Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

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16.04.2013 Views

– que amolda a integridade de si através da identidade sempre autocertificada quando os ciclos da vida se defrontam com a permanência do mundo. Para Arendt, as massas estão lançadas na força dos processos naturais tendo em vista não existir os artifícios mudanos que as separe dos fluxos naturais, decorrendo a perda do espaço que possibilita aos homens estabelecerem uma convivência onde possam diferenciar-se um dos outros constituindo uma individualidade. Na trilha da compreensão arendtiana do social, as massas resultam do social que edificou uma sociedade de homens completamente alienada de um mundo que os relacione e mantenha-os separados, situação que é experimentada quando os homens estão aglutinados nas multidões, despojados do espaço-entre que os articula entre si. Para Arendt, as massas apareceram historicamente “dos fragmentos da sociedade atomizada, cuja estrutura competitiva e concomitante solidão do indivíduo eram controladas apenas quando se pertencia a uma classe.” 11 Produto da atomização da sociedades de classes, as massas são caracterizadas pelo isolamento e pela falta de relações sociais normais, posto que estão fora de qualquer ramificação social e representação política. Desprovidas de relações sociais e políticas, as massas são caracterizadas por um profundo isolamento, que se traduz psicologicamente por um egocentrismo obsessivo na relação dos indivíduos consigo próprio. Este egocentrismo das massas, para Arendt, era uma resposta de indivíduos que haviam perdido a tessitura de relações sociais e que estavam despojados dos espaços de estabilidade humana. Este subjetivismo radical da mentalidade do homem de massas, conforme analisa Arendt, tornava-o supérfluo e claramente fraquejado nos seus instintos de conservação, decorrendo que um claro sentimento de desimportância e superfluidade se alastrava entre as massas. Na medida em que perdiam seus instintos de conservação, as massas perdiam as fontes de preocupações e cuidados que amoldam a individualidade humana, e manifestavam este fato, nas palavras de Arendt, através da “indiferença cínica ou enfastiada diante da morte, a inclinação apaixonada por 11 H. ARENDT, Totalitarismo, In Origens do Totalitarismo, p. 366-367. Doravante OT.

noções abstratas guindadas ao nível de normais de vida, e o desprezo geral pelas óbvias regras do bom senso.” 12 Para Arendt, a alienação dos espaços de estabilidade mundana e a atomização social e política constitui a condição das massas. É através desta condição que sucede o que Arendt qualifica como a experiência fundamental das massas, qual seja, sua solidão. Esta significa, segundo as análises que Arendt fez no campo da ética, que o último reduto da companhia humana, a companhia que cada qual faz a si próprio e na qual certifica a existência de uma diferença interna e gera a consciência de si como seu subproduto, foi também destruído 13 . Da dissolução do mundo e da subjetividade humana, Hannah Arendt aponta que do ponto de vista ético-político, o que marca as massas é a sua falta de padrões de conduta aliado a uma explícita incapacidade de julgamento. Diferente das classes, que têm seus padrões de avaliação e orientação determinados pela classe específica à qual se pertence, as massas têm seus padrões de julgamento determinados pelas convicções que são tácita e silenciosamente aceitas por todas as classes da sociedade, sendo desta atmosfera de lugares- comuns que alimentam seus padrões de julgamento. O apego a clichês, a códigos padronizados de expressão e conduta, significa que despojadas dos espaços de convivência social e política em que se tece a experiência humana, as massas os substituem pelo apego obsessivo por códigos e regras de conduta com os quais subsumem as contingências particulares da sua existência. Doravante, segundo Arendt, o que se tornará claro, é a ânsia das massas por um novo código de conduta, a um ponto em que não interessa mais o conteúdo das normas aos quais os códigos de conduta estão ligados, mas sim a contínua obsessão e desvalorização destes padrões de conduta de que as massas se apossam para se orientarem em um mundo deslocado e desreferenciado, onde, segundo os termos da autora, já não possuíam a medida de relação entre o contingente e o necessário 14 . Assim, importa destacar, o que está em questão com a existência das massas é o fato delas não articularem um interesse comum, de não produzirem vínculos intersubjetivos que as referenciem social e politicamente. Para a autora, uma determinada coexistência política só é possível quando se integra um espaço comum que separa e articula os indivíduos uns dos outros. Com o esgarçamento do mundo comum, produto da dissolução dos espaços de estabilidade mundana pelos processos metabólicos do trabalho, os homens estão despojados da contextura intersubjetiva que permite demarcar objetivos políticos e de se vincularem às 12 Idem, Totalitarismo, OT, p. 366. 13 H. ARENDT, Pensamento e Considerações morais, In Responsabilidade e Julgamento, p. 257. Doravante RJ. 14 H. ARENDT, “Fugindo à realidade, as massas pronunciam um veredicto contra um mundo no qual são forçadas a viver e onde não podem existir, uma vez que o acaso é o senhor supremo deste mundo e os seres humanos necessitam transformar constantemente as condições do caos e do acidente num padrão humano de relativa coerência. A revolta das massas contra o ‘realismo, o bom senso e todas ‘as plausibilidades do mundo’ (Burke) resultou da atomização, da perda de seu status social, juntamente com todas as relações comunitárias em cuja estrutura o bom senso faz sentido. Em sua condição de deslocados espirituais e sociais, um conhecimento medido da interdependência entre o arbitrário e o planejado, entre o acidental e o necessário, já não produz efeito.” Totalitarismo, In OT, p. 401.

