Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

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16.04.2013 Views

das análises apontadas por Max Weber quanto à articulação entre protestantismo ascético e o espírito do moderno capitalismo, Arendt afirma que a secularização implicou um direcionamento das atividades humanas para a relação exclusiva do sujeito consigo próprio, que, liberado da sua relação com o mundo, direcionou-se novamente a ele por meio de uma intensa atividade secular capaz de transformá-lo 72 . Esta transformação é conseqüência dos processos metabólicos da vida na época moderna estarem direcionados para a estabilidade do mundo, ou, como afirma a autora, o “aumento da força do homem sobre as coisas deste mundo resulta da distância que ele coloca entre si mesmo e o mundo.” 73 Em A Condição Humana, Arendt afirma que o processo de secularização foi expresso na Reforma Protestante, evento que delineou as feições das sociedades modernas ao expropriar os bens eclesiásticos e monásticos para a autoridade secular. Para Arendt, a Reforma Luterana ensejou a liberação radical da vida cristã de todas as preocupações com as coisas mundanas, implicando um abalo na única instituição política ligada à tradição. A Reforma, ao derivar o credo cristão da palavra de Deus, libertando-o da autoridade tradicional da Igreja, não desencadeou a instituição de uma “ordem secular”, mas abalou decisivamente os alicerces das instituições temporais. 74 Conforme a analise do capitulo “A vida Activa e a Era Moderna”, a expropriação das propriedades religiosas para as soberanias nacionais e para as Igrejas reformadas – durante a Paz de Westphalia em maio de 1646 75 – mostra-se como um evento que representa os traços das sociedades modernas na medida em que estas são marcadas pela expropriação de grupos humanos de seu lugar no mundo e para o direcionamento do homem a sua interioridade. A reforma, caracterizada por um “duplo processo de expropriação individual e acúmulo de riqueza social” 76 coloca-se, de acordo com a filósofa, como um evento de grande significação para a compreensão da dinâmica secularizante da era moderna. 72 Idem, “A grandeza da descoberta de Max Weber quanto às origens do capitalismo reside precisamente em sua demonstração de que é possível haver enorme atividade, estritamente mundana, sem que haja qualquer grande preocupação ou satisfação com o mundo, atividade cuja motivação mais profunda é, ao contrário, a preocupação e o cuidado com o ego.” CHM, p. 322. [Trad. bras. p. 263-264]. 73 Idem, CHM, p. 318-319 [Trad. bras., p. 264]. 74 H. ARENDT, SR, p. 26. 75 G. MARRAMAO, Céu e Terra – Genealogia da Secularização, p. 16 – 17. 76 H. ARENDT, CHM, p. 315. [Trad. bras. p. 260]

O significado da categoria “secularização” encontra-se inscrito em diversos registros investigativos na obra de Arendt. Já na sua obra Anti-Semitismo 77 , o significado da secularização moderna é examinado por Arendt por meio de um estudo sobre o problema da assimilação das comunidades judaicas na Europa da Aufklärung, com os dilemas decorrentes para as tradições judaicas em uma sociedade secular. Ao desdobrar uma leitura do conceito de secularização a partir deste problema, Arendt articula-o ainda com o destino da autoridade política do Estado nacional moderno. No escopo de análise da obra Origens do Totalitarismo, esta conexão se traduz na tese de que a emergência da questão judaica ao centro dos acontecimentos do século XX deve ser compreendida articulando-se a secularização das tradições judaicas com o destino da autoridade política do Estado nacional europeu 78 . De forma resumida, a tese de Arendt demonstra que, na medida em que os judeus foram historicamente os financiadores do processo de desenvolvimento das estruturas do Estado-nacional europeu e foram inseridos – a partir da sua incorporação social – aos estratos da população com o igualitarismo e a Ilustração, esse povo passou a canalizar sobre si tensões e ressentimentos na sociedade, caso esta entrasse em conflito com o Estado. As tensões entre os judeus e a sociedade, por sua vez, se sucederem em um contexto que os judeus perdiam a sua função tradicional no fortalecimento do desenvolvimento estatal, com a posse da burguesia da máquina do Estado com o advento do Imperialismo, colocando-se no cerne dos conflitos entre Estado e sociedade quando eram alijados das suas funções tradicionais 79 . Na análise da obra Anti-semitismo, Arendt trabalha com a dupla ambigüidade resultante da emancipação dos judeus na época moderna: de um lado, a igualdade política e legal adquirida face à estrutura jurídico-política do Estado moderno e à assimilação social dos judeus, e, de outro, o privilégio político estendido aos judeus como grupo em face da sua relação com o Estado. Se Arendt inscreve sua análise do anti-semitismo no processo de transformação da relação dos judeus com o Estado nacional, é na sua leitura da assimilação de judeus na Europa nos séculos XVIII e XIX, que o significado da secularização aparece. Na obra Anti- Semitismo, Arendt demonstra que, à medida que os judeus eram assimilados pelos extratos 77 H. ARENDT, Anti – semitismo, In OT, p. 17 – 143. 78 Idem, ARENDT, Anti – semitismo, In OT, p. 29 - 30 79 H. ARENDT, Anti – Semitismo, In OT, p. 29.

