Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
eceber uma verda<strong>de</strong> revelada, segundo os pressupostos <strong>de</strong> uma religião baseada na idéia da<br />
revelação <strong>de</strong> Deus para o espírito humano. No entanto, os “contrastes dialéticos da fé” 106<br />
em Kierkegaard resultavam da sua tentativa <strong>de</strong> salvar a fé do assalto da secularização<br />
mo<strong>de</strong>rna e, na medida em que trazia a dúvida para o âmbito da experiência religiosa<br />
transformando-a em um conflito interior, Kierkegaard tornava secular a própria religião<br />
tradicional. Conforme <strong>Arendt</strong>, para Kierkegaard, o salto da dúvida para a crença e a<br />
experiência da crença vivida sob a forma da dúvida, implicavam que uma experiência<br />
religiosa autêntica somente seria vivida na tensão entre a dúvida e a crença, “na tortura das<br />
próprias crenças com as próprias dúvidas e com o relaxamento <strong>de</strong>sta tormenta na violenta<br />
afirmação do absurdo tanto da condição humana como da crença do homem.” 107<br />
De uma maneira geral, com a análise da secularização das crenças religiosas através das<br />
transformações pelas quais passou o Judaísmo na época mo<strong>de</strong>rna; através da análise da<br />
imersão da dúvida no cerne das experiências religiosas, <strong>Arendt</strong> aponta para o <strong>de</strong>stino das<br />
crenças religiosas com a perda da função integrativa da religião na época mo<strong>de</strong>rna.<br />
Para o que interessa nesse capítulo, é fundamental enfatizar esta conseqüência da<br />
secularização: se a secularização mo<strong>de</strong>rna, através da <strong>de</strong>sinvestida <strong>de</strong> religião e política,<br />
significou uma emancipação para ambas as esferas, <strong>de</strong>sobrigando a Igreja <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s terrenas e liberando os negócios políticos da tutela religiosa, a quebra da<br />
autorida<strong>de</strong> religiosa por meio da secularização criará o problema da fundamentação e<br />
constituição <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> legítima no domínio secular. Uma vez <strong>de</strong>sancorada da<br />
religião, e sem o esteio da tradição, esta autorida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria inclusive per<strong>de</strong>r o estatuo que a<br />
Igreja outrora lhe reservou. Na obra Sobre a Revolução <strong>Arendt</strong> expressa este ponto <strong>de</strong><br />
forma clara:<br />
“o domínio político, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento do secular, o próprio facto <strong>de</strong> a secularização ter sido<br />
acompanhada do <strong>de</strong>senvolvimento do absolutismo e da queda do absolutismo ter sido seguida <strong>de</strong> revoluções<br />
cuja principal perplexida<strong>de</strong> era a <strong>de</strong> saber on<strong>de</strong> encontrar um absoluto do qual <strong>de</strong>rivar a autorida<strong>de</strong> para a lei e<br />
para o po<strong>de</strong>r, podiam bem ser tomadas para <strong>de</strong>monstrar que a política e o estado necessitavam da sanção<br />
106<br />
Para a idéia dos contrastes dialéticos da fé em S. KIERKEGAARD, Tremor e Temor, In<br />
KIERKEGAARD – Col. Os Pensadores, p. 126.<br />
107<br />
H. ARENDT, A Tradição e a Época Mo<strong>de</strong>rna, In EPF, p. 57. Para a manifestação da fé como<br />
absurdo, ver S. KIERKEGAARD, Ibid, p. 137.