Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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Cabe perguntar ainda: quem são estes vencidos, estas vozes abafadas pela violência<br />
colonial? Os negros, não. A referência aos escravos é rara, aparecendo como elemento<br />
periférico 26 em seus textos.<br />
Po<strong>de</strong>ríamos apontar essa voz como a do aborígene. Contudo, o índio é representado<br />
como herói alegórico, representante i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> um passado livre e reivindicado pela classe<br />
hegemônica brasileira. Alencar confessa em “Benção Paterna” a extrema consciência da<br />
i<strong>de</strong>alização da imagem do indígena, constrastada à sua <strong>de</strong>cadência no oitocentos:<br />
No Guaruani, o selvagem é um i<strong>de</strong>al, que o escritor intenta<br />
poetizar, <strong>de</strong>spindo-o da crosta grosseira <strong>de</strong> que o envolveram<br />
os cronistas, e arrancando-o ao ridículo que sobre ele<br />
projetaram os restos embrutecidos da quase extinta raça.<br />
(ALENCAR, 1967, p. 69)<br />
Abafada pela leitura etnocêntrica do período colonial, caberia ao escritor restaurar<br />
através da i<strong>de</strong>alização a imagem do selvagem, tomada como signo construtor <strong>de</strong> uma<br />
continuida<strong>de</strong> artificial em relação à classe dominante contemporânea ao escritor. Como<br />
signo modulador <strong>de</strong> imagens nacionais, o indígena congrega forte carga simbólica e reune<br />
na força <strong>de</strong> sua imagem as idéias <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, unida<strong>de</strong> e orgulho pátrio.<br />
O vencido <strong>de</strong> ontem é o vencedor <strong>de</strong> hoje: o elemento central dos romances<br />
alencarinos, ao qual dá vez e voz, são os colonos, membros do grupo social que<br />
para a confecção <strong>de</strong> uma poesia nacional: a tarefa primordial do poeta consistiria em “vestir” a visão dos<br />
cronistas, através <strong>de</strong> uma linguagem especificamente brasileira e da reelaboração dos mitos e lendas<br />
indígenas. Existem outras metáforas , como a visão do olhar colonizador a respeito do índio como nu e cru,<br />
cabendo ao poeta vesti –lo com seu “realce”: “Quando examinei os caracteres principais d’A Confe<strong>de</strong>ração<br />
dos Tamoios, mostrei que o Sr. Magalhães havia <strong>de</strong>ixado em toda a sua nu<strong>de</strong>z cronística ou histórica, e tinha<br />
feito uma tradução em verso <strong>de</strong> algumas páginas <strong>de</strong> escritores bem conhecidos (...)Esses mesmos costumes e<br />
lendas achão –se, com alguma diferença <strong>de</strong> palavras, no Caramuru <strong>de</strong> Santa Rita Durão, o qual bebeu nos<br />
nossos cronistas, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> as tirou o Sr. Magalhães: o poeta contentou -se em referi-las como o versificador<br />
mineiro, e não se <strong>de</strong>u ao trabalho <strong>de</strong> vesti-las e orna-las com as belas imagens que <strong>de</strong>sperta sempre a<br />
cosmogonia <strong>de</strong> um povo, por mais bárbaro que seja” (ALENCAR, 1966)<br />
26 A exceção são as peças O <strong>de</strong>mônio familiar e Mãe; ainda assim, as personagens não são protagonistas; há<br />
certa ambigüida<strong>de</strong> na postura <strong>de</strong> Eduardo, senhor <strong>de</strong> Pedro, o “<strong>de</strong>mônio” da peça, ao conferir a alforria para<br />
que o escravo fosse punido com a condição <strong>de</strong> responsável por seus atos.