Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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1 52 falar dos fatos não como são, mas como poderiam ser, Alencar limita a possibilidade mimética ao interditar a recriação do “fato autêntico”, termo que, aliás, vai ao encontro da percepção historicista. O “direito de inventar” só seria recomendável nos campos silenciados da História: “Para mim essa escola que falseia a história, que adultera a verdade dos fatos, e faz dos homens do passado manequins de fantasia, deve ser banida ”. (ALENCAR, 1966, p. 1013). Se por um lado, na concepção alencarina, o autor que reinventasse o fato historicizado incorreria em mentira, por outro a ficção recupera a sua força ao ser eleita, nesta concepção, a única via capaz de recriar, em meio à “penumbra” e as ruínas, a imagem perdida do passado 14 . Talvez fosse possível apontar traços em comum entre Alencar e “a few writers, who wished save both the premises of positivism and the validity of poetry” (ABRAMS, s.d., p. 320) em sua sugestão de uma poesia que não fosse nem mentira, nem verdade, “neither true nor false”. (idem, ibidem). Suspensa entre os espaços do mito e da História, a ficção de Alencar delineia-se em contraste com as sombras da História, o que o faz afirmar a necessidade do escritor enfrentar estes silêncios buscando a leitura alegórica dos laivos do passado, pensados como peças de um processo que permanecia em seu tempo, como escreveu na nota ao segundo volume de Guerra dos Mascates: Para descrever a nossa sociedade colonial é necessário reconstruí-la pelo mesmo processo de que usam os naturalistas com os animais antediluvianos. De um osso, eles recompõem a carcaça, guiados pela analogia e pela ciência. O escritor que no Brasil tenta o romance histórico, há de cometer antes de tudo essa árdua tarefa de recompor com os 14 Como dissemos na nota 2, os textos ficcionais de Alencar, entretanto, alimentam e são alimentados por elementos do discurso histórico, dada a circularidade entre esses discursos.
1 53 fragmentos catados nos velhos cronistas a colônia portuguesa da América, tal como ela existiu, a separar-se dia a dia da mãe pátria e já preparando o futuro império. (ALENCAR, 1966, p. 109). A poética da restauração propõe ao escritor brasileiro a tarefa de fazer da arte uma maneira de preencher a “penumbra” deixada pela História. A arte, aliada por excelência da imaginação, seria, pois, o espaço organizador das imagens que substituiriam os silêncios em que mergulhava, no Brasil, a memória de um tempo passado, convertido em ruínas pela experiência da colonização. Em seus textos críticos – e em alguns ficcionais, Alencar trabalha com a questão da restauração a partir da apropriação da metáfora pictórica do claro-escuro. O autor organiza, a partir desta metáfora, uma série de reflexões sobre a representação do nacional, em torno das modulações tecidas pela História e pela literatura. Alencar propõe, como visto, que o escritor não altere o que já se sabe, ou seja, o que a História já teria iluminado (trabalhando assim com uma noção de representação que liga História à luz, iluminação, verdade), mas que trabalhe a partir das sombras desta História, buscando na liberdade ficcional da literatura a sanção para iluminar a penumbra do que precisa ser adivinhado (no sentido de criado e intuído). Também podemos pensar este jogo de claro-escuro relacionando-o ao interior desesperado da postura romântica, e ao fato de que, neste movimento, a História e a arte não remetiam a idéias claras, já que o Romantismo alimentava-se na tensão entre o eu e a sociedade, a utopia e o terror, a vida e a morte - o claro e o escuro. Em meio à nebulosidade, instaurada pela arte e pela história romântica, a modernidade na corte do Segundo Império brasileiro foi pautada pela entronização da fotografia no país e no cotidiano das pessoas. Ao contrário da arte da pintura, em sua
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silenciados da História: “Para mim essa escola que falseia a história, que adultera a verda<strong>de</strong><br />
dos fatos, e faz dos homens do passado manequins <strong>de</strong> fantasia, <strong>de</strong>ve ser banida ”.<br />
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Se por um lado, na concepção alencarina, o autor que reinventasse o fato<br />
historicizado incorreria em mentira, por outro a ficção recupera a sua força ao ser eleita,<br />
nesta concepção, a única via capaz <strong>de</strong> recriar, em meio à “penumbra” e as ruínas, a imagem<br />
perdida do passado 14 .<br />
Talvez fosse possível apontar traços em comum entre Alencar e “a few writers, who<br />
wished save both the premises of positivism and the validity of poetry” (ABRAMS, s.d., p.<br />
320) em sua sugestão <strong>de</strong> uma poesia que não fosse nem mentira, nem verda<strong>de</strong>, “neither true<br />
nor false”. (i<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m).<br />
Suspensa entre os espaços do mito e da História, a ficção <strong>de</strong> Alencar <strong>de</strong>lineia-se em<br />
contraste com as sombras da História, o que o faz afirmar a necessida<strong>de</strong> do escritor<br />
enfrentar estes silêncios buscando a leitura alegórica dos laivos do passado, pensados como<br />
peças <strong>de</strong> um processo que permanecia em seu tempo, como escreveu na nota ao segundo<br />
volume <strong>de</strong> Guerra dos Mascates:<br />
Para <strong>de</strong>screver a nossa socieda<strong>de</strong> colonial é necessário<br />
reconstruí-la pelo mesmo processo <strong>de</strong> que usam os<br />
naturalistas com os animais antediluvianos. De um osso, eles<br />
recompõem a carcaça, guiados pela analogia e pela ciência.<br />
O escritor que no Brasil tenta o romance histórico, há <strong>de</strong><br />
cometer antes <strong>de</strong> tudo essa árdua tarefa <strong>de</strong> recompor com os<br />
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elementos do discurso histórico, dada a circularida<strong>de</strong> entre esses discursos.