Investindo no Futuro: O Programa Jovens Pesquisadores - Fapesp

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Se fosse um time de futebol, o Laboratório de Biologia Molecular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) seria semelhante ao São Caetano: jovem e modesto, mas bem equipado e eficiente, pronto para surpreender as estrelas da genética. Flávio Henrique da Silva, que coordena os 18 pesquisadores do laboratório, deu a saída na formação de um ambicioso banco de dados genéticos: num trabalho inédito no Brasil, concluiu o mapa de expressão gênica de um portador da síndrome de Down, um dos acidentes genéticos mais comuns, que ocorre em um em cada 700 nascimentos. O mapa recém-concluído é o primeiro de uma série de outros, já em andamento, cuja meta é compreender as diferentes manifestações desse problema genético por meio da busca de correlações entre o genótipo (o conjunto de genes) e o fenótipo (como eles se expressam fisicamente – na forma de pessoas baixas ou altas, por exemplo). O retardo mental e a fraqueza muscular são sinais comuns a todos os portadores, mas a síndrome freqüentemente causa problemas endócrinos e gastrointestinais, além de deficiências do sistema imunológico. É elevada a incerteza sobre seus desdobramentos: quase metade dos indivíduos atingidos pode apresentar problemas cardíacos, leucemia, numa probabilidade maior que a da população em geral, e precocemente, entre 30 e 40 anos de idade, o mal de Alzheimer, 50 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP CIênCIA SíNDrOmE uma doença neuronal marcada pela síndrome e permite entender mais cla- crescente perda de memória. ramente a evolução do problema. O mapa de expressão gênica – ou Esse primeiro mapa consistiu no transcriptoma –, o modo pelo qual se mapeamento de, até agora, 12 mil genes procura entender as origens dos sinto- expressos (ativos) em um tipo de célumas, é uma interpretação funcional dos las do sangue, os leucócitos, de um pa- genes, uma avaliação da quantidade de ciente de 29 anos, morador de Passos, RNA (ácido ribonucléico) que a célula no Estado de Minas Gerais, a mesma usa na síntese de proteínas a partir das cidade onde o pesquisador nasceu, e seqüências de DNA (ácido desoxirribo- escolhido justamente pela possibilidanucléico, portador do código genético) de de elucidar as relações entre a sín- de cada gene. “Se um indivíduo tiver drome e o envelhecimento. Um dos menos RNA de um gene específico, vai resultados mais notáveis desse estudo, produzir menos proteína”, resume Silva. feito por meio da técnica Sage (análise Como as proteínas codificadas pelos serial da expressão gênica), é a indica- genes regulam o funcionamento de toção de que ocorre uma diminuição da das as células do organismo, essa asso- expressão de pelo menos 15 genes que ciação indica aquelas envolvidas com a codificam proteínas conhecidas como O primeiro mapa de Down Equipe de São Carlos começa a relacionar as origens genéticas às diferentes manifestações da síndrome EDUarDO CESar citocinas, envolvidas na diferenciação celular e resposta imune, e outras, chamadas fatores de transcrição, que regulam a expressão de outros genes. Para confirmar que esses genes apresentam uma expressão diferencial em relação a não-portadores da síndrome e, portanto, sinalizam efetivamente diferentes manifestações da doença, Silva trabalha na análise da expressão gênica de outros 20 portadores de Down residentes em São Carlos. Desta vez, são crianças e adolescentes, como Pedro Pinheiro Fagian, um garoto de 13 anos que estuda, como qualquer um de seus colegas, na sétima série da Escola Oca dos Curumins. A amostra poderá ser ampliada ainda mais por meio da colaboração de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, de modo que no futuro, separando os pacientes por grupos a partir dos genes mais ou menos expressos, se possa estabelecer uma gama de padrões de expressão gênica. O que se pretende, a partir desses padrões, é entender mais acuradamente os mecanismos responsáveis pela síndrome e chegar a novas estratégias terapêuticas. Para realizar seus objetivos, a equipe de São Carlos tem de calcular o número de genes expressos numa célula. Não é nada fácil: além de células diferentes expressarem genes diferentes, a expressão também varia conforme a situação em que a célula está. De qualquer modo, os genes detectados podem ser utilizados para comparar o padrão global de expressão gênica entre portadores da síndrome e com indivíduos não-portadores. Cromossomo triplo - Descrita em 1866 pelo médico inglês John Lang don Down (1828-1896), a síndrome foi inicialmente chamada de mongolismo e seu portador de mongolóide, devido aos traços faciais característicos – termos de conotação racista excluídos em 1965 das publicações da Organização Mundial de Saúde. Suas causas só foram desvendadas em 1959 pelo francês Jérôme Lejeu ne (1926-1994), que identificou uma ano- Pedro Fagian, um dos doadores de células para estudo, e um de seus colegas da escola: convivência PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 51