das análises apontadas por Max Weber quanto à articulação entre protestantismo ascético e<br />

o espírito do mo<strong>de</strong>rno capitalismo, <strong>Arendt</strong> afirma que a secularização implicou um<br />

direcionamento das ativida<strong>de</strong>s humanas para a relação exclusiva do sujeito consigo próprio,<br />

que, liberado da sua relação com o mundo, direcionou-se novamente a ele por meio <strong>de</strong> uma<br />

intensa ativida<strong>de</strong> secular capaz <strong>de</strong> transformá-lo 72 . Esta transformação é conseqüência dos<br />

processos metabólicos da vida na época mo<strong>de</strong>rna estarem direcionados para a estabilida<strong>de</strong><br />

do mundo, ou, como afirma a autora, o “aumento da força do homem sobre as coisas <strong>de</strong>ste<br />

mundo resulta da distância que ele coloca entre si mesmo e o mundo.” 73<br />

Em A Condição Humana, <strong>Arendt</strong> afirma que o processo <strong>de</strong> secularização foi expresso<br />

na Reforma Protestante, evento que <strong>de</strong>lineou as feições das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas ao<br />

expropriar os bens eclesiásticos e monásticos para a autorida<strong>de</strong> secular. Para <strong>Arendt</strong>, a<br />

Reforma Luterana ensejou a liberação radical da vida cristã <strong>de</strong> todas as preocupações com<br />

as coisas mundanas, implicando um abalo na única instituição política ligada à tradição. A<br />

Reforma, ao <strong>de</strong>rivar o credo cristão da palavra <strong>de</strong> Deus, libertando-o da autorida<strong>de</strong><br />

tradicional da Igreja, não <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou a instituição <strong>de</strong> uma “or<strong>de</strong>m secular”, mas abalou<br />

<strong>de</strong>cisivamente os alicerces das instituições temporais. 74<br />

Conforme a analise do capitulo “A vida Activa e a Era Mo<strong>de</strong>rna”, a expropriação das<br />

proprieda<strong>de</strong>s religiosas para as soberanias nacionais e para as Igrejas reformadas – durante<br />

a Paz <strong>de</strong> Westphalia em maio <strong>de</strong> 1646 75 – mostra-se como um evento que representa os<br />

traços das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas na medida em que estas são marcadas pela expropriação <strong>de</strong><br />

grupos humanos <strong>de</strong> seu lugar no mundo e para o direcionamento do homem a sua<br />

interiorida<strong>de</strong>. A reforma, caracterizada por um “duplo processo <strong>de</strong> expropriação individual<br />

e acúmulo <strong>de</strong> riqueza social” 76 coloca-se, <strong>de</strong> acordo com a filósofa, como um evento <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> significação para a compreensão da dinâmica secularizante da era mo<strong>de</strong>rna.<br />

72<br />

I<strong>de</strong>m, “A gran<strong>de</strong>za da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Max Weber quanto às origens do capitalismo resi<strong>de</strong><br />

precisamente em sua <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que é possível haver enorme ativida<strong>de</strong>, estritamente<br />

mundana, sem que haja qualquer gran<strong>de</strong> preocupação ou satisfação com o mundo, ativida<strong>de</strong> cuja<br />

motivação mais profunda é, ao contrário, a preocupação e o cuidado com o ego.” CHM, p. 322.<br />

[Trad. bras. p. 263-264].<br />

73<br />

I<strong>de</strong>m, CHM, p. 318-319 [Trad. bras., p. 264].<br />

74<br />

H. ARENDT, SR, p. 26.<br />

75<br />

G. MARRAMAO, Céu e Terra – Genealogia da Secularização, p. 16 – 17.<br />

76<br />

H. ARENDT, CHM, p. 315. [Trad. bras. p. 260]

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