Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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1 28 antes de morrer, ou que não o encontremos jamais. (PROUST, 1992, p. 55). Benjamin propõe uma instigante leitura em “A imagem de Proust” (1997), ao indicar o manto tecido por Penélope como imagem modelar da obra proustiana, percebendo-a na tecedura entre a lembrança e o esquecimento, apontado como positivo, como elemento criador. Ao aludir à possibilidade da experiência humana ser construída pela memória atemporal, percebida de forma caleidoscópica, Proust eleva a arte à condição de espaço privilegiado do cruza mento tempo-espacial, percebendo-a como único núcleo possível de representação da síntese operada entre instante e duração. Os discursos produzidos no oitocentos sobre o caráter criador da memória, situando- a assim fora da compreensão da possibilidade de um resgate tranqüilo, reaparecem nos discursos da historiografia e da filosofia do novecentos. A partir deste esteio, a memória é percebida como peça fundamental na construção de identidades e impensável fora da relação entre o individual e o coletivo. Do mesmo modo, é reconhecido o seu poder de delinear a ipseidade a um grupo de indivíduos que compartilhem determinadas crenças e aparatos simbólicos, fazendo com que se reconheçam como membros de um grupo. Jacques Le Goff apresenta a memória em sua condição dúbia: fruto do testemunho e da ficção. A memória conjugaria em um jogo áporo a lembrança e o esquecimento, que necessariamente a compõem. Le Goff a indica como elemento crucial, como cruzamento de temporalidades e olhares; e, ao percebê-la assim, sinaliza para a sua multiplicidade. Deveríamos, então, falar em memórias, considerando a condição de teia do discurso memorialístico, a perpassar as relações entre os modos possíveis de leitura e expressão de
1 29 suas dimensões coletiva e individual. A memória, como fruto da confrontação, deve ser lida como geradora da pluralidade do olhar. Desta forma, podemos apontar para a relação distinta, mas jamais excludente entre as memórias coletiva e subjetiva; a memória seria sempre: social mesmo quando relativa a um único indivíduo e nunca prescindindo dos indivíduos mesmo quando coletiva, a memória faz das diferentes linguagens – nunca exclusivamente individuais - matéria-prima de suas construções (NEVES, 1998, 215). Isto posto, seria legítima a referência ao papel potente do discurso romanesco na produção de imagens coletivas, já que, em um circuito de incessante tensão, a recepção através do romance de imagens sobre um passado comum gerariam imagens introjetadas subjetivamente e por sua vez expressas e compartilhadas em um grupo. A imagem da memória como elo de identificação possibilita, por outro lado, o retorno à narrativa mítica, já que a percepção da memória como construção erigida a partir do passado e elaborada sempre pelo presente a torna um elo de identificação, a partir do qual o olhar em relação ao futuro pode ser orientado: Ponto de interseção entre passado, presente e futuro, é na memória portanto que se entrelaçam as distintas temporalidades que, na história de cada homem como na história das coletividades, permitem expressar a tensão dialética entre as identidades e os projetos ( NEVES, 1998, p.216). As relações entre memória individual e memória coletiva são o objeto de estudo de Maurice Halbwachs, que se interessou pelo modo como se organizavam os quadros da memória coletiva. Dentro desta perspectiva, Halbwachs sublinhou a profunda ligação entre
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memória faz das diferentes linguagens – nunca<br />
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Isto posto, seria legítima a referência ao papel potente do discurso romanesco na<br />
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através do romance <strong>de</strong> imagens sobre um passado comum gerariam imagens introjetadas<br />
subjetivamente e por sua vez expressas e compartilhadas em um grupo.<br />
A imagem da memória como elo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação possibilita, por outro lado, o<br />
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Ponto <strong>de</strong> interseção entre passado, presente e futuro, é na<br />
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As relações entre memória individual e memória coletiva são o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong><br />
Maurice Halbwachs, que se interessou pelo modo como se organizavam os quadros da<br />
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