Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
cida<strong>de</strong>, era a tradição, por sua vez, que santificava o passado legando <strong>de</strong> uma geração à<br />
outra os testemunhos dos antepassados que presenciaram a sagrada fundação. Por meio da<br />
tradição se garantia uma continuida<strong>de</strong> entre o impulso original fundador e seus posteriores<br />
<strong>de</strong>sdobramentos no curso da história. Para a autora, era a tradição que aguilhoava o<br />
testemunho dos “pais fundadores”, a sabedoria que tiveram em constituir evento tão<br />
monumental, aos her<strong>de</strong>iros da tradição, aqueles que não po<strong>de</strong>riam viver sem mo<strong>de</strong>los e sem<br />
o préstimo da sabedoria acumulada do passado.<br />
É aqui que o conceito <strong>de</strong> Autorida<strong>de</strong> se torna <strong>de</strong>cisivo. Segundo <strong>Arendt</strong>, a autorida<strong>de</strong>,<br />
palavra <strong>de</strong>rivada do verbo augere, significava “aumentar” a fundação histórica da cida<strong>de</strong>.<br />
Na experiência privada em Roma, auctoritas é a qualida<strong>de</strong> do autor, daquele que intervém<br />
para conferir valida<strong>de</strong> jurídica a um sujeito que não po<strong>de</strong> realizar um ato jurídico válido.<br />
Neste caso, a auctoritas do tutor valida o ato <strong>de</strong> um outro “aumentando-o”, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong> que provinha do estatuto <strong>de</strong> pater conferido ao tutor. 154 No direito público<br />
romano, a auctoritas <strong>de</strong>signa as prerrogativas constitucionais do senado manifesta no ato<br />
vinculante <strong>de</strong> sancionar as <strong>de</strong>cisões dos comícios populares. Na República romana, aqueles<br />
que eram investidos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> eram os anciãos institucionalizados no senado, cuja<br />
autorida<strong>de</strong> tinha sido obtida mediante a transmissão do patres que haviam lançado as<br />
fundações da cida<strong>de</strong> romana. A autorida<strong>de</strong> do senado residia, portanto, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
homologar as <strong>de</strong>cisões populares que manifestavam o po<strong>de</strong>r político, conferindo<br />
legitimida<strong>de</strong> ao potesta do povo. <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, citando Mommsen, refere-se à autorida<strong>de</strong><br />
do senado como sendo “mais que conselho e menos que uma or<strong>de</strong>m; um conselho que não<br />
se po<strong>de</strong> ignorar sem risco” 155 . Visto que o senado romano era a instituição dos anciões,<br />
daqueles que presenciaram ou legaram o testemunho da sagrada fundação, eles po<strong>de</strong>riam<br />
sancionar a legitimida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r político e “aumentar” as fundações políticas da cida<strong>de</strong>,<br />
conferindo legitimida<strong>de</strong> aos atos que estavam <strong>de</strong>sprovidos dos fundamentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>.<br />
André Enégren expressou com acuida<strong>de</strong> a distinção e a relação entre autorida<strong>de</strong> e<br />
fundação: “Se a fundação liga a política ao espaço, a autorida<strong>de</strong> liga-a no tempo,<br />
conferindo-lhe um lastro no passado, uma dimensão não <strong>de</strong> altura, mas <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>.<br />
154<br />
Sigo as observações <strong>de</strong> Agamben sobre o tema. G. AGAMBEN, Auctoritas e Potestas, In<br />
Estado <strong>de</strong> Exceção, p. 115-123.<br />
155<br />
H. ARENDT, O que é Autorida<strong>de</strong> ?, In EPF, p. 165.