Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Hannah Arendt: Legitimidade e Política - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
As formas republicanas <strong>de</strong> governo asseguram as liberda<strong>de</strong>s políticas através <strong>de</strong> um forte acento nas<br />
leis como princípios estabilizadores das relações políticas, posto que a potencialida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r ou o arbítrio<br />
da vonta<strong>de</strong> dos indivíduos não são suficientes para estabelecê-lo. Para <strong>Arendt</strong>, as leis cumprem o papel <strong>de</strong><br />
estabilizar os negócios políticos através da instituição <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política <strong>de</strong>finida segundo um corpo<br />
<strong>de</strong> leis objetivas. Visam assim, assegurar as barreiras, os limites e as fronteiras para que a ativida<strong>de</strong> política<br />
se exercer no seu interior e, graças a estes limites, as potencialida<strong>de</strong>s da ação e do discurso têm assegurado<br />
um espaço no qual possam se manifestar 277 . Nas Origens do Totalitarismo, <strong>Arendt</strong> con<strong>de</strong>nsa o papel das leis<br />
em uma comunida<strong>de</strong> política.<br />
“No governo constitucional, as leis positivas <strong>de</strong>stinam-se a erigir fronteiras e a estabelecer canais <strong>de</strong><br />
comunicação entre os homens, cuja comunida<strong>de</strong> é continuamente posta em perigo pelos novos homens<br />
que nela nascem. A cada nascimento, um novo começo surge para o mundo, um novo mundo em potencial<br />
passa a existir. A estabilida<strong>de</strong> das leis correspon<strong>de</strong> ao constante movimento <strong>de</strong> todas as coisas humanas,<br />
um movimento que jamais po<strong>de</strong> cessar enquanto os homens nasçam e morram. As leis circunscrevem cada<br />
novo começo e, ao mesmo tempo, asseguram a sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento, a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algo<br />
inteiramente novo e imprevisível; os limites das leis positivas são para a existência política do homem o<br />
que a memória é para a sua existência histórica: garantir a preexistência <strong>de</strong> um mundo comum, a realida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> certa continuida<strong>de</strong> que transcen<strong>de</strong> a duração individual <strong>de</strong> cada geração, absorve todas as novas<br />
origens e <strong>de</strong>las se alimenta.” 278<br />
Ao constante movimento que a ação e o discurso imprimem no espaço político, as leis objetivam<br />
contrastar à potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s através da edificação <strong>de</strong> um espaço comum que permita a sua<br />
manifestação. Do contraste da estabilida<strong>de</strong> das leis positivas com as potencialida<strong>de</strong>s da ação e do discurso, as<br />
leis reinstituem sua valida<strong>de</strong> na medida em que estiverem circunscrevem um espaço político constituído pela<br />
pluralida<strong>de</strong> humana, coligando assim a pluralida<strong>de</strong> dos indivíduos associados em canais <strong>de</strong> comunicação<br />
constituintes da unida<strong>de</strong> do corpo político.<br />
Para <strong>Arendt</strong>, as leis garantem as condições <strong>de</strong> existência do espaço político, não somente no sentido<br />
negativo <strong>de</strong> que elas limitam constitucionalmente as prerrogativas do governo, assegurando que as liberda<strong>de</strong>s<br />
privadas dos indivíduos estejam salvaguardadas. Mas, <strong>de</strong> fato, as leis edificam uma armadura positiva para<br />
uma comunida<strong>de</strong> política através da conformação jurídica das suas partes em um regime político que integra e<br />
equilibra o conjunto dos seus cidadãos. Neste caso, na medida em que associa e assegura a coexistência das<br />
partes integrantes <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> política, as leis visam estabelecer a própria existência e conservação<br />
do corpo político, uma vez que asseguram que a unida<strong>de</strong> política advinda na fundação possa ser<br />
conservada 279 .<br />
277 H. ARENDT, “Entre os fatores estabilizantes vêm em primeiro lugar os sistemas legais que<br />
regulam nossa vida no mundo e nossas questões diárias uns com outros, e são mais duradouros<br />
que modas, costumes e tradições.” Desobediência Civil, In CR, p. 72. Miguel Abensour resume a<br />
acepção <strong>de</strong> Lei em <strong>Arendt</strong>. Cf. D’une mésinterprétation du totalitarisme et <strong>de</strong> ses effets, p. 761.<br />
278 H. ARENDT, Totalitarismo, In OT, p. 517. [Grifo meu]. I<strong>de</strong>m, “as leis que protegem e tornam<br />
possível sua existência política [a <strong>de</strong> um povo], têm enorme importância para a estabilida<strong>de</strong> dos<br />
negócios humanos precisamente porque nenhum princípio limitador e protetor resulta das ativida<strong>de</strong><br />
que transcorrem na própria esfera dos negócios humanos.” CHM, p. 303.<br />
279 A. ENÉGREN. Le pensée politique <strong>de</strong> <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>, p. 116-117.