Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ... Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
um espaço político que se estenda para todas as gerações 185 . E, por fim, com o conceito de Autoridade Legal analisado através da Constituição Americana, Arendt questiona a instituição dos fundamentos de legitimidade para um corpo político em uma época secular, reservando nas suas análises uma elaboração da idéia de autoridade da lei que deve ser conjugada com o conceito de poder e fundação. A seguir, investigaremos os conceito de poder, fundação e de autoridade da lei com o propósito de demarcar a constituição do domínio político em Arendt. 3.1. Poder e Esfera Pública O que é o poder e qual a experiência política no qual está fundamentado? De que forma Arendt articula esta compreensão com a instituição de uma esfera política legítima? Estas questões constituem o foco central do capítulo V da obra A Condição Humana, dos ensaios “O que é Liberdade?” e “Da Violência”. Para responder estas questões, é necessário partir da analítica da ação e do discurso enquanto experiências localizadas no espaço público e nos quais o poder está radicado, definindo em seguida sua relação com o conjunto do espaço político constituído. Na sua analítica da ação, Arendt afirma que para a ação ser livre, irredutível, portanto, à fabricação com sua mediação de meio-fim, ou a qualquer finalismo teleológico, ela deve sê-lo, de um lado, de “motivos” e, de outro, do “fim intencionado” enquanto conseqüência previsível. Contudo, isto não significa em absoluto que para Arendt eles não sejam relevantes para a consecução do agir, mas é que a ação é livre exatamente quando é capaz de transcendê-los 186 . A transcendência da ação está ligada ao fato de que na medida em que é livre, a ação não está condicionada nem pelo desígnio futuro determinado pelo intelecto, nem pela vontade que comanda a execução da própria ação. Transcendendo motivos e finalidades, para Arendt, a ação política brota de princípios. Princípios, para autora, se diferenciam dos motivos e das finalidades que condicionam a ação: “Distintamente de sua meta, o princípio de uma ação pode sempre ser repetido mais uma vez, sendo inexaurível, e, diferentemente de seu motivo, a validade de um princípio é universal, não se ligando a nenhuma pessoa ou grupo em especial.” 187 Entretanto, a despeito da inexauribilidade e universalidade dos princípios, “a [sua] manifestação somente se dá através da ação , e eles se manifestam no mundo enquanto 185 J. TAMINIAUX, Athens and Rome, In The Companion to Hannah Arendt, D. VILLA, (org.), p. 165. 186 H. ARENDT, “É evidente que toda a ação tem os seus motivos, tal como tem o seu fim e o seu princípio; mas o acto em si, se bem que proclame o seu intuito e torne manifesto o seu princípio, não revela a motivação mais íntima do agente. As suas razões permanecem obscuras, não brilham mas estão escondidas, não apenas dos outros mas, na maior parte das vezes, também do próprio, da própria introspecção.“ SR, p. 96. 187 H. ARENDT, O que é Liberdade?, In EPF, p. 199.
dura a ação e não mais. Tais princípios são a honra ou a glória, o amor à igualdade, que Montesquieu chamou de virtude, ou a distinção, ou ainda a excelência”. 188 Nem reduzida a seus motivos determinantes, nem sobredeterminada por suas finalidades, para Arendt são os princípios políticos atualizados na ação e apresentados no contexto intersubjetivos ao qual estão referenciados que permitem compreender a manifestação específica da ação. Para a autora, é na manifestação dos princípios políticos que aparece a autonomia da ação política, e é através desta aparição que os espectadores da cena pública apreendem os princípios políticos manifestos na ação. Ao operar esta leitura da ação articulada por princípios políticos, Arendt recusa as concepções conduzidas por um modelo instrumental de ação e pelas concepções ancoradas na idéia de que a ação é expressão de motivos subjetivos internos 189 , procedendo a uma leitura da ação ancorada na sua aparência fenomenológica mundana em que o sentido da ação se manifesta através de princípios políticos revelados para os espectadores concernidos no ato. Uma vez que a ação não é julgada nem pelos motivos que a determinam nem pelas finalidades a serem atingidas, para Arendt, “a ação só pode ser julgada pelo critério de grandeza, porque é de sua natureza violar os padrões consagrados e galgar o plano do extraordinário” 190 , sendo que “o significado específico de cada ato, só pode residir no próprio cometimento.” 