Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
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possibilitava ao indivíduo migrar para seus estratos e subsistir a suas pressões,<br />
com a progressiva assimilação do corpo da população aos processos sociais, as<br />
margens <strong>de</strong> separação dos indivíduos e <strong>de</strong>stes processos se estreitariam,<br />
resultando no <strong>de</strong>samparo e na <strong>de</strong>sproteção dos indivíduos diante dos processos<br />
sociais da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. 1<br />
Segundo a autora, o advento do social mo<strong>de</strong>rno 2 está calcado na promoção do trabalho a principal<br />
ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesse público; tal modificação ocasionou uma transformação essencial no sentido <strong>de</strong>ssa<br />
ativida<strong>de</strong> para a sua localização no mundo. O trabalho, eterno metabolismo do homem com a natureza cuja<br />
finalida<strong>de</strong> é correspon<strong>de</strong>r ao processo biológico do corpo humano mediante a satisfação das necessida<strong>de</strong>s<br />
vitais do metabolismo humano, quando promovido a principal ocupação pública, modifica fundamentalmente<br />
o seu caráter circular e estacionário que possuía quando referido ao sentido biológico e natural do corpo<br />
humano, e passa a se <strong>de</strong>finir pelo seu processo <strong>de</strong> rápida evolução, produto da sua promoção artificial. A<br />
emancipação do trabalho através <strong>de</strong> sua emergência ao domínio público <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia o que <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong><br />
chama <strong>de</strong> um crescimento artificial do natural (croissance contre nature du naturel) 3 , <strong>de</strong>finido pelo<br />
interpenetramento entre o mundo do artifício e da estabilida<strong>de</strong> humanas com as leis naturais que regem o ciclo<br />
da natureza e da espécie. Nos termos da análise arendtiana do trabalho na época mo<strong>de</strong>rna, a promoção pública<br />
<strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>finida como uma constante aceleração da produtivida<strong>de</strong> do trabalho através da sua<br />
organização pública na divisão social do trabalho e na sua mecanização.<br />
Para <strong>Arendt</strong>, o advento do social-mo<strong>de</strong>rno, fundamentando-se no equacionamento da proprieda<strong>de</strong> com<br />
a riqueza, e esta, promovida a público e fundada no pressuposto <strong>de</strong> que sua finalida<strong>de</strong> é gerar mais riqueza,<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram historicamente um processo interminável, asseverado pela confluência entre os processos<br />
naturais e o trabalho social emancipado na época mo<strong>de</strong>rna. Conforme <strong>Arendt</strong>, com a promoção dos processos<br />
metabólicos do homem com a natureza a principal ativida<strong>de</strong> pública, a estabilida<strong>de</strong> do mundo e a esfera<br />
política não ofereceriam resistência à progressiva corrosão e diluição dos processos naturais, engolfando<br />
ambos em um processo interminável marcado pela <strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> suas fronteiras e o sentido das suas<br />
ativida<strong>de</strong>s 4 .<br />
Em A Condição Humana, <strong>Arendt</strong> compreen<strong>de</strong> a promoção do trabalho na época mo<strong>de</strong>rna através <strong>de</strong><br />
uma análise filosófica sobre a categoria vida activa, categoria que a autora retoma da tradicional distinção<br />
metafísica entre vida contemplativa e vida activa. Ao retomar a expressão vida activa, o objetivo da análise<br />
arendtiana é <strong>de</strong>smantelar a tradicional superiorida<strong>de</strong> da contemplação na apreensão das ativida<strong>de</strong>s que<br />
compõe a vida activa, quais sejam trabalho, fabricação e ação, restituindo as diferenças e as manifestações das<br />
ativida<strong>de</strong>s que a compõe, haja vista o obscurecimento <strong>de</strong>stas diferenças com o primado tradicional da<br />
1 <strong>Hannah</strong> ARENDT, A crise na cultura: sua importância social e política, In Entre o Passado e o<br />
Futuro, SP, Perspectiva, p. 251– 252. Doravante EPF.<br />
2 <strong>Hannah</strong> ARENDT, Condition <strong>de</strong> l’homme mo<strong>de</strong>rne, p. 76. Doravante CHM.<br />
3 <strong>Hannah</strong> ARENDT, CHM, p. 87. [trad. bras. p. 57]<br />
4 Bronislaw SZERSZYNSKI, Technology, performance and life itself: <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> and the fate of<br />
nature, In The Editorial Borard of The Sociological Review, 2003 : 207-211.