito há muito tempo ao seu gover<strong>no</strong>,<br />
solicitando que lhe desse o carácter de embaixador, e indicou para Paris D. Lourenço de<br />
Lima, julgando que ele poderia, mais do que qualquer outro, fazer-se agradável a Bonaparte».<br />
A 18 de Maio de 1804, Napoleão é proclamado Imperador satisfazendo uma das<br />
maiores ambições da sua vida. Entre outras solenidades marcantes para celebrar o evento,<br />
Bonaparte criou dezoito marechais, sendo um deles o general Lannes, que assim recebia a<br />
recompensa de ter servido a sua política de intimidação utilizando os processos mais torpes e<br />
condenáveis.<br />
Pouco tempo depois, a 1 de Agosto de 1804, a fim de assistir à coroação de Napoleão,<br />
Lannes saía de Portugal, onde jamais voltaria, mas… curioso, e que me parece algo estranho, é<br />
o que estaria por trás da decisão do Príncipe Regente quando pouco depois, a 28 de Setembro<br />
lhe dirige uma carta <strong>no</strong> sentido do seu regresso a Portugal… nem mais, nem me<strong>no</strong>s. D. João,<br />
afirmando-se sensível aos «sentimentos que unem os <strong>no</strong>ssos dois gover<strong>no</strong>s», pede a Lannes<br />
que apresente a «S. M. o meu afecto à sua pessoa e dizer-lhe que será um testemunho da sua<br />
amizade por mim o vosso pronto regresso aqui como embaixador». De facto, era uma ideia<br />
singular re<strong>no</strong>var o lugar de embaixador a uma pessoa que, para além de ser contestada, era um<br />
militar estranho à diplomacia e ig<strong>no</strong>rante dos complexos problemas portugueses.<br />
Lannes chega a receber <strong>no</strong>vas cartas credenciais que seriam enviadas ao Príncipe a 21<br />
de Dezembro. Porém, após várias insistências de Napoleão para que aceitasse a embaixada de<br />
Lisboa e o marechal mantendo persistentemente a recusa, o Imperador tomou a decisão de<br />
confiar a referida embaixada ao general Ju<strong>no</strong>t.<br />
Durante os <strong>no</strong>ve meses que mediaram entra a saída de Lannes e a chegada de Ju<strong>no</strong>t,<br />
Serurier, que era comissário geral das relações comerciais de França em Lisboa, ficou,<br />
interinamente, como encarregado de negócios.<br />
.<br />
Ju<strong>no</strong>t, embaixador em Lisboa. Recepção ao general-diplomata.<br />
Napoleão ao aceitar o estatuto de <strong>neutralidade</strong> a Portugal durante o <strong>conflito</strong>, prometia<br />
não impugnar quaisquer medidas que pudessem ser tomadas relativamente às<br />
«nações beligerantes, em consequência dos princípios e leis gerais de <strong>neutralidade</strong>», porém,<br />
algum tempo depois, a Corte de Lisboa, via-se confrontada com as mais embaraçosas situações<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
23
para fazer face aos projectos congeminados por Napoleão, de que Ju<strong>no</strong>t seria rigoroso executor<br />
em Lisboa.<br />
Em 19 de Fevereiro de 1805, Napoleão escrevia ao Príncipe Regente participando-lhe a<br />
substituição de Lannes por Ju<strong>no</strong>t, como seu representante<br />
diplomático em Portugal.<br />
Partindo de Paris a 25 de Fevereiro, além de sua<br />
mulher, Laura St. Martin Permont, futura duquesa de<br />
Abrantes, faziam parte da comitiva o secretário da legação<br />
M. de Rayneval, o seu ajudante de campo, coronel Laborde e<br />
ainda um seu particular amigo, M. de La Iard. Viajando por<br />
Espanha, onde se demorou algum tempo com objectivos bem<br />
definidos (conluios com Godoy, primeiro-ministro espanhol),<br />
ao entrar a fronteira <strong>portuguesa</strong> foi recebido com todas as<br />
honras militares.<br />
O próprio cerimonial da recepção foi prudentemente rodeado de todas as cautelas e<br />
etiquetas inerentes à sua embaixada, para que se evitasse tanto quanto possível as «Questões e<br />
sensaborias que com justa razão deve recear-se». O Gover<strong>no</strong> português recordando ainda<br />
todas as complicações surgidas quando Lannes entrou desabridamente em Lisboa, procurava<br />
legitimamente evitar tudo aquilo que pudesse dar azo a situações delicadas.<br />
A chegada de Ju<strong>no</strong>t constituiu na rea1idade motivos de preocupação, não descurando<br />
o Gabinete lisbonense qualquer porme<strong>no</strong>r que pudesse ter influência na recepção ao <strong>no</strong>vo<br />
embaixador. .<br />
Assim, devia comunicar-se a D. Lourenço de Lima (embaixador em Paris), em oficio<br />
separado, para que procurasse junto de Talleyrand (Relações Exteriores) combinar o<br />
cerimonial com que devia ser recebido o general-diplomata, «para evitar todas as desordens,<br />
que sucederam, quando chegou Lannes, que quis atropelar e com efeito atropelou, o<br />
cerimonial, e uso desta Corte na recepção dos Ministros Estrangeiros, o que causou escândalo<br />
público, e foi uma das primeiras causas, que o indispôs contra o Ministro e Secretário dos<br />
Negócios Estrangeiros Dom João de Almeida».<br />
Devia D. Lourenço ponderar que Ju<strong>no</strong>t vinha para Portugal com o carácter de embaixador,<br />
o que Lannes não tinha, e deste modo «não pode ter a mesma familiaridade, por que<br />
o carácter pede mais cerimónia; que como ele D. Lourenço é também embaixador, deve haver<br />
em tudo uma reciprocidade».<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
24
O embaixador francês chegou a Lisboa <strong>no</strong> dia 12 de Abril, tendo sido transportado na<br />
real galeota de doze remos desde Aldeia Galega (Montijo) até ao Cais de Belém. Neste ponto<br />
era aguardado pelo Conde de Castro Marim, o qual servia de introdutor, visto que reunia as<br />
condições exigidas pela pragmática: «era <strong>no</strong>vo, tinha casado há pouco tempo, falava francês e<br />
parece próprio para isto».<br />
Embora tivesse chegado a 12 de Abril, Ju<strong>no</strong>t só foi recebido em Queluz a 24 do<br />
mesmo mês (a família real encontrava-se em Salvaterra de Magos), entregando então as suas<br />
credenciais de embaixador. Conquanto Ju<strong>no</strong>t não fosse mais diplomata que Lannes mostrou-se,<br />
todavia, mais cortês e me<strong>no</strong>s insolente, tendo sido recebido pelo Príncipe Regente com a maior<br />
afabilidade.<br />
Objectivos da missão Ju<strong>no</strong>t.<br />
O pagamento dos subsídios foi sempre rigorosamente exigido pela França, constituindo<br />
a recolha das prestações em atraso um dos objectivos da missão Ju<strong>no</strong>t, conquanto a essência da<br />
comissão diplomática do general fosse colocar Portugal contra a Inglaterra aderindo ao bloco<br />
<strong>franco</strong> - espanhol. No sentido de alcançar tal finalidade, Ju<strong>no</strong>t empregaria durante o espaço de<br />
quinze dias todos os seus recursos persuasivos reforçados por solicitações constantes, tanto<br />
pelo lado de Paris como pelo de Madrid, ainda que ambos os Gover<strong>no</strong>s usassem de certa<br />
cortesia. Caso não conseguisse concretizar os objectivos pretendidos, Ju<strong>no</strong>t abandonaria<br />
Lisboa.<br />
Logo, após ter sido acreditado como representante da França <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso País, Ju<strong>no</strong>t<br />
entregava a S. A. R. uma carta pessoal de Napoleão, na qual eram bem evidentes as intenções<br />
do Imperador.<br />
Declaradamente, Bonaparte pressionava o Príncipe Regente tentando persuadi-lo a<br />
desligar-se da órbita britânica. A 19 de Fevereiro de 1805, Napoleão escrevia ao Príncipe<br />
Regente de Portugal, a seguinte carta:<br />
«Sereníssimo e muito amado bom irmão e primo, aliado e confederado. A presente<br />
carta será entregue a Vossa Alteza Real pelo general Ju<strong>no</strong>t, meu ajudante de ordens,<br />
comandante dos meus hussards e embaixador junto de V. A.. Encarreguei-o muito<br />
especialmente de afirmar a V. A. R. o interesse que dedico à prosperidade da Coroa de<br />
Portugal, e a esperança que tenho de que os <strong>no</strong>ssos dois estados hão-de caminhar conformes,<br />
para chegarem ao grande resultado do equilíbrio dos mares, ameaçado pelo abuso do poder e<br />
pelas vexações que os ingleses cometem, não só para com a Espanha, mas ainda para com<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
25
todas as potências neutrais. As promessas que tenho recebido de V. A. R. em todas as ocasiões,<br />
são um seguro penhor de que <strong>no</strong>s entenderemos para fazer o maior da<strong>no</strong> à Inglaterra e<br />
obrigá-la assim a ideias mais sãs e mais moderadas. Fique V. A. convencido dos meus<br />
sentimentos de estima e de inviolável amizade; além de que, sereníssimo e muito amado bom<br />
irmão e primo, aliado e confederado peço a Deus que vos tenha em sua santa guarda.<br />
Vosso bom irmão e primo, e confederado. Napoleão. Malmaison, 30 Pluviôse,<br />
a<strong>no</strong> 13».<br />
Poucos dias antes da resposta do futuro D. João VI para Napoleão, Ju<strong>no</strong>t procurava,<br />
persistentemente, demonstrar junto de Araújo de Azevedo, que a única e conveniente opção<br />
para Portugal seria o alinhamento <strong>no</strong> bloco fanco-espanhol. Oficiando a 3 de Maio ao mesmo<br />
Araújo de Azevedo, chamava-lhe a atenção para o facto de, certamente, já ter reflectido sobre o<br />
caminho a seguir por Portugal em face da conjuntura militar europeia e que, assim, «não<br />
deixaria o ministro de considerar que Portugal, pela sua posição geográfica, devia<br />
naturalmente ficar aliado de Espanha e França; a conduta atroz da Inglaterra com Espanha<br />
deveria ter provado ao Gover<strong>no</strong> português que, como qualquer país neutro, não poderia<br />
confiar em que a Grã-Bretanha lhe respeitasse a <strong>neutralidade</strong> senão enquanto isso conviesse a<br />
seus interesses».<br />
Ocupando, indiscutivelmente, o lugar de primeira potência militar terrestre <strong>no</strong> continente<br />
europeu, mas não dispondo de uma esquadra suficientemente forte para aniquilar o<br />
poderio naval <strong>inglês</strong>, interessava à França a adesão luso-espanhola, uma vez que a união das<br />
três esquadras com o encerramento dos <strong>no</strong>ssos portos modificaria, sem dúvida, o desenrolar<br />
dos acontecimentos.<br />
Sem quebra de dignidade e em carta datada de Queluz, aos 7 de Maio, respondia D.<br />
João ao Imperador, argumentando que «Faltaria a todos os deveres que o Céu impõe a um<br />
sobera<strong>no</strong> para com os seus súbditos, se eu, depois de os ter obrigado a contribuir para a<br />
manutenção da <strong>neutralidade</strong>, os expusesse a uma guerra que não pode deixar de ter resultados<br />
funestos. Vossa Magestade sabe que a monarquia <strong>portuguesa</strong> se compõe de estados<br />
espalhados nas quatro partes do globo, que ficariam inteiramente expostos, <strong>no</strong> caso de uma<br />
guerra com a Grã-bretanha».<br />
Durante a permanência de Ju<strong>no</strong>t em Madrid concertara-se entre o Príncipe da Paz<br />
(Manuel Godoy) e o representante da França a acção a desencadear: alguns dias após a chegada<br />
de Ju<strong>no</strong>t a Lisboa, o rei espanhol deveria escrever ao Príncipe D. João para que fizesse «causa<br />
comum» com a Espanha e a França.<br />
Em carta datada de 20 de Março e redigida em termos semelhantes à enviada pelo<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
26
Imperador, Carlos IV acusava a Inglaterra de ter violado uma <strong>neutralidade</strong> cimentada sobre<br />
bases propostas por ela própria, ao aprezar e incendiar navios espanhóis que navegavam na<br />
confiança da Paz. E acrescenta: «A esta razon se unen otras rasones para estimular a V. A., de<br />
acuerdo con la Francia, a que una sus fuerzas con las nuestras para reducir a la Inglaterra aI<br />
deseado termi<strong>no</strong> de una Paz decorosa».<br />
Tal como acontecera na resposta para Napoleão, também a posição e oposição <strong>portuguesa</strong>s<br />
