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1 158 anunciada como móbil, mas que se revela presa à fixidez da opacidade subjetiva do narrador e de seu desejo de valer-se da literatura como instrumento de manutenção da ordem vigente. O mapa discursivo do Rio de Janeiro de Macedo revisita a tríade igreja/ poder/ monarquia dos cronistas, lançando, neste passeio ficcional, o desejo de escrever - e inscrever, no imaginário, a imagem de uma nação unificada e homogênea, conduzida por um narrador que se traveste do je rousseauniano, dotado de sentido apenas como coletividade. Na contramão de Macedo, Alencar convoca as imagens da urbe e, principalmente, da paisagem, como meio de reflexão, em uma relação que articula a tríade paisagem, país, pensamento 57 , como enuncia a lírica drummond ianna, de uma paisagem que “vai ser”: Paisagem, país Feito de pensamento da paisagem, Na criativa distância espacitempo, À margem das gravuras, documentos, Quando as coisas existem com violência Mais do que existimos: nos povoam E nos olham, nos fixam. Contemplados, Submissos, delas somos pasto, Somos a paisagem da paisagem. (DRUMMOND, 1983, p. 451 e p. 452) 57 Ver artigo de Carmen Lucia Negreiros de Figueiredo (In: Helena, 2004).

1 159 A criação de uma paisagem outra, na alternativa permitida pela distância “espacitempo”, inventa e é reinventada pelo olhar que marginaliza as gravuras e documentos - prontos, cristalizados; a reivindicação de um discurso outro, em uma relação de mão dupla com a paisagem, construindo e sendo construído, presentifica-se na poética de Alencar, a propor um novo sentido para a visão mar-terra, invertendo o brado do “Terra à vista” e fissurando a mirada do colonizador já anunciada no texto seminal de Caminha. O olhar desenha paisagens, fronteiras e limites, dotando-os de sentido. Ao ater-se ao litoral, o olhar português potencializa o espaço do sertão como terra maldita, enigmática e perigosa e volta-se para o mar, dando as costas para a terra: mirada do viajante, do explorador do mar e do além-mar. A fissura do olhar português instaura-se na narrativa alencarina, deslocando a mirada para o sentido terra-mar. À “contrapelo”, a terra é a referência para a visão do mar e situa a ótica do colono e do colonizado. Na inversão do discurso português, o espaço do sertão emerge nos romances de Alencar desnudando – para usarmos uma metáfora cara a ele, o oculto, e não somente apropriando-se do que está à vista. Ao revelar e inventar outras paisagens, o texto alencarino inaugura um outro “descobrimento”, fundador de novas origens – como apontamos na primeira parte do trabalho, no capítulo dois, em relação a Ubirajara. É assim tecido o discurso do “mar à vista”. A casa do colono brasileiro é representada de frente para o mar, em Guerra dos Mascates, sinal para os que navegam, com suas cores berrantes e confusas a metaforizar a pergunta "quem somos nós?": Larga e baixa, a casa terreira acaçapava-se entre o arvoredo do quintal que a beirava de um e outro lado; mas dava logo nas vistas pela especialidade da pintura extravagante com

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anunciada como móbil, mas que se revela presa à fixi<strong>de</strong>z da opacida<strong>de</strong> subjetiva do<br />

narrador e <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> valer-se da literatura como instrumento <strong>de</strong> manutenção da<br />

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O mapa discursivo do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> Macedo revisita a tría<strong>de</strong> igreja/ po<strong>de</strong>r/<br />

monarquia dos cronistas, lançando, neste passeio ficcional, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escrever - e<br />

inscrever, no imaginário, a imagem <strong>de</strong> uma nação unificada e homogênea, conduzida por<br />

um narrador que se traveste do je rousseauniano, dotado <strong>de</strong> sentido apenas como<br />

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Na contramão <strong>de</strong> Macedo, Alencar convoca as imagens da urbe e, principalmente,<br />

da paisagem, como meio <strong>de</strong> reflexão, em uma relação que articula a tría<strong>de</strong> paisagem, país,<br />

pensamento 57 , como enuncia a lírica drummond ianna, <strong>de</strong> uma paisagem que “vai ser”:<br />

Paisagem, país<br />

Feito <strong>de</strong> pensamento da paisagem,<br />

Na criativa distância espacitempo,<br />

À margem das gravuras, documentos,<br />

Quando as coisas existem com violência<br />

Mais do que existimos: nos povoam<br />

E nos olham, nos fixam. Contemplados,<br />

Submissos, <strong>de</strong>las somos pasto,<br />

Somos a paisagem da paisagem.<br />

(DRUMMOND, 1983, p. 451 e p. 452)<br />

57 Ver artigo <strong>de</strong> Carmen Lucia Negreiros <strong>de</strong> Figueiredo (In: Helena, 2004).

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