Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
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governam o regime, pois, para o totalitarismo, qualquer princípio <strong>de</strong> ação, qualquer <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agir, estorvaria<br />
as leis <strong>de</strong> movimento segundo as quais o terror mantém seu funcionamento. Isto significa, para <strong>Arendt</strong>, que o<br />
terror totalitário não somente não inspira qualquer tipo <strong>de</strong> ação, como o <strong>de</strong>nega efetivamente 48 , uma vez que<br />
está calcado na recusa <strong>de</strong> qualquer exteriorida<strong>de</strong> à dominação total.<br />
Para <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, o que o totalitarismo necessita para motivar e inspirar as ações dos indivíduos,<br />
para mobilizar as massas e torná-las agentes do terror sob a textura da realida<strong>de</strong>, é da I<strong>de</strong>ologia. As<br />
i<strong>de</strong>ologias, para a autora, têm a pretensão <strong>de</strong> explicação total da realida<strong>de</strong> pela recorrência às leis da natureza<br />
e da história. A partir <strong>de</strong>sta explicação, as i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong>terminam o curso dos eventos históricos a partir da<br />
causalida<strong>de</strong> que subjaz a sua manifestação, <strong>de</strong> modo que sejam marcados pela exclusão <strong>de</strong> qualquer<br />
experiência do real, quaisquer signos portadores <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>. Com efeito, as i<strong>de</strong>ologias totalitárias têm como<br />
princípio emancipar-se da realida<strong>de</strong> marcada por suas contingências e in<strong>de</strong>terminações, tendo por principal<br />
objetivo liberar o pensamento da experiência por meio da representação dos fatos <strong>de</strong> forma puramente lógica,<br />
correspon<strong>de</strong>ndo nas idéias aos engendramentos que se suce<strong>de</strong>m ao nível das leis históricas. Esta representação<br />
puramente lógica dos fatos parte <strong>de</strong> uma premissa axiomática, <strong>de</strong> modo que tudo é <strong>de</strong>duzido ou processado a<br />
partir <strong>de</strong>la, forjando uma compreensão mais verda<strong>de</strong>ira da realida<strong>de</strong> porque nela a mente correspon<strong>de</strong> às leis<br />
que <strong>de</strong>terminam o curso da história. Neste caso, as i<strong>de</strong>ologias totalitárias realizam um duplo movimento: ao se<br />
consecutir a partir <strong>de</strong> uma premissa axiomática, as i<strong>de</strong>ologias dão livre curso aos subseqüentes processos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>dução lógica, liberando-se <strong>de</strong> qualquer experiência, <strong>de</strong> qualquer contingência; <strong>de</strong> outro lado, dos<br />
engendramentos que suce<strong>de</strong>m a um nível mais profundo, inacessível à experiência, a i<strong>de</strong>ologia tira a prova <strong>de</strong><br />
sua veracida<strong>de</strong> à medida que é instituída no real.<br />
Na sua caracterização das i<strong>de</strong>ologias, <strong>Arendt</strong> estabelece uma conexão entre as virtualida<strong>de</strong>s do<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução lógica das i<strong>de</strong>ologias e a <strong>de</strong>sreferencialização e atomização social das massas, sempre<br />
ansiosas pelo arrazoamento lógico das i<strong>de</strong>ologias no qual subsumir as contingências <strong>de</strong> sua instável realida<strong>de</strong>.<br />
Na sua articulação com o terror totalitário, para a autora, se <strong>de</strong> um lado, o terror cinge as massas atomizadas<br />
através do cinturão <strong>de</strong> ferro, as i<strong>de</strong>ologias, por outro, submetem a liberda<strong>de</strong> interior, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar e<br />
começar algo novo pela força autocoercitiva da lógica mobilizada.<br />
Por um lado, a compulsão do terror total – que, com o seu cinturão <strong>de</strong> ferro, comprime as massas <strong>de</strong><br />
homens isolados umas contra as outras e lhes dá apoio num mundo que para elas se tornou um <strong>de</strong>serto – e, por<br />
outro, a força autocoercitiva da <strong>de</strong>dução lógica – que prepara cada indivíduo em seu isolamento solitário<br />
contra todos os outros – correspon<strong>de</strong>m uma à outra e precisam uma da outra para acionar o movimento<br />
dominado pelo terror e conservá-lo em ativida<strong>de</strong>. Do mesmo modo como o terror, mesmo em sua forma prétotal<br />
e meramente tirânica, arruína todas as relações entre os homens, também a autocompulsão do<br />
pensamento i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong>strói toda relação com a realida<strong>de</strong>.” 49<br />
Aqui, salutar assinalar que essa <strong>de</strong>terminação conceitual é empreendida por<br />
<strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> a partir da retomada da formulação <strong>de</strong> Montesquieu entre a<br />
48 M. ABENSOUR, D’une mésinterprétation du totalitarisme et <strong>de</strong> sés effets, In TRAVERSO. E.<br />
(Org.). Le totalitarisme: le XX e si’ecle en débat, p. 768.<br />
49 ARENDT, H. IT, p. 525 – 526. [Trad. Bras., p. 517]