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O Estatuto da Cidade após dez anos de sua publicação - XII Simpurb

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O <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>após</strong> <strong><strong>de</strong>z</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> <strong>sua</strong> <strong>publicação</strong>: algumas notas críticas a<br />

partir dos seus resultados no urbano<br />

Ricardo Baitz<br />

Pós-graduando pelo Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Geografia Humana do<br />

Departamento <strong>de</strong> Geografia <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Letras e Ciências Humanas <strong>da</strong><br />

Resumo:<br />

USP. Professor <strong>da</strong> Fatec <strong>de</strong> São Caetano do Sul.<br />

Email: ricardo@baitz.com.br<br />

Após <strong><strong>de</strong>z</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> vigência do <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> sustentável digna a todos seus<br />

habitantes permanece uma promessa <strong>da</strong> lei. Ao seu turno, a situação a ser remedia<strong>da</strong> apenas se<br />

agravou neste período. Partindo <strong>da</strong> premissa que o resultado foi fruto <strong>da</strong> lei – e não <strong>sua</strong> falta <strong>de</strong><br />

aplicação –, apresentaremos a leitura vencedora <strong>da</strong> letra <strong>da</strong> norma, <strong>de</strong> modo a formular uma<br />

teoria crítica materialista (o real como pressuposto interpretativo) assim como apontar<br />

estratégias do possível a partir <strong>da</strong>quilo que não <strong>de</strong>ve mais ser uma reivindicação: a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e <strong>sua</strong>s variações.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>; proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>; direito à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>;<br />

Em outubro <strong>de</strong>sse ano completarão <strong><strong>de</strong>z</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> vigência 1 <strong>da</strong> lei fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

número 10.257, <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> “<strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>”, período suficiente para se realizar<br />

uma análise <strong>de</strong> seus resultados.<br />

Essa lei, fruto <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 10 <strong>anos</strong> <strong>de</strong> discussões e negociações 2 , representava a<br />

promessa <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça aos maltratos às quais as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras e seus habitantes se<br />

encontravam em 2001 3 . Embora curta, a história <strong>da</strong> urbanização contabilizava até então<br />

um saldo muito negativo, pago por to<strong>da</strong>s as pessoas sob a forma <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

urbano:<br />

“São exemplos clássicos a <strong>de</strong>struição paulatina <strong>de</strong> equipamentos,<br />

infra-estrutura e mobiliário urb<strong>anos</strong>, a migração e canibalismo<br />

1 Essa lei foi publica<strong>da</strong> em 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2011; contudo, uma vez que seu artigo 58 expressa que ela<br />

entrará em vigor <strong>de</strong>corridos 90 dias <strong>da</strong> <strong>publicação</strong>, <strong>sua</strong> vigência iniciou-se apenas no mês <strong>de</strong> outubro<br />

<strong>da</strong>quele ano.<br />

2 “Só <strong>após</strong> 11 <strong>anos</strong> <strong>de</strong> discussões e negociações o Congresso aprovou o <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, lei que fixa<br />

parâmetros para aplicação do capítulo <strong>da</strong> política urbana <strong>da</strong> Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, <strong>de</strong>finindo<br />

princípios e objetivos, diretrizes <strong>de</strong> ação e instrumentos <strong>de</strong> gestão urbana a serem utilizados,<br />

principalmente, pelo po<strong>de</strong>r público municipal.” (SILVA, 2003, p. 30).<br />

3 “A recente história urbana do Brasil comprova como temos sido injustos com nossa ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e que as<br />

práticas <strong>de</strong> exclusão, apartação e segregação sócio-espacial são frequentes. O <strong>Estatuto</strong> chega quando se<br />

registra um extremo maltrato <strong>de</strong> nossas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s.” (SILVA, 2003, p. 31).


<strong>de</strong>senfreados que elegem novas ‘áreas nobres’ ou ‘áreas <strong>de</strong> expansão’,<br />

em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras até então equipa<strong>da</strong>s e a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s à satisfação<br />

<strong>de</strong> múltiplas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s urb<strong>anos</strong>. Associado a essa expansão<br />

<strong>de</strong>senfrea<strong>da</strong> observa-se o crescimento acelerado <strong>da</strong> pobreza, a<br />

emergência <strong>de</strong> novos sujeitos sociais e novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços<br />

– dos mais sofisticados aos mais precários e exóticos.” (SILVA, 2003,<br />

p. 31)<br />

À época <strong>de</strong> <strong>sua</strong> <strong>publicação</strong>, imaginou-se que essa situação melhoraria por força<br />

<strong>da</strong> lei, que ao disciplinar a questão fundiária, obrigar o planejamento urbano por<br />

medi<strong>da</strong>s como os pl<strong>anos</strong> diretores municipais, e apresentar o compromisso com a gestão<br />

<strong>de</strong>mocrática <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, conduziria a uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, livre <strong>da</strong> segregação sócio-<br />

espacial, racional em <strong>sua</strong> infraestrutura e serviços, ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro espaço <strong>de</strong> realização do<br />

ci<strong>da</strong>dão e do povo trabalhador.<br />

Passados <strong><strong>de</strong>z</strong> <strong>anos</strong>, é possível verificar in loco que a promessa não apenas não se<br />

efetivou, como o quadro se agravou: as periferias cresceram, e embora a infra-estrutura<br />

urbana e o mobiliário urbano tenham evoluído, não acompanharam o crescimento <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, agravando o quadro diagnosticado anteriormente. Do mesmo modo, a<br />

segregação sócio-espacial avançou, e novos territórios exclusivos foram semeados meio<br />

a um turbilhão <strong>de</strong> pobreza, pulveriza<strong>da</strong> pelo tecido urbano. Alguma coisa saiu errado,<br />

<strong>de</strong>finitivamente. Cabe à análise verificar o que, materialmente, estava equivocado <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o início, pois esforços não faltaram na implementação <strong>da</strong> lei que, entretanto,<br />

praticamente produziu o inverso do esperado, avançando pifiamente a questão urbana.<br />

