Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

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16.04.2013 Views

o seu colapso na época moderna. A desintegração da trindade romana – fundação, tradição e religião –, na qual a autoridade tradicional tivera o princípio de sua legitimidade assegurado, seria um processo desencadeado na modernidade sob a força do triplo assalto da secularização, da ruína das fundações políticas e pelo definhamento das tradições. Estes três processos articulados determinaram, segundo Arendt, o colapso do conceito de autoridade na época moderna. Em primeiro lugar, a secularização moderna - que do ponto de vista histórico se manifestou na separação entre Igreja e Estado - implicou o desguarnecimento dos negócios políticos com o fim da autoridade da última instituição ligada à tradição, a Igreja Cristã. Para Arendt, o processo de secularização moderna, “não faz nascer uma nova ordem secular, mas abala constante e permanentemente os alicerces de qualquer instituição temporal.” 64 Em segundo lugar, o esgarçamento das tradições significou o solapamento do fio de consistência que assegurava a transmissão das tradições ao longo da história. Para a autora, a corrosão da durabilidade do mundo na instituição do moderno social e o impacto do progresso técnico-científico no conceito de verdade da tradição, resultaram numa profunda contestação das tradições, de modo que, sem o esteio da tradição, a autoridade não tinha mais sua validade de antemão assegurada. E, por último, com o triunfo da secularização e a quebra das tradições, a autoridade seria o último elemento da tríade que entraria em colapso na modernidade. “Com a perda da autoridade, a dúvida geral da época moderna invadiu também o domínio político, (...) Sua perda é equivalente à perda do fundamento do mundo, que, com efeito, começou, desde então, a mudar, a se modificar e transformar com rapidez sempre crescente de uma forma para outra...” 65 . Para a filósofa, o colapso da autoridade tradicional na modernidade implica o problema da instituição de uma autoridade legítima de forma pós- tradicional. Retomar a gênese do conceito de autoridade em Arendt, mostrando a profunda contestação de que foi objeto na época moderna, significa restabelecer o nexo constitutivo entre a denegação da autoridade política nos regimes totalitários 64 H. ARENDT, Sobre a Revolução, p. 26. Doravante SR. 65 H. ARENDT, O que é Autoridade?, In EPF, p. 131-133. [grifo meu].

e os problemas de instituição de uma autoridade legítima na época moderna. Para tanto, torna-se necessário destrinçar os elementos que compuseram a Autoridade na sua forma tradicional, examinando o esgarçamento desta Autoridade através da ruína da antiga trindade romana mediante a secularização, o definhamento das tradições e a corrosão da autoridade das fundações políticas. 2.1. Secularização Qual a especificidade da secularidade moderna em referência à separação do binômio religioso-secular? Qual o nexo entre a leitura arendtiana da secularização moderna e o problema da fundamentação de uma autoridade legítima na época moderna? Sabe-se que, na história das idéias, o tema da secularização recebeu uma formulação clássica com as análises de Max Weber no seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Nesta obra, Weber analisa o significado da categoria secularização através de um estudo sobre relação entre as feições econômicas da sociedade moderna e a ética racional do protestantismo ascético a partir da Reforma Protestante. Na sua análise, Weber desencava uma relação entre um modo de ação social individuado historicamente por meio dos ideais ascéticos provenientes da Reforma Protestante com as estruturas objetivas e racionais das sociedades modernas 66 . Segundo Max Weber, as sociedades modernas são organizadas sob a égide da moderna empresa capitalista industrial e desenvolvidas através da racionalização do campo econômico e científico, determinando a singularidade do que Weber chama de “o espírito do capitalismo”. Conforme suas análises, o “espírito do capitalismo” moderno está ancorado na compreensão do telos da ação racional, efetuado através da eficácia dos meios despendidos para a consecução de determinados resultados, as sociedades modernas desenvolvendo este telos racional em uma concepção ampla de sociedade graças às estruturas racionais do direito e de uma administração orientada por regras formais. Para o autor, o “espírito” das sociedades capitalistas modernas, implicaram na emancipação das 66 Giacomo MARRAMAO, Céu e Terra – Genealogia da Secularização, p. 49.

e os problemas <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> legítima na época mo<strong>de</strong>rna. Para<br />

tanto, torna-se necessário <strong>de</strong>strinçar os elementos que compuseram a Autorida<strong>de</strong><br />

na sua forma tradicional, examinando o esgarçamento <strong>de</strong>sta Autorida<strong>de</strong> através<br />

da ruína da antiga trinda<strong>de</strong> romana mediante a secularização, o <strong>de</strong>finhamento das<br />

tradições e a corrosão da autorida<strong>de</strong> das fundações políticas.<br />

2.1. Secularização<br />

Qual a especificida<strong>de</strong> da secularida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna em referência à separação do binômio<br />

religioso-secular? Qual o nexo entre a leitura arendtiana da secularização mo<strong>de</strong>rna e o<br />

problema da fundamentação <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> legítima na época mo<strong>de</strong>rna?<br />

Sabe-se que, na história das idéias, o tema da secularização recebeu uma formulação<br />

clássica com as análises <strong>de</strong> Max Weber no seu livro A Ética Protestante e o Espírito do<br />

Capitalismo. Nesta obra, Weber analisa o significado da categoria secularização através <strong>de</strong><br />

um estudo sobre relação entre as feições econômicas da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna e a ética<br />

racional do protestantismo ascético a partir da Reforma Protestante. Na sua análise, Weber<br />

<strong>de</strong>sencava uma relação entre um modo <strong>de</strong> ação social individuado historicamente por meio<br />

dos i<strong>de</strong>ais ascéticos provenientes da Reforma Protestante com as estruturas objetivas e<br />

racionais das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas 66 .<br />

Segundo Max Weber, as socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas são organizadas sob a égi<strong>de</strong> da<br />

mo<strong>de</strong>rna empresa capitalista industrial e <strong>de</strong>senvolvidas através da racionalização do campo<br />

econômico e científico, <strong>de</strong>terminando a singularida<strong>de</strong> do que Weber chama <strong>de</strong> “o espírito<br />

do capitalismo”. Conforme suas análises, o “espírito do capitalismo” mo<strong>de</strong>rno está<br />

ancorado na compreensão do telos da ação racional, efetuado através da eficácia dos meios<br />

<strong>de</strong>spendidos para a consecução <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados resultados, as socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas<br />

<strong>de</strong>senvolvendo este telos racional em uma concepção ampla <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> graças às<br />

estruturas racionais do direito e <strong>de</strong> uma administração orientada por regras formais. Para o<br />

autor, o “espírito” das socieda<strong>de</strong>s capitalistas mo<strong>de</strong>rnas, implicaram na emancipação das<br />

66 Giacomo MARRAMAO, Céu e Terra – Genealogia da Secularização, p. 49.

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