ficaram definidas em relação ao convite de Carlos IV. D. Lourenço de Lima em Paris<br />
e o Conde da Ega em Madrid, devidamente instruídos por Lisboa, e com a finalidade de<br />
diminuir os efeitos da negativa, deviam invocar uma série convincente de razões por motivos<br />
das quais Portugal não podia, nem devia, aceder às solicitações do bloco <strong>franco</strong>-espanhol.<br />
Assim, o <strong>no</strong>sso embaixador em Paris tirando partido do excelente relacionamento<br />
pessoal existente entre Araújo de Azevedo e Talleyrand, faria ver a este a inexequibilidade de<br />
tal projecto da parte de S. A. R., por via do estado em que se encontrava o real erário e também<br />
«pelo perigo a que exporia as suas colónias, pela interrupção absoluta do comércio com grave<br />
prejuízo dos seus vassalos e das rendas da sua Coroa, pela forma a que Lisboa seria exposta<br />
com o bloqueio a que logo procederiam os ingleses e por todos os motivos que são óbvios e<br />
que V. Ex.ª não ig<strong>no</strong>ra».<br />
De igual modo, conforme instruções recebidas pelo Conde da Ega em Madrid, as razões<br />
aduzidas por D. Lourenço de Lima junto de Talleyrand deveriam ser repetidas, e expostas, pelo<br />
<strong>no</strong>sso representante diplomático a S. M. Católica e ao seu influente ministro Manuel Godoy.<br />
Ao contrário do que sucedeu com Paris, Madrid aceitou, de certo modo, as explicações<br />
de Lisboa dadas directamente pelo <strong>no</strong>sso embaixador; a este facto parece não ter sido estranha<br />
a interferência da Rainha D. Maria Luiza, «ingeniosa y autoritaria, disponia a su antojo de la<br />
voluntad de su marido», cessando por algum tempo as pressões para a concretização da<br />
projectada e tão desejada Liga.<br />
Em relação a Paris a negativa previa a invasão do <strong>no</strong>sso território pelos exércitos<br />
franceses, o que só não se terá verificado devido à vitória inglesa de Trafalgar, onde Nelson<br />
infligiu rude golpe às esquadras <strong>franco</strong>-espanholas abortando e adiando, assim, a entrada das<br />
forças napoleónicas em Portugal.<br />
Outras ocasiões se deparariam em que o Gabinete Lisbonense se viu confrontado com<br />
as maiores situações de apuro, lançando mão dos mais variados recursos a fim de não<br />
modificar a sua posição de potência neutral.<br />
Portugal procurava subtrair-se às aliciantes propostas da França e da Espanha garantindo<br />
o reconhecimento na manutenção de um estatuto de <strong>neutralidade</strong>, que era a única atitude<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
27
conveniente. Alegava a Corte <strong>portuguesa</strong> razões fundamentadas <strong>no</strong> Direito e na Moral, aliadas<br />
ao tacto diplomático de Araújo de Azevedo que soube conduzir os assuntos assim em Paris,<br />
junto de Talleyrand, como em Lisboa com o próprio Ju<strong>no</strong>t. Refira-se que as relações entre o<br />
embaixador francês e António de Araújo, embora cordiais, «nunca foram fáceis e assentaram<br />
sempre <strong>no</strong>s mesmos temas, o que aliás cedo habilitou Ju<strong>no</strong>t a entender o posicionamento de<br />
Portugal, que transmitiu a Talleyrand: a impossibilidade que Portugal tinha, por pobreza,<br />
desorganização das finanças por compromissos assumidos e carência de alimentos, de se<br />
colocar num estado de guerra com a Inglaterra. A pulverização das colónias, fonte da sua<br />
riqueza, colocavam-nas à mercê do país que dispusesse dos maiores e eficazes meios navais.<br />
Eram estas as reflexões de um homem que soubera analisar o meio e entender, embora sem<br />
gostar, a solidez dos argumentos que escutara ao Ministro Araújo, quando justificava, à<br />
saciedade, a <strong>neutralidade</strong> que desejávamos, contudo diferente daquela que podíamos exigir<br />
por parte de quem não a respeitava».<br />
A Napoleão pouco, ou nada, interessavam razões fundamentadas <strong>no</strong> Direito e na Moral<br />
para que não houvesse denúncia de tratados e violações de <strong>neutralidade</strong> com a subsequente<br />
ocupação do território nacional; o facto de Bonaparte se ter visto a braços com outras frentes<br />
de luta consideradas prioritárias desviando, de momento, a sua atenção para questões mais<br />
importantes, tê-lo-ão levado a «tolerar uma <strong>neutralidade</strong> <strong>portuguesa</strong> da qual disfrutava não<br />
poucas vantagens económicas, como o abastecimento regular de matérias primas coloniais».<br />
Se acrescentarmos, ainda, o facto do representante diplomático de Napoleão em Lisboa<br />
ter sido contemplado com diversos e valiosos presentes, bem como o não terem sido<br />
esquecidas com várias mercês algumas personalidades parisienses, encontraremos os motivos<br />
principais que terão valido ao Pais o protelar das exigências e ameaças por algum tempo mais.<br />
Entretanto a demora de Ju<strong>no</strong>t em Portugal foi de curta duração. Quando, em 25 de<br />
Janeiro de 1805, foi <strong>no</strong>meado embaixador em Lisboa conseguiu do Imperador a promessa de o<br />
chamar «ao primeiro disparo de canhão». Assim foi. Soldado por natureza, Ju<strong>no</strong>t não se<br />
conformava com a sua <strong>no</strong>va situação e, por isso mesmo, pouco tempo a suportou. Ansioso por<br />
tomar parte <strong>no</strong>s combates que se iriam travar na Alemanha, Napoleão cumpria a promessa e,<br />
em 22 de Setembro, através de Talleyrand, era-lhe comunicado que devia dirigir-se a Paris<br />
«com toda a presteza», chegando ao acampamento do Imperador na véspera da famosa batalha<br />
de Austerlitz.<br />
Ficou acreditado junto da Corte de Lisboa o seu secretário de legação, Rayneval.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
28
Interesses particulares de Ju<strong>no</strong>t.<br />
Ao ser revocado em Outubro de 1805 Ju<strong>no</strong>t, na sua passagem por Madrid, não ia de<br />
todo satisfeito, conforme participava o conde da Ega para Lisboa ao ministro Araújo de<br />
Azevedo. Pode considerar-se que <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> politico a missão Ju<strong>no</strong>t não proporcionara à França<br />
as situações e resultados que Napoleão previa e desejava, bem como <strong>no</strong> respeitante aos<br />
interesses particulares do embaixador.<br />
Inicialmente a conduta de Ju<strong>no</strong>t foi de certo modo razoável, tendo parecido até «de<br />
um trato polido»; porém, não tardariam as exigências que, por vezes, atingiram proporções<br />
despropositadas e nitidamente carecidas de fundamento. Neste sentido refira-se os seus<br />
interesses particulares, em que houve necessidade de lhe serem «coarctadas algumas<br />
ilegítimas pretensões», já que eram destituídas de «toda a razão e justiça», além de que pretendia<br />
camuflar os seus interesses e, como dizia Vila Verde, seria preferível pedir para si próprio,<br />
como fazia Lannes, «do que pedir para outrem, e poder depois fazer a bazófia de desinteresse».<br />
Dentre as suas mais ilegítimas pretensões situa-se a da solicitação do<br />
estabelecimento de mercadorias, uma espécie de feitoria, <strong>no</strong> Rio de Janeiro, em condições<br />
vantajosas, onde ressaltava o interesse de Ju<strong>no</strong>t em vir a auferir elevada monta de proventos.<br />
Para concretizar os seus projectos, tão lucrativos quão carecidos de qualquer razão<br />
fundamentada e de nulo interesse para Portugal, antes pelo contrário, susceptíveis de <strong>no</strong>s<br />
acarretarem prejuízos e complicações de vária ordem, escrevia Ju<strong>no</strong>t a Araújo de Azevedo em<br />
29 de Outubro de 1805. Nessa carta, datada de Madrid, em que era requerida a concessão do<br />
entreposto, Ju<strong>no</strong>t dizia: «... quoique peu encoragé je vais neantmoins vous faire mes demandes<br />
et vous y répondez apres y avoir murement reflechi, si je suis refusé je dirai en Bon portugais<br />
'patientia' si j'obtiens je remercierai de bonne grace et vous aurai obligation de ce que vous<br />
aurai fait».<br />
Da anuência ao requerido por Ju<strong>no</strong>t poderiam advir sérias complicações, especialmente<br />
por parte da Inglaterra, pois tal concessão além de constituir «uma especulação tão<br />
contrária ao <strong>no</strong>sso antigo e prudente sistema colonial, tão susceptível de abusos e<strong>no</strong>rmes, e<br />
tão conducente a excitar o irritabilíssimo ciúme mercantil Inglês, era propicia para uma<br />
penetração francesa <strong>no</strong> Brasil».<br />
Vila Verde denunciava os possíveis e importantes prejuízos, <strong>no</strong> caso de ser concedido<br />
o estabelecimento do entreposto <strong>no</strong> Rio de Janeiro, salientando que o do contrabando<br />
saltava claramente à vista; e não só o da introdução dos géneros estrangeiros, mas também o da<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
29
extracção do ouro e diamantes «porque ali acharão os extraviadores sempre uma venda<br />
segura». Muito provavelmente também a Espanha se queixaria de Portugal, se viesse a<br />
concretizar-se a permissão do entreposto.<br />
Sendo necessário condescender nesta matéria, e para evitar um mal maior, importava<br />
ponderar sobre o processo pelo qual se deveria responder, pedindo-se a Ju<strong>no</strong>t em carta<br />
particular e sem formalidade, «uma mais circunstanciada declaração do que se pertende, a<br />
qual é previamente necessária para se poder examinar e conceituar a pertenção proposta em<br />
termos muito gerais para se conhecer se se poderá propor ao <strong>no</strong>sso sobera<strong>no</strong>».<br />
De momento, esta seria a resposta mais conveniente, porquanto «é a mais natural, e<br />
não pode... e com ela se vai ganhando tempo, do qual, na época actual, talvez, que tudo se<br />
deva esperar em benefício da situação politica presente, das potências europeias de segunda<br />
ordem».<br />
Porém, acontecendo que Portugal viesse a transigir nesta matéria e, nesse caso, fá-loia<br />
por via da «dura Ley da necessidade para evitar um mal maior, certo e iminente», Vila<br />
Verde propunha que fossem observadas as seguintes condições: ser por tempo determinado;<br />
autorizar apenas um determinado número de navios; presença de um fiscal português que<br />
reviste o que entra e sai; que encontrando contrabando ou extravio, se lhe imporá a pena da lei<br />
e o confisco; pagariam além das despesas de armazéns 2% por cento de entrada e 2% por saída.<br />
Araújo de Azevedo conseguiu evitar que se desse corpo às pretensões de Ju<strong>no</strong>t, conquanto<br />
estas tivessem constituído motivo de preocupação e estudo reflectido mas, mais uma<br />
vez, Portugal esteve à beira de se curvar perante as insólitas exigências da opressão francesa,<br />
constrangido pela «dura Ley da necessidade», necessidade de manter uma <strong>neutralidade</strong> que<br />
deixou o erário do Pais a sangrar; <strong>neutralidade</strong> nitidamente explorada, que navegou<br />
frequentemente nas águas da arbitrariedade e da prepotência e que acabou por vir a não ser<br />
respeitada.<br />
Razão tinha o <strong>no</strong>sso ministro em Paris, D. José Maria de Sousa (destituído a instâncias<br />
de Lannes), que confessava não ter ilusões algumas sobre o Tratado de 19 de Março de 1804,<br />
aconselhando Portugal a prepara-se para o pior.<br />
D. José Maria de Sousa, que concebera um pla<strong>no</strong> para reorganizar o exército, entendia<br />
que a melhor política era «dispor-se Portugal para a guerra, calamidade que não podia evitar,<br />
na certeza de que, se havia de preparar-se ao tarde, melhor era preparar-se ao cedo, porque<br />
por este modo evitava ao me<strong>no</strong>s o pagamento da contribuição que Napoleão tinha resolvido<br />
impor-lhe».<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
30
