Tese de doutorado - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - UFF
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Quem é este leitor? Alfabetizado, branco, alguns homens, poucas mulheres: a<br />
elite fluminense capaz <strong>de</strong> aceitar o convite do narrador, que aparentemente é o <strong>de</strong> conhecer<br />
a história da cida<strong>de</strong>, mas na verda<strong>de</strong> sub repticiamente é um convite para se reconhecerem<br />
como membros <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> imaginada 54 via ficção: história e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aliam-se<br />
na narrativa, em meio a um narrador que escon<strong>de</strong> a sua subjetivida<strong>de</strong> 55 em nome <strong>de</strong> um<br />
compartilhar, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> homogeneização. O passeio converte-se em mapa e<br />
<strong>de</strong>sdobra-se em múltiplas leituras do tempo e do espaço: o mapa do Rio <strong>de</strong> Janeiro – cida<strong>de</strong><br />
capital, corte – é feito pela ficção, pela mitologia, no sentido barthesiano. O passeio perfaz-<br />
se também nas temporalida<strong>de</strong>s con<strong>de</strong>nsadas no corpo urbano, em um jogo que ao mesmo<br />
tempo as pulsa e as oculta.<br />
Se às vezes pe<strong>de</strong> licença aos leitores para divagar não significa que ele se subtraia ao<br />
constante diálogo com o público para recolher-se a si e entregar-se à imaginação, mas sim<br />
que romperá o fio linear da narrativa ao inserir outra história, utilizando flashbacks ou<br />
forwards. Embora reivindique a mobilida<strong>de</strong> conferida pela liberda<strong>de</strong> ficcional, afirmando<br />
que passeará livremente por tempos e espaços diferentes, esta mobilida<strong>de</strong> atém-se a dois<br />
elementos: o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> homogeneização e a presença do pictórico, a imobilizar a paisagem<br />
fluminense.<br />
O esforço <strong>de</strong> construir em sua crônica-conto-História uma ponte articulada à questão da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional retém esse narrador em seus <strong>de</strong>vaneios, dotando-o <strong>de</strong> uma opacida<strong>de</strong><br />
subjetiva, que abdica dos <strong>de</strong>vaneios <strong>de</strong> seu eu em nome do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fortalecer os laços<br />
patrióticos do país; assim, cria tradições inventadas, a servirem como artifício – via<br />
literatura, para o esforço <strong>de</strong> apagar as diferenças internas da nação e mostrá-la em sua<br />
54<br />
Referimo-nos ao conceito <strong>de</strong> Benedict An<strong>de</strong>rson, construído em seu livro Nação e consciência nacional,<br />
por nós já citado..<br />
55<br />
Não me refiro com isso ao eu-biográfico, mas sim ao próprio narrador como construção ficcional.