191 A manifestação da ação através de princípios políticos no espaço das aparências mundanas e a interação intersubjetiva no qual está referenciada coloca a tarefa de articular a ação com o discurso a opinião política no pensamento da autora. Para Hannah Arendt, a ação e o discurso constituem o modo pelo qual os homens podem distinguir- se, ou seja, através da ação e do discurso os homens podem revelar suas identidades através de iniciativas e comunicá-la aos outros na interação humana. Agir, para Arendt, corresponde a deflagrar um início, realizar o “infinitamente improvável” através de uma iniciativa e, por outro lado, a fala, o discurso, corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da interação na pluralidade. Na sua analítica da ação, Arendt associa a ação e o discurso a duas condições humanas básicas: a ação humana corresponde ao fato da natalidade, ao fato de que com o nascimento do homem veio ao mundo um ser que é ele próprio iniciador, que é compelido a tomar uma 188 Idem, O que é Liberdade? , In EPF, p. 199. 189 H. ARENDT, “Por mais profundamente sincera que uma motivação possa ser, uma vez exibida e exposta aos olhos do público, torna-se objecto de suspeita mais do que de penetração; quando a atenção do público recai sobre ela, aparece e chega mesmo a brilhar, mas, diferentemente das acções e das palavras que estão destinadas a aparecer, cuja verdadeira existência se articula na aparência, as intenções subjacentes a tais acções e palavras são destruídas na sua essência logo que aparecem; quando aparecem, transformam-se em ‘meras aparências’ por detrás das quais, mais uma vez, ulteriores motivações se podem ocultar, tais como a hipocrisia e a fraude.” SR, p. 94-95. 190 H. ARENDT, CHM, p. 235-236. [Trad. bras., p. 217]. 191 Idem, CHM, p. 235-236. [Trad. bras., p. 217]. A. ENÉGREN, Le pensée politique de Hannah Arendt, p. 53-55.
- Page 31 and 32: indistinção entre a essência do
- Page 33 and 34: “nem a teoria política da razão
- Page 35 and 36: sociais, que impediu o crescimento
- Page 37 and 38: totalitária possa transcorrer sem
- Page 39 and 40: 2.0 Secularização, Tradição e A
- Page 41 and 42: e os problemas de instituição de
- Page 43 and 44: Weber, atestando a crença através
- Page 45 and 46: O significado da categoria “secul
- Page 47 and 48: judaica em face da secularização
- Page 49 and 50: se a vida individual novamente se t
- Page 51 and 52: contemplativa. Com a assunção da
- Page 53 and 54: Para Arendt, o processo de seculari
- Page 55 and 56: eligiosa ainda com mais urgência d
- Page 57 and 58: Formulada pela primeira vez com os
- Page 59 and 60: Resumidamente, na alegoria da caver
- Page 61 and 62: desenvolvimento de um conceito func
- Page 63 and 64: esgarçamento das tradições na é
- Page 65 and 66: uma vez que estão desprovidas do r
- Page 67 and 68: especificamente romanas de domínio
- Page 69 and 70: pressupõe igualdade e opera median
- Page 71 and 72: Pode-se dizer que a palavra dada pe
- Page 73 and 74: a experiência política da polis d
- Page 75 and 76: autora, se Aristóteles distinguia
- Page 77 and 78: fundações em que assentavam no Oc
- Page 79 and 80: generalizado na modernidade contrib
- Page 81: política da experiência da fabric
- Page 85 and 86: opinião política na constituiçã
- Page 87 and 88: ação tenham a oportunidade de agi
- Page 89 and 90: Para Arendt, a esfera pública é a
- Page 91 and 92: 220 O poder advém da potencialidad
- Page 93 and 94: segundo sua aceitação ou recusa,
- Page 95 and 96: 3.2. A fundação do poder Esta que
- Page 97 and 98: tradição e princípios políticos
- Page 99 and 100: estruturas políticas com os proces
- Page 101 and 102: separação entre Igreja e Estado e
- Page 103 and 104: França, e defrontava-se politicame
- Page 105 and 106: (bourgeois). 271 Com a Revolução
- Page 107 and 108: As formas republicanas de governo a
- Page 109 and 110: e imprevisível de casos, de sorte
- Page 111 and 112: permanecendo vinculante porque disp
- Page 113 and 114: Bracton havia chamado Constitutio L
- Page 115 and 116: era assegurada pelo senado, uma vez
- Page 117 and 118: do espaço público e do poder e no
- Page 119 and 120: porém, faz-se necessário abordar
- Page 121 and 122: As minorias eram oriundas de Tratad
- Page 123 and 124: propriedade; a verdadeira situaçã
- Page 125 and 126: atividades que os homens podem se d
- Page 127 and 128: existência pessoal podem ser igual
- Page 129 and 130: legitimava a existência das leis.
