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Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

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“nem a teoria política da razão <strong>de</strong> Estado, nem o conceito legal <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> Estado previram ... a<br />

inversão completada legalida<strong>de</strong>; no caso do regime <strong>de</strong> Hitler, toda a maquinaria do Estado impôs o que são<br />

normalmente consi<strong>de</strong>radas ativida<strong>de</strong>s criminosas, para usar uma linguagem amena; quase não havia nenhum<br />

ato <strong>de</strong> Estado que, segundo os padrões normais, não fosse criminoso. Por isso, já não era o ato criminoso que,<br />

como exceção à regra, supostamente servia para manter o domínio do partido no po<strong>de</strong>r (...) mas, ao contrário,<br />

atos não criminosos ocasionais ... eram exceções à ‘lei’ da Alemanha nazista, concessões feita à terrível<br />

necessida<strong>de</strong>.” 56<br />

Assim, a novida<strong>de</strong> do totalitarismo como nova forma <strong>de</strong> domínio conhecida pela tradição –<br />

<strong>de</strong>spotismo, tirania e ditadura – cujo caráter antitradicional foi manifesto plenamente quando os regimes<br />

galgaram o po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>ve ser compreendida <strong>de</strong>ntro da economia interna das formulações arendtianas: os<br />

regimes totalitários <strong>de</strong>struíram todas as tradições sociais e políticas através da transformação das classes em<br />

massas e da dissolução do status quo das instituições visíveis da socieda<strong>de</strong> com a sua gradual assimilação<br />

pelas instituições do partido. Evoluindo a partir <strong>de</strong> ditaduras unipartidárias, os governos totalitários surgiram<br />

das tradições político-sociais nacionais e, à medida que se totalitarizavam, operavam com um sistema<br />

inteiramente novo <strong>de</strong> valores norteado pelo cunho internacional <strong>de</strong> seu alcance organizacional que tinha<br />

abertamente pretensão <strong>de</strong> domínio total. Para <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, sua evolução histórica e a forma como seus<br />

elementos constituintes se cristalizaram em formas políticas reconhecíveis, assinalam o fio <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong><br />

entre os problemas <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e as virtualida<strong>de</strong>s que são subproduto ensejado<br />

pela mesma crise. Ou, retomando os termos da expressão <strong>de</strong> Jean-François Mattéi, entre a vacuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

origem da autorida<strong>de</strong> política e o lastro virtual que essa gênese comporta. 57<br />

O aniquilamento do político nas socieda<strong>de</strong>s totalitárias através da instituição do terror e da i<strong>de</strong>ologia,<br />

testemunha, para <strong>Arendt</strong>, os limites da autorida<strong>de</strong> secular dos organismos político que não repõe sua<br />

legitimida<strong>de</strong> na forma das liberda<strong>de</strong>s políticas dos seus cidadãos. Este fato assinala que a ruptura manifesta<br />

está enraizada no quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>spolitização das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> massas e na conseqüente rotura do sistema<br />

político das suas bases políticas e sociais. Neste ponto, <strong>Arendt</strong> <strong>de</strong>monstra que a ruptura totalitária está<br />

calcada na diagnose do lugar do político <strong>de</strong>stinado nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e em uma avaliação crítica das<br />

suas condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

Por outro lado, na análise que faz do totalitarismo, <strong>Arendt</strong> expõe uma questão crucial para a<br />

compreensão da sua singularida<strong>de</strong> política. Para a autora, o imbricamento entre a conservação do sistema<br />

totalitário e a exigência <strong>de</strong> instituição do terror como reatroalimento da sua conservação, implica um<br />

paroxismo em filosofia política, pois a conservação do organismo político é manifesta nas cesuras<br />

constantemente estabelecidas entre os que têm o estatuto <strong>de</strong> cidadãos e aqueles que não dispõem <strong>de</strong> estatuto<br />

garantido no regime. Como conseqüência, as leis que conservam o sistema político dos regimes totalitários<br />

estão assentadas no pressuposto da instituição da violência organizada contra os indivíduos que a ele são<br />

56 H. ARENDT, Responsabilida<strong>de</strong> pessoal sob ditadura, In RJ, p. 101-102.<br />

57 J. F. MATTÉI, “A relação do eu consigo mesmo, experimentada pelo sujeito mo<strong>de</strong>rno, o conduz<br />

a i<strong>de</strong>ntificar-se com qualquer instância material que possa dar-lhe um predicado, lastro virtual para<br />

sua vacuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem.” “Fora do sujeito”, In A barbárie interior – Ensaio sobre o i-mundo<br />

mo<strong>de</strong>rno, p. 27. [grifo meu]

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