As coisas, porém, em Portugal, estavam pouco dispostas para a guerra, quer pelo mau<br />
estado das finanças, quer pela desconfiança que havia <strong>no</strong> exército e até pela certeza de que<br />
Portugal não podia, de maneira alguma, fazer frente à Espanha e à França, tanto mais que<br />
estava ainda bem presente a desastrada guerra de 1801. Acrescente-se, ainda, a desunião<br />
interna do País, provocada pela cisão dos dois partidos contrários, francês e <strong>inglês</strong>, e que na<br />
própria Corte trazia as opiniões divididas.<br />
Exército português desarticulado nas vésperas da 1ª Invasão.<br />
A situação militar do país nas vésperas da 1ª Invasão Francesa era francamente precária<br />
e desanimadora perante o quadro político que então se desenrolava na Europa.<br />
Numa época de anuviamento em que tanto convinha ao País valorizar o Exército para<br />
que as demais potências <strong>no</strong>s respeitassem a <strong>neutralidade</strong>, a situação militar justificava da parte<br />
do sector responsável urgentes providências <strong>no</strong> sentido da máxima eficiência. A insuficiência<br />
numérica e profissional dos quadros era <strong>no</strong>tória, bem como a carência de armamento, munições<br />
e equipamento. Não bastando já o pouco interesse em fortalecer a situação militar, esta<br />
tornava-se ainda mais débil com as frequentes reduções dos efectivos do exército de Portugal.<br />
Contra esta alarmante situação tentou lutar António de Araújo de Azevedo, ao tempo<br />
ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e futuro conde da Barca, opondo-se à redução<br />
do exército, ao mesmo tempo que apresentava pla<strong>no</strong>s orientados <strong>no</strong> sentido de sanar ou mi<strong>no</strong>rar<br />
o enfraquecimento do potencial defensivo da Nação. Porém, os esforços empreendidos pelo<br />
ministro da Guerra foram inutilmente baldados.<br />
Razões de ordem económica levaram o Gover<strong>no</strong> de Portugal, em 1804, a reduzir os<br />
efectivos do Exército, conforme participação de Araújo para Domingos de Sousa Coutinho,<br />
<strong>no</strong>sso embaixador em Londres. Esta medida, como é evidente, desagradou a António de<br />
Araújo, que em Conselho se opôs tenaz mas infrutiferamente.<br />
Efectivamente, relegado para pla<strong>no</strong> secundário o potencial defensivo da Nação em<br />
favor da eco<strong>no</strong>mia, opera-se a redução do Exército contra a opinião do ministro da Guerra,<br />
Araújo, com justificada estranheza do Gabinete britânico. De facto, era difícil de aceitar o<br />
ilogismo entre esta redução e as solicitações que o ministro Araújo mandava fazer em Londres<br />
para que aquele gabinete definisse se acorreria a Portugal <strong>no</strong> caso de se concretizar uma<br />
ameaça à integridade da Nação, e em que termos o faria.<br />
Em 19 de Julho de 1804 comunicou Araújo a D. Domingos António de Sousa<br />
Coutinho, para fazer o uso tido como mais conveniente perante o Ministério britânico, de que o<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
31
Príncipe Regente determinara «reduzir o seu Exército à me<strong>no</strong>r lotação de praças de soldados,<br />
cuja resolução é tomada por motivo do estado em que se acham as suas finanças, eu tive de<br />
expor muitas vezes ao mesmo senhor que nas circunstâncias políticas da Europa, era preciso<br />
não diminuir a força do Exército; porém como de outro lado é grande a urgência da<br />
eco<strong>no</strong>mia, se adoptou o meio de o fazer que venho de referir, ficando os soldados a quem se<br />
der baixa <strong>no</strong>s regimentos de milícias como em depósito para a todo o tempo que necessário for<br />
se chamarem outra vez aos regimentos».<br />
Censuras do Gover<strong>no</strong> Britânico.<br />
António de Araújo entendia que esta redução do Exército causaria certamente alguma<br />
impressão ao Gover<strong>no</strong> britânico, se acaso não lhe fossem expostas estas razões. Por isso julgou<br />
necessário, por precaução, tomar tal atitude.<br />
Tais explicações não obstaram a que o Gover<strong>no</strong> britânico censurasse e considerasse<br />
i<strong>no</strong>portuna uma tal reorganização do Exército, protestando junto de D. Domingos através de<br />
Lord Harrowby, o qual se mostrava «preocupado com a possibilidade de os franceses se<br />
apossarem da ilha da Madeira, adquirindo ali um admirável ponto de apoio».<br />
Perante a discordância do Gabinete britânico, era forçoso responder às observações e<br />
reconversões que Lord Harrowby fizera relativamente ao estado das finanças e exército de<br />
Portugal.<br />
Com tal finalidade devia D. Domingos, em ocasião oportuna, repetir a Lord Harrowby<br />
que o mau estado existente <strong>no</strong> exército provinha em grande parte do atraso de finanças e que a<br />
primeira origem do dito atraso se filiava «<strong>no</strong>s sacrifícios que fez esta Corte para seguir a<br />
aliança da Grã-Bretanha, e se unir aos seus interesses na última guerra. As forças marítimas<br />
que desde o princípio dela S.A.R. entregou à disposição de SMB, o exército que mandou ao<br />
Rossillon; a esquadra que desti<strong>no</strong>u para se combinar <strong>no</strong> Mediterrâneo com a de Lord Nelson,<br />
foram, sem dúvida, objectos de grande despesa proporcionadamente às rendas de Portugal;<br />
além disto, foi urgente pagar a paz, e comprar igualmente a <strong>neutralidade</strong> actual, afim de<br />
evitar que a França principiasse a guerra presente atacando os interesses da Grã-Bretanha <strong>no</strong><br />
território do seu aliado; semelhantes factos merecem mais a atenção do ministério <strong>inglês</strong>, do<br />
que a sua reconversão».<br />
O primeiro destes sacrifícios pecuniários havia sido feito, quando o Gabinete de S.<br />
James declarara ao príncipe regente que estava impossibilitado de socorrer Portugal e<br />
consequentemente lhe aconselhava a sua paz particular a todo o custo e, se necessário, «com<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
32
estipulações contrárias aos tratados com a G. Bretanha»; o segundo processou-se quando o<br />
príncipe D. João viu a necessidade de que S.M.B. tinha em «concentrar as suas Forças<br />
Militares para se defender contra um ataque que por muito improvável na sua execução, nem<br />
por isso dispensa de uma vigorosa defesa contra um vigoroso e inaudito preparo. Depois<br />
destas alegações que não podem ter resposta, não deve haver <strong>no</strong> Gover<strong>no</strong> Inglês pelos laços<br />
que unem as duas Naçoens, e posso dizer também por gratidão outros sentimentos mais do<br />
que os que lhe inspirar o interesse pelo restabelecimento da boa ordem nas Finanças, e <strong>no</strong><br />
Exército Português».<br />
Soldados incapazes e ilegalmente recrutados<br />
Nos regimentos militavam muitos soldados incapazes, e outros que foram recrutados<br />
contra todas as leis e privilégios, de onde resultou uma numerosa deserção em prejuízo da<br />
agricultura. Seria, pois, a estes que se determinaria dar baixa e se alguns estivessem em estado<br />
de servir, seriam conservados nas guarnições fixas ou <strong>no</strong>s corpos das milícias.<br />
Embora António de Araújo se esforçasse para que fossem aceites, junto do Ministério<br />
britânico, as justificações relativas à redução do exército, fundamentando-se, o <strong>no</strong>sso ministro<br />
dos Estrangeiros e da Guerra preocupava-se, como já se disse, em evitar o enfraquecimento da<br />
eficiência militar da Nação.<br />
Na já citada carta para D. Domingos de Sousa Coutinho, datada de Queluz, em 19 de<br />
Julho de 1804, encontra-se à margem a seguinte a<strong>no</strong>tação:<br />
«Fiz repetidas representações a este respeito, e apresentei ao sr. Conde de V.ª Verde<br />
(ministro do Rei<strong>no</strong>) um pla<strong>no</strong> para diminuir a despesa sem diminuir o Exército, mas ele e o sr.<br />
Luís de Vas. os (responsável pelo Erário) não quiseram assentir; por fim salvei segunda redução<br />
da Cavalaria».<br />
Certamente que a situação do país não era risonha, porquanto o «partido francês»<br />
preconizava a <strong>neutralidade</strong>, que comprada a peso de ouro, não só descurava a defesa nacional,<br />
como ia transferindo para os cofres de Bonaparte todos os recursos do <strong>no</strong>sso exaurido erário.<br />
Porém. Araújo, procurava a todo o transe as soluções mais viáveis para tão melindrosa<br />
situação.<br />
Em 21 de Janeiro de 1806, escrevendo de Vila Viçosa, o conde de Vila Verde participa<br />
a Araújo a necessidade de <strong>no</strong>va redução do exército, pois verificava quase como impossível<br />
que Sua Alteza Real, nas circunstâncias do Erário, pudesse pagar e sustentar a «tropa que não<br />
digo que tem, mas que existe, julgava ser necessário absolutamente o reduzi-la a muito pouco,<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
33
porque ainda sabendo de certo o haver Guerra, acho melhor mandar a ela, para me defender,<br />
um regimento bem pago, e bem nutrido, do que três ou quatro morrendo de fome, e sem o soldo,<br />
que lhe compete; é terrível situação para todo o caso, achar-se sem exército, e sem<br />
dinheiro, como estamos, e V. Exa. conhece muito bem».<br />
Em 28 de Janeiro de 1806, o futuro conde da Barca redigia a resposta revelando<br />
claramente o seu desapontamento, demonstrando o perigo a que Portugal se expunha, além de<br />
que uma redução do Exército produziria péssimo efeito dentro e fora do Rei<strong>no</strong>.<br />
Assegurava António de Araújo que não era pela redução do Exército que a despesa<br />
diminuiria, mas sim examinando o motivo pelo qual o <strong>no</strong>sso Exército fazia maior dispêndio do<br />
que qualquer outro de igual lotação na Europa e «cortar os abusos estabelecendo um bom<br />
sistema económico; isto não é impossível nem o é<br />
também o restabelecer a disciplina que não existe».<br />
António de Araújo, consciente da gravidade<br />
da situação e na sua qualidade de ministro da<br />
Guerra, preocupava-se em justificar o ilogismo da<br />
redução do Exército, «lutando <strong>no</strong> seio do Gabinete,<br />
onde o critério do aumento do potencial defensivo<br />
da Nação fora superado pelo da eco<strong>no</strong>mia, num<br />
momento histórico nacional em que a efervescência<br />
bélica da Europa impunha precisamente o inverso,<br />
isto é, a elevação da sua eficiência pelo desenvolvimento<br />
duma aturada e intensiva instrução,<br />
re<strong>no</strong>vação do armamento e do equipamento,<br />
altiveza do espírito ofensivo, elação da disciplina e<br />
complemento e selecção dos quadros».<br />
Integridade do território ameaçada. A missão Rosslyn.<br />
A 9 de Agosto de 1806, um despacho do ministro Fox, em <strong>no</strong>me de Sua Majestade<br />
Britânica (S. M. B.), incumbia os condes de Rosslyn, de S. Vicente e o tenente-general Simcoe<br />
de uma extraordinária e importante missão, a um tempo diplomática e militar.<br />
Como se tivessem agravado as relações entre as Cortes francesa e britânica, Talleyrand,<br />
<strong>no</strong> intuito de intimidar o ministro Fox e conseguir dele a paz nas condições propostas por<br />
Napoleão, teria declarado a Lord Lauderdale, embaixador <strong>inglês</strong> em Paris que, não chegando a<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
34
acordo, o exército francês de Baiona, formado por 30.000 homens, invadiria Portugal e faria a<br />
sua partilha como se regulou depois pelo Tratado de Fontainebleau.<br />
Foi nesta conjuntura, de ameaça (ou pseudo ameaça), que o Gabinete londri<strong>no</strong> decidiu<br />
enviar imediatamente para o Tejo as forças navais disponíveis que, acrescentava, em breve<br />
seriam reforçadas por uma outra esquadra proveniente de Plymouth. O comando era confiado<br />
