Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
contemplativa. Com a assunção da Igreja enquanto instituição dotada <strong>de</strong> obrigações<br />
políticas, a doutrina do Inferno passaria a ser utilizada pela Igreja com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
justificar seu domínio na esfera secular, caracterizado pela relativida<strong>de</strong> e ausência <strong>de</strong><br />
padrões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma não era mais reconhecida. Com esta imposição, a<br />
autorida<strong>de</strong> religiosa – utilizando tal doutrina toda vez que os dogmas da Igreja fossem<br />
transgredidos – podia sair vitoriosa em qualquer contenda com o po<strong>de</strong>r secular,<br />
salvaguardando a sua autorida<strong>de</strong> no domínio político com a introdução explícita <strong>de</strong> um<br />
elemento <strong>de</strong> violência contido na ameaça do fogo eterno 95 .<br />
Para <strong>Arendt</strong>, a secularização significa que este elemento <strong>de</strong> violência contido nas<br />
ameaças do fogo do inferno per<strong>de</strong>u sua força política vinculativa. “Politicamente, a<br />
secularida<strong>de</strong> significa apenas que os credos e instituições religiosos não têm qualquer<br />
autorida<strong>de</strong> publicamente vinculativa e que, em contrapartida, a vida política não é<br />
religiosamente sancionada. O que levanta a grave questão da fonte da autorida<strong>de</strong> dos nossos<br />
‘valores’ tradicionais, das nossas leis, costumes e critérios <strong>de</strong> juízo, que durante tantos<br />
séculos receberam da religião o seu caráter sagrado.” 96 Com a secularização mo<strong>de</strong>rna, a<br />
autorida<strong>de</strong> política da Igreja <strong>de</strong>rivada da imposição <strong>de</strong> castigos eternos finda sua existência.<br />
Esta perda, segundo <strong>Arendt</strong>, é irreparável, assinalando que, se <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista<br />
histórico a secularização trouxe a especificida<strong>de</strong> própria para a religião e a política,<br />
salvaguardando ambos os domínios da interferência um do outro, também uma vez mais os<br />
negócios humanos per<strong>de</strong>ram sua autorida<strong>de</strong> tradicional e encontravam-se <strong>de</strong>sguarnecidos 97 .<br />
Para a filósofa, a emergência <strong>de</strong> uma esfera secular autônoma colocava novamente<br />
em voga a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a imortalida<strong>de</strong> vir a realizar-se através <strong>de</strong> ações e feitos – tal<br />
como na Antigüida<strong>de</strong> clássica –, uma vez admitida à mortalida<strong>de</strong> da vida individual e o fato<br />
<strong>de</strong> a esfera político-secular voltar a preten<strong>de</strong>r estabilizar-se por meio <strong>de</strong> seus fundamentos<br />
próprios. Entretanto, o que <strong>de</strong> fato suce<strong>de</strong>ria no curso da época mo<strong>de</strong>rna seria que o dilema<br />
clássico da mortalida<strong>de</strong> da vida contrastada com a permanência do mundo ou o dilema da<br />
imortalida<strong>de</strong> da vida em oposição à perecibilida<strong>de</strong> do mundo, tal como formulado no<br />
Cristianismo, manifestar-se-ia na época mo<strong>de</strong>rna através da perecibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um e outro.<br />
95<br />
H. ARENDT, O que é Autorida<strong>de</strong>?, In EPF, p. 176-178. I<strong>de</strong>m, Religião e <strong>Política</strong>, In CP, p. 276-<br />
278.<br />
96<br />
I<strong>de</strong>m, “Religião e <strong>Política</strong>, In CP, p. 264.<br />
97<br />
H. ARENDT, O que é Autorida<strong>de</strong>? In EPF, p. 177.