tEcnologIA AqüIcultuRA Ingredientes de ração: análise garante criação de novas espécies Ração sob medida Com o pro pó si to de de termi nar o po ten ci al para a cri a ção co mer ci al de es péci es aquá ti cas a par tir da ca pa ci da de de di ges tão de ali men tos in dus tri a li za dos de cada ani mal, o Ins ti tu to Oce a no gráfi co da Uni ver si da de de São Pau lo (IO­USP) de sen vol veu um sis te ma de aná li se para con tro lar a qua li da de das ra çõ es e seus in gre di en tes, ba se an do­se em as pec tos fi si o ló gi cos e bioener géticos de pei xes e de ca ma rõ es. Com o estudo pronto, o pro fes sor Daniel Eduardo Le mos, co or de na dor da pes qui sa, bus ca transferir a tecnologia em par ce ri as com cri a do res, que po de rão ter a iden ti fi cação mais apro pri a da das ra ções, e fa brican tes, para in cre men tar al ter na ti vas de for mu la ção e con tro le de qua li da de. Na aqüi cul tu ra, a ra ção re pre sen ta até 60% dos cus tos va ri á veis. A téc ni ca em pre ga da para de ter minar a ali men ta ção mais apro pri a da con sis te em ana li sar, por meio de uma re a ção bi o quí mi ca, a di ges ti bi li da de das pro teí nas, com po nen tes mais im por tan tes da di e ta de crus tá ce os e de pei xes ma ri nhos. Por meio de uma 74 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95 Estudo desenvolve sistema de análise de alimentos para peixes e camarões re a ção in vi tro, si mu la­se a di ges tão da pro teí na pe las en zi mas co le ta das do ani mal. Esse pro ces so pro vo ca rup turas nas li ga çõ es en tre os ami no á ci dos. Quan to mais rup tu ras, mai or a di gestão do ali men to. “Tam bém me di mos a quan ti da de de nu tri en tes ex pe li dos nas fe zes, por que quan to mais ali men to per di do me nos di ge rí vel e apro pri a da é a ra ção”, diz Le mos. Com isso, de ter minam­se a qua li da de do pro du to e a ab sor ção do ali men to pelo ani mal. o ProjEto Bioenergética, Fisiologia Digestiva e Índices de condição Durante a Ontogênese do camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis e do robalo-peba (centropomus parallelus) MoDAlIDADE Programa Jovem Pesquisador coorDEnADor Daniel eDuarDo De le m o s – IO-uSP InVEStIMEnto R$ 239.585,20 e uS$ 23.342,00 mIguEl BOyAyAN O es tu do que re sul tou nes se sis tema co me çou com um pro je to do Progra ma Jo vem Pes qui sa dor, da FA PESP, para dar no vos sub sí di os à cri a ção do ca ma rão­rosa (Far fan te pe naeus paulen sis), es pé cie co mum em gran de parte do li to ral bra si lei ro e que foi cri a da em ca ti vei ro prin ci pal men te nas dé cadas de 1980 e 1990. Se gun do Le mos, as cri a çõ es des se ca ma rão fo ram pre te ridas es sen ci al men te pela di fi cul da de em ali men tar o ani mal de for ma ade quada. Nes se pe rí o do, o ca ma rão­bran co do Pa cí fi co (Li to pe naeus van na mei) ga nhou mer ca do por en gor dar mais com as ra çõ es co mer ci ais. Hoje, ele é cul ti va do em lar ga es ca la no Bra sil (veja Pes qui sa FA PESP n° 92). A cha ve para vi a bi li zar a pro du ção in dus tri al do ca ma rão­rosa pode es tar no fato de es sa es pé cie ser mais car ní vora, ne ces si tan do de um ín di ce mai or de com po nen tes de ori gem ani mal em sua ali men ta ção. Ocor re que, em ra zão do cus to, os pro du to res de ra çõ es es tão subs ti tu in do a fa ri nha de pei xe, um dos prin ci pais in gre di en tes des se tipo de ali men to. “A subs ti tu i ção é por fa ri nhas ve ge tais que po dem ser im por tan tes para o de sen vol vi men to sus ten ta do da pro du ção, em bo ra seu uso de pen da das ne ces si da des nu tri ci o nais das es pé ci es”, diz Le mos. Ou tro as pec to abor da do pe lo pes qui sa dor é a ca pa ci da de de li bera ção de ni tro gê nio pelo pro ces so di gesti vo do ca ma rão. A pro teí na das ra çõ es, caso não seja ab sor vi da, aca ba des pe jada no am bi en te, li be ran do ni tro gê nio, que pode al te rar ne ga ti va men te o am bien te ma ri nho. “Ao uti li zar ali men tos de bai xa qua li da de, o cri a dor pode ter como re sul ta do, além do me nor cres cimen to das es pé ci es, mai or po lu i ção re sul tan te do pro ces so de cul ti vo.” A me to do lo gia de sen vol vi da e os co nhe ci men tos ob ti dos no IO­USP são apli ca dos a qual quer es pé cie de ca ma rão e tam bém de pei xes. Por isso, Le mos re a li za es tu dos com gru pos do Mé xi co, en vol ven do ca ma rõ es, e da Es pa nha, com pei xes. “Com isso, es pera mos uma ex pan são da pro du ti vi dade da aqüi cul tu ra”, fi na li za o pes quisa dor, que já ini ci ou tam bém es tu dos para a cri a ção em ca ti vei ro do ro ba lopeba (Cen tro po mus pa ral le lus), ou tra es pé cie bra si lei ra. •