aos referidos conde de S. Vicente e John Simcoe, exercendo Rosslyn as funções de enviado<br />
extraordinário, incumbido de negociar, com o Gabinete lisbonense, «sobre todas as matérias<br />
que dissessem respeito ao comum interesse das duas Cortes».<br />
A missão de Lord Rosslyn, devidamente instruído pelo Foreign Office constava de três<br />
pontos fundamentais:<br />
1º - Se Portugal quisesse seriamente defender-se contra a projectada invasão francesa,<br />
S. M. B. tomaria as medidas correspondentes, «em toda a plena extensão dos meios de que<br />
dispusesse dispor para este objecto». Admitia, ainda, que o gover<strong>no</strong> de Espanha, preocupado<br />
com as consequências da passagem do exército invasor pelo seu território, se resolvesse a<br />
modificar a posição de aliada da França, colaborando com as forças <strong>portuguesa</strong>s e inglesas na<br />
resistência.<br />
2º - Se, porém, os meios, ou a determinação da Corte de Lisboa não correspondesse ao<br />
fim em vista, a eficaz defesa do País, a hipótese mais aconselhável seria o Príncipe Regente<br />
abandonar os seus territórios europeus e retirar-se, provisoriamente, para o Brasil, levando com<br />
ele tudo quanto pudesse; neste caso, a Grã-Bretanha prestar-lhe-ia os maiores auxílios,<br />
cedendo-lhes mesmo as suas forças navais.<br />
3º - Se nenhuma destas soluções fosse aceite, a missão tinha mandato de modo a<br />
impedir que a França se apoderasse da frota <strong>portuguesa</strong>, aumentando o seu poder naval e<br />
pudesse dispor do porto de Lisboa. A verificar-se esta hipótese, deveriam as forças inglesas<br />
propor a sua compra ou a sua entrega, «ainda que fosse necessário empregar a força, se pela<br />
persuasão se não convencesse o Gabinete de Lisboa».<br />
Em qualquer caso, Rosslyn deveria informar o Príncipe Regente e o seu Gover<strong>no</strong> que a<br />
submissão de Portugal à França implicaria a perda do Brasil e que a Inglaterra se considerava<br />
<strong>no</strong> direito de o ocupar «para sua segurança». Aliás, este propósito já a Grã-Bretanha o havia<br />
revelado em 1801, por ocasião da “Guerra das Laranjas”.<br />
Com efeito, a 14 de Agosto de 1806, a esquadra inglesa composta de cinco naus de<br />
linha e uma fragata, conduzindo a bordo <strong>no</strong>ve batalhões de tropa de desembarque, deu entrada<br />
<strong>no</strong> Tejo, ancorando junto à Torre de Belém.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
35
Nesse mesmo dia, Rayneval, Encarregado de Negócios da França em Lisboa,<br />
apresentou ao Ministro dos Estrangeiros, Araújo, uma reclamação onde salientava que a<br />
entrada da esquadra <strong>no</strong> porto de Lisboa não tinha qualquer justificação e infringia as leis da<br />
<strong>neutralidade</strong> que Portugal tantas vezes, e com o maior empenho, havia declarado respeitar<br />
rigorosamente. Rayneval exigia uma explicação «pronta e precisa» e que não poderia, nas<br />
actuais circunstâncias ser «evasiva nem dilatória». Idêntica atitude tomou o embaixador de<br />
Espanha em Lisboa, marquês de Campo Alange.<br />
Explicações do Gover<strong>no</strong> português. Actividade intensa através dos canais<br />
diplomáticos.<br />
Em 26 de Agosto entrava <strong>no</strong> Tejo uma fragata inglesa, «Santa Margarida», que trazia a<br />
bordo o encarregado da missão diplomática, Lord Rosslyn.<br />
Tanto a chegada da esquadra ao Tejo, como as propostas feitas pelo enviado a Araújo<br />
de Azevedo e ao Príncipe Regente acerca do primeiro ponto da missão sobressaltaram a vida<br />
de Lisboa, causando desgosto e grande receio, criando grandes complicações com os gover<strong>no</strong>s<br />
de Paris e de Madrid, o que só prejudicava Portugal, eco<strong>no</strong>micamente e politicamente.<br />
No dia seguinte à chegada de Rosslyn, Araújo<br />
de Azevedo, conferenciando com o diplomata<br />
britânico, recusou formalmente todos os recursos que a<br />
Inglaterra, sem que lhos tivessem solicitado, punha à<br />
disposição de Portugal. Fundamentava essa rejeição <strong>no</strong><br />
facto, aliás bem conhecido, de não existirem<br />
preparativos militares suspeitos em Baiona, como se<br />
propalara, e serem as informações recebidas<br />
oficialmente de Paris bastante tranquilizadoras.<br />
O <strong>no</strong>sso Ministro iria desenvolver meritória<br />
actividade diplomática nesta difícil conjuntura.<br />
Respondeu aos representantes da Espanha e da França<br />
para os sossegar, oficiou ao conde da Ega, embaixador de Portugal em Madrid, para Paris a D.<br />
Lourenço de Lima e para Londres a D. Domingos de Sousa Coutinho, a participar-lhes o<br />
acontecimento, a fim de esclarecer cada uma das Cortes acerca da posição que Portugal e o seu<br />
Gover<strong>no</strong> tomavam perante a inesperada situação.<br />
Ao conde da Ega, para que o transmitisse ao Príncipe da Paz e aos Reis Católicos,<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
36
assegurou que o Príncipe Regente estava determinado a não desistir, de modo algum, do seu<br />
sistema de <strong>neutralidade</strong>. Porém, como em Madrid se suspeitava que a vinda da missão Rosslyn<br />
fora precedida de acordo entre Londres e Lisboa, Araújo de Azevedo assegurou que o boato<br />
era não só destituído de fundamento como de verosimilhança e por si mesmo se destruía,<br />
«porque ninguém pode conceber um fim sensato duma esquadra <strong>no</strong> Tejo, porque seria inútil<br />
para defesa e ataque; ninguém pode suspeitar acordo com a Inglaterra para projectos hostis,<br />
quando nós não temos feito a mínima disposição <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso exército, antes o temos diminuído de<br />
forças».<br />
Oficiando a D. Lourenço de Lima, em 24 de Agosto e 3 de Setembro, relatava as<br />
declarações de Rosslyn e reafirmava o propósito firme da manutenção de <strong>neutralidade</strong>,<br />
expondo parte das objecções que havia oposto às afirmações e propostas do enviado<br />
extraordinário da Inglaterra.<br />
Quanto à partida de 30.000 homens de Baiona, eram unânimes «todas quantas<br />
informações que havíamos recebido, em não existir ali mais do que uma brigada italiana de<br />
1.700 homens, nem constava que houvesse movimentos de tropas para aquele sítio; que era<br />
impossível, segundo o carácter de S. M. Imperial e Real, haver um determinação de <strong>no</strong>s<br />
atacar, quando não existia motivo algum de ofensa, tendo Portugal estipulado com aquele<br />
sobera<strong>no</strong> a sua <strong>neutralidade</strong>, sempre observada com o maior rigor».<br />
O ministro destacava a inutilidade e a incongruência do socorro <strong>inglês</strong> duma esquadra,<br />
«contrário a todo o bom senso», pois não era com forças marítimas que Portugal se poderia<br />
defender de uma invasão da França e Espanha pela fronteira terrestre, e acrescentava que «em<br />
face do desacerto da Inglaterra», o Príncipe Regente havia deliberado, prevenindo Lord<br />
Rosslyn e o Gabinete de Londres, de que manteria a <strong>neutralidade</strong> e de nenhum modo<br />
provocaria a guerra. Assim, o Príncipe Regente não só recusava o auxílio, mas exigia a pronta<br />
retirada da esquadra de Lord S. Vicente, pois era improcedente o motivo por que havia sido<br />
enviada.<br />
Após ter dado as necessárias explicações ao gover<strong>no</strong> francês, Napoleão, numa<br />
audiência a D. Lourenço de Lima, declara ao embaixador português que «tendo ele (Napoleão)<br />
dado a sua palavra de honra, nada tinha a temer o Príncipe Regente de Portugal; mas que, se<br />
a Inglaterra desembarcasse um só homem em território português, ele via em tal caso a<br />
<strong>neutralidade</strong> violada, julgando-se como tal autorizado a tratar Portugal pelo modo que mais<br />
adequado fosse aos seus altos desígnios».<br />
Para Londres, Araújo de Azevedo, <strong>no</strong> seu despacho de 1 de Setembro enviado a D.<br />
Domingos, foi suficientemente preciso e claro, pondo a situação criada pela Inglaterra em<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
37
termos concisos de atribuir-lhe a responsabilidade de uma agressão armada que poderia<br />
resultar da sua insólita e precipitada atitude e manifestando a firme resolução de ser mantida a<br />
<strong>neutralidade</strong>. O ter tomado a Inglaterra a deliberação de enviar ao Tejo a esquadra, enquanto<br />
estavam decorrendo as negociações para a paz e estas se não haviam rompido, «foi um passo<br />
contrário aos interesses deste País e parece-me que igualmente aos da Inglaterra. No público<br />
ninguém entende esta marcha, e a julgam para executar projectos que não existem».<br />
Considerava, ainda, o abalo que a situação havia causado na praça de Lisboa, «o susto<br />
em que pôs o comércio» e a repercussão que ele inevitavelmente teria nas relações comerciais<br />
dos outros países com Portugal, cujo comércio exter<strong>no</strong>, assim de importação como de<br />
exportação, se ressentiria pelo receio de os comerciantes estrangeiros negociarem com o <strong>no</strong>sso<br />
País.<br />
O Ministério britânico devia, pois, ponderar todas as circunstâncias e reconhecer quanto<br />
era útil e necessário retirar a esquadra o mais depressa possível, caso contrário, seria quase<br />
certo que Paris e Madrid se preparassem e agissem contra Portugal «pela consideração de que<br />
o Gabinete londinense pretendia forçar este País à guerra e das consequências que um tal<br />
facto originava a cada um deles».<br />
Já ficou entendido que causara estranheza na Corte de Lisboa a circunstância de a<br />
esquadra ter sido enviada para o Tejo sem que, como era <strong>no</strong>rmal, um facto tão importante fosse<br />
precedido das necessárias e prévias conversações.<br />
O Príncipe Regente confiava na amizade de S. M. B. e assegurava que não havia outro<br />
meio de preservar a existência da Monarquia <strong>portuguesa</strong>, nas actuais circunstâncias da Europa,<br />
além da manutenção da <strong>neutralidade</strong>, até à assinatura da Paz definitiva. E com clarividência,<br />
indicava as consequências de se persistir na permanência da esquadra em Portugal: «Entrar em<br />
guerra <strong>no</strong> momento em que a França está desembaraçada de toda a diversão, ou ainda mesmo<br />
que pudéssemos fazer guerra ofensiva à Espanha, invadindo-lhe algumas das províncias, os<br />
franceses passariam os Pirinéus para vir socorrer os seus aliados, e ficaria em seu poder a<br />
sorte da Península».<br />
O fim da missão Rosslyn.<br />
Desarmado pela argumentação de Araújo de Azevedo, que em diversos pontos punha a<br />
descoberto a inconsistência das razões alegadas pelo representante de S. M. B., Lord Rosslyn<br />
acabou por considerar frustrado o êxito da sua missão, conforme o participava ao seu<br />
Secretário de Estado: «…não se podia esperar que Portugal envidasse vigorosos esforços em<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
38
sua própria defesa e era evidente que as forças britânicas seriam por si sós, insuficientes para<br />
repelirem uma invasão dos franceses».<br />
Que as razões apresentadas pela Corte de Lisboa para se eximir à situação que o<br />
Gover<strong>no</strong> londinense pretendia alcançar fizeram reflectir profundamente Lord Rosslyn, é<br />
demonstrado na sua confissão a Fox, expressa neste despacho. Em Portugal, dizia ele, não<br />
havia a me<strong>no</strong>r apreensão de perigo da parte da<br />
França e todas as informações que ele próprio,<br />
Rosslyn, tinha podido reunir, contradiziam a<br />
suposição das concentrações das forças invasoras<br />
em Baiona e, sendo assim, não só cessava a razão<br />
do auxílio, mas também qualquer atitude de<br />
violência em relação ao Gover<strong>no</strong> de Lisboa<br />
carecia de fundamento e justificação, vindo a ser<br />
