Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
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são aparentados e inseparáveis. No entanto, o totalitarismo nos coloca diante <strong>de</strong> uma espécie totalmente<br />
diferente do governo.” 53<br />
Se o governo legitimo repousa na externalida<strong>de</strong> do direito manifesto nas suas leis positivas, este marco<br />
legal indicando que as <strong>de</strong>cisões do governo são limitadas pela estabilida<strong>de</strong> das leis e que sua legalida<strong>de</strong><br />
consubstancia a legitimida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r , aparentemente, assinala <strong>Arendt</strong>, os governos totalitários seriam<br />
apreendidos pela arbitrarieda<strong>de</strong> das tiranias cuja pressuposição é a não consi<strong>de</strong>ração da existência <strong>de</strong> leis e a<br />
ausência <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s políticas. Ora, longe <strong>de</strong> operar sob o signo da arbitrarieda<strong>de</strong> do tirano ao qual todos<br />
estariam submetidos pela ausência <strong>de</strong> um corpo <strong>de</strong> leis, a lógica do totalitarismo implica não somente a<br />
transgressão da autorida<strong>de</strong> das leis mas sim a sua suplantação pela <strong>de</strong>cisão do lí<strong>de</strong>r ancorado nas leis<br />
i<strong>de</strong>ológicas do regime. Com efeito, o totalitarismo <strong>de</strong>nega a existência das leis no mesmo movimento em que<br />
não se conduz sob o signo do arbitrário, pois fun<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r com as leis <strong>de</strong> que são portadores, <strong>de</strong> modo a que<br />
a organização totalitária recubra a diferença entre o sujeito e a lei, entre o discurso que visaria sua contestação<br />
ou seu assentimento. No totalitarismo, a <strong>de</strong>negação da lei suce<strong>de</strong> simultaneamente quando o pólo <strong>de</strong><br />
referência da legalida<strong>de</strong> já não é um po<strong>de</strong>r exterior ao qual se reportar, mas o movimento terrorista da<br />
organização que é sua expressão. Neste caso, como as leis positivas são eliminadas pelo discurso da<br />
organização que expressa à força das leis que presi<strong>de</strong>m o curso do movimento, no totalitarismo, as distinções<br />
entre legal, legítimo e arbitrário atingem o limiar do paradoxo: o <strong>de</strong>cisionismo do Lí<strong>de</strong>r não implica a<br />
arbitrarieda<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r e, portanto, a sua ilegitimida<strong>de</strong>, ao passo que sua expressão necessária e universal não<br />
significa um positivismo legal. Para <strong>Arendt</strong>, o totalitarismo constitui uma novida<strong>de</strong> que torna anacrônica a<br />
distinção entre legal e ilegal, legítimo e ilegítimo precisamente porque sua expressão é a edificação em um só<br />
pólo da arbitrarieda<strong>de</strong> fundida na legalida<strong>de</strong> natural das leis da raça e das classes 54 . Como o expressou o<br />
filósofo Giorgio Agamben, “não somente a lei que emana do Führer não é <strong>de</strong>finível nem como regra nem<br />
como exceção, nem como direito nem como fato; mais: nela... normatização e execução, produção do direito e<br />
sua aplicação não são mais, <strong>de</strong> modo algum momentos distinguíveis.” 55<br />
No seu texto Responsabilida<strong>de</strong> pessoal sob a ditadura, <strong>Arendt</strong> <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong> que forma os regimes<br />
totalitários, ao introduzirem a criminalida<strong>de</strong> no domínio público, modificaram completamente a compreensão<br />
da legalida<strong>de</strong> por referência à realpolitik dos negócios do Estado (<strong>Arendt</strong> faz referência à idéia <strong>de</strong> razão <strong>de</strong><br />
Estado – soberania estatal manifesta em circunstâncias na qual a garantia da existência coletiva da socieda<strong>de</strong><br />
encontra-se em questão, justificando-se legitimamente que se cometam atos ilegais – e <strong>de</strong> Atos <strong>de</strong> Estado –<br />
<strong>de</strong>cisões que são tomadas em consi<strong>de</strong>ração a or<strong>de</strong>ns superiores, estando legalmente jurisdicionadas). Segundo<br />
a autora,<br />
53 H. ARENDT, IT, p. 507. [Trad. bras. p. 513].<br />
54 IT, p. 506. [trad. Bras., p. 513].<br />
55 G. AGAMBEN. G. Homo Sacer – O po<strong>de</strong>r soberano e a vida nua, p. 180. C. LAFER, “Neste<br />
sentido, se o positivismo jurídico combina a <strong>de</strong>cisão com uma norma inserida no or<strong>de</strong>namento,<br />
po<strong>de</strong> dizer-se que ele se vê efetivamente posto em questão pelo totalitarismo que, exacerbando o<br />
<strong>de</strong>cisionismo, termina por prescindir <strong>de</strong> normas, pois é lex soluta.” A Reconstrução dos Direitos<br />
Humanos – um diálogo com o pensamento <strong>de</strong> <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> , p. 97. M. VETO, Coerência e<br />
Terror: introdução à filosofia política <strong>de</strong> <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, p. 82-83.