*<br />

Por ser uma lei relativamente ampla, concebendo múltiplos tratamentos ao<br />

mesmo objeto (gestão urbana, planejamento municipal, pl<strong>anos</strong> diretores, etc.), abre-se a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> diversas “portas <strong>de</strong> entra<strong>da</strong>” ao seu estudo, sendo o fundiário uma<br />

<strong>de</strong>las, e embora não constitua seu principal termo, é em nosso país o fator <strong>de</strong>terminante<br />

<strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>mais, vez que pela impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> em acessar a terra opera-se a<br />

apartação <strong>da</strong>s pessoas à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Mas o que dita o <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre o fundiário? São muitos os tópicos,<br />

mas a lei estabelece três gran<strong>de</strong>s tópicos:<br />

a) Princípios reguladores (função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, direito <strong>de</strong> acesso à terra),<br />

contidos no artigos iniciais (1º a 3º);<br />

b) Instrumentos <strong>da</strong> política urbana (arts. 4º a 38);


c) Regularização fundiária e segurança <strong>da</strong> posse 4 (Medi<strong>da</strong> Provisória 2.220/2001);<br />

Talvez o mais comentado <strong>de</strong> todos os dispositivos seja o <strong>da</strong> “função social <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>” 5 , que asseguraria um uso não individualista do fundiário e<br />

consequentemente, <strong>da</strong>quilo que a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> oferecer. Ocorre, contudo, que o<br />

legislador fe<strong>de</strong>ral não especifica como a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> aten<strong>de</strong> à <strong>sua</strong> função social,<br />

<strong>de</strong>ixando a tarefa ao po<strong>de</strong>r público municipal, ou o que é ain<strong>da</strong> pior, condicionando a<br />

função social ao planejamento urbano, e à “política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e expansão<br />

urbana” (art. 39). Em termos simplórios, tal política se situaria no plano econômico ao<br />

invés <strong>de</strong> fazê-lo no político, possibilitando to<strong>da</strong> sorte <strong>de</strong> economia espacial nos termos<br />

<strong>de</strong> Milton Santos em mais <strong>de</strong> uma obra (em especial, Economia Espacial e também em<br />

O Espaço do Ci<strong>da</strong>dão).<br />

Entendimento que coloca a questão fundiária enquanto um problema <strong>de</strong> reserva<br />

<strong>de</strong> valor 6 , propondo medi<strong>da</strong>s para retiram <strong>sua</strong> estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> mais dura, tornando-a<br />

plástica. Usando novamente termos simplórios, coíbe-se a reserva <strong>de</strong> valor e não o valor<br />

em si 7 , o que cria a autonomia do valor que agora não po<strong>de</strong> mais ser “reservado”, mas<br />

<strong>de</strong>ve, por qualquer meio, ser posto no mercado.<br />

Longe <strong>de</strong> ser um engano do legislador municipal, essa concepção encontra-se na<br />

própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que apresenta o termo “função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>” no<br />

4 Regulação do artigo 183 <strong>da</strong> Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Originalmente o <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> previa uma gama<br />

<strong>de</strong> artigos versando sobre a Concessão Especial <strong>de</strong> Uso para Fins <strong>de</strong> Moradia (arts. 15 a 20) que foram<br />

vetados pela Presidência <strong>da</strong> República em <strong>de</strong>fesa do patrimônio do po<strong>de</strong>r público. Em seu lugar foi<br />

publica<strong>da</strong> a Medi<strong>da</strong> Provisória número 2.220 <strong>de</strong> 2001, com as correções julga<strong>da</strong>s necessárias pela<br />

Presidência. Compreen<strong>de</strong>-se, por esse motivo, que essa lei integra o <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, ain<strong>da</strong> que seja,<br />

formalmente, um documento autônomo.<br />

5 Segundo o parágrafo único do artigo 1º, “Para todos os efeitos, esta Lei, <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong><br />

Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, estabelece normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e interesse social que regulam o uso <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> urbana<br />

em prol do bem coletivo, <strong>da</strong> segurança e do bem-estar dos ci<strong>da</strong>dãos, bem como do equilíbrio ambiental.”.<br />

Adiante, no artigo 39 sobre o Plano Diretor, estabelece-se que “A proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> urbana cumpre <strong>sua</strong> função<br />

social quando aten<strong>de</strong> às exigências fun<strong>da</strong>mentais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> expressas no plano diretor,<br />

assegurando o atendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos ci<strong>da</strong>dãos quanto à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, à justiça social e ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicas, respeita<strong>da</strong>s as diretrizes previstas no art. 2o <strong>de</strong>sta Lei.”<br />

6 No caso do município <strong>de</strong> São Paulo, é possível resgatar o princípio expresso no artigo 7ª, XI do Plano<br />

Diretor Estratégico: “Art. 7º – Este Plano Diretor Estratégico rege-se pelos seguintes princípios: (...) XI -<br />

prevenir distorções e abusos no <strong>de</strong>sfrute econômico <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> urbana e coibir o uso especulativo <strong>da</strong><br />

terra como reserva <strong>de</strong> valor, <strong>de</strong> modo a assegurar o cumprimento <strong>da</strong> função social <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>;” (grifos nossos)<br />

7 O Plano Diretor Estratégico <strong>de</strong> São Paulo é exemplar ao i<strong>de</strong>ntificar o que é não cumprir a função social<br />

<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> (artigo 13). A partir <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong>quilo que é proibido, po<strong>de</strong>-se propor estratégias<br />

permiti<strong>da</strong>s para a terra. “Art. 13 - Para os fins estabelecidos no artigo 182 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República,<br />

não cumprem a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> urbana, por não aten<strong>de</strong>r às exigências <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação<br />

<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, terrenos ou glebas totalmente <strong>de</strong>socupados, ou on<strong>de</strong> o coeficiente <strong>de</strong> aproveitamento<br />

mínimo não tenha sido atingido, ressalva<strong>da</strong>s as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis,<br />

sucessivamente, <strong>de</strong> parcelamento, edificação e utilização compulsórios, Imposto Predial e Territorial<br />

