Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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aperfeiçoamento moral. Ficcionalmente, o narrador assume o papel <strong>de</strong> responsável por<br />
tornar memória a narrativa que lhe foi confiada, tecendo uma ligação entre oralida<strong>de</strong> e<br />
romance.<br />
A memória metaforizada na imagem da nu<strong>de</strong>z é recorrente em alguns textos críticos<br />
<strong>de</strong> Alencar. Este motivo inscreve uma percepção do passado como origem a ser resgatada,<br />
abafada por imagens distorcidas:<br />
Tempo virá em que surjam os gran<strong>de</strong>s escritores para<br />
imprimir em nossa poesia o cunho do gênio brasileiro, e<br />
arrancando os andrajos coloniais que andam por aí a vestir a<br />
bela estátua americana, a mostrem ao mundo em sua<br />
majestosa nu<strong>de</strong>z: naked majesty. (ALENCAR, 1966, p. 700).<br />
Este é um topos do romantismo 6 presente em textos <strong>de</strong> intelectuais diversos como<br />
Michelet e antes <strong>de</strong>le Fénélon, que já em 1714 afirmou: “A história tem uma “nudité si<br />
noble et si majesteuse”, (...) que não necessita <strong>de</strong> nenhum adorno poético.” (KOSELLECK<br />
APUD LIMA, 1984, p. 117-8).<br />
Instaura-se <strong>de</strong>starte o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> resgate <strong>de</strong> uma memória “<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”, manipulada<br />
e silenciada pelo discurso colonial que a cobriu <strong>de</strong> trapos e instaurou um olhar a interditar o<br />
reconhecimento da beleza pátria: bela e majestosa porque perdida. Neste discurso, natureza<br />
e origem se mesclam em uma visão utópica, tão reconhecida na iminente falência, adiada<br />
para um tempo in<strong>de</strong>terminado: o tempo da re<strong>de</strong>nção, no qual será reconhecido “o gênio<br />
americano”.<br />
No reconhecimento da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetuar este resgate, Alencar transforma a<br />
percepção romântica que liga a nu<strong>de</strong>z à verda<strong>de</strong> ao reivindicar junto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
6 No próximo capítulo aprofundaremos esta discussão; este topos foi reelaborado por Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> no<br />
texto “A escrava que não é Isaura” (ANDRADE, 1972, p. 201-300), no qual representa a poesia como a<br />
“escrava do Ararat”, na urgência <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>snuda, para assim sofrer um processo <strong>de</strong> recriação.