Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ... Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

16.04.2013 Views

limitado por leis.” 148 No governo autoritário existe uma ‘força externa’ ao poder, de onde a legitimidade do poder está referenciada. Com argumentos mais ou menos idênticos, Arendt aponta que a concepção conservadora, invertendo os termos da fórmula liberal, pressupõe no progresso da liberdade a constante responsável pelo definhamento de todas as autoridades, opondo, de maneira similar ao liberalismo, autoridade e liberdade. Para a autora, “o liberalismo (...) mede um processo de refluxo da liberdade, enquanto o conservadorismo mede um processo de refluxo da autoridade” 149 e no que se pode dizer destas doutrinas, “estamos de fato em confronto com um simultâneo retrocesso tanto da liberdade como da autoridade no mundo moderno.” 150 Na medida em que liberais e conservadores determinam a autoridade de um organismo político com referência aos processos e fluxos da história, postulando que a autoridade se materializa com a obediência incondicional aos seus ordenamentos, Arendt atenta para o fato de estas teorias serem incapazes de apreender a autoridade como experiência política, uma vez que seus traços fenomênicos são negligenciados e transformados em suporte referenciado nas leis da história. A segunda concepção que negligencia a autoridade como fenômeno e conceito político é a que apreende a autoridade em termos funcionais. Para Arendt, uma vez que a concepção funcionalista torna a autoridade uma função determinável por exigências exteriores a sua realidade política, a autoridade é desconsiderada como fenômeno político. Assim, por exemplo, quando o funcionalismo identifica que a função de toda autoridade é introduzir a ordem por intermédio da violência tornada legitima, esta concepção confunde autoridade com violência, sem ater-se aos pressupostos políticos por meio dos quais toda autoridade está validada. Ao contestar estas perspectivas, conservadores/liberais e funcionalistas, Arendt pretende retomar o significado fenomenológico e histórico do conceito de autoridade, desenredando- o fundamentalmente da idéia de domínio na tradição de pensamento político. Para a autora, “Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é incompatível com a persuasão, a qual 148 Idem, O que é Autoridade?, In EPF, p. 134. 149 Idem, O que é Autoridade?, In EPF, p. 137. 150 Idem, O que é Autoridade?, In EPF. p. 138.

pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos.” 151 A autoridade, como comentou André Enégren no seu livro Le pensée politique de Hannah Arendt, “vincula sem violência e convence sem persuadir” 152 . Antepondo-se ao modo como a atividade política é exercida dentro de determinado organismo político, é através dela que o espaço político configurado tem suas estruturas, seus espaços de estabilidade reconhecidos e validados. Para Arendt, “a relação autoritária entre o que manda e o que obedece não se assenta nem na razão comum nem no poder do que manda; o que eles possuem em comum é a própria hierarquia, cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável predeterminado.” 153 É na autoridade que um organismo político tem as balizas dos seus fundamentos políticos estabelecidos e firmados. Como fenômeno político, surgiu no contexto da experiência sagrada da fundação de Roma. Para os romanos, a fundação do seu organismo político significava o central e decisivo princípio de sua história, o momento em que a Cidade Eterna fora estabelecida. Se erigir os muros da cidade através da instituição da polis não constituía para os gregos uma experiência política, a edificação de Roma através da sua fundação se mostrava como o evento central da vida política da Cidade. Para os romanos, o caráter central da fundação repousava no fato de que, uma vez que alguma coisa tenha sido fundada, ela se tornava vinculante e obrigatória para todas as gerações sucessivas. Para os romanos, participar da vida política da cidade significava preservar sua fundação política. Como o evento fundador da cidade poderia apresentar-se no transcorrer da história? Segundo Arendt, a fundação era reatada ao presente histórico através da religião romana, cujo significado de re-ligare implicava uma ligação com o passado, uma obrigação religiosa para com a fundação da cidade eterna. Como a fundação constituía a experiência política nuclear em Roma e a religião religava o presente aos antepassados sagrados da 151 Idem, O que é Autoridade?, In EPF, p. 129. 152 Enégren explicita o conceito rescrevendo uma frase de Rousseau. “elle [ autoridade ] incline les volontés en gagnant leur assentiment par une sorte d’ascendant où n’entre aucun élément de contrainte, et, en modifiant une formule de Rousseau, on pourrait dire qu’elle entraîne sans violence et convainc sans persuader.” A. ENÉGREN, Le pensée politique de Hannah Arendt, p. 126. 153 H. ARENDT, H. O que é Autoridade?, In EPF, p. 129. [grifo meu].

