Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
sociais, que impediu o crescimento <strong>de</strong> um corpo <strong>de</strong> cidadãos politicamente responsáveis, e que esta apolitia da<br />
população dos Estados-nações não asseguraria valida<strong>de</strong> aos fundamentos das estruturas políticas quando estas<br />
fossem colocadas em emergências.<br />
A segunda ilusão que chegou ao fim para as <strong>de</strong>mocracias mo<strong>de</strong>rnas foi a <strong>de</strong> que as massas indiferentes<br />
aos negócios políticos eram politicamente neutras e não constituíam senão o pano <strong>de</strong> fundo silencioso e<br />
<strong>de</strong>sarticulado do Estado nacional, uma vez que suas instituições visíveis po<strong>de</strong>riam repousar em uma realida<strong>de</strong><br />
à qual efetivamente não se referiam. Contudo, quando a idéia <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> (origem comum) se<br />
sobre<strong>de</strong>terminou ao corpo positivo <strong>de</strong> leis do Estado nacional, ensejando que este <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> ser referenciado<br />
na legalida<strong>de</strong>; quando o sistema partidário já se <strong>de</strong>frontava com os interesses das classes sociais erodidos,<br />
ainda que outrora neutros e representado nos partidos políticos, foram precisamente estas massas adormecidas<br />
e <strong>de</strong>sarticuladas que apoiaram os movimentos totalitários.<br />
Numa palavra, a emergência do totalitarismo testemunha para <strong>Arendt</strong> que os fundamentos da<br />
legitimida<strong>de</strong> política dos organismos políticos não estão <strong>de</strong> antemão assegurados, e que o registro da valida<strong>de</strong><br />
política <strong>de</strong> tais fundamentos está condicionado à sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser assentido pelos cidadãos integrantes<br />
do sistema político. Neste ponto, a autora assinala que o esgotamento da legitimação do sistema político é<br />
<strong>de</strong>corrente da <strong>de</strong>sagregação dos espaços fundados na opinião e na ação dos seus cidadãos. De outro lado, esta<br />
questão articula-se com o diagnóstico da autora <strong>de</strong> que o abalo nas pretensões <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> dos organismos<br />
políticos é um fato na história mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a secularização política liquidou a autorida<strong>de</strong> da Igreja no<br />
âmbito terreno, <strong>de</strong>sguarnecendo a autorida<strong>de</strong> política na época mo<strong>de</strong>rna. Despojadas <strong>de</strong> seus fundamentos<br />
transcen<strong>de</strong>ntes na época mo<strong>de</strong>rna a estabilida<strong>de</strong> dos organismos políticos em condições seculares tem que ser<br />
continuamente assegurada pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação dos cidadãos. O que significa dizer, que a emergência do<br />
totalitarismo como novida<strong>de</strong> política assinala o fato <strong>de</strong> que o fio da tradição não confere mais valida<strong>de</strong> à<br />
autorida<strong>de</strong> dos organismos políticos e que, portanto, a sua estabilida<strong>de</strong> política em condições seculares tem <strong>de</strong><br />
ser continuamente assegurada. Em um texto que discute aspectos epistemológicos ligados à compreensão do<br />
totalitarismo, <strong>Arendt</strong> correlaciona <strong>de</strong> forma inequívoca o abalo da legitimida<strong>de</strong> política das instituições<br />
mo<strong>de</strong>rnas com o advento político do Totalitarismo:<br />
“As leis estabelecem o domínio da vida política pública, e os costumes o domínio da socieda<strong>de</strong>. O<br />
crepúsculo das nações começa pelo abalo da legitimida<strong>de</strong> da lei, ou porque as leis são violadas pelo governo<br />
<strong>de</strong>tentor do po<strong>de</strong>r, ou porque a autorida<strong>de</strong> da sua fonte se torna objecto <strong>de</strong> dúvida e contestação. Em ambos<br />
os casos, as leis <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>radas válidas. O resultado é que a nação, ao mesmo tempo que a ‘fé’<br />
nas suas própria leis, per<strong>de</strong> a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação política responsável; os seus membros <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser<br />
cidadãos no sentido pleno do termo. O que subsiste ainda (e, <strong>de</strong> passagem, explica a freqüente longevida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
corpos políticos cuja vitalida<strong>de</strong> se esgotou) são os costumes e tradições da socieda<strong>de</strong>. Enquanto permanecem<br />
intacto, os homens, enquanto indivíduos privados, continuam a comportar-se <strong>de</strong> acordo com certos critérios<br />
<strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>. Mas trata-se <strong>de</strong> uma moralida<strong>de</strong> eu per<strong>de</strong>u o seu fundamento. Só po<strong>de</strong>mos contar com a<br />
tradição para impedir o pior durante um período <strong>de</strong> tempo limitado. Qualquer inci<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir os<br />
costumes e a moralida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> se basear na legitimida<strong>de</strong>; qualquer contingência ameaçará uma<br />
socieda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> contar com a salvaguarda dos seus cidadãos.” 60<br />
60 H. ARENDT, Compreensão e <strong>Política</strong> (as dificulda<strong>de</strong>s da compreensão), In CP, p. 241. [grifo<br />
meu].