Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ... Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
vinda do messias, pelo menos esperavam pelo retorno de seu povo à Judéia. Por outro lado, os assimilacionistas, embora desprovidos da entusiástica esperança messiânica, estavam persuadidos de que, como judeus, eram o sal da terra; mas, separando-se das nações por essa profana presunção, afastavam-se delas mais do que seus pais, que aceitavam a separação de Israel dos gentios pelo muro da Lei [normas do Pentateuco], que, todavia, segundo a crença mística, viria a ser destruído após a vinda do messias.” 86 Arendt inscreve o conceito de secularização na sua análise das transformações das tradições judaicas, demonstrando as seguintes modificações nesta religião: a secularização do judaísmo transformou a religião nacional em denominação confessional, feito que eliminava da consciência judia o desejo por um Estado Nacional próprio; de outro lado, a secularização das tradições judaicas determinava uma definição da judeidade de forma psicologizada. A compreensão do estilhaçamento das tradições judaicas e a remissão da condição judia a uma denominação confessional que prescindia dos tradicionais credos do Judaísmo apontam para uma compreensão rigorosa da secularização em Arendt, articulável às análises desdobradas em A Condição Humana. No seu ensaio O Conceito de História – Antigo e Moderno 87 , a questão da secularização moderna ganha novos contornos no pensamento da autora. Neste ensaio, Arendt critica a concepção daqueles que, ao explicarem a emergência de uma esfera secular moderna, estabelecem um fio de continuidade entre o período medieval e moderno, fazendo do surgimento dos tempos modernos a progressiva “transformação de categorias religiosas e transcendentais em alvos e normas terrenos e imanentes” 88 . Para a autora, existe um abismo que separa a cultura religiosa medieval do mundo moderno e este abismo é definido pela separação entre religião e política com a eliminação das sanções religiosas da vida pública. Com esta eliminação, a articulação do binômio religioso/secular na época moderna está ancorada na perda das funções políticas da Igreja e nas perplexidades das crenças religiosas desguarnecidas institucionalmente diante do solapamento das tradições religiosas. Para Arendt, o surgimento do âmbito secular moderno está estritamente relacionado com o fato de a crença na imortalidade individual – da alma ou do corpo – ter perdido sua força política coercitiva, tal como formulado no Cristianismo. Contudo, demonstra a autora, 86 Idem, Anti – semitismo, In OT,, p. 96. 87 H. ARENDT, O Conceito de História – Antigo e Moderno, In EPF, p. 69 – 126. 88 Idem, O Conceito de História – Antigo e Moderno, In EPF, p. 102.
se a vida individual novamente se tornava mortal, o problema era que a mortalidade retornava em um mundo que havia perdido seus fundamentos transcendentes e que, portanto, não poderia mais oferecer abrigo para a finitude da existência humana. Neste ensaio, ao mesmo tempo em que demarca a separação irreversível entre religião e política, com a secularização, a autora mostra problemas com os quais se defronta a esfera política moderna com a perda das sanções religiosas no domínio político. Segundo as análises de Arendt, para os cristãos, somente homens individuais eram considerados imortais, e nem o mundo, nem nada a ele pertencente, poderia ser considerado como dotado de permanência própria. Para os cristãos, somente transcendendo o mundo humano poderiam se realizar atividades dotadas de imortalidade. Este pressuposto para a concepção cristã, na filosofia da autora, significava a inversão da antiga relação entre o homem e o mundo tal como formulado na tradição clássica greco-romana, promovendo a vida individual mortal à posição antes ocupada pela eternidade do cosmo. Do ponto de vista histórico, estas mudanças implicavam uma resposta àqueles que presenciaram o declínio de um mundo comum com a decorrente inexistência de um abrigo permanente para a mortalidade da vida individual. Na sua análise da vita activa 89 , Arendt enfatiza que a promoção da vida individual em um mundo não dotado de permanência implica o fato de a estima da vida ter rebaixado as atividades da vita activa – trabalho, fabricação e ação – ao mero posto de atividades subalternas destinadas a remediar a condição secular do homem, marcada pela perecibilidade e por seu caráter transitório. Para a autora, “A ênfase colocada pelo cristianismo na inviolabilidade da vida tendia a nivelar, anulando as antigas distinções e expressões da vita activa; tendia a ver o trabalho, a fabricação e a ação como igualmente sujeitos às vicissitudes da vida na Terra.” 90 Com o Cristianismo, é a vida individual que ascenderá ao lugar de permanência antes assegurada aos corpos políticos das cidades antigas. Como tal, com exceção do indivíduo, o mundo e os processos naturais estavam sujeitos a perecibilidade, e era somente transcendendo o mundo através de atividades imortalizadoras que a vida individual poderia ser redimida 91 . 89 H. ARENDT, CHM, p. 51 e p. 391 [Trad. bras. p. 24 e p. 237]. 90 Idem, CHM , p. 392 – 393 [Trad. bras. p. 329]. 91 H. ARENDT, O Conceito de História – Antigo e Moderno, In EPF, p. 83.