Urbano progressivo no tempo e <strong>de</strong>sapropriação com pagamentos em títulos, com base nos artigos 5º, 6º,<br />

7º e 8º <strong>da</strong> Lei Fe<strong>de</strong>ral 10.257, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.”


capítulo sobre os “Princípios Gerais <strong>da</strong> Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> Econômica”, condicionando-a ao<br />

reconhecimento <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong> e ao trabalho como fun<strong>da</strong>mento do valor,<br />

princípios liberais que muito bem se remetem aos escritos por John Locke em seu<br />

Segundo Tratado sobre o Governo Civil:<br />

“Art. 170. A or<strong>de</strong>m econômica, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na valorização do<br />

trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos<br />

existência digna, conforme os ditames <strong>da</strong> justiça social, observados os<br />

seguintes princípios: (...)II - proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>; III - função social<br />

<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento<br />

favorecido para as empresas <strong>de</strong> pequeno porte constituí<strong>da</strong>s sob as leis<br />

brasileiras e que tenham <strong>sua</strong> se<strong>de</strong> e administração no País. Parágrafo<br />

único. É assegurado a todos o livre exercício <strong>de</strong> qualquer ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

econômica, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> órgãos públicos,<br />

salvo nos casos previstos em lei.” (Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988,<br />

grifos nossos)<br />

Como exigir que uma lei produza uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que não seja expressão <strong>de</strong>ssa<br />

economia liberal quando é esse conteúdo que ela exprime? A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> existente surge,<br />

agora, como resultado previsível <strong>da</strong> lei, que impõe to<strong>da</strong> sorte <strong>de</strong> negócios envolvendo o<br />

urbano, incluindo a mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> (passagem <strong>de</strong> mãos em mãos <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>) como forma <strong>de</strong> cumprir <strong>sua</strong> função economia, portanto, <strong>sua</strong> função social<br />

dita<strong>da</strong> na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e no Plano Diretor Municipal.<br />

De certo modo, os novos atores sociais interpretaram ingenuamente não só o<br />

texto do <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, assim como o <strong>da</strong> Constituição Fe<strong>de</strong>ral e o dos Pl<strong>anos</strong><br />

Diretores Municipais, o que não significa que esses propensos sujeitos não sabiam<br />

i<strong>de</strong>ntificar <strong>sua</strong>s aspirações por outra ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a dos <strong>de</strong>sejos. Houve um <strong>de</strong>sentendimento,<br />

que se não po<strong>de</strong> ser lido como total, se expressa como parcial. Mantém-se latente a<br />

vonta<strong>de</strong> por outro urbano, como uma reivindicação não atendi<strong>da</strong> e que po<strong>de</strong> ser<br />

protesta<strong>da</strong> a qualquer instante, o que acirra no presente as disputas no urbano. Tal<br />

ingenui<strong>da</strong><strong>de</strong> não liberta ou absolve as pessoas em seus erros, pois o urbano constitui<br />

uma <strong>da</strong>s mais ricas experiências humanas, e esses atores sociais ao seu próprio modo<br />

<strong>de</strong>veriam se fazer <strong>de</strong>sconfiados dos meios pelos quais se assegurariam <strong>sua</strong>s<br />

reivindicações. Adiante.<br />

*<br />

A ciência neutra prega peças aos seus praticantes. Como acreditar que o urbano<br />

possa atingir estatuto <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> através do político? É certo que há diferenças entre<br />

políticos <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> e <strong>de</strong> direita, mas ambos engendram a forma do político no que<br />

concerne à <strong>de</strong>mocracia: representação e hierarquia são as regras imediatas, que, no<br />

entanto, se <strong>de</strong>sdobram na clareza através higienização <strong>da</strong>s propostas venci<strong>da</strong>s que são


varri<strong>da</strong>s e <strong>de</strong>vem ser esqueci<strong>da</strong>s ou apaga<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> que <strong>sua</strong>s reivindicações sejam<br />

legítimas. A essa impostura do político a crítica já postulou formas <strong>de</strong> <strong>sua</strong> superação,<br />

que incluem a autogestão generaliza<strong>da</strong> e a organização <strong>de</strong> núcleos que não reproduzem<br />

a divisão social do trabalho para a discussão e solução dos problemas, como já alertou<br />

MARX (2011 [1875]) em seu Crítica ao Programa <strong>de</strong> Gotha e VANEIGEM (1974) em<br />

Da greve selvagem à autogestão generaliza<strong>da</strong>.<br />

Se é fácil perceber que o político em si constitui um problema a se superar, o que<br />

dizer <strong>de</strong> um objeto, cuja essência não carrega a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a imperfeição dos homens?<br />

Descobrir a não neutrali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos objetos é mais difícil, mas não impossível. Ou por<br />

acaso Einstein se estupefaria com o lançamento <strong>da</strong>s bombas nucleares em Hiroshima e<br />

Nagasaki, e consequentemente, com a morte indiscrimina<strong>da</strong> <strong>de</strong> pessoas cujo erro na<br />

vi<strong>da</strong> foi estar no lugar certo na hora erra<strong>da</strong>? A crítica <strong>da</strong>s armas não as situa entre boas<br />

ou más a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> quem as portar, pois o revólver enquanto instrumento possibilita<br />

um único resultado quando utilizado: a morte. Entretanto, movimentos sociais e<br />

políticos acreditaram que o instrumento responsável pela penúria do urbano, a saber: a<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>, po<strong>de</strong>ria ter seu uso retificado <strong>de</strong> modo a promover o urbano ao ser<br />

submeti<strong>da</strong> a uma lógica que lhe impusesse por um lado uma função social e por outro<br />

lado, lhe <strong>de</strong>cepasse a característica i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> como fonte <strong>da</strong>s mazelas: a reserva <strong>de</strong><br />