considerada aos olhos da Europa como um acto<br />
agressivo, e inteiramente injustificável.<br />
Rosslyn, de acordo com a Corte de<br />
Lisboa, propunha ao seu Gover<strong>no</strong> que seria<br />
preferível adiar qualquer acção para o momento<br />
em que o risco fosse efectivo, «…então a razão que se sugeriu de se apossar dos fortes e<br />
navios, pode ser alegada com propriedade; e estas medidas tão necessárias para a segurança<br />
da Grã-Bretanha deviam ser postas em execução».<br />
Finalmente, depois de por diversas vezes o Gover<strong>no</strong> português ter dirigido ministério<br />
britânico, por intermédio do <strong>no</strong>sso embaixador em Londres, fortes reclamações, Rosslyn foi<br />
autorizado a declarar que o Gover<strong>no</strong> Britânico não insistia mais <strong>no</strong> seu propósito, e em 28 de<br />
Setembro a esquadra de Lord S. Vicente levantava ferro do porto de Lisboa, navegando para a<br />
Sicília.<br />
Concluindo este subtítulo pode, talvez, afirmar-se que o verdadeiro móbil vibrado pelo<br />
gover<strong>no</strong> londri<strong>no</strong> na <strong>neutralidade</strong> <strong>portuguesa</strong> teria ficado enterrado <strong>no</strong> segredo da Chancelaria<br />
do Foreign Office. Porém, <strong>no</strong> campo das conjecturas poderia admitir-se que o Gover<strong>no</strong> de<br />
Londres tivesse em mente apropriar-se da esquadra <strong>portuguesa</strong> e, que ocupando Lisboa,<br />
adquirir uma posição extraordinariamente favorável para contrabalançar as vantagens da<br />
França na negociação da paz.<br />
Combater a Espanha e a França <strong>no</strong> terre<strong>no</strong>? Parece ser uma hipótese demasiado<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
39
fragilizada.<br />
Embora continuando <strong>no</strong> campo das conjecturas, não é de rejeitar que, em face da<br />
insistência do Gabinete britânico na transferência da Corte <strong>portuguesa</strong> para o Brasil «a qual<br />
fazia parte de recentes desígnios comerciais e de predomínio da Inglaterra naquele Estado,<br />
mais tarde efectivados, que o verdadeiro fim do<br />
Gabinete londinense era o desvio dos valores<br />
nacionais para o continente america<strong>no</strong>».<br />
Atente-se <strong>no</strong> seguinte: precisamente uma<br />
semana depois da chegada da Corte ao Brasil, a<br />
28 de Janeiro de 1808, o Príncipe Regente, ao que<br />
parece também por influência do eco<strong>no</strong>mista<br />
brasileiro, José da Silva Lisboa, promulgou um decreto a mandar abrir os portos do Brasil ao<br />
comércio geral, medida muito útil à Inglaterra e por ela desejada. E mais, quando se fez, com a<br />
Inglaterra, o Tratado de 10 de Agosto de 1810, Portugal sacrificou os seus interesses e anuiu a<br />
tudo quanto lhe fora proposto pelo hábil negociador <strong>inglês</strong>, aceitando mesmo, ou sendo<br />
obrigado a aceitar, reduções de soberania.<br />
O Bloqueio Continental.<br />
As campanhas de 1805 e 1806 contra a Áustria, a Rússia e a Prússia, bem como as<br />
situações políticas e diplomáticas que desencadearam, pareceram desviar, por algum tempo, a<br />
atenção de Napoleão dos assuntos peninsulares em geral e de Portugal em especial. O<br />
Imperador, como bom estratega que era, sabia bem o valor que representava para os seus<br />
objectivos a incomparável posição de Portugal <strong>no</strong> xadrez europeu. Era apenas uma questão de<br />
tempo e oportunidade. E assim veio a ser.<br />
Em Outubro de 1806, Napoleão ganha aos prussia<strong>no</strong>s a batalha de Iena, vendo, então,<br />
que era chegado o momento de empreender contra a Inglaterra a acção decisiva uma vez que,<br />
julgando-se seguro <strong>no</strong> continente, dispunha-se a ripostar à medida tomada pelo gover<strong>no</strong> <strong>inglês</strong>,<br />
seis meses antes, que declarara bloqueadas as costas, portos e rios entre Brest e a foz do Elba.<br />
Napoleão ao decretar o Bloqueio Continental invocava o direito de retaliação, o que não<br />
passava de mero pretexto, porquanto tratava-se da execução de um pla<strong>no</strong> que há muito vinha a<br />
ser delineado. O Bloqueio decretado por Napoleão, e promulgado em Berlim, tinha por fim<br />
obrigar a Inglaterra a capitular, «conquérir la mer par la puissance de la terre», fechando-lhe<br />
os mercados da Europa; pretendia arruinar o comércio da Inglaterra e obrigá-la à necessidade<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
40
de se humilhar perante a França e aceitar as condições da paz impostas pelo Imperador. Era<br />
este o objectivo do decreto imperial, sendo as potências europeias “convidadas” a encerrar os<br />
seus portos e mercados ao comércio britânico<br />
As medidas tomadas<br />
em Berlim, <strong>no</strong> famoso<br />
decreto de 21 de Novembro<br />
de 1806, estavam redigidas<br />
<strong>no</strong>s seguintes termos:<br />
1º - As Ilhas<br />
Britânicas são declaradas<br />
em estado de bloqueio.<br />
2º -Todo o comércio<br />
e correspondência com elas<br />
ficam proibidos. Em<br />
consequência disto, as<br />
cartas ou outros papéis dirigidos à Inglaterra ou a um <strong>inglês</strong>, todos os escritos em língua<br />
inglesa, não terão curso <strong>no</strong>s correios, e serão apreendidos.<br />
3º - Todo o <strong>inglês</strong> residente <strong>no</strong>s países ocupados pelos franceses é declarado<br />
prisioneiro de guerra.<br />
4º - Toda a propriedade inglesa é considerada boa presa.<br />
5º - O comércio das mercadorias inglesas fica proibido, e toda a mercadoria<br />
pertencente à Inglaterra ou proveniente das suas fábricas e colónias fica declarada boa presa.<br />
6º - Nenhum navio que vier, directamente de Inglaterra ou das colónias inglesas, ou<br />
que ali tenha estado, depois da publicação do presente decreto, será recebido em parte<br />
alguma.<br />
Só em fins de Dezembro se soube em Portugal o conteúdo das medidas tomadas em<br />
Berlim o que, como era natural, causou grande inquietação na Corte do Príncipe Regente.<br />
Porém, as exigências francesas não se manifestaram desde logo, decorreram alguns meses até<br />
que Portugal fosse incomodado, uma vez que Napoleão andava empenhado nas campanhas<br />
militares do <strong>no</strong>rte da Europa, submissão da Polónia e da Rússia. Em Maio de 1807, o Príncipe<br />
Regente enviava ao Imperador «os seus cumprimentos pelas vitórias conseguidas e exprimia a<br />
esperança de ver uma paz durável concluir-se» … só que estas cortesias não eram capazes de<br />
disfarçar a incapacidade em que se achava D. João de fazer respeitar <strong>neutralidade</strong> do <strong>no</strong>sso<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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País.<br />
Terminadas as referidas campanhas, e estabelecida a paz de Tilsit, a <strong>no</strong>va situação<br />
político-militar representava para Portugal um e<strong>no</strong>rme agravamento dos riscos da sua posição<br />
revelando, claramente, a sua vulnerabilidade, e Napoleão estava bem informado das <strong>no</strong>ssas<br />
dificuldades e de tudo quanto se passava na Península.<br />
Em 29 de Julho de 1807, Hautevire, que na ausência de Talleyrand dirigia as Relações<br />
Exteriores, participava ao <strong>no</strong>sso embaixador, D. Lourenço de Lima, que a vontade do<br />
Imperador era que Portugal fechasse os seus portos aos ingleses; que procedesse à detenção<br />
dos que se achassem <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso País e lhes confiscasse os seus navios, bens e propriedades; e,<br />
finalmente, que despedisse o ministro <strong>inglês</strong> residente em Lisboa e chamasse o que tinha em<br />
Londres, «constituindo-se, assim, em manifesto estado de guerra contra a Grã-Bretanha, aliás<br />
a França lha declararia pela sua parte».<br />
D. Lourenço de Lima mostrou-se surpreendido pelo facto de não se respeitar a <strong>no</strong>ssa<br />
<strong>neutralidade</strong>, obrigando-<strong>no</strong>s a declarar guerra aberta a uma nação aliada, ao que Hauterive<br />
replicou dizendo que tinha ordens terminantes de Napoleão para não entrar com ele em<br />
discussão sobre tal assunto, visto que as circunstâncias da <strong>neutralidade</strong> tinham caducado e, só<br />
assim, a Inglaterra seria forçada a estabelecer a paz com a França<br />
Então, o <strong>no</strong>sso embaixador pediu que se lhe dirigisse uma <strong>no</strong>ta nesse sentido, o que lhe<br />
foi negado com o pretexto de que Napoleão lhe tinha mandado dar parte disto por consideração<br />
que tinha pela sua pessoa, porque a <strong>no</strong>ta relativa a este ponto devia ser apresentada ao Gover<strong>no</strong><br />
português pelo encarregado de negócios em Lisboa, Mr. Rayneval.<br />
O ultimato francês a Portugal. (Oitenta e três a<strong>no</strong>s antes do <strong>inglês</strong>!)<br />
Efectivamente, em Agosto, Rayneval entregava ao <strong>no</strong>sso ministro dos Estrangeiros,<br />
Araújo de Azevedo, o ultimatum da França.<br />
O abaixo assinado, encarregado de Sua Majestade o Imperador e Rei teve ordem de<br />
<strong>no</strong>tificar ao gover<strong>no</strong> de Sua Alteza Real o Príncipe Regente, o seguinte:<br />
«À paz continental deve seguir-se a paz marítima. A perseverante injustiça do gover<strong>no</strong><br />
<strong>inglês</strong> deve atrair-lhe a animadversão de todos os povos e desafiar o ressentimento a todos os<br />
sobera<strong>no</strong>s, cujos direitos mais sagrados têm sido constantemente desconhecidos por aquela<br />
potência.<br />
Nenhum povo nem gover<strong>no</strong> tem mais razão de queixa da Inglaterra que o povo e o<br />
gover<strong>no</strong> de Portugal. As liberdades que o gover<strong>no</strong> <strong>inglês</strong> toma em relação ao comércio e à<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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andeira desta nação importam um verdadeiro atentado contra a sua independência.<br />
Sua Majestade o Imperador e Rei, bastante reclamou contra esses atentados e muitas<br />
vezes lamentou a paciência com que se toleravam, mas julga dever hoje declarar que se<br />
Portugal sofresse mais tempo a opressão de que é vítima, teria Sua Majestade de considerar<br />
esse procedimento como renúncia a toda a soberania e independência; e para manter a<br />
dignidade de todas as potências continentais, assim como para satisfazer os mais caros e<br />
sagrados interesses de oitenta milhões de homens que obedecem directamente às suas leis ou<br />
às dos seus aliados, ver-se-lhe-ia obrigado a constranger o gover<strong>no</strong> de Portugal a cumprir os<br />
deveres que lhe impõem as relações que o ligam intimamente a todas as poêencias.<br />
Portanto, o abaixo assinado teve ordem de declarar que se <strong>no</strong> primeiro de Setembro<br />
próximo, Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal, não tiver manifestado o desígnio de<br />
subtrair-se à influência inglesa, declarando imediatamente a guerra à Inglaterra, fazendo sair<br />
o ministro de Sua Majestade Britânica, chamando de Londres o seu próprio embaixador,<br />
retendo em reféns os ingleses estabelecidos em Portugal, confiscando as mercadorias inglesas,<br />
fechando os seus portos ao comércio <strong>inglês</strong>, e enfim reunindo as suas esquadras às das<br />
potências continentais, e nesse caso o abaixo assinado teria ordem de pedir o passaporte e<br />
retirar-se declarando a guerra.<br />
O abaixo assinado, ponderando os motivos que devem determinar a Corte de Portugal<br />
na sua presente circunstância, espera que esta, esclarecida por sábios conselhos, entrará<br />
franca e plenamente <strong>no</strong> sistema político mais conforme à sua dignidade, bem como aos seus<br />
interesses, e que por fim se decidirá a fazer abertamente causa comum com todos os gover<strong>no</strong>s<br />
