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15.04.2013 Views

1 176 passa a ser ponto de referência para a construção de uma nova significação sobre o nacional. A leitura interessada do texto alencarino revela-nos uma dupla senda para a passagem à modernidade: a solidão e o enfrentamento da “musa industrial”. Em “Benção Paterna”, prefácio a Sonhos d’Ouro, Alencar reclama da crítica brasileira, do papel do escritor frente à demanda das editoras e ao enfrentamento de um novo e quase mecânico modo de trabalho: Os livros de agora nascem como flores de estufa, ou alface de canteiro; guarda-se a inspiração de molho, como se usa com a semente; em precisando é plantá-la, e sai a coisa, romance ou drama. (ALENCAR, s.d., p.7). Ao mesmo tempo, defende-se da acusação de ter-se vendido a “musa industrial”, aludindo às dificuldades da profissão de escritor no Brasil: Não faltará quem te acuse [ao livro] de filho de certa musa industrial, que nesse dizer tão novo, por aí anda a fabricar romances e dramas aos feixes. Musa industrial no Brasil! (...)Não consta que alguém já vivesse nesta abençoada terra do produto de obras Musa industrial no Brasil! [...] És o livro de teu tempo, o próprio filho deste século enxacoco e mazorral, que tudo aferventa a vapor, seja poesia, arte, ou ciência. (ALENCAR, 1966, p. 691 e 694). A condição do intelectual face às transformações e as exigências do mercado, em um país majoritariamente ágrafo, aliadas a uma “estética da solidão”, traduzem o enfrentamento de códigos emergentes na segunda metade do oitocentos no Brasil, e que dizem respeito também ao papel do escritor em meio a esta nova engrenagem, substituta do

1 177 mecenato, em um momento em que não havia, no país, quem se dedicasse exclusivamente à atividade literária. De um outro ângulo, podemos denotar o começo do processo percebido por Baudelaire como o da perda da aura do poeta. Para Benjamin, a perda da aura liga-se ao dilaceramento da subjetividade clássica e à fragmentação dos objetos, impostos pelo capitalismo. O jogo do mercado alcança a arte e a dessacraliza, e o escritor vira um esgrimista a lutar contra a banalização que já aconteceu. A prática do mecenato será criticada por Alencar, consciente da função social do escritor, revelada na crítica à estrutura intelectual da corte, tanto pelo mecenato calcado em critérios intelectuais, como pelo amadorismo dos escritores. A condição de sublime da obra de arte ainda permanece de algum modo, entretanto já emerge a consciência da perda de seu prestígio frente ao mercado. O espaço do porto, enquanto rede de memórias a delimitarem e limitarem a experiência intelectual brasileira, ainda insinua-se como uma imagem poderosa. E talvez a lição de Alencar ainda seja válida em um país de analfabetos funcionais, em meio às redes da globalização: porque a literatura é resistência - escrever o Brasil, e não simplesmente ser descrito. Porque a literatura é ainda promessa: escrever o Brasil como via reflexiva, não para obter a impossível resposta, mas para permitir-se a busca. Na mirada para o mar, inscreve-se a descoberta da paisagem brasileira por Alencar. Além da busca de novas paisagens, esta descoberta concretiza-se na implementação de um novo olhar, ao qua l nos referimos no capítulo anterior, criador de uma nova sensibilidade do sujeito em relação a si mesmo e ao mundo, traduzidos na prosa alencarina pela visualidade.

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mecenato, em um momento em que não havia, no país, quem se <strong>de</strong>dicasse exclusivamente à<br />

ativida<strong>de</strong> literária.<br />

De um outro ângulo, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>notar o começo do processo percebido por<br />

Bau<strong>de</strong>laire como o da perda da aura do poeta. Para Benjamin, a perda da aura liga-se ao<br />

dilaceramento da subjetivida<strong>de</strong> clássica e à fragmentação dos objetos, impostos pelo<br />

capitalismo. O jogo do mercado alcança a arte e a <strong>de</strong>ssacraliza, e o escritor vira um<br />

esgrimista a lutar contra a banalização que já aconteceu.<br />

A prática do mecenato será criticada por Alencar, consciente da função social do<br />

escritor, revelada na crítica à estrutura intelectual da corte, tanto pelo mecenato calcado em<br />

critérios intelectuais, como pelo amadorismo dos escritores. A condição <strong>de</strong> sublime da obra<br />

<strong>de</strong> arte ainda permanece <strong>de</strong> algum modo, entretanto já emerge a consciência da perda <strong>de</strong><br />

seu prestígio frente ao mercado.<br />

O espaço do porto, enquanto re<strong>de</strong> <strong>de</strong> memórias a <strong>de</strong>limitarem e limitarem a<br />

experiência intelectual brasileira, ainda insinua-se como uma imagem po<strong>de</strong>rosa. E talvez a<br />

lição <strong>de</strong> Alencar ainda seja válida em um país <strong>de</strong> analfabetos funcionais, em meio às re<strong>de</strong>s<br />

da globalização: porque a literatura é resistência - escrever o Brasil, e não simplesmente ser<br />

<strong>de</strong>scrito. Porque a literatura é ainda promessa: escrever o Brasil como via reflexiva, não<br />

para obter a impossível resposta, mas para permitir-se a busca.<br />

Na mirada para o mar, inscreve-se a <strong>de</strong>scoberta da paisagem brasileira por Alencar.<br />

Além da busca <strong>de</strong> novas paisagens, esta <strong>de</strong>scoberta concretiza-se na implementação<br />

<strong>de</strong> um novo olhar, ao qua l nos referimos no capítulo anterior, criador <strong>de</strong> uma nova<br />

sensibilida<strong>de</strong> do sujeito em relação a si mesmo e ao mundo, traduzidos na prosa<br />

alencarina pela visualida<strong>de</strong>.

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