- Page 1 and 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - Fac
- Page 4: Banca Examinadora Termo de Aprovaç
- Page 7 and 8: Agradecimentos Gostaria de prestar
- Page 9 and 10: A presente dissertação tem por ob
- Page 11 and 12: 1.0 O Totalitarismo e a quebra da L
- Page 13 and 14: possibilitava ao indivíduo migrar
- Page 15 and 16: uma coexistência humana uma vez qu
- Page 17 and 18: noções abstratas guindadas ao ní
- Page 19 and 20: transformação era que a nação,
- Page 21 and 22: dos negócios públicos através de
- Page 23 and 24: Nesta contextura, foram os moviment
- Page 25 and 26: lógica que preside o movimento, um
- Page 27 and 28: textura das relações sociais uma
- Page 29 and 30: governam o regime, pois, para o tot
- Page 31 and 32: indistinção entre a essência do
- Page 33 and 34: “nem a teoria política da razão
- Page 35 and 36: sociais, que impediu o crescimento
- Page 37 and 38: totalitária possa transcorrer sem
- Page 39 and 40: 2.0 Secularização, Tradição e A
- Page 41 and 42: e os problemas de instituição de
- Page 43 and 44: Weber, atestando a crença através
- Page 45 and 46: O significado da categoria “secul
- Page 47: judaica em face da secularização
- Page 51 and 52: contemplativa. Com a assunção da
- Page 53 and 54: Para Arendt, o processo de seculari
- Page 55 and 56: eligiosa ainda com mais urgência d
- Page 57 and 58: Formulada pela primeira vez com os
- Page 59 and 60: Resumidamente, na alegoria da caver
- Page 61 and 62: desenvolvimento de um conceito func
- Page 63 and 64: esgarçamento das tradições na é
- Page 65 and 66: uma vez que estão desprovidas do r
- Page 67 and 68: especificamente romanas de domínio
- Page 69 and 70: pressupõe igualdade e opera median
- Page 71 and 72: Pode-se dizer que a palavra dada pe
- Page 73 and 74: a experiência política da polis d
- Page 75 and 76: autora, se Aristóteles distinguia
- Page 77 and 78: fundações em que assentavam no Oc
- Page 79 and 80: generalizado na modernidade contrib
- Page 81 and 82: política da experiência da fabric
- Page 83 and 84: dura a ação e não mais. Tais pri
- Page 85 and 86: opinião política na constituiçã
- Page 87 and 88: ação tenham a oportunidade de agi
- Page 89 and 90: Para Arendt, a esfera pública é a
- Page 91 and 92: 220 O poder advém da potencialidad
- Page 93 and 94: segundo sua aceitação ou recusa,
- Page 95 and 96: 3.2. A fundação do poder Esta que
- Page 97 and 98: tradição e princípios políticos
vinda do messias, pelo menos esperavam pelo retorno <strong>de</strong> seu povo à Judéia. Por outro lado, os<br />
assimilacionistas, embora <strong>de</strong>sprovidos da entusiástica esperança messiânica, estavam persuadidos <strong>de</strong> que,<br />
como ju<strong>de</strong>us, eram o sal da terra; mas, separando-se das nações por essa profana presunção, afastavam-se<br />
<strong>de</strong>las mais do que seus pais, que aceitavam a separação <strong>de</strong> Israel dos gentios pelo muro da Lei [normas do<br />
Pentateuco], que, todavia, segundo a crença mística, viria a ser <strong>de</strong>struído após a vinda do messias.” 86<br />