valor. Tal como na passagem do trabalho escravo ao trabalho livre no Brasil 8 , bastou<br />

um rearranjo <strong>da</strong>s estruturas para que os negócios envolvendo o fundiário ganhassem<br />

fôlego e se atualizassem, respeitando não apenas a nova legislação, como fornecendo<br />

lucros até então não cogitados pelos proprietários cuja lógica mais antiga vislumbrava<br />

apenas a “reserva <strong>de</strong> valores” à proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Enquanto os novos atores sociais aguar<strong>da</strong>vam a <strong>de</strong>svalorização dos terrenos<br />

vulgarmente <strong>de</strong>nominados como “vagos” (terminologia equivoca<strong>da</strong>, vez que estão<br />

aguar<strong>da</strong>ndo valorização, mas não se encontram disponíveis), os proprietários <strong>de</strong> terras<br />

vislumbravam formas alternativas <strong>de</strong> mobilizar a estrutura fixa que a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

representa, <strong>de</strong> modo a obter os ganhos <strong>da</strong> reserva <strong>de</strong> valor que a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> representa<br />

(ren<strong>da</strong> absoluta, nos termos <strong>de</strong> Marx), e também ganhos extraordinários por inversões<br />

<strong>de</strong> capital fixo na própria terra ou em seus arredores (ren<strong>da</strong> diferencial I e II, nos termos<br />

do próprio Marx).<br />

8 Ver, em especial, a obra O cativeiro <strong>da</strong> terra, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Souza MARTINS (1996), para uma<br />

compreensão do tema em <strong>sua</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, que inclui a preservação <strong>da</strong> estrutura social através <strong>da</strong><br />

proposição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> como novo cativeiro para o trabalho livre.


*<br />

Coube aos juristas formular os novos conteúdos que os negócios adquiriram com<br />

os entraves criados pela legislação fe<strong>de</strong>ral. E eles o fizeram, <strong>de</strong> forma muito semelhante<br />

ao contrato <strong>de</strong> leasing que surgiu como resposta às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que a ven<strong>da</strong> por<br />

financiamento criava 9 . Não causa estranhamento ler, nos textos <strong>de</strong>sses cientistas, termos<br />

como “vantagens” e ganhos <strong>de</strong> competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nos termos <strong>de</strong> uma professora <strong>de</strong><br />

Direito Administrativo, eis as “vantagens” trazi<strong>da</strong>s por um dos instrumentos<br />

urbanísticos do <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, o direito <strong>de</strong> superfície 10 :<br />

“5.6 Vantagens do direito <strong>de</strong> superfície: O direito <strong>de</strong> superfície po<strong>de</strong><br />

revelar-se importante instrumento para que a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> imobiliária<br />

cumpra <strong>sua</strong> função social, seja urbana, seja na área rural.” (DI<br />

PIETRO, 2003, p. 186)<br />

“Com efeito, uma <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s utili<strong>da</strong><strong>de</strong>s do direito <strong>de</strong> superfície é a <strong>de</strong><br />

permitir a construção ou plantação sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição do<br />

terreno, o que oneraria o interessado em seu aproveitamento. Com isto<br />

facilita-se a utilização <strong>de</strong> terrenos alheios pela classe pobre e<br />

trabalhadora que não dispõe <strong>de</strong> recursos para a aquisição do terreno.<br />

Desse modo, o instituto po<strong>de</strong> contribuir para minorar a crise<br />

habitacional enfrenta<strong>da</strong> em todo o país.” (DI PIETRO, 2003, p. 187)<br />

Falta ao texto do jurídico justificar que o pobre em questão construiria ou<br />

plantaria sobre a superfície do proprietário <strong>da</strong> terra, po<strong>de</strong>ndo explorar essa moradia ou<br />

plantação por um prazo estabelecido em contrato. Durante o contrato, o senhorio po<strong>de</strong><br />

receber valores pela cessão <strong>da</strong> superfície, ou seja, uma espécie <strong>de</strong> aluguel pela<br />

superfície <strong>da</strong> terra, o que lhe é infinitamente melhor que manter o lote vazio e, portanto,<br />

sem ren<strong>da</strong>. O jurista também não explica que normalmente, findo o contrato, ao<br />

proprietário se inverteria a casa ou a terra cultiva<strong>da</strong>, ou seja, receberia <strong>de</strong> volta a terra e<br />

as melhorias introduzi<strong>da</strong>s a ela, seja sob a forma <strong>de</strong> casa, seja sob a forma <strong>de</strong> uma<br />

9 A ven<strong>da</strong> por financiamento é basea<strong>da</strong> no crédito, e implica na entrega do bem ao comprador que assume<br />

a posse <strong>de</strong>finitiva do “bem” e contrai, inversamente, uma dívi<strong>da</strong> expressa pelo crédito concedido pelo<br />

ven<strong>de</strong>dor. A mercadoria (bem) passa a pertencer ao comprador, per<strong>de</strong>ndo o ven<strong>de</strong>dor todo po<strong>de</strong>r sobre<br />

ela, restando-lhe apenas a promessa <strong>de</strong> pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> principal e seus juros na <strong>da</strong>ta combina<strong>da</strong>.<br />

Caso essa promessa não seja cumpri<strong>da</strong>, o ven<strong>de</strong>dor po<strong>de</strong> exigir na justiça o pagamento, e não o<br />

conseguindo, propor a penhora dos bens do comprador para que seja feito o leilão e posteriormente, a<br />

quitação dos valores. O contrato <strong>de</strong> leasing propõe, no lugar <strong>da</strong> compra e ven<strong>da</strong>, o aluguel do bem com a<br />

opção <strong>de</strong> compra ao término do contrato. Por isso, o bem é “alugado” ao comprador, que embora assuma<br />

a posse, não a assume <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>finitivo, vez que a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> pertence ao ven<strong>de</strong>dor. A condição<br />

para mantê-la é o pagamento em dia dos aluguéis, o que habilitará o comprador, ao término do contrato,<br />

fazer a opção pela compra do bem mediante o pagamento <strong>de</strong> um valor simbólico, que em muitos casos, é<br />

