Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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1 162 A pedagogia de um novo olhar, a fundar o sentido terra-mar reside na emergência do olhar de artista, pois a viagem inicia-se pelo percurso para dentro de si. Através da criação da memória pessoal 61 , o artista constrói narrativas que rumam para o futuro e para o passado, navegando na pluralidade temporal na narrativa. O conhecimento do país criou-se pela palavra 62 e neste campo a palavra literária teve forte repercussão. Alencar desenha o mapa com o lápis da lembrança e a borracha do esquecimento, em um artesanato gerador de imagens da paisagem brasileira, muitas também desconhecidas por ele e percorridas via literatura somente. O mapa do Brasil: sobretudo, discursivo. Discurso que, como vimos, desloca a imagem do sertão como espaço negativo e o põe em destaque em narrativas como O Gaúcho, O sertanejo, O tronco do ipê, As minas de prata e nos romances indianistas. O sertão é o espaço grandioso, onde a reengenharia épica pode ser engendrada. Em meio ao silêncio sobre o sertão, como restaurar a sua memória é a indagação que se impõe. Das ruínas dos povos extintos, o sertão anuncia os seus ecos na paisagem: a cena, nomeada por seus descendentes, sertanejos como Arnaldo e mestiços como Moacir, revela na toponímia as pistas que levam ao enigma: a possibilidade de sobrevivência da memória silenciada pela catástrofe. Em O Sertanejo, a narrativa é descortinada no cenário sertanejo, que ganha contornos épicos, construídos a partir da memória do narrador: 61 Alencar insiste em afirmar em “Como e porque sou romancista” que a sua inspiração para os romances indianistas foi retirada das viagens feitas em sua terra; na verdade, ele passou a maior parte de sua vida na corte, viajando pelo sertão uma vez na infância, aos nove anos e, quando adulto, por questões políticas. A leitura do espaço do sertão foi construída muito mais pela imaginação do que pelos fatos. Desenvolveremos esta questão no próximo capítulo. 62 Conferir Figueiredo (1998 e 2004).
1 163 Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de minha terra natal.(...) Assomando sobre o capitel da floresta erguida como o pórtico do deserto, o sol coroado da magnificência tropical dardejava o olhar brilhante e majestoso pela terra, que se toucara de toda a sua louçania para receber no tálamo da criação ao rei da luz. (ALENCAR, 1966, p. 1019). Entretanto, sazonal, este espaço abarca também em sua majestade a aridez; desta maneira, embora sempre grandioso, o espaço do sertão não é o da natureza acolhedora apenas. Ruínas emergem da terra inóspita e muda, como os animais que a habitam, alegorizando o silêncio sobre o seu passado e a promessa de sua restauração. A estratégia para civilizar um espaço em ruínas, desolado e inabitável é transformá -lo em cenário gótico, impondo a tensão vida/morte, uma vez que as ruínas são ao mesmo tempo destruição e renovação, na mutação da natureza, pois apesar da seca a natureza sobreviverá (como a memória da terra natal do narrador, na promessa da narrativa): Pela vasta planura que se estende a perder de vista, se eriçam os troncos ermos e nus como esgalhos rijos e encarquilhados, que figuram o vasto ossuário da antiga floresta(...) O sol ardentíssimo côa através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que vestem de mortalha lívida e poenta os esqueletos das árvores enfileirados uns após os outros como uma lúgubre procissão de mortos (...) Estes ares, em outra época povoados de turbilhões de pássaros loquazes, cuja brilhante plumagem rutilava aos raios do sol, agora ermos e mudos como a terra, são apenas cortados pelo vôo pesado dos urubus que farejam a carniça. (...) Quem pela primeira vez percorre o sertão(...) depois de longa seca, sente confranger lhe a alma até os últimos refolhos em face desse holocausto da terra. É mais fúnebre do que um cemitério. Na cidade dos mortos as lousas estão cercadas por uma vegetação que viça e floresce; mas aqui a vida abandona a terra, e toda essa região que se estende por centenas de léguas não é mais do que o casto
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o sertão <strong>de</strong> minha terra natal.(...)<br />
Assomando sobre o capitel da floresta erguida como o<br />
pórtico do <strong>de</strong>serto, o sol coroado da magnificência tropical<br />
dar<strong>de</strong>java o olhar brilhante e majestoso pela terra, que se<br />
toucara <strong>de</strong> toda a sua louçania para receber no tálamo da<br />
criação ao rei da luz.<br />
(ALENCAR, 1966, p. 1019).<br />
Entretanto, sazonal, este espaço abarca também em sua majesta<strong>de</strong> a ari<strong>de</strong>z; <strong>de</strong>sta<br />
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apenas.<br />
Ruínas emergem da terra inóspita e muda, como os animais que a habitam,<br />
alegorizando o silêncio sobre o seu passado e a promessa <strong>de</strong> sua restauração. A estratégia<br />
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gótico, impondo a tensão vida/morte, uma vez que as ruínas são ao mesmo tempo<br />
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(como a memória da terra natal do narrador, na promessa da narrativa):<br />
Pela vasta planura que se esten<strong>de</strong> a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, se eriçam<br />
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que figuram o vasto ossuário da antiga floresta(...)<br />
O sol ar<strong>de</strong>ntíssimo côa através do mormaço da terra<br />
abrasada uns raios baços que vestem <strong>de</strong> mortalha lívida e<br />
poenta os esqueletos das árvores enfileirados uns após os<br />
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Estes ares, em outra época povoados <strong>de</strong> turbilhões <strong>de</strong><br />
pássaros loquazes, cuja brilhante plumagem rutilava aos<br />
raios do sol, agora ermos e mudos como a terra, são apenas<br />
cortados pelo vôo pesado dos urubus que farejam a carniça.<br />
(...)<br />
Quem pela primeira vez percorre o sertão(...) <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> longa<br />
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É mais fúnebre do que um cemitério. Na cida<strong>de</strong> dos mortos as<br />
lousas estão cercadas por uma vegetação que viça e floresce;<br />
mas aqui a vida abandona a terra, e toda essa região que se<br />
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