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15.04.2013 Views

1 8 incitaram o forjar de uma literatura para a nação, focando a possibilidade da independência brasileira alçar a esfera intelectual. A principal resposta encontrada para este dilema foi a utilização e valorização do elemento indígena; resposta orientada pelas leituras de Ferdinand Denis, jovem francês apaixonado pelo Indianismo. Durante uma viagem ao Brasil, embalado pela aventura romântica da busca de lugares exóticos, Denis escreveu Scènes de la nature sous le tropique (1824) e Résumé de la histoire litteraire du Brésil (1826), ensaios que defendiam a necessidade do Brasil, uma vez independente, possuir sua própria literatura. A utilização da temática indígena conciliou os anseios dos românticos brasileiros de adequação à estética literária européia à vontade de afirmar uma literatura nacional autêntica e fundar a memória da nação, inventando a tradição de um passado glorioso comum a todos os seus membros. Um passado capaz de agregar os brasileiros, suscitando um sentimento de identificação social e histórica. Entretanto, como desejamos apontar neste trabalho, a busca desse passado não é o resgate de algo naturalmente estabelecido e estático, que espera somente uma descoberta para revelar-se, uma vez que constrói-se artificialmente, a partir de escolhas, de lembranças e de esquecimentos. A construção da memória nacional, de uma memória coletiva – aqui compreendida como “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do passado” (NORA, apud LE GOFF, 1996, p. 472), não depende só dos documentos históricos ou da tradição oral, mas do que estes suportes provocam nos homens e da maneira como serão reorganizados pelas várias instâncias que se articulam com a memória, como a própria literatura, na tessitura de uma memória literária.

1 9 Através da memória ficcional é possível recontextualizar o real, fazer emergir o que foi dissolvido em forma de ruínas psíquicas e históricas, já que esta se encontra suspensa entre a verdade e a mentira. Ela é ficcional, construção criativa e sem interditos. Cria sentidos a partir de resquícios do imaginário, que não são nem revelados nem destruídos, mas naturalizados. Ao tentar readministrar um imaginário, a memória literária mitifica-se em tradições recentemente inventadas travestidas em temporalidades profundas. Traz à tona as ambigüidades e impasses da formação da identidade brasileira. Através da leitura do texto ficcional encontram-se dimensões que podem ser acrescentadas aos textos que o leitor filtra da realidade, do mundo em que vive, já que a literatura é um campo no qual a palavra construída artisticamente cria situações simbólicas. A proposta de problematizar a representação da memória brasileira via ficção romântica deriva a necessidade de refletir acerca das potencialidades e funções de uma memória literária autônoma da memória histórica, ainda que interligada a esta 1 . A partir do que propusemos como os eixos principais do trabalho – a problemática da memória literária no oitocentos brasileiro e o seu desdobramento na ficção romântica de Alencar (em meio ao turbilhão a que se convencionou chamar memória nacional), teceremos uma rede de conceitos e temas que se entrecruzam e perpassam estes eixos. Assim, em torno de uma concepção da memória como instância pluridimensional, propomo-nos a investigar as relações entre memória coletiva e memória subjetiva e a sua representação no jogo literário romântico brasileiro, investigando as relações entre os efeitos discursivos e a restauração de imagens do passado. 1 Evidentemente consideramos a pluralidade do conceito de memória, bem como a interpenetração de elementos da memória histórica, literária, coletiva e subjetiva, impossíveis de serem pensadas de forma solipsista.

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Através da memória ficcional é possível recontextualizar o real, fazer emergir o que<br />

foi dissolvido em forma <strong>de</strong> ruínas psíquicas e históricas, já que esta se encontra suspensa<br />

entre a verda<strong>de</strong> e a mentira. Ela é ficcional, construção criativa e sem interditos. Cria<br />

sentidos a partir <strong>de</strong> resquícios do imaginário, que não são nem revelados nem <strong>de</strong>struídos,<br />

mas naturalizados.<br />

Ao tentar readministrar um imaginário, a memória literária mitifica-se em tradições<br />

recentemente inventadas travestidas em temporalida<strong>de</strong>s profundas. Traz à tona as<br />

ambigüida<strong>de</strong>s e impasses da formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> brasileira. Através da leitura do texto<br />

ficcional encontram-se dimensões que po<strong>de</strong>m ser acrescentadas aos textos que o leitor filtra<br />

da realida<strong>de</strong>, do mundo em que vive, já que a literatura é um campo no qual a palavra<br />

construída artisticamente cria situações simbólicas.<br />

A proposta <strong>de</strong> problematizar a representação da memória brasileira via ficção<br />

romântica <strong>de</strong>riva a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir acerca das potencialida<strong>de</strong>s e funções <strong>de</strong> uma<br />

memória literária autônoma da memória histórica, ainda que interligada a esta 1 .<br />

A partir do que propusemos como os eixos principais do trabalho – a problemática<br />

da memória literária no oitocentos brasileiro e o seu <strong>de</strong>sdobramento na ficção romântica <strong>de</strong><br />

Alencar (em meio ao turbilhão a que se convencionou chamar memória nacional),<br />

teceremos uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceitos e temas que se entrecruzam e perpassam estes eixos.<br />

Assim, em torno <strong>de</strong> uma concepção da memória como instância pluridimensional,<br />

propomo-nos a investigar as relações entre memória coletiva e memória subjetiva e a sua<br />

representação no jogo literário romântico brasileiro, investigando as relações entre os<br />

efeitos discursivos e a restauração <strong>de</strong> imagens do passado.<br />

1 Evi<strong>de</strong>ntemente consi<strong>de</strong>ramos a pluralida<strong>de</strong> do conceito <strong>de</strong> memória, bem como a interpenetração <strong>de</strong><br />

elementos da memória histórica, literária, coletiva e subjetiva, impossíveis <strong>de</strong> serem pensadas <strong>de</strong> forma<br />

solipsista.

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