<strong>de</strong> R$ 1,00. Pelo fato do comprador não <strong>de</strong>ter a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva no início do contrato, o ven<strong>de</strong>dor<br />

po<strong>de</strong>, em casos <strong>de</strong> inadimplência, propor medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, além <strong>de</strong> obter<br />

judicialmente as prestações (aluguéis) não pagas, procedimentos mais céleres em nosso judiciário.<br />

10 Trata-se <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do proprietário ce<strong>de</strong>r, onerosa ou gratuitamente, a superfície <strong>de</strong> <strong>sua</strong><br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> para que outrem a utilize. Por esse instrumento, geralmente acor<strong>da</strong>do por prazo temporário, o<br />

superficiário assume um tipo especial <strong>de</strong> posse, e o proprietário se protege <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> usucapião vez<br />

que tal uso, além <strong>de</strong> consentido, implica em reconhecimento do direito mais forte, o <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.


plantação, seja sob a forma <strong>de</strong> uma terra própria para o cultivo, já prepara<strong>da</strong>. O texto<br />

alimenta outras possíveis vantagens:<br />

“Outra vantagem é a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> hipotecar o domínio útil <strong>de</strong> que<br />

é titular o superficiário, conforme <strong>de</strong>monstrado no item 5.4. Por <strong>sua</strong><br />

vez, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> hipoteca facilita a obtenção <strong>de</strong><br />

financiamento para utilização a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> do terreno.” (DI PIETRO,<br />

2003, p. 187)<br />

Em miúdos, aquele que a<strong>de</strong>ntra a terra <strong>de</strong>tendo apenas o direito <strong>de</strong> usar a<br />

superfície por tempo <strong>de</strong>terminado po<strong>de</strong> usar esse direito abstrato para obter<br />

financiamento e se endivi<strong>da</strong>r à busca <strong>de</strong> realizar a utilização que se propõe na terra <strong>de</strong><br />

terceiros. O ressurgimento do rentismo em <strong>sua</strong> forma mais esplendorosa (sem expressar,<br />

contudo, a teoria a qual se reporta) aparece no trecho a seguir:<br />

“Braga Teixeira aponta os benefícios do instituto, referindo-se não só<br />

à <strong>sua</strong> utilização para aju<strong>da</strong>r a resolver a crise habitacional, mas para<br />

finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s outras, como a ‘construção <strong>de</strong> fábricas, armazéns,<br />

hospitais, teatros, museus, policlínicas, sanatórios, conjuntos<br />

poliesportivos, hotéis, etc.’. Acrescenta o autor que, ‘no que tange à<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> hoteleira, é <strong>de</strong> alvitrar gran<strong>de</strong> incentivo a que empresas que<br />

exploram essa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> comercial no âmbito internacional aqui<br />

construam inúmeros e mo<strong>de</strong>rníssimos hotéis, resultando na ampliação<br />

do turismo no país, no crescimento <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong> empregos. A<br />

<strong>de</strong>snecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição dos terrenos, em geral altamente<br />

custosos, <strong>de</strong>verá incentivar os empreen<strong>de</strong>dores do ramo <strong>da</strong> construção<br />

civil e os <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s menciona<strong>da</strong>s’” (DI PIETRO, 2003,<br />

p.187)<br />

Sem pestanejar, o autor enumera os benefícios que o instituto traz aos<br />

proprietários, explorando pontualmente a função social <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e seu <strong>de</strong>svio. O<br />

grifo do verbo escapar é nosso e proposital:<br />

“Do ponto <strong>de</strong> vista do proprietário do solo o direito <strong>de</strong> superfície po<strong>de</strong><br />

trazer também algumas vantagens, como a <strong>de</strong> permitir o cumprimento<br />

<strong>da</strong> função social <strong>de</strong> <strong>sua</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, escapando às sanções previstas<br />

no art. 183, §4º <strong>da</strong> Constituição; a <strong>de</strong> permitir o recebimento <strong>da</strong><br />

importância estipula<strong>da</strong> em caso <strong>de</strong> o direito <strong>de</strong> superfície ser<br />

estipulado onerosamente, como o permite o art. 21, §2º do <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong><br />

Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> onerar apenas parte do terreno que esteja<br />

ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente utiliza<strong>da</strong>, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estipular a<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do superficiário pelos encargos e tributos que<br />

inci<strong>de</strong>m sobre a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, conforme o art. 21, §3º; a aquisição, ao<br />

término do direito <strong>de</strong> superfície, do pleno domínio do terreno, com as<br />

acessões e benfeitorias introduzi<strong>da</strong>s pelo superficiário,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização (art. 24)” (DI PIETRO, 2003, p.<br />

187)<br />

Não resta dúvi<strong>da</strong> que ao proprietário é mais vantajoso utilizar esse instrumento<br />

urbanístico em <strong>sua</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> que manter a terra vaga enquanto uma simples “reserva<br />

<strong>de</strong> valor”. Ao próprio modo, o que o autor expõe neste trecho é a noção <strong>de</strong> “escapar às<br />

sanções administrativas mais severas” que levariam ao aumento do IPTU (IPTU


Progressivo), <strong>de</strong>sapropriação por interesse público ou à Concessão <strong>de</strong> Uso Especial para<br />

Fins <strong>de</strong> Moradia e Usucapião.<br />

Ocorre que em alguns casos o título <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> encontra-se arruinado:<br />

constituindo o lastro do crédito a partir do trabalho livre (no Brasil colonial tal lastro era<br />

o escravo, como registram muitos autores), a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> carregar consigo as<br />

dívi<strong>da</strong>s do antigo proprietário, tornando-se um mau negócio <strong>sua</strong> aquisição sem as<br />

