Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Além disso, para <strong>Arendt</strong>, as leis conce<strong>de</strong>m uma personalida<strong>de</strong> legal aos indivíduos <strong>de</strong> uma<br />
comunida<strong>de</strong> política, integrando-os numa igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pertencimento ao universo dos direitos e das<br />
obrigações políticas, na medida em que outorgando uma personalida<strong>de</strong> legal aos indivíduos, as leis<br />
possibilitam que ajam politicamente através das suas garantias. Na obra Sobre a Revolução, <strong>Arendt</strong> apreen<strong>de</strong><br />
esta função predicativa das leis retomando o significado político original da palavra latina persona: a persona<br />
era a mascara que ocultava a face do ator e que, simultaneamente, possibilitava que ele se expressasse através<br />
<strong>de</strong>la; a persona era a exigência feita ao ator para participar qualitativamente da peça. Traduzida para o âmbito<br />
jurídico, para a autora, a persona expressava a personalida<strong>de</strong> legal do indivíduo, “uma pessoa com direitos e<br />
obrigações, criada pela lei, que aparece perante a lei.” 280<br />
A perda da personalida<strong>de</strong> legal significava que o indivíduo perdia a comunida<strong>de</strong> que o integrava na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadão portador <strong>de</strong> direitos e obrigações, <strong>de</strong>ixando em seu lugar um indivíduo “natural”, porque<br />
perdia os artifícios positivos criados pela lei que o qualificava juridicamente para participar do âmbito político<br />
<strong>de</strong> uma Cida<strong>de</strong>. Para <strong>Arendt</strong>, as leis não somente asseguram e sancionam o espaço político da ação e do<br />
discurso, como também ela qualifica os atores como membros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> que nela<br />
po<strong>de</strong>m se expressar politicamente. 281 Nas suas palavras, “a personalida<strong>de</strong> legal (...) transforma um todo<br />
consistente as (...) ações” 282 dos indivíduos que pertencem a uma comunida<strong>de</strong> política. Na ausência da<br />
personalida<strong>de</strong> legal, resta “um indivíduo sem direitos e obrigações, talvez um ‘homem natural’ – isto é, um<br />
ser humano ou homo no sentido original da palavra, indicando alguém fora do âmbito da lei e do corpo<br />
político dos cidadãos, como, por exemplo, um escravo – mas, <strong>de</strong>certo, um ser polìticamente irrelevante.” 283<br />
Entretanto, se as leis são as fronteiras <strong>de</strong>finidoras <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política, para <strong>Arendt</strong>, não são<br />
elas que imprimem movimento ao corpo político. “A legalida<strong>de</strong> impõe limites aos atos, mas não os inspira; a<br />
gran<strong>de</strong>za, mas também a perplexida<strong>de</strong>, das leis nas socieda<strong>de</strong>s livres está em que apenas dizem o que não se<br />
<strong>de</strong>ve fazer, mas nunca o que se <strong>de</strong>ve fazer.” 284 Se <strong>Arendt</strong> releva a importância das leis positivas na edificação<br />
<strong>de</strong> um espaço político, a autora, no entanto, não as confundi com as ativida<strong>de</strong>s que perfazem o domínio<br />
político – a ação e o discurso 285 .<br />
Pela mesma razão, <strong>Arendt</strong> afirma que as leis ajuízam a conduta individual segundo os critérios do<br />
certo e do errado, mas jamais prescrevem o que <strong>de</strong>va ser feito.<br />
“A discrepância entre a legalida<strong>de</strong> e a justiça nunca pô<strong>de</strong> ser corrigida, porque os critérios <strong>de</strong> certo e<br />
errado nos quais a lei positiva converte a sua fonte <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> – a ‘lei natural’ que governa todo o universo,<br />
ou a lei divina revelada na história humana, ou os costumes e tradições que representam a lei comum para os<br />
sentimentos <strong>de</strong> todos os homens – são necessariamente gerais e <strong>de</strong>vem ser válidos para um número sem conta<br />
280 H. ARENDT, SR, p. 105.<br />
281 I<strong>de</strong>m, SR, p. 106.<br />
282 H. ARENDT, Imperialismo, In OT, p. 334.<br />
283 H. ARENDT, SR, p. 105.<br />
284 H. ARENDT, Totalitarismo. In OT, p. 519.<br />
285 H. ARENDT, “A lei realmente po<strong>de</strong> estabilizar e legalizar uma mudança já ocorrida, mas a<br />
mudança em si é sempre resultado <strong>de</strong> ação extralegal.” Desobediência Civil, In CR, p. 73.