Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
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3.2. A fundação do po<strong>de</strong>r<br />
Esta questão é discutida <strong>de</strong> forma central na obra Sobre a Revolução. Através <strong>de</strong>sta obra po<strong>de</strong>-se<br />
discernir um ângulo <strong>de</strong> questões complementares àquelas que o conceito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ixava em suspenso 238 .<br />
Dado à potencialida<strong>de</strong> da ação e do discurso na gestação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político; dada sua imprevisibilida<strong>de</strong><br />
resultante da intangibilida<strong>de</strong> das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s reveladas e da ilimitação na capacida<strong>de</strong> da ação <strong>de</strong> estabelecer<br />
relações, <strong>Arendt</strong> <strong>de</strong>monstra em A Condição Humana que 239 os gregos no período histórico pré-filósofico e<br />
<strong>de</strong>mocrático encontraram na fundação da polis a re<strong>de</strong>nção das incertezas próprias da ação. Originalmente,<br />
para a autora, a fundação da polis consistia: em primeiro lugar, permitir que os homens tivessem multiplicado<br />
as chances <strong>de</strong> distinguirem-se, <strong>de</strong> reaverem suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s através <strong>de</strong> feitos e palavras. Em segundo lugar, a<br />
polis <strong>de</strong>stinava-se a redimir as fragilida<strong>de</strong>s da ação e do discurso, sua incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reificar num objeto<br />
durável on<strong>de</strong> sua permanência fosse assegurada. Para <strong>Arendt</strong>, a instituição da polis entre os gregos visava<br />
assegurar um espaço durável para as contingentes potencialida<strong>de</strong>s da ação e do discurso 240 .<br />
Embora observasse que a instituição da polis cumpria originalmente esta tarefa, <strong>Arendt</strong>, como já foi<br />
referido, registrava que a ativida<strong>de</strong> que edificava o corpo político entre os gregos não era apreendida como<br />
uma experiência propriamente política – a ação e o discurso –, sendo obra <strong>de</strong> um Legislador que fabricava os<br />
contornos da Cida<strong>de</strong>. Foi com os romanos, segundo a autora, que se operou uma politização da experiência<br />
que fundava o corpo político, <strong>de</strong> modo que o estabelecimento e a conservação da fundação da cida<strong>de</strong> se<br />
constituíam na forma central <strong>de</strong> ação política a qual as posteriores formas <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>veriam permanecer<br />
ligadas para adquirirem valida<strong>de</strong> política e jurídica. No registro teórico <strong>de</strong> <strong>Arendt</strong>, a referência à experiência<br />
política dos romanos com a fundação, comporta a busca <strong>de</strong> um fundamento <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> que, a contrapelo da<br />
tradição da filosofia grega – Platão e Aristóteles – e do Cristianismo, brotasse legitimamente do próprio<br />
domínio político, assegurando sua permanência e conservação. Para <strong>Arendt</strong>, a tarefa da fundação é encontrar<br />
um absoluto <strong>de</strong>ntro do âmbito político que se coadune com o fato <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r é dado sob o signo da<br />
pluralida<strong>de</strong> humana e que, portanto, jamais po<strong>de</strong> chegar à onipotência; e que, dado o fato <strong>de</strong> que a empresa<br />
fundadora que edifica o corpo político é finita, estando sujeita a ser transgredida pela imprevisibilida<strong>de</strong> das<br />
ações humanas, possa se atualizar legitimamente no corpo político.<br />
A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> está interessada nas condições <strong>de</strong> gestação do po<strong>de</strong>r político na esfera<br />
pública através das potencialida<strong>de</strong>s da ação e do discurso, <strong>Arendt</strong> também frisa que este<br />
238<br />
Os escritos <strong>de</strong> <strong>Arendt</strong> sobre a antigüida<strong>de</strong> romana e as revoluções mo<strong>de</strong>rnas marcam um<br />
alargamento das suas concepções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e espaço político. Ver J. TAMINIAUX, Athens and<br />
Rome, In D. VILLA, The Cambridge Companion to <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, p. 165 e p. 171. L. AVRITZER,<br />
Ação, Fundação e Autorida<strong>de</strong> em <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, 68: 147-167 . A. AMIEL. “Or dans cet ouvrage se<br />
manifeste très clairement l’ambiguité arendtienne en regard <strong>de</strong> la philosophie politique, <strong>de</strong>s ses<br />
insuffisances, <strong>de</strong> ses promesses – ce interdit sans doute <strong>de</strong> faire d’<strong>Arendt</strong> une philosophe politique<br />
‘comme une autre’. La non-philosophie <strong>de</strong> <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> – Révolution et jugement, p. 11.<br />
239<br />
G. AGAMBEN, Os Direitos do Homem e a Biopolítica”, In Homo Sacer – O po<strong>de</strong>r soberano e a<br />
vida nua 1, p. 134.<br />
240<br />
J. TAMINIAUX, Athens and Rome. p. 165 e 169.