<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s ressalvas. Proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s que não possuem escritura e to<strong>da</strong>s as certidões<br />

vintenárias negativas dificilmente são negocia<strong>da</strong>s no circuito superior <strong>da</strong> economia, e<br />

uma vez que a condição <strong>de</strong>ssa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> é tornar todos vulneráveis, é admissível pensar<br />

que cedo ou tar<strong>de</strong> todo proprietário po<strong>de</strong> contaminar seu título <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> ao se<br />

endivi<strong>da</strong>r ou falir 11 . Situação que se torna mais complexa quanto mais consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> for a<br />

região <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>: é o que se verifica no distrito <strong>da</strong> Santa Ifigênia, Campos Elíseos e<br />

também em Pinheiros, nos arredores do Largo <strong>da</strong> Batata. São casos <strong>de</strong> sucessões e<br />

inventários que não foram levados a juízo, além <strong>de</strong> to<strong>da</strong> sorte <strong>de</strong> contratos obtusos e<br />

disputas judiciais que impossibilitam à terra se movimentar ain<strong>da</strong> que os interessados<br />

em adquiri-las se disponha a pagar o valor <strong>de</strong> mercado.<br />

É o que se po<strong>de</strong> exprimir dos grupos reunidos com a municipali<strong>da</strong><strong>de</strong> quanto à<br />

Concessão Urbanística 12 <strong>da</strong> Nova Luz: não interessa às incorporadoras ter que negociar<br />

individualmente com centenas <strong>de</strong> pequenos proprietários a terra, pois sempre haverá o<br />

risco <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> impedimento ou oposição <strong>de</strong> “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s partes”. O<br />

socorro do po<strong>de</strong>r público, em <strong>sua</strong>s três esferas (municipal, estadual ou fe<strong>de</strong>ral) emerge<br />

através <strong>da</strong>s diversas <strong>de</strong>sapropriações por interesse público, forma capaz <strong>de</strong> higienizar os<br />

títulos impuros <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> re-situando-os no mercado, vez que todos os ônus são<br />

assumidos pelo Estado. Medi<strong>da</strong>s como as expressas nas Operações Urbanas<br />

Consorcia<strong>da</strong>s, IPTU Progressivo no tempo, Desapropriação com pagamento em títulos,<br />

Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios encontram-se nessa esteira,<br />

11 Uma empresa ao falir habilita, via medi<strong>da</strong> judicial, seus diversos credores a obter a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> reparação.<br />

Os créditos trabalhistas po<strong>de</strong>m atravessar a barreira jurídica cria<strong>da</strong> através <strong>da</strong> personificação <strong>da</strong> pessoa<br />

jurídica e atingir a figura do empresário quando os bens <strong>da</strong> empresa não são suficientes para sal<strong>da</strong>r os<br />

débitos. Em seu limite, o empresário po<strong>de</strong> ter os bens penhorados, o que inclui <strong>sua</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

imobiliárias. Uma vez grafa<strong>da</strong>s, tornam-se um títulos <strong>de</strong>sinteressante ao mercado, pois aquele que a<br />

comprar <strong>de</strong>verá também assumir o ônus <strong>de</strong> ter que realizar o pagamento <strong>da</strong>s dívi<strong>da</strong>s às quais a<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> servia <strong>de</strong> lastro, correndo-se o risco <strong>de</strong> ter que pagar duas vezes pela proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

12 Trata-se <strong>de</strong> um instrumento urbanístico não elencado no <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, e que foi <strong>de</strong>senvolvido<br />

pela Municipali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo objetivando a <strong>de</strong>sapropriação por interesse público <strong>de</strong> áreas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

a serem entregues à iniciativa priva<strong>da</strong> sob concessão para implementação <strong>de</strong> pl<strong>anos</strong> urbanísticos. Uma<br />

vez realizado o projeto urbanístico, caberia à iniciativa priva<strong>da</strong> em concessão explorar economicamente<br />

os resultados <strong>de</strong> <strong>sua</strong> intervenção. Tal projeto é discutido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2008 e em agosto <strong>de</strong> 2011 teve o<br />

documento final (consoli<strong>da</strong>do) apresentado à população.


viabilizando uma economia política do espaço que ao invés <strong>de</strong> assegurar a permanência<br />

<strong>da</strong>s pessoas no espaço, criam um quadro <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> e vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />

urbano.<br />

Curiosamente, medi<strong>da</strong>s como a Outorga Onerosa do Direito <strong>de</strong> Construir e a<br />

Transferência do Direito <strong>de</strong> Construir, baliza<strong>da</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o CIAM que formulou a Carta <strong>de</strong><br />

Atenas como medi<strong>da</strong>s que serviriam à compensação feita pelos construtores à socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

por criarem estruturas que sobreutilizam a infraestrutura urbana existente, atualmente<br />

apenas impõem a noção que o direito <strong>de</strong> construir encontra-se separado do direito <strong>de</strong><br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, cabendo aos interessados em extrapolar as regras básicas do zoneamento e<br />

<strong>sua</strong>s quotas, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> pagar por esse direito.<br />

Neste sentido, o zoneamento se torna um precipitador <strong>de</strong> negócios, pois as ZEIS<br />

(Zonas Especiais <strong>de</strong> Interesse Social) são vistas como uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ganhos<br />

extraordinários com os pobres, vez que elas dão lugar a fracionamentos impossíveis em<br />

outras regiões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Há municípios que legislaram lotes mínimos <strong>de</strong> 22m 2 , o que<br />

permite subdividir as glebas em muitas frações ao maior preço que as pessoas (pobres)<br />

estejam dispostas a pagar. Enquanto as glebas tinham como quotas mínimas dimensões<br />

razoáveis <strong>de</strong> terreno, o processo <strong>de</strong> ocupação do entorno <strong>da</strong> represa Billings e<br />