pressupõe igualda<strong>de</strong> e opera mediante um processo <strong>de</strong> argumentação. On<strong>de</strong> se utilizam argumentos, a<br />

autorida<strong>de</strong> é colocada em suspenso. Contra a or<strong>de</strong>m igualitária da persuasão ergue-se a or<strong>de</strong>m autoritária, que<br />

é sempre hierárquica. Se a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>finida <strong>de</strong> alguma forma, <strong>de</strong>ve sê-lo, então, tanto em<br />

contraposição à coerção pela força como à persuasão através <strong>de</strong> argumentos.” 151<br />

A autorida<strong>de</strong>, como comentou André Enégren no seu livro Le pensée politique <strong>de</strong><br />

<strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, “vincula sem violência e convence sem persuadir” 152 . Antepondo-se ao<br />

modo como a ativida<strong>de</strong> política é exercida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado organismo político, é<br />

através <strong>de</strong>la que o espaço político configurado tem suas estruturas, seus espaços <strong>de</strong><br />

estabilida<strong>de</strong> reconhecidos e validados. Para <strong>Arendt</strong>, “a relação autoritária entre o que<br />

manda e o que obe<strong>de</strong>ce não se assenta nem na razão comum nem no po<strong>de</strong>r do que manda; o<br />

que eles possuem em comum é a própria hierarquia, cujo direito e legitimida<strong>de</strong> ambos<br />

reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável pre<strong>de</strong>terminado.” 153 É na autorida<strong>de</strong><br />

que um organismo político tem as balizas dos seus fundamentos políticos estabelecidos e<br />

firmados.<br />

Como fenômeno político, surgiu no contexto da experiência sagrada da fundação <strong>de</strong><br />

Roma. Para os romanos, a fundação do seu organismo político significava o central e<br />

<strong>de</strong>cisivo princípio <strong>de</strong> sua história, o momento em que a Cida<strong>de</strong> Eterna fora estabelecida. Se<br />

erigir os muros da cida<strong>de</strong> através da instituição da polis não constituía para os gregos uma<br />

experiência política, a edificação <strong>de</strong> Roma através da sua fundação se mostrava como o<br />

evento central da vida política da Cida<strong>de</strong>. Para os romanos, o caráter central da fundação<br />

repousava no fato <strong>de</strong> que, uma vez que alguma coisa tenha sido fundada, ela se tornava<br />

vinculante e obrigatória para todas as gerações sucessivas. Para os romanos, participar da<br />

vida política da cida<strong>de</strong> significava preservar sua fundação política.<br />

Como o evento fundador da cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria apresentar-se no transcorrer da história?<br />

Segundo <strong>Arendt</strong>, a fundação era reatada ao presente histórico através da religião romana,<br />

cujo significado <strong>de</strong> re-ligare implicava uma ligação com o passado, uma obrigação<br />

religiosa para com a fundação da cida<strong>de</strong> eterna. Como a fundação constituía a experiência<br />

política nuclear em Roma e a religião religava o presente aos antepassados sagrados da<br />

151 I<strong>de</strong>m, O que é Autorida<strong>de</strong>?, In EPF, p. 129.<br />

152 Enégren explicita o conceito rescrevendo uma frase <strong>de</strong> Rousseau. “elle [ autorida<strong>de</strong> ] incline les<br />

volontés en gagnant leur assentiment par une sorte d’ascendant où n’entre aucun élément <strong>de</strong><br />

contrainte, et, en modifiant une formule <strong>de</strong> Rousseau, on pourrait dire qu’elle entraîne sans<br />

violence et convainc sans persua<strong>de</strong>r.” A. ENÉGREN, Le pensée politique <strong>de</strong> <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, p.<br />

126.<br />

153 H. ARENDT, H. O que é Autorida<strong>de</strong>?, In EPF, p. 129. [grifo meu].

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!