Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

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16.04.2013 Views

contemplação conferido pela tradição. Através desta perspectiva, Arendt examina como as atividades que compõe a vida activa se articularam hierarquicamente ao longo da história, e como através da mudança na constelação em que estavam situadas, foi-se operando transformações nos espaços de convivência humana 5 . Na análise da autora, a época moderna é inaugurada pela inversão entre vida activa e vida contemplativa. Esta inversão resultou na abolição da contemplação, uma vez que na época moderna a verdade do conhecimento é obtida através da recusa da contemplação como modo de acesso a uma verdade que se revelava, passando-se para a idéia de que a verdade é produto da atividade humana 6 . Resumido as sucessivas inversões históricas que foram se operando na tradição da vida activa, com a destituição da contemplação de significado, a primeira atividade a ser promovida em seu lugar foi a fabricação. Contudo, a fabricação e as experiências do homo faber suplantaram a idéia de contemplação com a introdução do conceito de processo na atividade fabricadora, insistindo-se mais no processo de fabricação que nos próprios produtos produzidos que, afinal, constituíam o próprio objetivo para o qual existia a atividade fabricadora. Gradualmente, a atividade fabricadora foi substituída pela atividade do trabalho que, enquanto baseada no eterno metabolismo do homem com a natureza, pôde através da sua promoção pública ser a atividade de referência para todo o desenvolvimento da época moderna. Com o predomínio do trabalho na época moderna, atesta-se, segundo Arendt, “que a coincidência da inversão de posições entre a ação e a contemplação com a inversão precedente entre a vida e o mundo veio a ser o ponto de partida para todo o desenvolvimento moderno. Foi só quando perdeu o seu ponto de referência na vita contemplativa que a vita activa pôde tornar-se vida ativa no sentido mais amplo do termo; e foi somente porque esta vida ativa se manteve ligada à vida como único ponto de referência que a vida em si, o laborioso metabolismo do homem com a natureza, pôde tornar-se ativa e exibir toda a sua fertilidade.” 7 Para Arendt, a ênfase moderna nos processos metabólicos que regem a vida dos indivíduos e da espécie, atesta que na época moderna os espaços de estabilidade que asseguram a permanência do mundo serão desgastados pela força dos ciclos naturais que ascenderam a uma dimensão pública. É a partir deste diagnóstico da época moderna empreendido em A Condição Humana que Arendt demarca a compreensão das massas modernas: alienação do mundo, mundo que perderá sucessivamente essa capacidade de separar os homens dos processos naturais através da reificação de um artefato de coisas; incapacidade de instituição de 5 Para a análise da vida Activa Hannah ARENDT, Le terme de vita activa , La vita activa et L’age Moderne, In CHM, Respectivamente , p. 46-53. [Trad. bras. p. 20-26] e p. 357-404. [Trad. bras. p. 260-338], 6 Cf. Idem, CHM, p. 372-383 [Trad. bras. 310 - 319]. Sobre a idéia de que as atividades se organizam e se dispõe hierarquicamente, cf. “Não são as capacidades do homem, mas é a constelação que ordena seu mútuo relacionamento o que pode mudar e muda historicamente. Observam-se melhor tais mudanças nas diferentes auto-interpretações do homem no decorrer da história, que, embora possam ser inteiramente irrelevantes para o quid último da natureza humana, são ainda os mais sintéticos e sucintos testemunhos do espírito de épocas inteiras.” O Conceito de História – Antigo e Moderno, In EPF, p. 94. 7 CHM, p. 398. [Trad. bras. p. 333]