Guarapiranga foi contido, mas à medi<strong>da</strong> que se afirmou uma legislação mais dura,<br />

estabelecendo quotas maiores, assistiu-se à profusão <strong>de</strong> fracionamentos irregulares<br />

muito mais rentáveis que os negócios tradicionais. A diferença é que na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> esse<br />

processo foi generalizado a to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, sendo o pobre incorporado como novo<br />

flanco para os negócios envolvendo o urbano.<br />

Situação que nos leva a pontuar sobre a regularização fundiária. Embora seja<br />

uma política do Ministério <strong>da</strong>s Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e pos<strong>sua</strong> um caráter mais amplo que os<br />

instrumentos previstos no <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, instrumentos como a Concessão Especial<br />

<strong>de</strong> Uso para Fins <strong>de</strong> Moradia (CUEM), que visam a assegurar o uso <strong>da</strong> posse, a<strong>de</strong>ntram<br />

a economia política ao permitirem que zonas “mortas” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> por não terem boa<br />

titulação (escrituras) ingressem ao mercado formal, inclusive como lastro <strong>de</strong> crédito. As<br />

manchas urbanas, representações <strong>de</strong> favelas e autoconstruções sem titulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> terra,<br />

por <strong>de</strong>creto são incluí<strong>da</strong>s à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> “legal”, passo <strong>de</strong>cisivo para que seus moradores<br />

negociem <strong>sua</strong>s casas e se mobilizem às áreas <strong>de</strong> expansão do tecido urbano 13 . Constituir<br />

13 As notícias dos gran<strong>de</strong>s jornais assim como estampam que os moradores <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>sapropria<strong>da</strong>s<br />

receberam in<strong>de</strong>nizações, também apresentam manchetes mencionando a compra e ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> lotes<br />

irregulares (sob o prisma fundiário). Embora não haja uma relação direta, é possível i<strong>de</strong>ntificar nos mapas


uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, ain<strong>da</strong> que fictícia, é o primeiro passo para que se torne possível obter<br />

legalmente essa proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, seja por <strong>de</strong>sapropriação, seja pela compra e ven<strong>da</strong> 14 .<br />

A especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s Concessões Especial <strong>de</strong> Uso para Fins <strong>de</strong> Moradia permite<br />

vislumbrar que os problemas reais são subsumidos à <strong>sua</strong> solução mais imediata no<br />

<strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Explica-se: esse instrumento permite que as pessoas que tenham<br />

ocupado, sem oposição, até 250 metros <strong>de</strong> terras urbanas públicas por 5 <strong>anos</strong><br />

ininterruptamente, obtenham um título <strong>de</strong> concessão do órgão público proprietário. O<br />

órgão público permanece com a titulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> terra, mas conce<strong>de</strong> seu uso por prazo<br />

<strong>de</strong>terminado, renovável. Com esse direito o concessionário assegura não apenas <strong>sua</strong><br />

permanência, mas também como <strong>sua</strong> a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s construções que vier a realizar.<br />

Deste modo, separa-se a titulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> terra (que permanece pública) <strong>da</strong>s construções<br />

(pertencentes ao concessionário), o que viabiliza o uso <strong>da</strong> terra para habitações,<br />

principalmente. Contudo, uma pergunta se coloca: e o que acontecerá quando o período<br />

<strong>da</strong> concessão terminar? Três alternativas se põem: a) renovação do termo, que<br />

recolocará a questão ao término do novo prazo; b) a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ven<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra<br />

(pública) ao concessionário (alienação <strong>da</strong> terra pública), <strong>de</strong> modo que esse restitua a<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> casa e a do solo; c) a ven<strong>da</strong> <strong>da</strong> construção do<br />

concessionário ao po<strong>de</strong>r público, <strong>de</strong> modo que esse possa restabelecer a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> do solo e dos bens sobre o solo. Como se po<strong>de</strong> exprimir, a concessão<br />

posterga a resolução <strong>da</strong>s contradições próprias do capitalismo e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

amortizando-as com o emprego do tempo.<br />

*<br />

Mas como tudo isso foi possível? Nossa hipótese consiste em i<strong>de</strong>ntificar na<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> (fundiária ou não) uma forma que não é neutra, colocando em questão três<br />

movimentos que permitem <strong>sua</strong> análise: a) absolutização-<strong>de</strong>sabsolutização; b)<br />

enraizamento-mobili<strong>da</strong><strong>de</strong>; e c) rigi<strong><strong>de</strong>z</strong>-absolutização.<br />

Ao não <strong>de</strong>cifrarem a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> como elemento i<strong>de</strong>ológico fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista, o resultado <strong>de</strong>ssa, assim como <strong>de</strong> qualquer outra lei que versasse<br />

<strong>de</strong> crescimento <strong>da</strong> mancha urbana a direção que a urbanização toma, rumo às periferias em <strong>sua</strong>s mais<br />

variados sentidos, pois uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s é o centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> quando ele é abandonado pelo po<strong>de</strong>r<br />

público e mercado imobiliário.<br />

14 A mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> no urbano exige instrumentos próprios para <strong>sua</strong> análise. Enquanto a economia política<br />

<strong>de</strong>sven<strong>da</strong> que mesmo os pobres “lucram” ao ven<strong>de</strong>r <strong>sua</strong>s pequenas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong><strong>da</strong> a feroci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

especulação imobiliária, é preciso <strong>de</strong>cifrar que espacialmente o fenômeno os centrifuga, fazendo-os parar<br />

nas áreas <strong>de</strong> expansão, situa<strong>da</strong>s na periferia. É por outra medi<strong>da</strong>, a do tempo, que a situação se faz<br />

medi<strong>da</strong>: os <strong>de</strong>slocamentos mais longos repõem o espaço sob a forma <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong>spendido<br />

cotidianamente.