<strong>Arendt</strong> inscreve o conceito <strong>de</strong> secularização na sua análise das transformações das<br />
tradições judaicas, <strong>de</strong>monstrando as seguintes modificações nesta religião: a secularização<br />
do judaísmo transformou a religião nacional em <strong>de</strong>nominação confessional, feito que<br />
eliminava da consciência judia o <strong>de</strong>sejo por um Estado Nacional próprio; <strong>de</strong> outro lado, a<br />
secularização das tradições judaicas <strong>de</strong>terminava uma <strong>de</strong>finição da ju<strong>de</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma<br />
psicologizada. A compreensão do estilhaçamento das tradições judaicas e a remissão da<br />
condição judia a uma <strong>de</strong>nominação confessional que prescindia dos tradicionais credos do<br />
Judaísmo apontam para uma compreensão rigorosa da secularização em <strong>Arendt</strong>, articulável<br />
às análises <strong>de</strong>sdobradas em A Condição Humana. No seu ensaio O Conceito <strong>de</strong> História –<br />
Antigo e Mo<strong>de</strong>rno 87 , a questão da secularização mo<strong>de</strong>rna ganha novos contornos no<br />
pensamento da autora.<br />
Neste ensaio, <strong>Arendt</strong> critica a concepção daqueles que, ao explicarem a emergência<br />
<strong>de</strong> uma esfera secular mo<strong>de</strong>rna, estabelecem um fio <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> entre o período<br />
medieval e mo<strong>de</strong>rno, fazendo do surgimento dos tempos mo<strong>de</strong>rnos a progressiva<br />
“transformação <strong>de</strong> categorias religiosas e transcen<strong>de</strong>ntais em alvos e normas terrenos e<br />
imanentes” 88 . Para a autora, existe um abismo que separa a cultura religiosa medieval do<br />
mundo mo<strong>de</strong>rno e este abismo é <strong>de</strong>finido pela separação entre religião e política com a<br />
eliminação das sanções religiosas da vida pública. Com esta eliminação, a articulação do<br />
binômio religioso/secular na época mo<strong>de</strong>rna está ancorada na perda das funções políticas da<br />
Igreja e nas perplexida<strong>de</strong>s das crenças religiosas <strong>de</strong>sguarnecidas institucionalmente diante<br />
do solapamento das tradições religiosas.<br />
Para <strong>Arendt</strong>, o surgimento do âmbito secular mo<strong>de</strong>rno está estritamente relacionado<br />
com o fato <strong>de</strong> a crença na imortalida<strong>de</strong> individual – da alma ou do corpo – ter perdido sua<br />
força política coercitiva, tal como formulado no Cristianismo. Contudo, <strong>de</strong>monstra a autora,<br />
86 I<strong>de</strong>m, Anti – semitismo, In OT,, p. 96.<br />
87 H. ARENDT, O Conceito <strong>de</strong> História – Antigo e Mo<strong>de</strong>rno, In EPF, p. 69 – 126.<br />
88 I<strong>de</strong>m, O Conceito <strong>de</strong> História – Antigo e Mo<strong>de</strong>rno, In EPF, p. 102.