noções abstratas guindadas ao nível <strong>de</strong> normais <strong>de</strong> vida, e o <strong>de</strong>sprezo geral pelas<br />

óbvias regras do bom senso.” 12<br />

Para <strong>Arendt</strong>, a alienação dos espaços <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> mundana e a atomização social e política constitui<br />

a condição das massas. É através <strong>de</strong>sta condição que suce<strong>de</strong> o que <strong>Arendt</strong> qualifica como a experiência<br />

fundamental das massas, qual seja, sua solidão. Esta significa, segundo as análises que <strong>Arendt</strong> fez no campo<br />

da ética, que o último reduto da companhia humana, a companhia que cada qual faz a si próprio e na qual<br />

certifica a existência <strong>de</strong> uma diferença interna e gera a consciência <strong>de</strong> si como seu subproduto, foi também<br />

<strong>de</strong>struído 13 .<br />

Da dissolução do mundo e da subjetivida<strong>de</strong> humana, <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> aponta que do ponto <strong>de</strong> vista<br />

ético-político, o que marca as massas é a sua falta <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> conduta aliado a uma explícita incapacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> julgamento. Diferente das classes, que têm seus padrões <strong>de</strong> avaliação e orientação <strong>de</strong>terminados pela classe<br />

específica à qual se pertence, as massas têm seus padrões <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong>terminados pelas convicções que<br />

são tácita e silenciosamente aceitas por todas as classes da socieda<strong>de</strong>, sendo <strong>de</strong>sta atmosfera <strong>de</strong> lugares-<br />

comuns que alimentam seus padrões <strong>de</strong> julgamento. O apego a clichês, a códigos padronizados <strong>de</strong> expressão e<br />

conduta, significa que <strong>de</strong>spojadas dos espaços <strong>de</strong> convivência social e política em que se tece a experiência<br />

humana, as massas os substituem pelo apego obsessivo por códigos e regras <strong>de</strong> conduta com os quais<br />

subsumem as contingências particulares da sua existência. Doravante, segundo <strong>Arendt</strong>, o que se tornará claro,<br />

é a ânsia das massas por um novo código <strong>de</strong> conduta, a um ponto em que não interessa mais o conteúdo das<br />

normas aos quais os códigos <strong>de</strong> conduta estão ligados, mas sim a contínua obsessão e <strong>de</strong>svalorização <strong>de</strong>stes<br />

padrões <strong>de</strong> conduta <strong>de</strong> que as massas se apossam para se orientarem em um mundo <strong>de</strong>slocado e<br />

<strong>de</strong>sreferenciado, on<strong>de</strong>, segundo os termos da autora, já não possuíam a medida <strong>de</strong> relação entre o contingente<br />

e o necessário 14 .<br />

Assim, importa <strong>de</strong>stacar, o que está em questão com a existência das massas é o fato <strong>de</strong>las não<br />

articularem um interesse comum, <strong>de</strong> não produzirem vínculos intersubjetivos que as referenciem social e<br />

politicamente. Para a autora, uma <strong>de</strong>terminada coexistência política só é possível quando se integra um espaço<br />

comum que separa e articula os indivíduos uns dos outros. Com o esgarçamento do mundo comum, produto<br />

da dissolução dos espaços <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> mundana pelos processos metabólicos do trabalho, os homens estão<br />

<strong>de</strong>spojados da contextura intersubjetiva que permite <strong>de</strong>marcar objetivos políticos e <strong>de</strong> se vincularem às<br />

12<br />

I<strong>de</strong>m, Totalitarismo, OT, p. 366.<br />

13<br />

H. ARENDT, Pensamento e Consi<strong>de</strong>rações morais, In Responsabilida<strong>de</strong> e Julgamento, p. 257.<br />

Doravante RJ.<br />

14<br />

H. ARENDT, “Fugindo à realida<strong>de</strong>, as massas pronunciam um veredicto contra um mundo no<br />

qual são forçadas a viver e on<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m existir, uma vez que o acaso é o senhor supremo<br />

<strong>de</strong>ste mundo e os seres humanos necessitam transformar constantemente as condições do caos e<br />

do aci<strong>de</strong>nte num padrão humano <strong>de</strong> relativa coerência. A revolta das massas contra o ‘realismo, o<br />

bom senso e todas ‘as plausibilida<strong>de</strong>s do mundo’ (Burke) resultou da atomização, da perda <strong>de</strong> seu<br />

status social, juntamente com todas as relações comunitárias em cuja estrutura o bom senso faz<br />

sentido. Em sua condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocados espirituais e sociais, um conhecimento medido da<br />

inter<strong>de</strong>pendência entre o arbitrário e o planejado, entre o aci<strong>de</strong>ntal e o necessário, já não produz<br />

efeito.” Totalitarismo, In OT, p. 401.

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