Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...

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16.04.2013 Views

originalmente encontrada na filosofia de Platão e Aristóteles. Porque o conceito de legitimidade aparece com os romanos na trilha da idéia de autoridade? Porque a introdução da hierarquia por meio da representação na esfera política cria o problema de procurar uma fonte externa ao poder que reconheça as leis e o poder como legítimos, ou seja, encarnando os valores advindos na fundação inicial do corpo político. Para Arendt, “a origem da autoridade no governo autoritário é sempre uma força externa e superior ao seu próprio poder; é sempre dessa fonte, dessa força externa que transcende a esfera política que as autoridades derivam sua ‘autoridade’ – isto é, sua legitimidade – e em relação à qual seu poder pode ser confirmado.” 341 Agir com legitimidade significa agir ancorado nos fundamentos que conjugaram a formação de uma comunidade política, fundamentos estes consubstanciados na sua constituição inicial e cuja transgressão assinalaria que o corpo político seria destruído. Para Arendt, é na autoridade que um corpo político produto da deliberação pública é legitimado. Legitimar o poder significa ancorar a pluralidade deliberativa do espaço político na instituição da fundação do corpo político. Posto que é na empresa fundadora que se estabelece o “Nós” a partir do qual repousa a identidade do corpo político, a menção ao ato inicial de instituir-se comporta a admissão de que o poder político necessita reportar-se aos fundamentos em que está ancorada a permanência do corpo político, uma vez que estes legitimamente vieram a lume através do consentimento deliberativo dos cidadãos 342 . Poder político decorrente da ação em concerto que busca seus fundamentos em experiências que nutrem a vida pública de uma comunidade política, e da qual o seu abandono traduziria a evasão do espaço político das experiências que presidiram sua constituição inicial e que, continuamente, estão a colocá-lo em movimento. Legitimar o poder pela autoridade, significa acrescer nele o peso da pluralidade constituinte que presidiu a fundação do corpo político e de cujo abandono, o corpo político seria cindido e sua pluralidade constituinte abandonada. Esta remissão da legitimidade do poder ao momento fundante, retoma a 341 H. ARENDT, O que é autoridade?, In EPF, p. 134. 342 Para estaS discussões ver, C. LEFORT, “A originalidade política da democracia, que me parece desconhecida, designa-se com efeito neste duplo fenômeno: um poder destinado doravante a permanecer em busca de seu fundamento, porque a lei e o saber não são mais incorporados na pessoa daquele ou daqueles que o exercem, e uma sociedade acolhendo o conflito de opiniões e debate e o debate dos direitos, porque se dissolveram os marcos de referência da certeza que permitiam aos homens situarem-se de uma maneira determinada, uns em relação aos outros.“ “Os Direitos do Homem e o Estado-Providência”, In Pensando o Político – Ensaios sobre Revolução p. 52.

questão de que os assuntos práticos que predominaram na vida política da Cidade são sempre uma restauração de questões práticas preexistentes aos atores políticos, que terão enfim sua legitimidade contestada se estiverem privados da sua referência. Para Arendt, a autoridade política legitima não somente o poder mas também sanciona a existência das leis conferindo-lhe validade, posto que estas na modernidade carecem dos esteios da sanção divina segundo sua justificativa tradicional, e perderiam sua substância se fossem apenas dadas empiricamente através da ação 343 . Para a autora, a validade das leis positivas auferida através da autoridade materializada na fundação constitucional, atesta para o fato de que a legalidade das leis somente é obtida se estas possuírem a legitimidade conferida pela fundação constitucional, e que, a sua simples expressão positiva poderia redundar no arbitrário. É porque é na fundação constitucional que um regime político é constituído segundo o princípio formal da integração e configuração da sua pluralidade que ela define a legitimidade de uma ordem constituída, e é balizando-se neste pressuposto que as leis positivas são declaradas legais segundo sua constitucionalidade. Na medida em que incorpora através da ordenação constitucional os pressupostos que conduziram a fundação de um corpo político, as leis são tornadas legitimas na medida em que conservam, através da adição de novas leis, a Constituição, que integra e constitui os cidadãos de um regime político 344 . Não obstante, se é através da Autoridade que o poder obtém legitimidade política e que as leis são tornadas válidas, as fontes nos quais estão fincados precisa ser atualizada ao longo do tempo uma vez que estão desancoradas do fundamento de sua validade última com a secularização moderna. Posto que, para Arendt, a autoridade se fundamenta no reconhecimento, o princípio da sua garantia precisa ser continuamente renovado segundo o poder político que se consorcia no espaço público. Esta questão implica que, se com os romanos, o fundamento de legitimidade se encontrava no passado e este tinha sua conservação assegurada pela tradição, com a modernidade suas pretensões de validade política devem ser atualizadas através das legitimações advindas do poder. Para Arendt, 343 H. ARENDT, Imperialismo, In OT, p. 332. Para a questão da validade das leis, ver o debate de Arendt com Sieyés. SR. p. 160-161. 344 S. COTTA, “Or, si la léitimité des gouvernants, hier comme aujourd’hui, peut être réduite sans inconvénient à la notion de légalité, cette réduction ne peut se fair quand on oconsdère le régime politique lui-même e as constitution.” Éléments d’une phénoménologie de la légitimité, In Annales de Philosophie Politique – L’Idée de Légitimité, p. 71.