do continente contra os opressores dos mares e inimigos da navegação de todos os povos,<br />
O abaixo assinado, pede a S. Ex.ª o Sr. Araújo, ministro dos Negócios Estrangeiros e<br />
da Guerra, que aceite a certeza da sua subida consideração. Lisboa, 12 de Agosto de 1807 <strong>–</strong><br />
Rayneval».<br />
Precisamente nesse mesmo dia, também o embaixador espanhol em Lisboa, marquês de<br />
Campo Alange, entregava o ultimato do seu país onde se declarava: «Si el Portugal deséa su<br />
independencia y la seguridad de su comércio, <strong>no</strong> puede permanecer por más tiempo en la<br />
inacion en que está».<br />
Esclareça-se, a este propósito, que a Espanha tinha sido posta ao corrente que Napoleão<br />
queria pôr em execução o seu antigo projecto da ocupação de Portugal. Godoy, que depois da<br />
derrota da França em Trafalgar se tinha querido afastar deste país, ao saber da vitória do<br />
Imperador <strong>no</strong> continente, de <strong>no</strong>vo se tornava aliado e amigo de Napoleão, ia orientando a sua<br />
política con<strong>no</strong>sco, de modo a tornar complicadas as relações entre os dois países peninsulares.<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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Sobre o ultimato, de 12 de Agosto de 1807, entregue por Rayneval ao <strong>no</strong>sso ministro<br />
dos Estrangeiros, este escrevia, em 21 de Agosto, a Talleyrand:<br />
«Do íntimo da minha alma, aplaudi a celebração da paz continental, porque é um<br />
grande bem para a humanidade, e porque fará universalmente prezado o <strong>no</strong>me do maior herói<br />
que tem existido. Felicito Vossa Alteza, pela parte que tomou nessa obra, e desejo que a paz<br />
marítima venha a coroar um tão feliz acontecimento e tanta glória.<br />
Vossa Alteza, receberá dentro em pouco as respostas que tive ordem de dar ao<br />
encarregado dos negócios de Sua Majestade o Imperador e Rei. Não é possível nem por<br />
momentos duvidar, se a guerra prosseguir, que deixe de aniquilar o <strong>no</strong>sso comércio e de<br />
passar o Brasil para o domínio ou protectorado de Inglaterra; esta adquirirá <strong>no</strong>vas forças; é<br />
verdade que os males são incalculáveis, especialmente para nós; mas a Espanha arrisca-se<br />
também a perder as suas colónias, e a França a faltarem-lhe as matérias primas para as suas<br />
fábricas. Todavia, Sua Alteza Real, depois de semelhantes considerações, entrega-se<br />
completamente à decisão de Sua Majestade Imperial e Real, somente não pode prestar-se a<br />
confiscar os bens aos ingleses e apoderar-se das suas pessoas, porque Sua Alteza Real declara<br />
que tal procedimento seria contrário à sua honra e à sua consciência.<br />
Estou certo que Sua Majestade Imperial e Real só quer apressar a realização de uma<br />
paz útil ao universo…Sua Majestade Imperial e Real, sábio na arte da guerra e na política,<br />
sobera<strong>no</strong> ao mesmo tempo e árbitro da Europa, quererá a destruição da monarquia<br />
<strong>portuguesa</strong>? É-me impossível acreditá-lo.<br />
Desculpai se o amor da Pátria me fez ser um pouco mais difuso, aceitai os sentimentos<br />
da subida estima e da mais distinta consideração com que tenho a honra de ser, etc.<br />
Lisboa, 21 de Agosto de 1807 <strong>–</strong> António de Araújo de Azevedo».<br />
Esta carta, que alguns consideram humilhante, não seria muito mais que uma resposta<br />
esquiva, dúbia, como era frequente, “filha” das circunstâncias e por via da «dura Ley da<br />
necessidade». Eurico de Ataíde Malafaia, da Academia Portuguesa de História, que levou a<br />
cabo uma exaustiva investigação, <strong>no</strong>s arquivos nacionais e brasileiros sobre António de Araújo<br />
de Azevedo, futuro Conde da Barca, considera que «em resultado da sua elevada cultura e do<br />
seu posicionamento mental a favor de um liberalismo ponderado, pendia naturalmente para a<br />
França sem que, contudo, isso tivesse reflexo nas suas atitudes políticas. Ele não poderia ser a<br />
favor de uma política de um país que, a todo o custo, <strong>no</strong>s pretendia agredir e, por isso,<br />
entendemos que ele seria mais provavelmente contra a Inglaterra do que a favor da França. E<br />
porque não confiava <strong>no</strong>s ingleses, para quem o comércio era o factor determinante de toda a<br />
sua política, teria naturalmente a esperança de que, mal por mal, era sempre preferível um<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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acomodamento com os franceses, mesmo à custa de dinheiro».<br />
Entretanto, o ministro <strong>inglês</strong> em Lisboa Lord Strangford, pedia ao Gover<strong>no</strong> português<br />
segurança a respeito dos súbditos britânicos e dos seus bens, segurança que lhe foi garantida,<br />
afiançando-lhe que o Príncipe Regente jamais anuiria à sua prisão, nem ao confisco das suas<br />
propriedades.<br />
Ao enviar idêntica comunicação para Londres, o Gabinete português pedia ao gover<strong>no</strong><br />
de Sua Majestade que <strong>no</strong>s permitisse fechar os <strong>no</strong>ssos portos aos navios ingleses e alvitrava,<br />
segundo os conselhos de Strangford, que a Inglaterra fizesse uma guerra aparente a Portugal. O<br />
gover<strong>no</strong> britânico olhando como quimérico o pedido de guerra aparente rejeitou-o. Quanto à<br />
clausura dos portos, o primeiro ministro, Mr. Canning, aceitava-a desde que os franceses não<br />
entrassem na Península e oferecia, ainda, ao Príncipe Regente o socorro da sua esquadra, «e<br />
toda a mais assistência de que carecesse» quando, eventualmente, a Família Real se decidisse<br />
a transferir a sua residência para o Brasil.<br />
Em Paris, D. Lourenço de Lima tentava, desesperadamente, negociar o ultimatum, já<br />
que não era atendido pelo Imperador e esperava, em último recurso, subornar Talleyrand, como<br />
era hábito. Porém, o seu amigo saiu do ministério dos Estrangeiros sendo substituído por<br />
Champagny; em carta para Portugal o <strong>no</strong>sso representante dizia: «Muita falta <strong>no</strong>s faz este<br />
homem. É perda para mim, na verdade, irreparável».<br />
O Gover<strong>no</strong> português via-se em circunstâncias cada vez mais críticas, até porque<br />
Napoleão considerava inútil para com ele a política dilatória e equívoca de Araújo de Azevedo.<br />
Em face da atitude irredutível do Imperador, o Gover<strong>no</strong> de Lisboa começou a pensar<br />
seriamente na partida da Família Real para o Brasil, visto que a defesa pelas armas do <strong>no</strong>sso<br />
País parecia a todos impossível de se realizar com êxito.<br />
Os homens do «partido francês», que dominavam já <strong>no</strong> Conselho do Príncipe Regente,<br />
eram da opinião de que Portugal não poderia opor-se à intransigente vontade de Napoleão,<br />
ideia também partilhada pelos embaixadores portugueses em Paris e Madrid, argumentando<br />
aquele a “omnipotência” da França, e este o descarado servilismo do gover<strong>no</strong> espanhol ao<br />
francês. Quanto aos simpatizantes do «partido <strong>inglês</strong>», foram igualmente ouvidos, sendo<br />
chamados ao Conselho de Estado, D. Rodrigo de Sousa Coutinho e D. João de Almeida de<br />
Melo e Castro, opinando que a ruína de Portugal era certa, perdendo ao mesmo tempo o<br />
comércio marítimo e as suas colónias, sendo por isso indispensável conservar-se Portugal a<br />
todo o custo fiel à Grã-Bretanha, o que se tornava viável mudando-se a Família Real para o<br />
Brasil. No entanto, ambos os «partidos» eram concordantes sobre a impossibilidade de fazer<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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frente ao colosso do continente europeu.<br />
Tratado de Fontainebleau <strong>–</strong> decidida a sorte de Portugal.<br />
Napoleão não tinha qualquer dúvida de que Portugal nunca faria seriamente guerra à<br />
Inglaterra, que os seus portos só estariam fechados aparentemente aos navios britânicos e,<br />
assim, fosse qual fosse a resolução do Gover<strong>no</strong> português, não abandonaria a ideia de ter o<br />
<strong>no</strong>sso País sob a sua tutela.<br />
A situação agrava-se quando o encarregado de negócios da França, Rayneval, e o<br />
embaixador de Espanha, Campo Alange, solicitaram ao Gabinete lisbonense uma imediata<br />
resposta às exigências dos respectivos gover<strong>no</strong>s, ameaçando retirarem-se caso a resposta não<br />
fosse conforme os desejos de Paris e de Madrid. Como a resposta foi considerada de má fé,<br />
destinada a iludir as exigências feitas, o referido encarregado de negócios e o embaixador<br />
deixaram Lisboa a 30 de Setembro.<br />
A <strong>no</strong>tícia de que Portugal recusara aceitar o ultimatum nas condições exigidas, soube-a<br />
Napoleão em Fontainebleau, <strong>no</strong>s primeiros dias de Outubro, irritando-se, sobretudo, pelo facto<br />
de, ao contrário das suas<br />
imposições, se ter permitido a<br />
saída dos ingleses com os<br />
seus bens.<br />
Como consequência<br />
imediata, <strong>no</strong> dia 9 do referido<br />
mês, foram embargados<br />
todos os navios portugueses<br />
que se encontravam <strong>no</strong>s<br />
portos italia<strong>no</strong>s, tornando-se<br />
essa medida extensiva aos<br />
portos do Império, da<br />
Holanda e de Hamburgo e,<br />
dias depois, a 12 de Outubro,<br />
Ju<strong>no</strong>t recebia ordens para entrar em Espanha, dirigindo-se, ao mesmo tempo, para Baiona vinte<br />
e um regimentos de infantaria e um de dragões, seguindo-se outros preparativos militares.<br />
Em Fontainebleau, onde se encontrava a Corte imperial, Napoleão, encolerizado pelo<br />
comportamento do Gover<strong>no</strong> de Lisboa, teria proclamado, perante a sua roda de amigos e a todo<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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o corpo diplomático, a celebre frase «a Casa de Bragança deixou de reinar em Portugal».<br />
Napoleão, irritado com o jogo duplo do <strong>no</strong>sso Gover<strong>no</strong> que procurava neutralizar as exigências<br />
francesas, confiava ao general Duroc a missão de conduzir com Eugénio Izquierdo,<br />
embaixador de espanha em paris, uma negociação sobre os assuntos em suspenso entre a<br />
França e Espanha, <strong>no</strong>meadamente <strong>no</strong> que dizia respeito a Portugal:<br />
«Quanto a Portugal <strong>–</strong> confiava o Imperador a Duroc <strong>–</strong> não levantarei dificuldades em<br />
dar ao rei de Espanha uma soberania sobre Portugal e mesmo em separar daí uma pequena<br />
parte para a rainha da Etrúria e para o Príncipe da Paz».<br />
Depois de resolvidas algumas diferenças entre Duroc e Izquierdo as negociações<br />
<strong>franco</strong>-espanholas ficaram concluídas a 27 de Outubro, e que o Imperador referendou a 29, <strong>no</strong><br />
Tratado de Fontainebleau onde ficou estabelecido o texto que partilhava Portugal:<br />
As províncias de Entre Douro e Minho com a cidade do Porto formariam o rei<strong>no</strong> da<br />
Lusitânia que seria dado com soberania total ao rei da Etrúria, neto do rei de Espanha, que<br />
cederia o rei<strong>no</strong> da Etrúria, em toda a sua soberania, ao Imperador dos franceses; o Alentejo e o<br />
Algarve ficariam a pertencer a Godoy, O Príncipe da Paz, que teria o título de Príncipe dos<br />
Algarves; as províncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura ficavam «em depósito até à<br />
paz geral, para dispor delas segundo as circunstâncias, e conforme ao que se convenha entre<br />
as duas altas partes contratantes»; o rei<strong>no</strong> da Lusitânia e o principado dos Algarves seriam<br />