sobre as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e o fundiário, estaria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo comprometido. Os avanços, como se<br />

observa, foram mínimos, e mesmo assim, muito localizados e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma<br />

subversão política à letra <strong>da</strong> lei. Mas se o balanço é negativo até o momento, importa<br />

reconhecer que a batalha nem <strong>de</strong> longe está perdi<strong>da</strong>, cabendo a todos os atores<br />

envolvidos à luz dos acontecimentos reinventar <strong>sua</strong>s armas. No plano teórico e político<br />

esse pensamento remete a uma prática do possível-impossível: a contra-proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

afirmação <strong>de</strong> uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> não existente, possível <strong>de</strong> ser inventa<strong>da</strong>, nos termos em<br />

que LAPASSADE e LOURAU propuseram a contra-instituição:<br />

“‘Contra’ não significa negação pura e simples <strong>da</strong> instituição e recusa<br />

em aceitar a idéia <strong>de</strong> que to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> funciona com formas<br />

institucionaliza<strong>da</strong>s. A negação simples se exprimiria antes através <strong>da</strong><br />

ação antiistitucional: pela marginalização ou crítica i<strong>de</strong>ológicas, pela<br />

alternativa grupista ou comunitarista no nível do sonho, pela rejeição<br />

<strong>de</strong> aparelhos tidos como ‘traidores’ em relação à base, etc. A luta<br />

antiinstitucional, primeiro momento, e momento indispensável <strong>da</strong><br />

ação revolucionária, é a reação imediata à ação institucional, isto é, à<br />

ação reformadora (ou conservadora) na e pelas instituições existentes.<br />

A ação antiinstitucional é a negação absoluta <strong>da</strong>s instituições que<br />

constituem a peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> do modo <strong>de</strong> produção atual, isto é, <strong>da</strong>s<br />

instituições sob a forma que assumem a reprodução e a produção <strong>da</strong>s<br />

relações sociais no modo <strong>de</strong> produção capitalista (forma política ou<br />

econômica ou i<strong>de</strong>ológica). A negação absoluta tem por conteúdo a<br />

negação <strong>da</strong> negação simples. Consiste em agir para a elaboração <strong>de</strong><br />

novas formas sociais (experimentais e ou <strong>de</strong> luta), em vez <strong>de</strong><br />

contentar-se com o negar formas sociais existentes e to<strong>da</strong>s as formas<br />

possíveis, num ceticismo liqui<strong>da</strong>dos ou niilismo sem conteúdo <strong>de</strong><br />

classe” LOURAU e LAPASSADE (1972, p. 159) 15<br />

A noção <strong>de</strong> “contra” institucionalista coloca em relevo o direito à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, nos<br />

termos já formulados por Lefebvre em <strong>sua</strong> obra. A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> enquanto utopia e sentido do<br />

processo industrial permanece uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> a ser persegui<strong>da</strong>, cabendo novas<br />

estratégias para consegui-lo. O <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> se torna, pelos resultados obtidos,<br />

importante momento <strong>de</strong> esclarecimento e preparação <strong>de</strong> novas reivindicações ao<br />

político, personagem que se sabe <strong>de</strong> antemão ser impossível prover a utopia que<br />

consiste o urbano.<br />

15 O tema é recorrente em outras obras: “La <strong>de</strong>finición <strong>de</strong> la contra-institución se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> esta<br />

perspectiva histórica. Alternativa a las formas sacraliza<strong>da</strong>s <strong>de</strong>l or<strong>de</strong>n existente (sagrado a <strong>sua</strong> vez por ser<br />

estatal), la colectivización obtiene su impulso <strong>de</strong>l hecho <strong>de</strong> encontrarse dirigi<strong>da</strong> simultáneamente contra el<br />

capitalismo y contra el Estado. No es solamente una contra-institución política a la manera <strong>de</strong>l club<br />

revolucionario o <strong>de</strong> la asamblea general permanente. Tampoco pue<strong>de</strong> reducirsele a una uni<strong>da</strong>d económica<br />

<strong>de</strong> base <strong>de</strong>l tipo cooperativista, soviet o comité <strong>de</strong> gestión participativa. No es sola o principalmente<br />

municipalista o comunalista. Con respecto a experiencias comunitarias <strong>de</strong> origen religioso o socialista<br />

utópico, incluyendo las experiencias mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> y trabajo, la colectivización se<br />

diferencia no solamente por su amplitud macro-social, sino también por su carácter ofensivo, <strong>de</strong>sprovisto<br />

<strong>de</strong> un pacifismo que, a<strong>de</strong>más, las circunstancias no le habrían permitido” (LOURAU, 1980 (1979), pag.<br />

209).


Referências<br />

DALLAI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> (comentários à Lei<br />

Fe<strong>de</strong>ral 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2003.<br />

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito <strong>de</strong> Superfície. In DALLAI, Adilson Abreu;<br />

FERRAZ, Sérgio. <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> (comentários à Lei Fe<strong>de</strong>ral 10.257/2001).<br />

São Paulo: Malheiros, 2003.<br />

LEFEBVRE, Henri. O direito à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo: Documentos, 1969<br />

LOURAU, René e LAPASSADE, Georges. Chaves <strong>da</strong> Sociologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 1972, p. 159<br />

LOURAU, René. El Estado y el inconsciente: Ensayou <strong>de</strong> sociología política.<br />

Barcelona: Kairós. 1980 (1979)<br />

MARTINS, José <strong>de</strong> Souza. O cativeiro <strong>da</strong> terra. São Paulo: Hucitec, 1996<br />

MARX, Karl. Crítica do programa <strong>de</strong> Gotha. Disponível na internet em <<br />

http://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/in<strong>de</strong>x.htm >. Último<br />

acesso em 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2011 11h12m. [1875]<br />

SILVA, José Borzacchiello <strong>da</strong>. <strong>Estatuto</strong> <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> versus estatuto <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> – eis a<br />

questão. In CARLOS, Ana Fani Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges.<br />

Dilemas urb<strong>anos</strong>: novas abor<strong>da</strong>gens sobre a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo: Contexto, 2003.<br />

pags 29-34.<br />

VANEIGEM, Raoul (sob o pseudônimo <strong>de</strong> RATGEB). Da greve selvagem à autogestão<br />

generaliza<strong>da</strong>. Lisboa: Assírio&Alvim, 1974

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