originalmente encontrada na filosofia <strong>de</strong> Platão e Aristóteles. Porque o conceito <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong> aparece com os romanos na trilha da idéia <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>? Porque a introdução<br />

da hierarquia por meio da representação na esfera política cria o problema <strong>de</strong> procurar uma<br />

fonte externa ao po<strong>de</strong>r que reconheça as leis e o po<strong>de</strong>r como legítimos, ou seja, encarnando<br />

os valores advindos na fundação inicial do corpo político. Para <strong>Arendt</strong>, “a origem da<br />

autorida<strong>de</strong> no governo autoritário é sempre uma força externa e superior ao seu próprio<br />

po<strong>de</strong>r; é sempre <strong>de</strong>ssa fonte, <strong>de</strong>ssa força externa que transcen<strong>de</strong> a esfera política que as<br />

autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>rivam sua ‘autorida<strong>de</strong>’ – isto é, sua legitimida<strong>de</strong> – e em relação à qual seu<br />

po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong> ser confirmado.” 341 Agir com legitimida<strong>de</strong> significa agir ancorado nos<br />

fundamentos que conjugaram a formação <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política, fundamentos estes<br />

consubstanciados na sua constituição inicial e cuja transgressão assinalaria que o corpo<br />

político seria <strong>de</strong>struído.<br />

Para <strong>Arendt</strong>, é na autorida<strong>de</strong> que um corpo político produto da <strong>de</strong>liberação pública é<br />

legitimado. Legitimar o po<strong>de</strong>r significa ancorar a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberativa do espaço<br />

político na instituição da fundação do corpo político. Posto que é na empresa fundadora que<br />

se estabelece o “Nós” a partir do qual repousa a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do corpo político, a menção ao<br />

ato inicial <strong>de</strong> instituir-se comporta a admissão <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r político necessita reportar-se<br />

aos fundamentos em que está ancorada a permanência do corpo político, uma vez que estes<br />

legitimamente vieram a lume através do consentimento <strong>de</strong>liberativo dos cidadãos 342 . Po<strong>de</strong>r<br />

político <strong>de</strong>corrente da ação em concerto que busca seus fundamentos em experiências que<br />

nutrem a vida pública <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política, e da qual o seu abandono traduziria a<br />

evasão do espaço político das experiências que presidiram sua constituição inicial e que,<br />

continuamente, estão a colocá-lo em movimento. Legitimar o po<strong>de</strong>r pela autorida<strong>de</strong>,<br />

significa acrescer nele o peso da pluralida<strong>de</strong> constituinte que presidiu a fundação do corpo<br />

político e <strong>de</strong> cujo abandono, o corpo político seria cindido e sua pluralida<strong>de</strong> constituinte<br />

abandonada. Esta remissão da legitimida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r ao momento fundante, retoma a<br />

341 H. ARENDT, O que é autorida<strong>de</strong>?, In EPF, p. 134.<br />

342 Para estaS discussões ver, C. LEFORT, “A originalida<strong>de</strong> política da <strong>de</strong>mocracia, que me parece<br />

<strong>de</strong>sconhecida, <strong>de</strong>signa-se com efeito neste duplo fenômeno: um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>stinado doravante a<br />

permanecer em busca <strong>de</strong> seu fundamento, porque a lei e o saber não são mais incorporados na<br />

pessoa daquele ou daqueles que o exercem, e uma socieda<strong>de</strong> acolhendo o conflito <strong>de</strong> opiniões e<br />

<strong>de</strong>bate e o <strong>de</strong>bate dos direitos, porque se dissolveram os marcos <strong>de</strong> referência da certeza que<br />

permitiam aos homens situarem-se <strong>de</strong> uma maneira <strong>de</strong>terminada, uns em relação aos outros.“ “Os<br />

Direitos do Homem e o Estado-Providência”, In Pensando o Político – Ensaios sobre Revolução p.<br />

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