uma coexistência humana uma vez que é solapado o mundo enquanto espaço-entre que assegura a articulação e a separação dos homens entre si. Conforme sintetiza, “A ascensão da sociedade trouxe consigo o declínio simultâneo das esferas pública e privada; mas o eclipse de um mundo público comum, fator tão crucial para a formação da massa solitária e tão perigoso na formação da mentalidade, alienada do mundo, dos movimentos ideológicos de massas, começou com a perda, muito mais tangível, da propriedade privada de um pedaço de terra neste mundo.” 8 Na obra A Condição Humana, Arendt empreende uma análise das massas baseando-se principalmente na perda do mundo na época moderna através da emergência do social. Conforme afirma nesta obra, o que caracteriza a sociedade de massas “é o fato de que o mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas com as outras e de separá-las.” 9 Mas é na sua obra anterior, Origens do Totalitarismo, que a autora apresenta pormenorizadamente uma descrição das massas. Conforme analisa nas Origens do Totalitarismo, as massas são marcadas pela impossibilidade de articulação de interesses (inter-essa) comuns e pela demarcação de objetivos delimitados e tangíveis que outrora eram característicos das classes sociais. Para Hannah Arendt, as massas não se integram em uma comunidade de interesses que amoldam uma convivência em comum capaz de constituir uma realidade onde possam se relacionar e manterem-se individualizadas. Se por interesse Arendt compreende “algo que inter-essa, que está entre as pessoas e que, portanto, as relaciona e interliga” 10 , o que está em questão com a existência das massas é que elas perderam contato com o mundo da estabilidade humana que advém com a fabricação de um mundo de coisas que separam o homem dos processos naturais e os instala em uma coexistência da qual procedem as suas ações. Na medida em que está alijado do mundo, a realidade do homem de massa é marcada por uma instabilidade e desreferencialização, onde o elo subsistente entre as massas é o simples vínculo natural de homens que já perderam o contato intersubjetivo – minado os espaços de estabilidade que ensejam uma coexistência – e o princípio de sua individuação 8 Idem,CHM, p. 398. [Trad. bras. p. 333] 9 Idem, CHM, p. 92. [Trad. bras. p. 62] 10 Idem, CHM, p. 240. [Trad. bras. p. 195]

uma coexistência humana uma vez que é solapado o mundo enquanto espaço-entre que assegura a articulação<br />

e a separação dos homens entre si. Conforme sintetiza,<br />

“A ascensão da socieda<strong>de</strong> trouxe consigo o <strong>de</strong>clínio simultâneo das esferas pública e privada; mas o<br />

eclipse <strong>de</strong> um mundo público comum, fator tão crucial para a formação da massa solitária e tão perigoso na<br />

formação da mentalida<strong>de</strong>, alienada do mundo, dos movimentos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> massas, começou com a perda,<br />

muito mais tangível, da proprieda<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> um pedaço <strong>de</strong> terra neste mundo.” 8<br />

Na obra A Condição Humana, <strong>Arendt</strong> empreen<strong>de</strong> uma análise das massas<br />

baseando-se principalmente na perda do mundo na época mo<strong>de</strong>rna através da<br />

emergência do social. Conforme afirma nesta obra, o que caracteriza a socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> massas “é o fato <strong>de</strong> que o mundo entre elas per<strong>de</strong>u a força <strong>de</strong> mantê-las<br />

juntas, <strong>de</strong> relacioná-las umas com as outras e <strong>de</strong> separá-las.” 9 Mas é na sua obra<br />

anterior, Origens do Totalitarismo, que a autora apresenta pormenorizadamente<br />

uma <strong>de</strong>scrição das massas.<br />

Conforme analisa nas Origens do Totalitarismo, as massas são marcadas<br />

pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong> interesses (inter-essa) comuns e pela<br />

<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> objetivos <strong>de</strong>limitados e tangíveis que outrora eram característicos<br />

das classes sociais. Para <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, as massas não se integram em uma<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses que amoldam uma convivência em comum capaz <strong>de</strong><br />

constituir uma realida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> possam se relacionar e manterem-se<br />

individualizadas. Se por interesse <strong>Arendt</strong> compreen<strong>de</strong> “algo que inter-essa, que<br />

está entre as pessoas e que, portanto, as relaciona e interliga” 10 , o que está em<br />

questão com a existência das massas é que elas per<strong>de</strong>ram contato com o mundo<br />

da estabilida<strong>de</strong> humana que advém com a fabricação <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> coisas que<br />

separam o homem dos processos naturais e os instala em uma coexistência da<br />

qual proce<strong>de</strong>m as suas ações. Na medida em que está alijado do mundo, a<br />

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<strong>de</strong>sreferencialização, on<strong>de</strong> o elo subsistente entre as massas é o simples vínculo<br />

natural <strong>de</strong> homens que já per<strong>de</strong>ram o contato intersubjetivo – minado os espaços<br />

<strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> que ensejam uma coexistência – e o princípio <strong>de</strong> sua individuação<br />

8 I<strong>de</strong>m,CHM, p. 398. [Trad. bras. p. 333]<br />

9 I<strong>de</strong>m, CHM, p. 92. [Trad. bras. p. 62]<br />

10 I<strong>de</strong>m, CHM, p. 240. [Trad. bras. p. 195]

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