Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
fora <strong>de</strong>spontado na filosofia <strong>de</strong> Platão. Com esta afirmação, <strong>Arendt</strong> evi<strong>de</strong>ntemente não<br />
compreen<strong>de</strong> que a tradição Oci<strong>de</strong>ntal seja uma mera retradução do quadro referencial<br />
platônico, <strong>de</strong>sconhecendo o fundamento das diferenças entre o pensamento antigo e<br />
mo<strong>de</strong>rno. O que <strong>de</strong> fato a autora preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar é o caráter fundante <strong>de</strong>sta e como ela<br />
pre<strong>de</strong>terminou as oscilações que ocorreram historicamente na tradição. Este quadro<br />
referencial da tradição é, nas palavras da autora, “um ‘acordo fundamental’, que ressoa em<br />
infindáveis modulações através <strong>de</strong> toda a história do pensamento oci<strong>de</strong>ntal.” 121<br />
Contudo, na época mo<strong>de</strong>rna, os padrões e medidas que conferiam valida<strong>de</strong> e consistência à<br />
tradição da filosofia Oci<strong>de</strong>ntal seriam profundamente contestados e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, “o quadro<br />
conceitual da tradição tem estado inseguro.” 122 Para <strong>Arendt</strong>, as mudanças em curso na<br />
época mo<strong>de</strong>rna não po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>duzidas simplesmente da inversão da dicotomia<br />
estabelecida por Platão que inaugurou e organizou o quadro referencial da tradição.<br />
Conforme sua análise da vida activa em A Condição Humana, a mudança que tem lugar na<br />
época mo<strong>de</strong>rna não é a inversão entre contemplação e sensação, vida inteligível e vida<br />
sensível, em cuja dinâmica a tradição prefigurou a sua consistência. Para a autora, a<br />
inversão que origina a época mo<strong>de</strong>rna assinala a abolição da contemplação como<br />
experiência no qual todas as ativida<strong>de</strong>s dos homens culminariam, segundo a avaliação da<br />
filosofia platônica e aristotélica, com a submissão da ativida<strong>de</strong> do pensamento à ativida<strong>de</strong><br />
da ação 123 . Como tal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que na época mo<strong>de</strong>rna se duvidou da possibilida<strong>de</strong> da verda<strong>de</strong><br />
se revelar apresentando-se aos sentidos humanos e que somente através da intervenção<br />
técnico-científica no ser das coisas se po<strong>de</strong>ria apreen<strong>de</strong>r o que <strong>de</strong> fato elas eram – evento<br />
que se manifestou para a autora com a utilização científica do telescópio –, o fundamento<br />
da continuida<strong>de</strong> da estrutura metafísica da tradição não po<strong>de</strong>ria mais ser assegurado.<br />
Para <strong>Arendt</strong>, na época mo<strong>de</strong>rna, a dicotomia da tradição entre contemplação e ação, entre<br />
supra-sensível e sensível, passaram a ser enevoadas pelo papel da ciência e da técnica no<br />
121 I<strong>de</strong>m, A Tradição e a Época Mo<strong>de</strong>rna, In EPF, p. 44.<br />
122 I<strong>de</strong>m, A Tradição e a Época Mo<strong>de</strong>rna, In EPF, p. 67.<br />
123 H. ARENDT, “Le renversement n’a concerné que la pensée, qui est <strong>de</strong>venue servant <strong>de</strong> l’action<br />
comme elle avait été ancilla theologieae, servante <strong>de</strong> la contemplation <strong>de</strong> la vérité divine en<br />
philosophie médiévale, ou <strong>de</strong> la contemplatiion <strong>de</strong> la verité <strong>de</strong> l’Etre en philosophie antique. Dës<br />
lors, la contemplation elle-même n’eut plus aucun sens.” CHM, p. 365. Trad. bras. p. 305]