hereditários na descendência dos seus sobera<strong>no</strong>s; por falta de herdeiro legítimo, essas regiões<br />
seriam entregues ao rei de Espanha, na condição de jamais serem governadas por um só<br />
príncipe ou reunidas à coroa de Espanha; os sobera<strong>no</strong>s do rei<strong>no</strong> da Lusitânia e dos Algarves<br />
reconheciam como protector o rei de Espanha e não poderiam fazer a guerra nem a paz sem o<br />
seu consentimento; as duas partes contratantes partilhavam entre si, em partes iguais, as<br />
colónias e ilhas de Portugal.<br />
Uma convenção da mesma data regulava a invasão e ocupação de Portugal, assim como<br />
o modo da sua administração depois da conquista.<br />
Do Tratado de Fontainebleau não deu o Gover<strong>no</strong> imperial conhecimento ao embaixador<br />
D. Lourenço de Lima a quem, aliás, mandava sair de Paris <strong>no</strong> prazo de dois dias e da França <strong>no</strong><br />
espaço de quinze, com todos os outros elementos da legação <strong>portuguesa</strong> e ordem semelhante,<br />
do gover<strong>no</strong> espanhol, recebia o conde da Ega, embaixador em Madrid, por motivo da<br />
declaração de guerra que a França e Espanha faziam a Portugal.<br />
Curiosamente, cinco dias antes, a 22 de Outubro de 1807, as negociações que D.<br />
Domingos de Sousa Coutinho conduzia em Londres desde Setembro, terminaram com uma<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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convenção secreta entre o Príncipe Regente e Jorge III de Inglaterra, só que… como sempre, os<br />
<strong>no</strong>ssos “amigos” britânicos impunham as condições a seu bel-prazer e <strong>no</strong>rmalmente, (ou<br />
sempre?) os tratados com a velha “Albion” só eram honradamente cumpridos da <strong>no</strong>ssa parte.<br />
O preâmbulo, que segundo o embaixador português fora escrito pelo punho de Lord<br />
Canning, responsável pelo Foreign Office, «era extremamente severo para Portugal,<br />
constituindo afinal uma justificação para eventuais represálias que a Inglaterra podia adoptar<br />
em caso de cedência pelo gover<strong>no</strong> de Portugal às exigências francesas».<br />
As próprias cláusulas eram portadoras de obrigações onerosas para Portugal, prevendo,<br />
e que veio a acontecer, a ocupação da Ilha da Madeira, «mantendo-se essa ocupação até à<br />
conclusão da paz definitiva entre a Grã-Bretanha e a França»; autorização de entrada dos<br />
navios ingleses num porto do Brasil, provavelmente <strong>no</strong> de Santa Catarina, <strong>no</strong> caso de<br />
encerramento dos portos.<br />
De harmonia com essa convenção a Família Real devia transferir-se para o Brasil,<br />
devendo fazer-se acompanhar por toda a frota nacional, mercante ou de guerra, sob o apoio<br />
naval da Inglaterra. Esse apoio, que garantiria a «transmigração» da Corte para o Brasil,<br />
deveria ser compensado (pois claro!) por um Tratado de Comércio de longa duração. A isto se<br />
referia o artigo VII da convenção: «Quando o Gover<strong>no</strong> Português estiver estabelecido <strong>no</strong><br />
Brasil, proceder-se-á à negociação de um Tratado de Auxílio e Comércio entre o Gover<strong>no</strong><br />
Português e a Grã-Bretanha».<br />
Ao fim e ao cabo, a Inglaterra comprometendo-se a proteger a transferência da Família<br />
Real comprometia, igualmente, a escassa margem de auto<strong>no</strong>mia que o Gover<strong>no</strong> português<br />
ainda controlava.<br />
A transferência da Corte para o Brasil.<br />
Em Outubro de 1807, as tropas associadas em Baiona, comandadas pelo ex-embaixador<br />
em Lisboa, o general Ju<strong>no</strong>t, começaram a dirigir-se para a fronteira <strong>portuguesa</strong>, onde a<br />
vanguarda, os primeiros destacamentos, entraram, pela Beira Baixa, a 18 de Novembro.<br />
Dois dias antes aportava ao Tejo uma armada inglesa, comandada por Sir Sidney Smith,<br />
transportando uma força de 7.000 homens de desembarque, preparada para escoltar a Família<br />
Real para o Brasil, ou bloquear o porto, tentando evitar, deste modo, que os navios mercantes<br />
ou de guerra de Portugal fossem tomados pelos franceses. Com efeito, o almirante Smith e o<br />
embaixador Strangford decidiram-se pelo bloqueamento, comunicando ao Gabinete lisbonense<br />
que os despachos do Foreign Office, só admitiam que o bloqueio fosse levantado mediante a<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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pronta entrega da frota <strong>portuguesa</strong> ou a sua partida para o Brasil transportando a Família Real.<br />
Foi nestas circunstâncias que chegou a Lisboa um correio extraordinário remetido pelo<br />
<strong>no</strong>sso embaixador em Londres, Domingos de Sousa Coutinho. O correio era portador de uma<br />
<strong>no</strong>tícia bem preocupante. Trazia a cópia de um artigo de fundo publicado <strong>no</strong> «Moniteur»,<br />
órgão oficioso do gover<strong>no</strong> francês, 12 de Novembro de 1807. Referindo-se à situação em que a<br />
Inglaterra deixava Portugal, declarava, abertamente, que o Imperador resolvera eliminar a Casa<br />
de Bragança: «…O príncipe Regente deste rei<strong>no</strong> perde o seu tro<strong>no</strong>, e perde-o influenciado<br />
pelas intrigas dos ingleses; perde-o por não ter querido<br />
apreender as mercadorias inglesas que estão em<br />
Lisboa. Que faz, portanto, a Inglaterra, esta sua aliada<br />
tão poderosa? Ela olha com indiferença para o que se<br />
passa em Portugal. Que fará ela, quando for tomado<br />
este rei<strong>no</strong>? Ir-se-á assenhorear do Brasil? Não: se os<br />
ingleses fizerem esta tentativa, os católicos os expulsarão. A queda da Casa de Bragança<br />
ficará portanto sendo uma <strong>no</strong>va prova de que é inevitável a perda de qualquer que se ligar aos<br />
ingleses». Reproduzia, ainda, o Tratado de Fontainebleau e, obviamente, a intenção do<br />
Imperador de proceder ao desmembramento do território nacional «em função das<br />
conveniências da sua política europeia».<br />
Embora o artigo, ou parte dele, acima transcrito, seja da redacção do «Moniteur», nada<br />
de relevo ali se publicava sem o prévio beneplácito e consentimento do gover<strong>no</strong> que orde<strong>no</strong>u,<br />
ou consentiu, a publicação do referido artigo, talvez pela suposição de que o exército já tinha<br />
entrado em Lisboa, por via das ordens terminantes que para isso se tinham dado a Ju<strong>no</strong>t, ou de<br />
não ser possível que de França, ou mesmo de Inglaterra, pudesse aquela folha chegar às mãos<br />
do Gover<strong>no</strong> português, antes da chegada do general a Lisboa.<br />
Pelo me<strong>no</strong>s, desde 21 de Novembro que se sabia em Lisboa qual a posição e progressão<br />
acerca do exército de Ju<strong>no</strong>t que, por essa altura, estava em marcha entre Vila Velha de Ródão e<br />
Abrantes. Precisamente naquele mesmo dia, perante o perigo que se avizinhava, Araújo de<br />
Azevedo dirige uma carta a D. João a sugerir que convocasse, sem demora, o Conselho de<br />
Estado.<br />
Desde logo, o Príncipe Regente incumbiu o Ministro de convocar o referido Conselho,<br />
sendo já com inteiro conhecimento dos termos do Tratado de Fontainebleau e da presença do<br />
exército francês em Abrantes, que os conselheiros se reuniram, pela última vez, na manhã de<br />
24 de Novembro, <strong>no</strong> Palácio da Ajuda.<br />
Depois dos conselheiros terem tomado conhecimento de uma <strong>no</strong>ta do embaixador<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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Strangford solicitando uma audiência a S. A. R. e de um ofício de Sir Sidney Smith,<br />
comandante da esquadra que bloqueava o porto, anunciando o<br />
tratamento hostil que praticaria se as disposições de Portugal não<br />
fossem amigáveis, deliberou-se que:<br />
«Pareceu aos Conselheiros de Estado que havendo-se<br />
esgotado todos os meios de negociação e não havendo<br />
esperança alguma discreta que por tais expedientes se<br />
removesse o perigo iminente que ameaça a existência da<br />
Monarquia, soberania e independência de S. A. R., achando-se<br />
entradas nelas tropas francesas, se não devia perder um só<br />
instante em acelerar o embarque de S. A. R. o Príncipe Regente Nosso Senhor e de toda a Real<br />
Família para o Brasil;<br />
Que em tais circunstâncias se devia responder a Lord Strangford participando-lhe a<br />
conferência que S. A. R. lhe concedia;<br />
Que ao ofício de Sir Sidney Smith haja de se responder significando-lhe as disposições<br />
de Sua Alteza Real a receber a esquadra inglesa <strong>no</strong>s seus portos e os seus desejos de que lhe<br />
haja de entrar quanto antes;<br />
Que as tropas que se acham<br />
actualmente guarnecendo as margens,<br />
fortalezas e baterias do Tejo hajam de se<br />
retirar daquelas posições e passarem a<br />
ocupar os sítios que S. A. R. lhes destinar,<br />
expedindo-se ordens aos governadores das<br />
torres e fortalezas para que hajam de<br />
franquear a entrada do porto, a todos os navios ingleses, assim de guerra como mercantes.<br />
Que resolvendo-se S. A.R. a passar para o Brasil deverá estabelecer-se um Conselho<br />
de Regência na forma que se tem praticado em ocorrências tais e nas ocasiões em que este<br />
Rei<strong>no</strong> se tem achado sem legítimo sobera<strong>no</strong>, devendo esta Regência, com os poderes régios<br />
que lhe forem delegados por S. A. R., ser composta das principais e de altas graduações<br />
militares que S. A. R. houver de eleger.<br />
Palácio de Nª. Sª da Ajuda, 24 de Novembro de 1807».<br />
Seguem-se as assinaturas dos conselheiros.<br />
A mudança da Corte para o Brasil não aparecia agora pela primeira vez, era uma ideia<br />
antiga e sempre re<strong>no</strong>vada em épocas de crise política e de gravidade para a independência<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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nacional.<br />
A ideia não surgiu apenas a 24 de Novembro, quando o Conselho de Estado sancio<strong>no</strong>u<br />
a transferência, era um processo que tinha vindo a amadurecer. Desde Agosto que os trabalhos<br />
<strong>no</strong>s estaleiros e <strong>no</strong> Arsenal estavam em intensa laboração, suscitando a curiosidade popular e<br />
alimentando rumores cada vez mais insistentes sobre a iminente partida. O facto de terem<br />
decorrido, somente, três dias entre a deliberação do Conselho de Estado e a saída da Corte,<br />
parece provar que a partir de determinado momento a situação se tor<strong>no</strong>u irreversível. E mais,<br />
Araújo de Azevedo já tinha considerado, perspicaz como era, o «alcance proveitoso da ida do<br />
Príncipe da Beira, D. Pedro, para o Brasil, ainda antes da mudança dos restantes membros da<br />
Família Real, ida essa que factos ponderosos detiveram».<br />
No entanto, a fixação da Corte <strong>no</strong> Brasil foi sempre criticada pelo «partido francês» e,<br />
obviamente, pela Espanha e França. A este propósito referi, anteriormente, que Araújo era tido,<br />
ou rotulado de francófilo, mas ficou, então, explícito, qual era o “tipo” da sua <strong>franco</strong>filia.<br />
Araújo de Azevedo, nesta delicada situação, foi um grande propugnador da ideia e, pode<br />
considerar-se que, <strong>no</strong> seio do Gabinete, terá sido daqueles que mais influência tiveram na<br />
resolução do Príncipe Regente.<br />
Como já se referiu, os rumores sobre a próxima partida do Príncipe Regente circulavam<br />
há muito entre o povo de Lisboa, a movimentação atarefada na cidade, particularmente junto<br />
ao porto, onde era <strong>no</strong>tória a acumulação de fardos e caixotes pertencentes à Corte e aos<br />
particulares que se preparavam para partir, não podia deixar de causar algum constrangimento.<br />
