Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>de</strong>finidos como exteriores. Aqui se manifesta <strong>de</strong> forma inequívoca o paroxismo do totalitarismo no po<strong>de</strong>r na<br />
análise <strong>de</strong> <strong>Arendt</strong>, ou seja, na contradição entre as estruturas <strong>de</strong> governo e seu aparato organizacional com a<br />
idéia <strong>de</strong> movimento contínuo solapando a conservação das estruturas políticas.<br />
Com efeito, se é em uma contestação da idéia <strong>de</strong> lei que se institui o totalitarismo, como negar que o<br />
<strong>de</strong>clínio da legalida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> a uma crise profunda da autorida<strong>de</strong> do Estado mo<strong>de</strong>rno, uma vez que<br />
foram através dos or<strong>de</strong>namentos jurídicos que o Estado mo<strong>de</strong>rno ampliou seus or<strong>de</strong>namentos do po<strong>de</strong>r?<br />
Sabemos, pela análise <strong>de</strong> Max Weber 58 , que o processo legitimatório do Estado mo<strong>de</strong>rno foi<br />
consubstanciando seu po<strong>de</strong>r mediante a eficácia organizativa com o qual i<strong>de</strong>ntificava a legalida<strong>de</strong> estendida<br />
com a sua legitimida<strong>de</strong>, haurindo a legitimida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r pelo estatuto das regras constituídas. Ora, é<br />
precisamente a compreensão da legitimida<strong>de</strong> como legalida<strong>de</strong> que se encontra em crise com o advento do<br />
totalitarismo, pois a estabilida<strong>de</strong> das leis positivas é substituída pelo <strong>de</strong>cisionismo suplantando os próprios<br />
dispositivos legais. Por outro lado, a diluição do mundo comum, o colapso da noção <strong>de</strong> interesse no<br />
metabolismo das massas, assinala que a positivida<strong>de</strong> do direito vê-se corroída pela perda da medida entre a<br />
legalida<strong>de</strong> e a factualida<strong>de</strong> em que as normas jurídicas se referenciam. Para <strong>Arendt</strong>, a ausência <strong>de</strong> interesse<br />
das massas mobilizadas indica que a legitimida<strong>de</strong> auferida através da eficácia dos interesses foi posta em<br />
questão.<br />
Na sua análise, <strong>Arendt</strong> articula a compreensão <strong>de</strong> que a quebra da autorida<strong>de</strong> do sistema político se<br />
originou da perda do consentimento público que assegurava legitimação às instituições do po<strong>de</strong>r. Como a<br />
autorida<strong>de</strong> política po<strong>de</strong>ria recolocar-se legitimamente se não dispunha dos espaços políticos no qual seu<br />
reconhecimento pu<strong>de</strong>sse se enraizar? Não foi este o caso que suce<strong>de</strong>u quando a autorida<strong>de</strong> do Estado nacional<br />
entrou em colapso exatamente porque o esgarçamento da urdidura social e política que enraizava o povo nas<br />
estruturas políticas <strong>de</strong>ixava estas à <strong>de</strong>riva no curso dos acontecimentos? Não é ainda este o caso, quando<br />
<strong>Arendt</strong> nos lembra do colapso do sistema partidário continental com o advento das massas, quando cada<br />
partido, reconhecido a partir dos interesses das classes dos quais <strong>de</strong>viam ser representantes, perdiam o<br />
“consentimento e o apoio silencioso das massas <strong>de</strong>sorganizadas, que subitamente <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> lado a apatia e<br />
marchavam para on<strong>de</strong> vissem oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar a sua violenta oposição”? 59<br />
Segundo <strong>Arendt</strong>, o surgimento dos governos totalitários significou para os países <strong>de</strong>mocráticos,<br />
precisamente ao Estado-nacional e seu sistema representativo, o fim <strong>de</strong> duas ilusões: a primeira <strong>de</strong>las foi a <strong>de</strong><br />
que o povo em sua maioria legitimava os governos existentes e que, portanto, a sua soberania política estava<br />
<strong>de</strong> antemão assegurada. A <strong>de</strong>speito da preocupação exclusiva do povo com seus interesses privados, o fato <strong>de</strong><br />
optarem por um partido ou outro revelava que a legitimida<strong>de</strong> das instituições políticas po<strong>de</strong>ria ser assegurada<br />
em uma <strong>de</strong>mocracia que podia funcionar <strong>de</strong> acordo com normas que eram consentidas apenas por uma<br />
minoria. Na sua análise do colapso das <strong>de</strong>mocracias no entre - guerras, <strong>Arendt</strong> <strong>de</strong>monstra como foi<br />
precisamente esta concepção que circunscrevia a representação política nos limites dos interesses das classes<br />
58 Max WEBER, Os três tipos puros <strong>de</strong> dominação legítima, In WEBER. (Org.) CONH, G., p. 129-<br />
130. C. LAFER, C. A Reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com o pensamento <strong>de</strong><br />
<strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, p. 97.<br />
59 H. ARENDT, Totalitarismo, In OT, p. 365.