Se fosse um time de futebol, o<br />

Laboratório de Biologia Molecular<br />

da Universidade Federal<br />

de São Carlos (UFSCar)<br />

seria semelhante ao São Caeta<strong>no</strong>:<br />

jovem e modesto, mas bem equipado<br />

e eficiente, pronto para surpreender<br />

as estrelas da genética. Flávio Henrique<br />

da Silva, que coordena os 18<br />

pesquisadores do laboratório, deu a<br />

saída na formação de um ambicioso<br />

banco de dados genéticos: num trabalho<br />

inédito <strong>no</strong> Brasil, concluiu o mapa<br />

de expressão gênica de um portador da<br />

síndrome de Down, um dos acidentes<br />

genéticos mais comuns, que ocorre em<br />

um em cada 700 nascimentos.<br />

O mapa recém-concluído é o primeiro<br />

de uma série de outros, já em<br />

andamento, cuja meta é compreender<br />

as diferentes manifestações desse problema<br />

genético por meio da busca de<br />

correlações entre o genótipo (o conjunto<br />

de genes) e o fenótipo (como eles<br />

se expressam fisicamente – na forma<br />

de pessoas baixas ou altas, por exemplo).<br />

O retardo mental e a fraqueza<br />

muscular são sinais comuns a todos<br />

os portadores, mas a síndrome freqüentemente<br />

causa problemas endócri<strong>no</strong>s<br />

e gastrointestinais, além de deficiências<br />

do sistema imu<strong>no</strong>lógico. É<br />

elevada a incerteza sobre seus desdobramentos:<br />

quase metade dos indivíduos<br />

atingidos pode apresentar problemas<br />

cardíacos, leucemia, numa<br />

probabilidade maior que a da população<br />

em geral, e precocemente, entre 30<br />

e 40 a<strong>no</strong>s de idade, o mal de Alzheimer,<br />

50 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP<br />

CIênCIA<br />

SíNDrOmE uma doença neuronal marcada pela síndrome e permite entender mais cla-<br />

crescente perda de memória.<br />

ramente a evolução do problema.<br />

O mapa de expressão gênica – ou Esse primeiro mapa consistiu <strong>no</strong><br />

transcriptoma –, o modo pelo qual se mapeamento de, até agora, 12 mil genes<br />

procura entender as origens dos sinto- expressos (ativos) em um tipo de célumas,<br />

