Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
319 Para <strong>Arendt</strong>, a política é um artifício necessário para a conservação dos supostos direitos naturais<br />
apreendidos como apolíticos. 320 Esta conservação não se traduz na simples instrumentalida<strong>de</strong> do político em<br />
favor dos direitos humanos apreendidos como naturais, mas na sua consubstanciação em uma lógica <strong>de</strong><br />
direitos inscrita na esfera pública. Assim, por exemplo, na sua análise das revoluções mo<strong>de</strong>rnas, <strong>Arendt</strong><br />
registra que enquanto na Revolução Francesa os direitos humanos eram concebíveis a partir dos direitos<br />
naturais, apreendidos <strong>de</strong> maneira pré-política e supostamente fundamentando o corpo político, na Revolução<br />
Americana, os Bills of Rights instituíam fiscalizações permanentes ao po<strong>de</strong>r político, inscrevendo a proteção<br />
dos direitos individuais em uma perspectiva político-prática. 321 Conforme <strong>Arendt</strong>, a politização dos direitos<br />
humanos na sua conversão do registro individual para aquele concernente à pluralida<strong>de</strong> do político,<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia uma política dos direitos humanos no seio do espaço público em que a assunção do direito a uma<br />
comunida<strong>de</strong> política suscita o envio <strong>de</strong> novos direitos 322 .<br />
Se a suposição dos direitos humanos como uma questão <strong>de</strong> cunho prático induz a uma politização<br />
dos direitos humanos na medida em que são concernidos no horizonte do pertencimento a uma comunida<strong>de</strong><br />
política, a consi<strong>de</strong>ração dos direitos humanos como uma questão por princípio política remete a uma<br />
concepção antropológica do humano na interrogação dos direitos humanos. “O conceito <strong>de</strong> direitos humanos,<br />
baseado na suposta existência <strong>de</strong> um ser humano em si, <strong>de</strong>smoronou no mesmo instante em que aqueles que<br />
diziam acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres que haviam realmente perdido todas as<br />
outras qualida<strong>de</strong>s e relações específicas – exceto que ainda eram humanos. O mundo não viu nada <strong>de</strong><br />
engraçado na abstrata nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong> ser unicamente humano.” 323 Através da contun<strong>de</strong>nte expressão “abstrata<br />
nu<strong>de</strong>z”, <strong>Arendt</strong> interroga que no momento que a concepção jusnaturalista dos direitos humanos reenvia a<br />
humanida<strong>de</strong> do homem à abstração da sua natureza, ela oblitera o enraizamento político que faz do homem<br />
um ser propriamente humano.<br />
Para <strong>Arendt</strong>, a perda <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política é a perda <strong>de</strong> um mundo comum e da pluralida<strong>de</strong><br />
irrevogável que o constitui, uma vez que a perda <strong>de</strong> um mundo comum abole o espaço que se situa entre os<br />
homens e que assegura uma <strong>de</strong>terminada coexistência política. Despojados <strong>de</strong> um mundo comum os homens<br />
estão privados da pluralida<strong>de</strong> humana, que enquanto <strong>de</strong>finida pelo duplo aspecto da igualda<strong>de</strong> e da diferença,<br />
permite aos homens compreen<strong>de</strong>rem-se entre si, comunicando-se e interagindo através das suas diferenças.<br />
Como já mencionado, esta pluralida<strong>de</strong> é condição fundamental para a ação e o discurso e é através <strong>de</strong>stas<br />
319<br />
G. AGAMBEN, Os Direitos do Homem e a Biopolítica”, In Homo Sacer – O po<strong>de</strong>r soberano e a<br />
vida nua 1, p. 134.<br />
320<br />
“Entendu en ce sens, le paradoxe consise à affirmer que l’istitution politique est un artifice<br />
nécessaire à la conservation <strong>de</strong> droits naturels ou apolitiques, comme une serre est nécessaire à la<br />
protection <strong>de</strong> plantes contre un climat qu’elles ne pourraient supporter sans un abri.” Ibid, p. 32.<br />
321<br />
H. ARENDT, SR, p. 106-107. “A proclamação dos direitos humanos através da Revolução<br />
Francesa, (...) pretendia, quase literalmente, que todo o homem, pelo facto <strong>de</strong> ter nascido, se havia<br />
tornado possuidor <strong>de</strong> certos direitos”. SR,p. 146-147<br />
322<br />
C. LEFORT, “A partir do momento que os direitos do homem são postos como referência última,<br />
o direito estabelecido está <strong>de</strong>stino ao questionamento. Ele é sempre mais questionável à medida<br />
que vonta<strong>de</strong>s coletivas ou, se prefere, que agentes sociais portadores <strong>de</strong> novas reivindicações<br />
mobilizam uma força <strong>de</strong> oposição à que ten<strong>de</strong> a conter os efeitos dos direitos reconhecidos.” A<br />
Invenção <strong>de</strong>mocrática – Os limites do Totalitarismo, p. 55.<br />
323<br />
H. ARENDT, O <strong>de</strong>clínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem, In OT, p. 333.