Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Cristã enquanto her<strong>de</strong>ira da autorida<strong>de</strong> política romana. Uma vez que era na filosofia grega<br />
que os romanos autocompreendiam sua experiência central – a idéia do início fundador à<br />
qual todo o povo romano permanecia ligado –, as experiências romanas que se revelavam<br />
contrárias aos ensinamentos cristãos – a idéia <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>nte que estava<br />
além do âmbito terreno e que governava as coisas terrenas – foram assimilas através do<br />
entendimento platônico. Conforme <strong>Arendt</strong>, “Na medida em que a Igreja Católica<br />
incorporou a Filosofia Grega na estrutura <strong>de</strong> suas doutrinas e crenças dogmáticas, ela<br />
amalgamou o conceito político romano <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, que era inevitavelmente baseado em<br />
um início, à noção grega <strong>de</strong> medidas e regras transcen<strong>de</strong>ntes. Padrões gerais e<br />
transcen<strong>de</strong>ntes sob os quais o particular e o imanente se pu<strong>de</strong>ssem subsumir eram agora<br />
requeridos para toda or<strong>de</strong>m política: regras morais para todo comportamento inter-humano<br />
e medidas racionais para orientação <strong>de</strong> todo juízo individual.” 173<br />
Segundo <strong>Arendt</strong>, com a assunção política da Igreja, o amálgama das instituições políticas<br />
romanas com as idéias gregas <strong>de</strong> medidas e regras transcen<strong>de</strong>ntes possibilitou que a Igreja<br />
Cristã elevasse ao nível <strong>de</strong> certezas dogmáticas as especulações do cristianismo primitivo<br />
acerca <strong>de</strong> uma vida futura à luz dos mitos platônicos sobre uma vida futura. Esta<br />
autocompreensão, conforme mencionado, possibilitava que através da instrumentalização<br />
da doutrina do inferno a Igreja se fortificasse enquanto autorida<strong>de</strong> política e encampasse,<br />
através <strong>de</strong>sse elemento <strong>de</strong> violência contido nas ameaças do além, as fontes <strong>de</strong> justificação<br />
sem a qual os negócios seculares, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a queda do Império Romano, pereceriam sem a sua<br />
tutela.<br />
De acordo a autora, a perda da autorida<strong>de</strong> da Igreja nos negócios humanos é um fato<br />
<strong>de</strong>cisivo com a secularização mo<strong>de</strong>rna. Assinalada pelo colapso das fundamentações<br />
teológicas da esfera política, ela implicou que mo<strong>de</strong>rnamente não se dispunha mais <strong>de</strong> uma<br />
autorida<strong>de</strong> assentada na religião que sancionasse os negócios humanos. Nas condições<br />
mo<strong>de</strong>rnas, o problema do conferimento <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> ao domínio político que sancione o<br />
po<strong>de</strong>r e as leis retornava em um mundo que havia perdido sua fundamentação<br />
transcen<strong>de</strong>nte e que já não podia fiar-se na autorida<strong>de</strong> das tradições. Na obra Sobre a<br />
Revolução, <strong>Arendt</strong> ressalta que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVII a perda da autorida<strong>de</strong> política já era<br />
um fato conhecido. A constatação <strong>de</strong> que “a ruína estava <strong>de</strong>sgastando lentamente as<br />
173 I<strong>de</strong>m, O que é Autorida<strong>de</strong>?, In EPF, p. 170-171.