é uma interpretação funcional dos las do sangue, os leucócitos, de um pa-<br />

genes, uma avaliação da quantidade de ciente de 29 a<strong>no</strong>s, morador de Passos,<br />

RNA (ácido ribonucléico) que a célula <strong>no</strong> Estado de Minas Gerais, a mesma<br />

usa na síntese de proteínas a partir das cidade onde o pesquisador nasceu, e<br />

seqüências de DNA (ácido desoxirribo- escolhido justamente pela possibilidanucléico,<br />

portador do código genético) de de elucidar as relações entre a sín-<br />

de cada gene. “Se um indivíduo tiver drome e o envelhecimento. Um dos<br />

me<strong>no</strong>s RNA de um gene específico, vai resultados mais <strong>no</strong>táveis desse estudo,<br />

produzir me<strong>no</strong>s proteína”, resume Silva. feito por meio da técnica Sage (análise<br />

Como as proteínas codificadas pelos serial da expressão gênica), é a indica-<br />

genes regulam o funcionamento de toção de que ocorre uma diminuição da<br />

das as células do organismo, essa asso- expressão de pelo me<strong>no</strong>s 15 genes que<br />

ciação indica aquelas envolvidas com a codificam proteínas conhecidas como<br />

O primeiro<br />

mapa de Down<br />

Equipe de São Carlos começa a<br />

relacionar as origens genéticas às<br />

diferentes manifestações da síndrome<br />

EDUarDO CESar<br />

citocinas, envolvidas na diferenciação<br />

celular e resposta imune, e outras, chamadas<br />

fatores de transcrição, que regulam<br />

a expressão de outros genes.<br />

Para confirmar que esses genes apresentam<br />

uma expressão diferencial em<br />

relação a não-portadores da síndrome e,<br />

portanto, sinalizam efetivamente diferentes<br />

manifestações da doença, Silva<br />

trabalha na análise da expressão gênica<br />

de outros 20 portadores de Down residentes<br />

em São Carlos. Desta vez, são<br />

crianças e adolescentes, como Pedro Pinheiro<br />

Fagian, um garoto de 13 a<strong>no</strong>s que<br />

estuda, como qualquer um de seus colegas,<br />

na sétima série da Escola Oca dos<br />

Curumins. A amostra poderá ser ampliada<br />

ainda mais por meio da colaboração<br />

de pesquisadores da Faculdade de Medicina<br />

da Universidade de São Paulo<br />

(USP) em Ribeirão Preto, de modo que<br />

<strong>no</strong> futuro, separando os pacientes por<br />

grupos a partir dos genes mais ou me<strong>no</strong>s<br />

expressos, se possa estabelecer uma gama<br />

de padrões de expressão gênica. O<br />

que se pretende, a partir desses padrões,<br />

é entender mais acuradamente os mecanismos<br />

responsáveis pela síndrome e<br />

chegar a <strong>no</strong>vas estratégias terapêuticas.<br />

Para realizar seus objetivos, a equipe<br />

de São Carlos tem de calcular o<br />

número de genes expressos numa célula.<br />

Não é nada fácil: além de células<br />

diferentes expressarem genes diferentes,<br />

a expressão também varia conforme<br />

a situação em que a célula está. De<br />

qualquer modo, os genes detectados<br />

podem ser utilizados para comparar o<br />

padrão global de expressão gênica entre<br />

portadores da síndrome e com indivíduos<br />

não-portadores.<br />

Cromossomo triplo - Descrita em 1866<br />

pelo médico inglês John Lang don Down<br />

(1828-1896), a síndrome foi inicialmente<br />

chamada de mongolismo e seu<br />

portador de mongolóide, devido aos traços<br />

faciais característicos – termos de<br />

co<strong>no</strong>tação racista excluídos em 1965 das<br />

publicações da Organização Mundial de<br />

Saúde. Suas causas só foram desvendadas<br />

em 1959 pelo francês Jérôme Lejeu ne<br />

(1926-1994), que identificou uma a<strong>no</strong>-<br />

Pedro Fagian, um dos doadores<br />

de células para estudo, e um de seus<br />

colegas da escola: convivência<br />

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