- Page 131 and 132: a perda da autoridade vinculativa d
dura a ação e não mais. Tais princípios são a honra ou a glória, o amor à igualda<strong>de</strong>, que Montesquieu chamou<br />
<strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, ou a distinção, ou ainda a excelência”. 188<br />
Nem reduzida a seus motivos <strong>de</strong>terminantes, nem sobre<strong>de</strong>terminada por suas finalida<strong>de</strong>s, para<br />
<strong>Arendt</strong> são os princípios políticos atualizados na ação e apresentados no contexto intersubjetivos ao qual<br />
estão referenciados que permitem compreen<strong>de</strong>r a manifestação específica da ação. Para a autora, é na<br />
manifestação dos princípios políticos que aparece a autonomia da ação política, e é através <strong>de</strong>sta aparição que<br />
os espectadores da cena pública apreen<strong>de</strong>m os princípios políticos manifestos na ação. Ao operar esta leitura<br />
da ação articulada por princípios políticos, <strong>Arendt</strong> recusa as concepções conduzidas por um mo<strong>de</strong>lo<br />
instrumental <strong>de</strong> ação e pelas concepções ancoradas na idéia <strong>de</strong> que a ação é expressão <strong>de</strong> motivos subjetivos<br />
internos 189 , proce<strong>de</strong>ndo a uma leitura da ação ancorada na sua aparência fenomenológica mundana em que o<br />
sentido da ação se manifesta através <strong>de</strong> princípios políticos revelados para os espectadores concernidos no<br />
ato.<br />
Uma vez que a ação não é julgada nem pelos motivos que a <strong>de</strong>terminam nem pelas finalida<strong>de</strong>s a<br />
serem atingidas, para <strong>Arendt</strong>, “a ação só po<strong>de</strong> ser julgada pelo critério <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, porque é <strong>de</strong> sua natureza<br />
violar os padrões consagrados e galgar o plano do extraordinário” 190 , sendo que “o significado específico <strong>de</strong><br />
cada ato, só po<strong>de</strong> residir no próprio cometimento.” 191 A manifestação da ação através <strong>de</strong> princípios políticos<br />
no espaço das aparências mundanas e a interação intersubjetiva no qual está referenciada coloca a tarefa <strong>de</strong><br />
articular a ação com o discurso a opinião política no pensamento da autora.<br />
Para <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, a ação e o discurso constituem o modo pelo qual os homens po<strong>de</strong>m distinguir-<br />
se, ou seja, através da ação e do discurso os homens po<strong>de</strong>m revelar suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s através <strong>de</strong> iniciativas e<br />
comunicá-la aos outros na interação humana. Agir, para <strong>Arendt</strong>, correspon<strong>de</strong> a <strong>de</strong>flagrar um início, realizar o<br />
“infinitamente improvável” através <strong>de</strong> uma iniciativa e, por outro lado, a fala, o discurso, correspon<strong>de</strong> ao fato<br />
da distinção e é a efetivação da interação na pluralida<strong>de</strong>. Na sua analítica da ação, <strong>Arendt</strong> associa a ação e o<br />
discurso a duas condições humanas básicas: a ação humana correspon<strong>de</strong> ao fato da natalida<strong>de</strong>, ao fato <strong>de</strong> que<br />
com o nascimento do homem veio ao mundo um ser que é ele próprio iniciador, que é compelido a tomar uma<br />
188 I<strong>de</strong>m, O que é Liberda<strong>de</strong>? , In EPF, p. 199.<br />
189 H. ARENDT, “Por mais profundamente sincera que uma motivação possa ser, uma vez exibida<br />
e exposta aos olhos do público, torna-se objecto <strong>de</strong> suspeita mais do que <strong>de</strong> penetração; quando a<br />
atenção do público recai sobre ela, aparece e chega mesmo a brilhar, mas, diferentemente das<br />
acções e das palavras que estão <strong>de</strong>stinadas a aparecer, cuja verda<strong>de</strong>ira existência se articula na<br />
aparência, as intenções subjacentes a tais acções e palavras são <strong>de</strong>struídas na sua essência logo<br />
que aparecem; quando aparecem, transformam-se em ‘meras aparências’ por <strong>de</strong>trás das quais,<br />
mais uma vez, ulteriores motivações se po<strong>de</strong>m ocultar, tais como a hipocrisia e a frau<strong>de</strong>.” SR, p.<br />
94-95.<br />
190 H. ARENDT, CHM, p. 235-236. [Trad. bras., p. 217].<br />
191 I<strong>de</strong>m, CHM, p. 235-236. [Trad. bras., p. 217]. A. ENÉGREN, Le pensée politique <strong>de</strong> <strong>Hannah</strong><br />
<strong>Arendt</strong>, p. 53-55.