Não deixaria de ser algo dolorosa, particularmente num regime paternalista, como foi o <strong>no</strong>sso<br />
até ao advento do miguelismo, a separação do Príncipe, «amado por seus súbditos, do povo<br />
que o ama e o venera». Com efeito, a preocupação do Príncipe Regente não seria propriamente<br />
pela segurança do embarque que a progressão de Ju<strong>no</strong>t poderia pôr em perigo, mas antes as<br />
eventuais dificuldades que poderiam resultar dum amotinamento da população de Lisboa, tanto<br />
assim que a Família Real se manteve em Mafra até ao dia 27, tendo aproveitado os dias 24, 25<br />
e 26 para preparar o seu embarque e de todos os elementos da Corte que a acompanhavam.<br />
Foi precisamente a 26 de Novembro, véspera do embarque, que o Príncipe Regente<br />
dava a conhecer, através da publicação do real decreto, a sua intenção de transferir a sede do<br />
Gover<strong>no</strong> para o Rio de Janeiro:<br />
«Tendo procurado por todos os meios possíveis conservar a <strong>neutralidade</strong>, de que até<br />
agora têm gozado os meus fieis e amados vassalos, e apesar de exaurido o meu Real Erário, e<br />
de todos os mais sacrifícios, a que me tenho sujeitado, chegando ao excesso de fechar os<br />
portos dos meus rei<strong>no</strong>s aos vassalos do meu amigo e leal aliado, o rei da Grã-Bretanha,<br />
Carlos Jaca Invasões Francesas Parte II<br />
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expondo o comércio dos meus vassalos à total ruína, e a sofrer por este motivo grave prejuízo<br />
<strong>no</strong>s rendimentos da minha Coroa: vejo que pelo interior do meu rei<strong>no</strong> marcham tropas do<br />
Imperador dos franceses e rei de Itália, a quem eu me havia unido <strong>no</strong> continente, na persuasão<br />
de não ser mais inquietado, e que as mesmas se dirigem a esta capital; e querendo eu evitar as<br />
funestas consequências, que se podem seguir de uma defesa, que seria mais <strong>no</strong>civa que<br />
proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, e capaz de acender<br />
mais a dissenção de umas tropas, que têm transitado por este rei<strong>no</strong>, com o anúncio e promessa<br />
de não cometerem a me<strong>no</strong>r hostilidade; conhecendo igualmente que elas se dirigem muito<br />
particularmente contra a minha Real Pessoa, e que os meus leais vassalos serão me<strong>no</strong>s<br />
inquietados, ausentando-me eu deste rei<strong>no</strong>...».<br />
Para dirigir o País e garantir a boa marcha da administração, o Príncipe <strong>no</strong>meou uma<br />
Junta de Governadores, com <strong>no</strong>bres e magistrados da sua máxima confiança, nenhum deles,<br />
supunha, co<strong>no</strong>tado com correntes da “francesia”, constituída pelo Marquês de Abrantes,<br />
tenente-general Francisco da Cunha e Menezes, principal da patriarcal de Lisboa, D. Francisco<br />
Rafael de Castro, ao qual foi também conferido o cargo de Regedor da Justiça, Pedro de Melo<br />
Breyner, que seria também Presidente do Real Erário <strong>no</strong> impedimento de Luiz Vasconcelos e<br />
Sousa, tenente-general D. Francisco Xavier de Noronha e, para substituir algum dos<br />
mencionados, o Conde de Castro Marim, Conde de Sampaio, D. Miguel Pereira Forjaz e João<br />
António Salter de Mendonça: «…Tendo por certo que os meus rei<strong>no</strong>s, e povos, serão<br />
governados e regidos por maneira que a minha consciência seja descarregada, e eles<br />
governadores cumpram a sua obrigação, enquanto Deus permitir que eu esteja ausente desta<br />
capital, administrando a Justiça com imparcialidade, distribuindo os prémio e castigos<br />
conforme os merecimentos de cada um…».<br />
O embarque realizou-se a 27 de Novembro. Porém, as condições meteorológicas<br />
desfavoráveis não favoreciam a saída da barra à esquadra, causando natural ansiedade a bordo,<br />
temendo que os franceses chegassem de um momento para o outro e, apoderando-se das<br />
fortalezas que defendiam a barra, impedissem a «transmigração».<br />
Com a Família Real seguiam também António de Araújo de Azevedo, Rodrigo de<br />
Sousa Coutinho e outros que <strong>no</strong>s acontecimentos haviam desempenhado papeis de<br />
importância, membros da alta <strong>no</strong>breza, religiosos, funcionários da Administração, servidores<br />
do Paço, todos com suas famílias e numerosa criadagem, num total calculado em cerca de<br />
15.000 pessoas, de ambos os sexos e de todas as idades, valor que representava uma<br />
percentagem aparentemente insignificante da população. Grande parte dos embarcados era<br />
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proveniente das classes abastadas; tesouros de arte, móveis, livros, guarda-roupas e outros<br />
objectos de valor que acompanhavam os seus possuidores, tudo avaliado, ao tempo, em mais<br />
de 80 milhões de cruzados, fora os fardos e bagagens que não puderam ser carregados por falta<br />
espaço ou de tempo<br />
Era muita a gente que queria acompanhar o Príncipe ou, simplesmente, fugir do<br />
exército francês que se encontrava já às portas da cidade, mas nem todos que o desejavam fazer<br />
o conseguiram, quer por falta de recursos, quer devido à sobrelotação das embarcações.<br />
A esquadra régia, conforme comunicação dirigida pelo comando português ao almirante<br />
britânico, era constituída pelas naus «Príncipe Real», levando a bordo D. João com a rainhamãe,<br />
o Príncipe da Beira, D. Pedro de Alcântara, filho primogénito, e o Infante de Espanha D.<br />
Pedro Carlos, que depois foi seu genro; a «Rainha de Portugal», transportando a seu bordo a<br />
princesa D. Carlota Joaquina e o resto dos seus filhos; a «Príncipe do Brasil», que conduzia as<br />
princesas, irmãs da rainha D. Maria I. A Corte e os Ministros de Estado iam a bordo das<br />
diferentes naus, que eram a «Conde D. Henrique», a «Medusa», «Afonso de Albuquerque», «D.<br />
João de Castro» e a «Martim de Freitas». Três fragatas, quatro lugres e várias embarcações de<br />
transporte, cerca de quarenta, completavam a frota.<br />
A 28 de Novembro, a esquadra continuava fundeada porque o tempo e o mar agitado<br />
impediam a partida. No dia seguinte, ao amanhecer, o tempo mudava e o vento estava também<br />
de feição permitindo à esquadra levantar ferro e sair a barra, «recebendo pelo meio dia, as<br />
últimas saudações das fortalezas, que guarneciam a entrada da barra e defendiam a cidade de<br />
Lisboa».<br />
Quando pelas quatro horas da tarde a esquadra <strong>portuguesa</strong> passou junto da esquadra<br />
britânica, foi saudada com muitos vivas e salvas de artilharia; Sir Sidney Smith foi a bordo<br />
apresentar os seus respeitos ao Príncipe Regente e oferecer-lhe para o acompanharem na<br />
viagem as quatro naus de linha «Marlborough», «Monarch», «Bedford» e «London».<br />
Às oito horas da manhã do dia seguinte àquele em que saíram os navios, Ju<strong>no</strong>t surgia<br />
em Lisboa comandando a vanguarda das tropas francesas «que ainda terão podido vê-las<br />
afastando-se <strong>no</strong> horizonte», tendo o general expressado ao Imperador a sua pena por não ter<br />
podido cumprir a missão de impedir a partida do Príncipe e, certamente, a sua prisão.<br />
Em conclusão, pode dizer-se que a ocupação francesa não era suficiente para a posse de<br />
Portugal, porquanto a legitimidade nacional era inerente ao futuro D. João VI que a levou<br />
consigo para o Brasil. Não se tratou de uma retirada precipitada e muito me<strong>no</strong>s de uma “fuga”,<br />
como a historiografia liberal pretendeu divulgar e, <strong>no</strong>s meus primeiros tempos de estudo, vi<br />
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estampada em alguns compêndios.<br />
O Príncipe Regente, enquanto pôde, negociou e cedeu, esgotando todos os meios que<br />
evitassem a ocupação do País, já que a resistência militar, por todos os motivos, se revelava<br />
impossível. D. João não «fugiu» para o Brasil: «…Tenho resolvido, em benefício dos mesmos<br />
meus vassalos, passar com a Rainha Minha Senhora e Mãe, e com toda a Real Família para os<br />
Estados da América, e estabelecer-me na cidade do Rio de Janeiro até à paz geral».<br />
A mudança de capital aparecia como medida de recurso, de emergência e temporária,<br />
sendo <strong>no</strong> caso presente a solução mais aconselhável prudente e mais de acordo com o interesse<br />
nacional; terá sido o meio mais eficaz de preservar a dignidade da Coroa e com ela a liberdade<br />
política conservando-se, assim, o direito de intervenção <strong>no</strong>s sucessos internacionais.<br />
E mais, a permanência da Corte em terras brasileiras, durante cerca de 15 a<strong>no</strong>s, foi um<br />
factor decisivo na instauração da Monarquia Constitucional, vigente até à proclamação da<br />
República em 1910, bem como ter aberto ao Brasil as portas da independência.<br />
Bibliografia consultada.<br />
A <strong>–</strong> Manuscritos:<br />
«Cartas do Conde de Vila Verde». Secção B. O. <strong>–</strong> Caixa nº 7. Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga.<br />
«Copiador Diplomático» <strong>–</strong> Secção Barca Oliveira <strong>–</strong> B. O. 959. Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga.<br />
B <strong>–</strong> Obras Impressas:<br />
Barreiros, Coronel José Baptista <strong>–</strong> «Preliminares da 1ª Invasão Francesa em Portugal». Comunicação ao II<br />
Congresso Histórico Internacional de la Guerra de la Independência y su Época. Edição da Delegação Bracarense<br />
da Sociedade Histórica da Independência de Portugal.<br />
Barreiros, Coronel José Baptista <strong>–</strong> «Ensaio de Biografia do Conde da Barca». Edição da Delegação Bracarense<br />
da Sociedade Histórica da Independência de Portugal.<br />
Barreiros, Coronel José Baptista <strong>–</strong> «Correspondência Inédita entre o Conde da Barca e José Egídio Álvares de<br />
Almeida, secretário particular de El <strong>–</strong> Rei D. João VI. Edição da Sociedade Histórica da Independência de<br />
Portugal. Lisboa, 1966.<br />
Brandão, Raul <strong>–</strong> «El-Rei Ju<strong>no</strong>t». Renascença Portuguesa. 2ª Edição. Porto, 1919.<br />
Brazão, Eduardo <strong>–</strong> «História Diplomática de Portugal», Vol. I (1640 <strong>–</strong> 1815). Livraria Rodrigues. Lisboa, 1932.<br />
Chagas, Manuel Pinheiro <strong>–</strong> «História de Portugal». Vol. VII, 3ª edição. Empresa da História de Portugal,<br />
Sociedade Editora, MDCCCCII.<br />
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Gotteri, Nicole <strong>–</strong> «Napoleão e Portugal». Título original, «Napoléon et le Portugal», tradução de Paula Reis.<br />
Editorial Teorema.<br />
Jaca, Carlos <strong>–</strong> «Cartas do Conde de Vila Verde para o Conde da Barca», Subsídios para o estudo da Neutralidade<br />
Portuguesa (1804 <strong>–</strong> 1806). Dissertação de licenciatura apresentada à Faculdade de Letra da Universidade de<br />
Coimbra. 1970.<br />
Jaca, Carlos <strong>–</strong> «O exército português e as invasões napoleónicas». Revista «História», nº 28, Fevereiro de 1981;<br />
«A <strong>neutralidade</strong> <strong>portuguesa</strong> <strong>no</strong> <strong>conflito</strong> <strong>franco</strong> <strong>–</strong> <strong>inglês</strong>». Revista «História», nº 64, Fevereiro de 1984; «Ju<strong>no</strong>t,<br />
embaixador em Lisboa». Revista «História», nº 77, Março de 1985.<br />
Malafaia, Eurico de Ataíde <strong>–</strong> «António de Araújo de Azevedo, Conde da Barca <strong>–</strong> Diplomata e Estadista».<br />
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2004.<br />
Malafaia, Eurico de Ataíde <strong>–</strong> «A Guerra Peninsular». Da génese ao seu termo (1793 <strong>–</strong> 1813). Arquivo Distrital de<br />
Braga /Universidade do Minho, 2007.<br />
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